打印全文
Processo n.º 42/2011. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrentes: A e B.
Recorrido: Ministério Público.
Assunto: Recurso da matéria de facto. Medida da pena. Recurso para o Tribunal de Última Instância.
Data do Acórdão: 12 de Outubro de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Lai Kin Hong.
SUMÁRIO:
  I – No ordenamento jurídico de Macau o recurso da matéria de facto está limitado à arguição dos vícios do n.º 2 do artigo 400.º do Código de Processo Penal e ao pedido de renovação da prova, prevista no artigo 415.º do mesmo diploma, esta da competência exclusiva do Tribunal de Segunda Instância.
  II - Ao Tribunal de Última Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada.
  III - Isto é, quando está em causa a dosimetria da pena criminal, não cabe ao Tribunal de Última Instância averiguar se a pena aplicada pelo Tribunal de Segunda Instância teria sido aquela que o TUI aplicaria se julgasse em primeira ou em segunda instâncias.
O Relator
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
  I – Relatório
  O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 25 de Maio de 2011, condenou os arguidos A e B, pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, nas penas de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.
  O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 14 de Julho de 2011, rejeitou os recursos interpostos pelos arguidos, por manifesta improcedência.
  Ainda inconformados, recorrem os arguidos para este Tribunal de Última Instância (TUI)
  O arguido A termina com as seguintes conclusões úteis:
   - O Recorrente entende que o tribunal colectivo a quo não levou em plena consideração a situação actual dele, determinando pena demasiadamente elevada.
  - Na determinação da medida da pena da ora Recorrente, atento o disposto nos art.ºs 40.° e 65.° ambos do Código Penal, demonstrando-se que, na decisão de que se recorre, a determinação da medida da pena e da sua aplicação não são adequadas à ilicitude dos factos e à culpa do arguido.
   - Por isso, os Doutos Acórdãos proferidos na Primeira e na Segunda Instância violaram os art.ºs 40.° e 65.° do Código Penal de Macau.
   - Solicita aos Venerandos Juízes do Tribunal de Última Instância que determinem, de novo, a pena ao Recorrente, condenando-o numa pena mais leve.
  
  O arguido B termina com as seguintes conclusões úteis:
  - O Recorrente nunca praticou actos de tráfico de estupefacientes, logo não poderá qualificar-se como co-autor do crime condenado pelo acórdão recorrido.
  - E das provas constantes dos autos também não se pode concluir que o Recorrente chegou a participar na venda.
  - Conforme entendimento do Venerando TSI que “é na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. art.º 336.° do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. art.º 114.° do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.”.
   - Salvo o devido respeito por opinião diversa, o Recorrente entende que a convicção adquirida pelos julgadores do acórdão recorrido não provém dos factos provados em audiência de julgamento, por não haver qualquer base fáctica assente nos autos que assim o determina.
   - A decisão recorrida enferma de um erro de aplicação de direito, violou o art.º 114.º do Código de Processo Penal de Macau.
   - Caso os venerandos Juízes assim não entenderem, deverá o Recorrente ser condenado em crime de “produção e tráfico de menor gravidade”; p. e p. art.º 11.° da Lei n.º 17/2009.
   - Uma vez que a quantidade de droga que pertencia ao Recorrente ser Ketamina com peso líquido de 1.784 gramas e 2 comprimidos verdes contendo Nimetazepan com peso líquido de 0.392 gramas;
   - Caso os Venerandos Juízes assim não entenderem, O Recorrente entende que a pena que lhe foi aplicada (7 anos e 6 meses de prisão efectiva) é demasiada pesada.
  Na resposta à motivação do recurso o Ex.mo Magistrado do Ministério Público sustentou a improcedência dos recursos.
  No seu parecer, o Ex. mo Procurador-Adjunto defendeu que fossem rejeitados os recursos por manifesta improcedência.
  
  II – Os factos
  As instâncias consideraram provados os seguintes factos:
   “Pelo menos, desde Janeiro de 2010, os arguidos A e B vieram do Interior da China para Macau para efectuar às actividades de tráfico de droga.
   Geralmente, os arguidos A e B vieram intercaladamente do Interior da China para Macau, adquirindo as drogas (principalmente “ketamina”) junto a um indivíduo não identificado e revendendo-as para outras pessoas.
   Para efectuar às actividades de tráfico de droga, os arguidos A e B utilizaram alternativamente os números de telemóvel XXXXXXXX, XXXXXXXX e XXXXXXXX servindo para comunicação no tráfico de droga; além disso, quando os mesmos ficavam em Macau, residindo na fracção situada no [Endereço (1)], onde os mesmos detinham as drogas.
   Em 19 de Março de 2010, pelas 17h00, os agentes da PJ foram às proximidades da residência supracitada para efectuar à vigilância e à investigação por receber denúncia.
   Ao mesmo dia, pelas 19h55, quando o arguido A deslocou-se de táxi da sua residência para a [Endereço (2)], foi interceptado pelos agentes da PJ que o seguiram; foi encontrada pelos agentes, no bolso do lado direito do casaco do arguido A, uma caixa para cigarros de marca “Marlboro” contendo quatro saquinhos de pó branco (vide fls. 8 dos autos, auto de apreensão).
   Após exame laboratorial, verificou-se que um saquinho de pó branco continha elementos de “ketamina”, objecto proibido pela Tabela II-C do Anexo da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 1,154 gramas. Feito exame laboratorial por quantidade determinada, a taxa de “ketamina” é de 85,09%, com peso líquido de 0,982 grama; outros três saquinhos de pó branco continham elementos de “ketamina”, com peso líquido de 7,582 gramas. Feito exame laboratorial por quantidade determinada, a taxa de “ketamina” é de 83,69%, com peso líquido de 6,345 gramas.
   As drogas supracitadas são adquiridas pelos arguidos A e B junto a uma pessoa de identidade desconhecida e transportadas pelo arguido A para a residência supracitada, a fim de render para os compradores marcados pelo preço de MOP$ 500,00 de cada saquinho.
   Ao mesmo dia, pelas 20h40, os agentes da PJ dirigiram-se à residência supracitada dos arguidos A e B para efectuar à busca, enquanto o arguido B estava na cama do quarto; os agentes da PJ encontraram debaixo do travesseiro da cama um saco plástico transparente contendo dois saquinhos de pó branco e dois comprimidos de cor verde embrulhados por papéis de estanho de cor vermelha; na cadeira ao lado da cama do quarto de dormir uma caixa para cigarros de marca “FURONGWANG” contendo sete saquinhos de pó branco (vide fls. 23 dos autos, auto de apreensão).
   Após exame laboratorial, verificou-se que os dois saquinhos de pó branco encontrados debaixo do travesseiro da cama continham elementos de “ketamina”, com peso líquido total de 2,384 gramas. Feito exame laboratorial por quantidade determinada, a taxa de “ketamina” é de 74,84%, com peso líquido de 1,784 gramas; os dois comprimidos de cor verde supracitados continham elementos de “nimetazepam”, objecto proibido pela Tabela IV do Anexo da Lei n.º 17/2009, com peso líquido total de 0,392 grama; os sete saquinhos de pó branco encontrados na cadeira continham elementos de “ketamina”, com peso líquido total de 17,586 gramas. Feito exame laboratorial por quantidade determinada, a taxa de “ketamina” é de 76,74%, com peso líquido de 13,495 gramas.
   As drogas supracitadas são adquiridas pelos dois arguidos A e B junto a um indivíduo de identidade desconhecida, a fim de vender para outras pessoas.
   Além disso, na Polícia Judiciária, os agentes apreenderam do arguido A dinheiro no valor de MOP$ 9.100,00 e HKD$ 100,00, três chaves, um telemóvel de marca “SAMSUNG” (tel.: XXXXXXXX) e um telemóvel de marca “NOKIA” (tel.: XXXXXXXX) (vide fls. 9 dos autos, auto de apreensão).
   Os agentes também apreenderam do arguido B dinheiro no valor de MOP$ 700,00 e RMB$ 1.900 e um telemóvel de marca “NOKIA” (tel. XXXXXXXX) (vide fls. 24 dos autos, auto de apreensão).
   Os telemóveis supracitados são instrumentos de comunicação dos dois arguidos A e B para as actividades de tráfico de droga, o dinheiro supracitado foi adquirido pelo tráfico de droga dos mesmos e as chaves supracitadas são as das portas de ferro e de madeira e do quarto da fracção supracitada onde os mesmos arrendaram conjuntamente.
   Os dois arguidos agiram livre e voluntariamente, actuaram de comum acordo e dividiram as tarefas entre si, praticando dolosamente os actos supracitados.
   Os mesmos sabiam bem a natureza e característica das drogas supracitadas.
   Os mesmos obtiveram, transportaram e detiveram as drogas supracitadas conjuntamente, a fim de vender para outra pessoa em troca de dinheiro.
   Os mesmos sabiam bem que as suas condutas eras proibidas e punidas pela lei.
   De acordo com os CRC, os dois arguidos não têm registos criminais.
   O primeiro arguido alegou que antes de ser preso preventivamente, trabalhava como fiel de depósito, auferindo o salário mensal cerca de RMB$ 2.000,00 e tendo a mãe a seu cargo; já completou o curso médio.
   O segundo arguido alegou que antes de ser preso preventivamente, trabalhava como empregado do supermercado, auferindo o salário mensal cerca de RMB$ 1.200,00 e tendo os pais a seu cargo; já completou o 1.º ano do curso médio”.
  
  III - O Direito
  1. As questões a resolver.
  Relativamente a B importa apreciar se deveria ter sido absolvido, por erro na apreciação da prova e, subsidiariamente, se devia ter sido apenas condenado por um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade.
  Há que apreciar, ainda, a questão da medida da pena, suscitada por ambos os arguidos.
  
  2. Recurso da matéria de facto. Erro na apreciação da prova
  O arguido B considera que a prova produzida em audiência de julgamento foi mal apreciada pelo tribunal colectivo, pelo que foi violado o disposto no artigo 114.º do Código de Processo Penal.
  Dispõe tal norma que “Salvo disposição legal em contrário, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
  Ora, parece que o arguido pretende impugnar a matéria de facto julgada provada pelo Tribunal de 1.ª instância.
  Só que a lei não permite uma impugnação nos termos pretendidos pelo arguido.
  Em 1.º lugar, os fundamentos de recurso, em processo penal, são apenas os constantes do artigo 400.º do Código de Processo Penal, onde não consta a impugnação da matéria de facto, como tal.
  Não obstante, é possível a renovação da prova, em recurso, mas apenas no condicionalismo do artigo 415.º do mesmo diploma legal: se se verificarem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 400.º e houver razões para crer que aquela (renovação) permitirá evitar o reenvio do processo. Cfr., também, o n.º 3 do artigo 402.º do mesmo diploma legal.
  Em terceiro lugar, a renovação da prova compete ao TSI e nunca ao TUI, como tem sido decidido, já que é isso que resulta do disposto no n.º 2 do artigo 415.º do Código de Processo Penal.
  É certo que o TUI é competente para apreciar o erro notório na apreciação da prova, um dos vícios mencionados no artigo 400.º - atrás mencionados - e nessa medida poderá ser impugnado o julgamento de facto. Mas apenas nesta circunstância.
  Só que o arguido não invoca nenhum erro desta natureza, limitando-se a discordar da forma como a prova foi apreciada. E tal erro notório na apreciação da provanão se vislumbra.
  Improcede a questão suscitada, aqui se incluindo a relacionada com a pretensão de ser condenado por crime de tráfico de menor gravidade, por não se terem provado os factos alegados pelo arguido, com tal finalidade.
  
  3. Medida da pena
  Quanto à questão suscitada a propósito da medida da pena este Tribunal tem entendido que “Ao Tribunal de Última Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada” (Acórdãos de 23 de Janeiro e 19 de Setembro de 2008 e 29 de Abril de 2009, respectivamente, nos Processos n. os 29/2008, 57/2007 e 11/2009).
  Isto é, quando está em causa a medida concreta da pena, não cabe a este Tribunal averiguar se a pena criminal aplicada pelo TSI teria sido aquela que o TUI aplicaria se julgasse em primeira ou em segunda instâncias.
  No caso dos autos, em que o TUI intervém em terceiro grau de jurisdição, ponderando a sua posição no sistema judiciário e à competência visando sobretudo a correcção da aplicação do Direito, não lhe cabe apreciar a dosimetria concreta da pena, a menos que ela se mostre completamente desajustada, ou seja, quando a mesma seja de todo desproporcionada face aos factos.
  É que a aplicação da pena contém alguma discricionariedade judicial, entendida esta como a actividade do tribunal que não se esgota com a mera subsunção silogístico-formal, que não se compadece com o controlo que os sistemas judiciários e processuais semelhantes, neste aspecto, ao de Macau, atribuem aos tribunais supremos.1
  Outrossim, cabe ao TUI sindicar a violação de regras de direito ou de experiência na aplicação da pena.
  No caso dos autos não foi alegada qualquer violação de vinculação legal ou de regras da experiência.
  Por outro lado, as penas aplicadas não se mostram desproporcionadas, tendo em atenção os factos provados.
  São, pois, os recursos manifestamente improcedente.
  Impõe-se, portanto, a rejeição dos recursos (artigo 410.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
  
  IV – Decisão
  Face ao expendido, rejeitam os recursos.
  Custas pelos recorrentes, fixando a taxa de justiça em 2 UC, suportando, cada um, ainda, a quantia de MOP$2.000,00 (duas mil patacas), nos termos do n.º 4 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
  Fixam os honorários da defensora dos arguidos em mil patacas.
Macau, 12 de Outubro de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Sam Hou Fai –
Lai Kin Hong

1 J. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2.ª reimpressão, 2009, p. 194 e 197, citando MAURACH/ZIPF, quanto à segunda asserção.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




1
Processo n.º 42/2011

12
Processo n.º 42/2011