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Processo n.º 39/2011. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: B.
Recorrida: A.
Assunto: Prova plena. Sentença. Recurso. Litigância de má-fé. Responsabilidade do advogado.
Data do Acórdão: 4 de Outubro de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Lai Kin Hong.
SUMÁRIO:
  I - Ainda que não conste como facto provado, do despacho dos factos assentes, nos termos do artigo 430.º e do julgamento da matéria de facto feito após a respectiva audiência, o juiz que profere a sentença deve considerar provado facto alegado por uma das partes e que esteja provado por meio de prova plena – por exemplo, por falta de impugnação nos articulados ou por confissão – podendo, também, ser considerado como tal pelo Tribunal de Segunda Instância, ainda que não haja recurso da matéria de facto pelo recorrente ou impugnação da matéria de facto pelo recorrido, a título subsidiário, ou pelo Tribunal de Última Instância.
  II – Litiga de má-fé o réu que confessa, na contestação, pagamento feito pelo autor a ele, e que afirma na alegação de recurso que não se provou tal pagamento, com o argumento de que apenas foi dado como provado que o autor se muniu de ordem de caixa de banco a favor dele réu, mas não que ele tenha recebido o montante.
  III – Indicia-se responsabilidade do advogado do réu na litigância de má-fé mencionada na conclusão anterior.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
  I – Relatório
  A, aliás, A1, intentou acção declarativa com processo ordinário contra B e mulher C e outros, pedindo a resolução de contrato-promessa de compra e venda de fracção autónoma, a devolução em dobro dos montantes entregues pelo autor para pagamento do preço da fracção e, quanto a outra ré, a sua condenação no pagamento de despesas despendidas em obras na casa.
  A final, foi o réu B condenado a restituir ao autor a quantia de HK$2,200,000.00, montante entregue pelo autor ao réu para pagamento do preço da fracção.
  O Tribunal de Segunda Instância (TSI) negou provimento ao recurso interposto pelo réu e condenou-o como litigante de má-fé na multa de 10 UC, por ter vindo sustentar no recurso que não se provou nos autos que o autor, para além das quantias de HK$300,000.00 e HK$170,000.00, haja pago qualquer outro montante ao réu, ou seja, que não se provara que o autor tinha pago ao réu a quantia de HK$1,900,000.00 e que este a tinha recebido, quando o próprio réu na contestação confessara expressamente este facto.
  Recorre o réu B para este Tribunal de Última Instância (TUI), restrito à questão da condenação como litigante de má-fé.
  Para tal, formulou as seguintes conclusões:
   I. Ao Tribunal compete aplicar o direito aos factos provados.
   II. O Tribunal de primeira instância não deu como provado que o autor havia pago a quantia de HK$1,900,000.00 mas sim que o mesmo acordou com o recorrente pagá-la, tendo-se munido da ordem de caixa nesse valor a favor deste.
   III. O que na opinião do recorrente não é o mesmo do que pagar a quantia em causa.
   IV. Se não tivesse ficado provado nos autos que o autor pagou a quantia de HK$1,900,000.00, o recorrente não poderia ser condenado a restituí-la, ainda que tivesse admitido o seu pagamento.
   V. O acórdão recorrido entende que a fórmula – o autor acordou com o recorrente pagar a quantia, tendo-se munido da ordem de caixa nesse valor a favor deste – é, no contexto em causa, o equivalente a dizer que a quantia foi paga.
   VI. Sem querer contestar a bondade de tal entendimento, é legítimo ao recorrente não concordar com o mesmo.
   VII. Defendendo que daquela fórmula não se retira que tenha havido pagamento.
   VIII. O acórdão recorrido, ao condenar o recorrente como litigante de má fé, viola o disposto nos artigos 385º e seguintes do Código de Processo Civil.
  
  II – Os factos
  Os factos considerados provados pelos Tribunais de 1.ª e Segunda Instâncias, são os seguintes:
   “A 4 de Julho de 1996, D declarou constituir seu bastante procurador E nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 64 e 65, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (A)
   A 4 de Outubro de 1996, E, constituiu sua procuradora I, nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 67 e 68, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (B)
   A 4 de Outubro de 1996, E, em representação de D, constituiu sua procuradora I, nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 70 e 71, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (C)
   Pela apresentação nº 150, de 2 de Julho de 1996, foi inscrita a favor de E e D, na Conservatória do Registo Predial, domínio útil da fracção autónoma, para habitação, designada por “XX” do Xº andar X, com direito ao uso do parque de estacionamento nº XX, do prédio urbano com os números do [Endereço (1)], descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXXX, a fls. 139 verso do livro XXX, na matriz predial urbana da freguesia de S. Lázaro do Concelho de Macau sob o artigo nº XXXXX. (D)
   A 1 de Fevereiro de 1999 E e D declararam constituir seu bastante procurador B nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 49 a 51, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (E)
   A 15 de Abril de 2005, B declarou substabelecer sem reserva no Autor os poderes que lhe haviam sido conferidos por E e D, relativamente à fracção autónoma designada por “XX” do Xº andar X, com direito ao uso do parque de estacionamento nº XX, do prédio urbano com os números do [Endereço (1)], descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXXX, a fls. 139 verso do livro XXX, na matriz predial urbana da freguesia de S. Lázaro do Concelho de Macau sob o artigo nº XXXXX, nos termos constantes no documento junto aos autos a fls. 56 e 57 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (F)
   Pela apresentação nº 103 de 17 de Maio de 2005, foi inscrita a favor de I, na Conservatória do Registo Predial, domínio útil da fracção autónoma, para habitação designada por “XX” do Xº andar X, com direito ao uso do parque de estacionamento nº XX, do prédio urbano com os números do [Endereço (1)], descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXXX, a fls. 139 verso do livro XXX, na matriz predial urbana da freguesia de S. Lázaro do Concelho de Macau sob o artigo nº XXXXX. (G)
   Pela apresentação nº 186 de 14 de Junho de 2005, foi inscrita a favor de F e G, na Conservatória do Registo Predial, domínio útil da fracção autónoma, para habitação designada por “XX” do Xº andar X, com direito ao uso do parque de estacionamento nº XX, do prédio urbano com os números [Endereço (1)], descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXXX, a fls. 139 verso do livro XXX, na matriz predial urbana da freguesia de S. Lázaro do Concelho de Macau sob o artigo nº XXXXX. (H)
   Porque havia sido constituída uma hipoteca voluntária sobre tal imóvel para garantia do reembolso de um empréstimo feito aos 2º e 3ª Réus, foi apresentado o pedido de cancelamento junto da Conservatória do registo Predial. (I)
   A 1 de Março de 2005, o 1º Réu B, em representação dos Réus E e D declarou prometer vender ao Autor o prédio melhor identificado em D) nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 33, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (1º)
   Tendo estipulado o preço do imóvel e do parque de estacionamento em HK$2,200,000.00 (dois milhões e duzentos mil dólares de Hong Kong) a que correspondem MOP$2,270,400.00 (dois milhões, duzentas e setenta mil e quatrocentas patacas). (2º)
   Tendo o Autor pago, no acto da assinatura do contrato-promessa, o montante de HK$300,000.00 (trezentos mil dólares de Hong Kong) através da ordem de caixa nº XXXXXXX emitida, em 1 de Março de 2005, pelo [Banco (1)], Sucursal de Macau, em favor do 1º Réu, B. (3º)
   Estipulado ficou que o remanescente do preço – HK$1,900,000.00 (um milhão e novecentos mil dólares de Hong Kong) – seria pago no acto da escritura pública (ou quando ficasse finalizado o negócio). (4º)
   E que esta deveria realizar-se até ao dia 15 de Abril de 2005. (5º)
   Tendo acordado as partes que o 1º Réu se comprometeria a tratar das formalidades com vista a ser cancelada a hipoteca constituída em favor do [Banco (1)], Sucursal de Macau. (6º)
   O 1º Réu emitiu a declaração constante em F). (6º-A, 7º e 8º)
   Por se encontrar em dívida um montante à Fazenda da RAEM, a título de contribuição predial, dívida que passaria a constituir um encargo do autor caso houvesse transmissão da propriedade para si, o Autor e o 1º R. acordaram suspender o processo de celebração da escritura pública até resolução do problema da dívida. (9º)
   Tendo-se o 1º Réu comprometido a envidar todos os esforços com vista a ser liquidada a dívida (no valor estimado de MOP$130,000.00), pelos seus proprietários – os 2º e 3ª RR. (10º)
   Acordado ficou que o Autor não ficasse prejudicado, o 1.º Réu depositaria, no escritório do Exm.º Causídico Dr. H, um cheque no valor de cento e vinte mil dólares de Hong Kong a favor do Autor – o que veio a ocorrer – cheque esse que deveria ser-lhe entregue, caso, no prazo de seis meses a contar de 15 de Abril de 2005, não se encontrasse paga tal dívida na Repartição de Finanças, para que o Autor procedesse, então, à liquidação da mesma utilizando tal montante constante do cheque. (11º)
   A fracção autónoma destinava-se à casa de morada de família da mãe do Autor. (12º)
   Havendo necessidade de proceder a obras de beneficiação e de decoração antes da data prevista para a chegada a Macau da sua mãe. (13º)
   O Autor muniu-se da ordem de caixa emitida em 15 de Abril de 2005, pelo [Banco (1)], Sucursal de Macau, em favor do 1º Réu, no valor de HK$1,900,000.00 (um milhão e novecentos mil dólares de Hong Kong). (14º)
   A 15 de Abril de 2005, foi emitida a declaração pelo [Banco (1)], Sucursal de Macau e feito o respectivo termo de autenticação, com vista a proceder-se ao cancelamento total da inscrição hipotecária em favor daquele estabelecimento bancário. (15º)
   O 1º Réu, entregou, no dia 15 de Abril de 2005, ao Autor o recibo comprovativo de que se encontravam pagas todas as prestações relativas às despesas de condomínio referente à fracção autónoma prometida comprar pelo Autor. (16º)
   Pagamento esse efectuado no dia 14 de Abril de 2005, no montante de HK$75,700.00 (setenta e cinco mil e setecentos dólares de Hong Kong). (17º)
   Nos inícios de Março de 2005, o Autor recebeu as chaves do imóvel. (18º)
   O Autor aguardava que o 1.º Réu lhe comunicasse que estava paga a dívida respeitante à contribuição predial. (19º)
   Fez obras de reconstrução, beneficiação e decoração, tendo contratado um empreiteiro e adquirindo as matérias-primas necessárias àquele efeito, no que despendeu a quantia de MOP$274,846.00. (20º)
   As obras terminaram no dia 28 de Junho de 2005. (21º)
   No dia 29 de Junho de 2005, quando se preparava para entrar na fracção autónoma, foi avisado pelos guardas de segurança do edifício de que a fracção autónoma se encontrava ocupada pelos 5.º e 6.ª Réus que haviam mudado a fechadura para nela se introduzirem. (22º)
   Provado o que consta da alínea G) dos factos assentes. (24º)
   Em 13 de Junho de 2005, I, declarou vender a F e G que declararam comprar a fracção melhor identificada em D). (25º)
   Tendo estes ocupado aquela fracção no dia 29 de Junho de 2005. (26º)
   Em finais de 2004, o Autor comprou à D a fracção autónoma destinada a habitação, designada por “XX” a que corresponde o X.º andar X do prédio sito na Zona dos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE), descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º XXXXX, a fls. 50 do livro XXX. (27º, 28º, 29º e 30º)
   No decurso do mês de Fevereiro de 2005, D, por sua iniciativa, contactou o Autor dizendo-lhe que era co-proprietária, juntamente com o 2º Réu, de uma fracção autónoma no prédio sito no [Endereço (1)] – a referida em D)-, que estava à venda por MOP$2,500,000.00 (dois milhões e quinhentas mil patacas) e tinha a área pretendida pelo Autor, embora precisasse de obras de beneficiação e melhoramentos porque se encontrava em muito mau estado de conservação. (31º)
   O Autor foi visitar a identificada fracção autónoma e constatou que, fazendo obras estimadas entre 250 mil patacas a 350 mil patacas, poderia transformar a fracção autónoma reconstruindo-a e beneficiando-a, o que significava que podia adquirir uma boa fracção autónoma por HK$2,850,000.00, tendo o Autor considerado ser o preço do mercado e, porque ouvira dizer que os preços ainda iriam aumentar mais, tomou a decisão de a adquirir. (32º)
   Quando o Autor comunicou a D a vontade em concretizar o negócio, esta deu a conhecer ao Autor que o 1.º Réu, B, era credor dos proprietários (2.º e 3.ª RR.) de uma dívida no montante de HK$2,200,000.00 (dois milhões e duzentos mil dólares de Hong Kong), razão por que havia entregue tal fracção autónoma àquele. (33º)
   Foi o Autor informado que a compra deveria ser negociada com o 1º Réu, B, que interviria, quer no contrato-promessa de compra e venda, quer na escritura pública que titularia a compra e venda do imóvel. (34º)
   Ficou ainda acordado entre a 3ª Ré e o Autor que o remanescente de HK$300,000.00 do valor do preço, isto é, a diferença entre o crédito do 1º Réu, e o preço do imóvel devia ser–lhe entregue a ela, 3ª Ré, pelo Autor. (35º)
   Foi, então, celebrado o acordo referido em 1), 2) e 3). (36º)
   Provado o que resulta da resposta dada ao quesito 9º. (37º)
   O Autor pagou o montante de HK$170,000.00 a D. (39º)
   O Autor e o 1º Réu, com conhecimento da 3ª Ré, acordaram em proceder ao pagamento da totalidade do preço estipulado. (41º)
   Provado o que resulta da resposta dada ao quesito 9º. (42º)
   Tendo então sido emitida a declaração referida em F). (43º)
   Provado o que consta da alínea G) dos factos assentes. (44º)
   A 4ª Ré sabia que a fracção já havia sido entregue ao Autor. (46º)
   A 4ª Ré declarou vender aos 5º e 6ª Réus que declararam comprar tal fracção. (47º)
   Os 5º e 6ª Réus procederam à mudança das fechaduras das portas da fracção melhor descrita em D). (59º)
   Provado o que resulta da resposta dada ao quesito 3º. (62º)
   Provado o que resulta da resposta dada ao quesito 16º. (63º)
   O 1º Réu acordou com a 3ª Ré a compensação da dívida com o valor recebido da venda daquela fracção. (65º)
   Dos montantes que o Autor entregou ao 1º Réu, apenas a quantia de HK$300,000.00, foi a título de sinal. (66º)”
  
  III – O Direito
  1. A questão a resolver
  Trata-se de saber se o réu litigou de má fé, por sustentar, no recurso para o TSI, que não se provou um facto que ele próprio confessou na contestação.
  
  2. A tese do réu
  A tese do réu é esta: ele, réu, recorrente para o TSI, não negou na alegação que o autor pagou a quantia de HK$1,900,000.00. O que ele alegou foi que, nos autos, não se provou que o autor lhe pagou essa quantia.
  Ou seja, o réu aceita que confessou na contestação que recebeu a quantia em causa. Mas entende que o Tribunal não deu o facto como provado, pelo que ele, sustentando no recurso, que não se provou o pagamento, não está a litigar de má-fé.
  Vejamos. Antes mais, há que averiguar se o réu está certo. Se não se provou no processo que o pagamento não foi efectuado.
  
  3. A confissão do réu
  O autor alegou no artigo 8.º da petição ter pago na assinatura do contrato-promessa ao réu a quantia de HK$300,000.00, através de ordem de caixa emitida em 1 de Março de 2005, pelo [Banco (1)].
  E o autor alegou nos artigos 17.º e 18.º da petição que, em 15 de Abril, o autor se muniu da ordem de caixa emitida nesse dia, pelo [Banco (1)], a favor do réu, no valor de HK$1,900,000.00. E que, na mesma data, o réu, por instrumento público exarado em cartório notarial, substabeleceu sem reserva no autor os poderes que lhe haviam sido conferidos pelos proprietários da fracção autónoma, poderes esses para livremente vender a fracção, podendo praticar negócio consigo mesmo.
  O autor pretendeu significar com esta alegação – porventura sem o rigor devido – que ele pagou ao réu HK$1,900,000.00 ou seja, a totalidade do preço do imóvel, já que aquele montante era o restante do preço que faltava pagar. Disse que se muniu da ordem de caixa, não disse que a entregou ao réu, mas isso estava manifestamente implícito, já que só com o pagamento da totalidade do preço é que o réu faria – como fez – o equivalente à escritura de compra e venda da fracção, equivalente esse que foi o substabelecimento sem reserva no autor dos poderes que lhe haviam sido conferidos pelos proprietários da fracção autónoma, poderes esses para livremente vender a fracção, podendo praticar negócio consigo mesmo.
  E que o réu bem entendeu a petição inicial no sentido mencionado está o facto de ter dito no artigo 25.º da contestação:
  “25.º
  E que o 1.º réu1, após ter recebido do autor, em nome e representação dos 2.º e 3.º réus2 e de acordo com as instruções expressas da última, o sinal e o preço da fracção, acordou com a 3.ª ré proceder à compensação da quantia em causa com o valor do seu crédito sobre aqueles”.
  Ou seja, o réu ora recorrente confessou expressamente na contestação ter recebido do autor as quantias de HK$300,000.00 e HK$1,900,000.00 ou seja, a totalidade do preço do imóvel.
   Assim, o Tribunal Colectivo deu como provado aquele facto ligeiramente ambíguo alegado pelo autor no artigo 17.º da petição: “O Autor muniu-se da ordem de caixa emitida em 15 de Abril de 2005, pelo [Banco (1)], Sucursal de Macau, em favor do 1º Réu, no valor de HK$1,900,000.00 (um milhão e novecentos mil dólares de Hong Kong)”. (Resposta ao quesito 14.º da base instrutória).
   O autor não articulou expressamente que entregou a ordem de pagamento ao réu e que este a recebeu e por isso, estes factos não constam da base instrutória. Mas, no contexto da acção, era perfeitamente claro para todos, para o autor, para o réu e para o Tribunal: de que o réu recebera efectivamente HK$1,900,000.00 naquele dia 15 de Abril de 2005 e só por isso conferiu todos os poderes que tinha sobre a fracção ao autor, incluindo poderes para a comprar, porque já tinha pago a totalidade do preço. Facto aquele que, repete-se, o réu tinha confessado, sem quaisquer ambiguidades, no artigo 25.º da contestação.
   Depois, nas alegações de direito de fls. 358 a 360, do réu, também se não põe em causa o pagamento da quantia em questão, numa ocasião em que os factos da base instrutória já haviam julgados pelo tribunal colectivo, dizendo:
   “12. Porém, dos montantes entregues pelo autor ao 1.º réu, apenas a quantia de HK$300.000,00 o foi a título de sinal.
   13. Tendo todas as restantes sido entregues como pagamento do preço do imóvel”.
   E o Juiz, na sentença (fls. 381. v.), também se limitou a discutir se havia lugar à restituição em singelo das quantias entregues para pagamento do preço da fracção ou ao pagamento em dobro, nunca pondo em causa que o réu recebera efectivamente a quantia, pois isso nunca ter sido posto em dúvida, até então, por ninguém. E só nas alegações para o TSI veio, então, o réu suscitar a tese de que não se provara ter pago mais nada para além das quantias de HK$300,000.00 e HK$170,000.00.
   
   4. O acordo das partes nos articulados, ainda que não constante do despacho do artigo 430.º do Código de Processo Civil, impõe-se ao juiz da sentença e aos tribunais de recurso
  Por outro lado, apesar de o juiz que elaborou o despacho relativo aos factos assentes e base instrutória (artigo 430.º do Código de Processo Civil) não ter dado como assente o pagamento daquela quantia de HK$1,900,000.00, como deveria ter feito, face à confissão expressa do réu, atento o disposto nos artigos 80.º e 410.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, o facto não deixa de estar plenamente provado nos autos, isto é, subtraído à decisão do tribunal colectivo que julgou a matéria de facto, que aliás, só emitiu pronúncia nos termos atrás referidos.
  Na verdade, o acordo das partes nos articulados sobre determinado ponto de facto constitui prova plena, pois a confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente (artigo 351.º, n.º 1 do Código Civil), sendo que a confissão não foi retirada (artigo 80.º do Código de Processo Civil).
E os factos provados por meio de prova plena devem ser considerados como tais, pelo juiz na sentença e pelos tribunais de recurso, ainda que não constem como factos assentes no despacho do artigo 430.º, sendo que o tribunal de julgamento nem sequer pode emitir pronúncia sobre eles, atento o disposto no artigo 549.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (“Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documentos, confissão ou falta de impugnação”).3
  Esta doutrina resulta do disposto no artigo 562.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, segundo o qual o juiz, na sentença, não tem que considerar como provados apenas os factos que integrem os dados como assentes no despacho do artigo 430.º e os que o tribunal de julgamento deu como provados, mas antes “Na fundamentação da sentença, o juiz toma em consideração os factos admitidos por acordo ou não impugnados, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provado” (artigo 562.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
  Foi neste sentido, o Acórdão deste TUI de 1 de Junho de 2011, no Processo n.º 20/2011.
  Isto é pacífico4, pelo que o réu – devidamente representado por advogado - não podia deixar de saber que era assim.
  
  5. Litigância de má-fé
  Dispõe o artigo 385.º do Código de Processo Civil:
“Artigo 385.º
(Litigância de má fé)
  1. Tendo litigado de má fé, a parte é condenada em multa.
  2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
  a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
  b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
  c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
  d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
  3. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé”.
  O Acórdão recorrido considerou que o réu violou o disposto na alínea b) do n.º 2 (alteração da verdade dos factos).
  Afigura-se-nos antes que a violação foi da alínea a) e da alínea d): o réu deduziu pretensão (no recurso para o TSI) cuja falta de fundamento não devia ignorar e fez dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal.
  Efectivamente, a violação da alínea b) refere-se a faltar à verdade nos momentos processuais em que está em causa a alegação constitutiva de factos, como sucede nos articulados, em que as partes têm o dever de não faltar à verdade. Já num acto processual, como as alegações de recurso, em que não está em causa a alegação de factos, a distorção da verdade dos factos não representa faltar à verdade, mas antes uma actuação processual contrária à lisura, por que se devem pautar as partes.
  Que é assim, mostra-o uma outra circunstância.
  Como é sabido, a falta à verdade é, normalmente, própria da parte e não do seu advogado.
  Já a violação da alínea d) é típica do mandatário forense. Quanto à da alínea a), depende do caso concreto. A violação pode ser da parte ou do advogado ou de ambos.
  No caso dos autos, é evidente que a responsabilidade é do Advogado do réu.
  O que confirma a integração antes feita.
  O Acórdão recorrido não deu cumprimento ao disposto no artigo 388.º do Código de Processo Civil: comunicação ao Conselho Superior de Advocacia da conduta processual do mandatário do réu, para que possa aplicar a sanção correspondente à infracção disciplinar indiciada.
  Nada obsta a que se ordene tal comunicação agora, já que ela é uma decorrência da verificação da falta, que sempre terá de ser confirmada pelo Órgão próprio da Associação dos Advogados.
  Efectivamente, o princípio de que o recurso interposto por uma parte não pode agravar a posição da parte (artigo 589.º, n.º 4, do Código de Processo Civil)5, aplica-se, como é bem de ver, à própria parte, mas não à actuação do seu advogado.
  
IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso e determinam o cumprimento oportuno do disposto no artigo 388.º do Código de Processo Civil, com envio de cópias dos articulados, do despacho do artigo 430.º, das alegações de direito de fls. 358 a 360, da sentença, do Acórdão recorrido, das alegações do ora recorrente para o TSI e para o TUI e do presente Acórdão, ao Conselho Superior de Advocacia.
Custas pelo recorrente.
   Macau, 4 de Outubro de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Sam Hou Fai –
Lai Kin Hong
  Subscrevo o Acórdão sem prejuízo da minha posição já assumida no Acórdão do TSI, por mim relatado em 23-6-2011 no processo n.º 781/2010. - Lai Kin Hong
1 Ele próprio, o réu ora recorrente.
2 Os proprietários da fracção autónoma.
3 O sublinhado é nosso.
4 CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, II Volume, 1987, p. 509, J. LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2008, p. 677 e M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, p. 352.
5 M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos..., p. 467.
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20
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