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Processo n.º 41/2011. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrente: A.
Recorrido: Ministério Público.
Assunto: Medida da pena. Recurso para o Tribunal de Última Instância.
Data do Acórdão: 12 de Outubro de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Lai Kin Hong.
SUMÁRIO:
  I - Ao Tribunal de Última Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada.
  II - Isto é, quando está em causa a dosimetria da pena criminal, não cabe ao Tribunal de Última Instância averiguar se a pena aplicada pelo Tribunal de Segunda Instância teria sido aquela que o TUI aplicaria se julgasse em primeira ou em segunda instâncias.
O Relator
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
  I – Relatório
  O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 23 de Março de 2011, condenou os arguidos A e B, pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, respectivamente, nas penas de 7 (sete) anos e 4 (quatro) anos de prisão.
  O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 9 de Junho de 2011, negou provimento ao recurso interposto pela arguida A.
  Ainda inconformada, recorre a arguida A para este Tribunal de Última Instância (TUI), formulando as seguintes conclusões:
  1. O acórdão recorrido considerou que a recorrente invocou o fundamento respeitante ao erro notório na apreciação da prova, isto é, duvidou sobre o reconhecimento de factos feito pelo Tribunal a quo, com o intuito de questionar sobre a livre convicção do juiz através da apresentação de opiniões distintas perante os factos dados como provados pelo Tribunal Colectivo. Isto não é permissível pela lei. (Vide teor das pp. 21 e 22 do acórdão recorrido)
  2. O acórdão recorrido considerou que, na apreciação da prova, o Tribunal a quo não infringiu nenhum critério ou regra da experiência supramencionado, pelo que a recorrente não devia tentar ilidir a convicção formada pelo Tribunal a quo apenas com base no seu ponto de vista.
  3. O acórdão recorrido ainda indicou que uma livre convicção indubitável devia ser feita com base nas apreciações e análises da prova realizadas de forma objectiva e com observância da lógica e do raciocínio geral.
  4. Salvo o devido respeito ao acórdão recorrido e ao acórdão do Tribunal a quo, a recorrente entendeu que existia efectivamente vício notório na apreciação da prova efectuada pelo Tribunal a quo, uma vez que a livre convicção daquele Tribunal não foi formada de forma objectiva, os factos por ele reconhecidos eram ilógicos e verificou-se a violação das regras da experiência da nossa sociedade. A recorrente não duvidou simplesmente da livre convicção do Tribunal a quo, pelo que apresentou os seguintes fundamentos:
  5. In casu, nos autos e na audiência realizada pelo Tribunal a quo, só o arguido B é que alegou que a recorrente tinha participado no tráfico de drogas, entretanto, os demais factos e provas objectivos não se mostraram que a recorrente tivesse praticado em conjugação o tráfico de drogas, o que não foi atendido nem reconhecido pelo Tribunal a quo e pelo acórdão recorrido.
  6. O artigo 1º dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo após a audiência: “A recorrente A, o arguido B e um indivíduo do sexo masculino “C” agiram em conjugação de esforços e divisão de tarefas, no sentido de adquirir os estupefacientes no Interior da China, nomeadamente “Ice”, “Ketamina” e “Erimen five”, e transportaram-nos a Macau para serem vendidos e oferecidos a outras pessoas”.
  7. Alegado o arguido B que o indivíduo do sexo masculino “C” foi quem tinha praticado tráfico de drogas em Macau com ele, mas, após a investigação da PJ, confirmou-se que não existia registo de migração do indivíduo chamado “C”. (Vide fls. 160 dos autos, o Venerando Juiz Relator, Dr. Chan Kuong Seng, abordou também na sua declaração de voto vencido a referida questão)
  8. Deste modo, consideramos que o arguido B estava a mentir, havendo contradição grosseira com os seus depoimentos. O arguido alegou sempre que os estupefacientes não lhe pertenciam e ele só responsabilizava pelo transporte dos produtos aos compradores, com o intuito de se esquivar da responsabilidade sobre outras pessoas.
  9. Além disso, no início do período de investigação feita pelo CPSP e pela PJ, o arguido B só tratava a recorrente “Mana” e não sabia o nome verdadeiro dela.
  10. De acordo com o senso comum, as pessoas do mesmo grupo ou da mesma associação criminosa deveriam conhecer-se muito bem entre si, por isso, é impossível que o arguido não soubesse o nome verdadeiro dos membros da sua associação, e até não tivesse conhecimento do meio de contacto com a recorrente.
  11. Só há uma justificação, o arguido B e a recorrente não se conheceram muito bem entre si, porque eles eram apenas vizinhos que subarrendaram o mesmo apartamento, razão pela qual o arguido só sabia a alcunha ou nome informal da recorrente.
  12. Existe vício grave por acórdão recorrido e Tribunal a quo terem dado como provados os artigos 2º e 3º dos factos, acreditando infundadamente nos depoimentos do arguido B.
  13. Os referidos factos provados apontaram que a recorrente, B e os seus parceiros usaram em conjugação o telefone (n.º XXXXXXXX), como instrumento de comunicação, na prática do tráfico de drogas.
  14. O Tribunal a quo, ao proceder ao reconhecimento, não atendeu aos factos e provas objectivos, especialmente aos autos elaborados pela PJ perante os utentes dos telefones que tiveram contactos com o telefone em causa, e, nesta circunstância, a maioria dos contactados não conhecem a recorrente A, mas sim, o conterrâneo dela com que falavam sobre a transferência de dinheiro, pelo que não se verifica que os consumidores de drogas ou outras pessoas comprassem estupefacientes a A. (Vide teor de fls. 302 a 358 dos autos)
  15. Não se pode excluir a possibilidade de que a recorrente usasse o telefone (n.º XXXXXXXX) do arguido B para conversar e falar sobre a transferência de dinheiro com o seu conterrâneo, uma vez que esta só tinha um telemóvel do Interior da China mas não de Macau, deste modo, necessitava de pedir ao indivíduo que habitava na mesma casa para lhe emprestar o telemóvel.
  16. Mesmo que tivesse comprovado que a recorrente usava o telemóvel do 2º arguido, de n.º XXXXXXXX, para contactar com outras pessoas, não podia, com base nisto, presumir que a mesma usava o referido telemóvel como instrumento de comunicação na prática do tráfico de drogas.
  17. O 2º arguido apontou no auto de primeiro interrogatório judicial que não sabia a origem dos estupefacientes, mais, alegando que os clientes iam telefonar à “Mana” quando pretendessem comprar estupefacientes e, em seguida, a “Mana” comunicava ao arguido ou a C para que prestasse auxílio na venda de estupefacientes. (Vide fls. 60v. dos autos)
  18. Contudo, na altura, o 2º arguido não conseguiu fornecer o meio e o contacto telefónico da recorrente. Caso, tal como referido pelo 2º arguido, ele e a recorrente fossem parceiros, o 2º arguido devia ter o contacto telefónico dela, no entanto, este não o conseguiu fornecer.
  19. É certo que os depoimentos do 2º arguido B são incompatíveis com os registos da companhia de telecomunicações detectados nesta causa. Conforme os registos de comunicação do telemóvel usado pelo 2º arguido B (XXXXXXXX), não se verifica a existência do registo de contacto com o telefone da recorrente (XXXX-XXXXXXXXXXX). (Vide fls. 208, 211 e 212 dos autos)
  20. Se a recorrente e o 2º arguido realizassem, em conjugação, tráfico de drogas, devia existir vários e imensos registos de comunicação, porém, a realidade não era assim.
  21. A recorrente não concordou com que o acórdão recorrido foi fundamentado com a razão referida pelo Procurador-Adjunto no seu parecer, isto é, nos registos de chamadas do telefone em causa não se encontrava o respectivo registo de contacto telefónico: “isto só se apura que a recorrente não usou o seu telemóvel do Interior da China para ligar para o telemóvel n.º XXXXXXXX e que o 2º arguido não usou o telemóvel do referido número para ligar para a recorrente, contudo, não se revela que a recorrente não tivesse conhecimento nenhum sobre a grande quantidade de drogas encontradas no quarto arrendado pela mesma, nem se revela que a recorrente não pudesse contactar com o 2º arguido e dar-lhe indicações sobre o transporte de produtos através duma outra forma de contacto, evidentemente, isto não significa que a recorrente não tivesse usado conjuntamente com o 2º arguido o referido telemóvel quando estava em Macau, tal como, não tivesse usado o dito telemóvel como instrumento de comunicação na prática do tráfico de drogas.” (Vide p. 21 do acórdão recorrido)
  22. A recorrente considerou que a aludida razão do acórdão recorrido estava com falta de fundamentação de facto, sendo apenas uma presunção em contrário. É de salientar que, no julgamento criminal, o acusado não tem o dever de provar a sua inocência nem apresentar prova de inocência, pelo contrário, na acusação, o Ministério Público necessita e tem o dever de apresentar prova substancial para incriminar o arguido.
  23. A recorrente entendeu que o acórdão recorrido e o Tribunal a quo não atendiam à credibilidade dos depoimentos do 2º arguido B, havendo neles várias dúvidas: (O Juiz Relator, Dr. Chan Kuong Seng, também duvidou e questionou, na sua declaração de voto vencido, sobre os depoimentos do arguido B)
   A. Segundo os artigos 6º a 10º dos factos expostos nesta petição, o arguido B prestou falsas declarações, alegando que o indivíduo chamado C era o seu parceiro, mas não foi comprovada a existência efectiva daquela pessoa.
   B. No início da investigação, o arguido B prestou uma versão de declarações, depois, recusou-se de responder na inquirição feita pela PJ e, enfim, prestou outra versão de declarações na audiência de julgamento, sendo depoimentos ambíguos. (Vide teor de fls. 189 e 190 dos autos)
   C. Nota-se a existência de contra-interesse grave, não se passa despercebido que o 2º arguido pretendia omitir-se do papel de líder dos traficantes, mediante as suas declarações. Dado que o arguido conhece a sua vizinha (recorrente) e, na dada altura, a recorrente tinha de regressar ao Vietname por se encontrar com problemas do visto do passaporte, o arguido alegou fraudulentamente que a recorrente tinha praticado o tráfico de drogas, com a intenção de se esquivar da responsabilidade integral sobre ela, esperando que fosse atenuada especialmente a pena, ao abrigo do art.º 18º da Lei n.º 17/2009.
  24. Existe contradição grosseira nos artigos 3º, 8º, 10º, 11º, 14º, 15º, 16º e 17º dos factos provados do acórdão recorrido, e esses factos são insuficientes para suportarem a decisão do acórdão recorrido.
  25. Relativamente ao art.º 3º dos factos provados do acórdão recorrido: “A recorrente responsabilizava principalmente pela tarefa de ligação na compra e venda de estupefacientes, além disso, arrendou em seu nome o apartamento, sito em Macau, no [Endereço (1)], que serviu para armazenar e empacotar estupefacientes destinados ao tráfico; enquanto o arguido B responsabilizava pelo transporte de estupefacientes do referido apartamento para os compradores.”
  26. A recorrente trabalha em Macau desde 2008, exerce sempre funções de empregada doméstica, tem emprego fixo, mas só possui ligeiro conhecimento de mandarim e, na vida quotidiana, a comunicação com outras pessoas é feita em vietnamita, deste modo, seria possível que a recorrente vendesse estupefacientes e exercesse tarefa de ligação em Macau que é uma cidade habitada por residentes chineses?
  27. A recorrente arrendou em seu nome o apartamento, sito em Macau, no [Endereço (1)], mas os respectivos factos também comprovaram que a recorrente subarrendou dois quartos daquele apartamento, respectivamente, a D, E e ao parceiro de B, porém não exclui a hipótese de que, na altura em que a recorrente regressou ao Vietname durante 1 mês, os referidos inquilinos subarrendassem o apartamento a outras pessoas e dispusessem-no para a prática do acto ilícito. (Vide fls. 2 dos autos)
  28. Segundo os depoimentos de D e os registos de migração da recorrente constantes dos autos, de facto, a recorrente saiu de Macau em 21 de Maio de 2010 através do posto fronteiriço de Gongbei (vide teor de fls. 38 e 39 dos autos) e, em seguida, foi interceptada, em 18 de Junho de 2010, nas Portas do Cerco quando regressava a Macau (vide art.º 13º dos factos provados), portanto, a recorrente estava ausente de Macau por volta de um mês.
  29. Quanto ao tempo, o 2º arguido foi interceptado pela Polícia em 31 de Maio de 2010, enquanto a recorrente tinha abandonado Macau em 21 de Maio, pelo que é provável que, no período em que a recorrente se encontrava ausente de Macau, o 2º arguido usasse o aludido apartamento para praticar o tráfico de drogas com os seus parceiros, sem ter sido percebida pela recorrente.
  30. Nos artigos 10º e 11º dos factos provados foram indicados que o telemóvel em causa foi usado pela recorrente e pelo 2º arguido, como instrumento de comunicação, na prática do tráfico de drogas; e o referido recibo de renda é o documento comprovativo do arrendamento do apartamento em causa pelos mesmos.
  31. Mesmo que, tal como referido no art.º 8º dos factos provados, os estupefacientes fossem encontrados no quarto e na cama da recorrente, não se apurava que os estupefacientes lhe pertencessem, já que, até à dada altura, a recorrente tinha saído de Macau há quase 10 dias, e, naquele período, ela não sabia se o arguido B tivesse armazenado estupefacientes no apartamento em causa.
  32. O art.º 11º dos factos provados padece de contradição grosseira e vício, sendo insuficiente para suportar que a recorrente tivesse participado na actividade do tráfico de drogas, uma vez que o dito facto provado, apenas com base no aludido recibo de renda, considerou que a recorrente usou o apartamento em causa para armazenar e empacotar estupefacientes destinados ao tráfico.
  33. O acórdão recorrido padece dos vícios indicados no art.º 400º, n.º 2, al.s c) e a) do Código de Processo Penal – o erro notório na apreciação da prova e a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
  34. Pelo exposto, por haver várias dúvidas nos factos, respeitantes ao tráfico de drogas, que foram imputados à recorrente e haver questões quanto à credibilidade dos depoimentos do 2º arguido, segundo o princípio in dubio pro reo, a recorrente deve ser absolvida do crime (nos termos do art.º 49º, n.º 2 do Código de Processo Penal).
  35. O princípio “in dubio pro reo”, “que se apresenta como um corolário do princípio da presunção de inocência, obriga a que, instalando-se e permanecendo dúvida acerca do objecto do processo (existência dos factos, forma de cometimento e responsabilidade pela sua prática) essa dúvida deve sempre ser desfeita em benefício do arguido relativamente ao ponto ou pontos duvidosos, podendo mesmo conduzir à sua absolvição. Como rectifica FIGUEIREDO DIAS, “um non liquet na questão da prova – não permitindo nunca ao juiz… que omita a decisão…– tem de ser sempre valorado a favor do arguido”, sendo “com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo”.” (Vide Manuel Leal-Henriques, “Manual de Formação de Direito Processual Penal de Macau”, Tomo I, versão chinesa traduzida pelas Juízas Lou Ieng Ha e Leong Fong Meng, p. 30)
  36. “Há erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, isto é, quando existe uma falha na análise da prova, demonstradora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si. Concretamente, “há erro grosseiro e notório quando a falha é perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou””. (Vide Manuel Leal-Henriques, “Manual de Formação de Direito Processual Penal de Macau”, Tomo II, 2ª edição, versão chinesa traduzida pelas Juízas Lou Ieng Ha e Leong Fong Meng, p. 128)
  37. Enfim, o acórdão recorrido e o Tribunal a quo consideraram que o 2º arguido B reuniu a circunstância de atenuação especial da pena prevista no art.º 18º da Lei n.º 17/2009, mas, tendo em conta a conduta do 2º arguido B, não se verifica a existência da circunstância de atenuação especial da pena prevista no art.º 18º da Lei n.º 17/2009, mormente, o 2º arguido B não prestou auxílio concreto na recolha das provas, já que, na fase inicial de investigação, este não forneceu prova substancial que contribuísse à descoberta do tráfico de drogas; na verdade, a identidade da recorrente e o seu paradeiro foram detectados pelos agentes da PJ, pelo que o 2º arguido não reúne a circunstância de atenuação especial da pena. (Vide a declaração de voto vencido do Venerando Juiz Relator, Dr. Chan Kuong Seng, que abordou também esta questão).
  Na resposta à motivação do recurso a Ex.ma Procuradora-Adjunta defendeu que deve ser negado provimento ao recurso.
  No seu parecer, a Ex.ma Procuradora-Adjunta manteve a posição já assumida na resposta à motivação.
  
  II – Os factos
  As instâncias consideraram provados os seguintes factos:
  1 A recorrente A, o arguido B e um indivíduo do sexo masculino “C” agiram em conjugação de esforços e divisão de tarefas, no sentido de adquirir os estupefacientes no Interior da China, nomeadamente “Ice”, “Ketamina” e “Erimen five”, e transportaram-nos a Macau para serem vendidos e oferecidos a outras pessoas.
  2. A recorrente A, o arguido B e os seus parceiros usaram em conjugação o telefone (n.º XXXXXXXX), como instrumento de comunicação, na prática do tráfico de drogas.
  3. A recorrente A responsabilizava principalmente pela tarefa de ligação na compra e venda de estupefacientes, além disso, arrendou em seu nome o apartamento, sito em Macau, no [Endereço (1)], que serviu para armazenar e empacotar estupefacientes destinados ao tráfico; enquanto o arguido B responsabilizava pelo transporte de estupefacientes do referido apartamento para os compradores.
  4. O arguido B ganhava MOP120,00 a 130,00 de lucro em cada venda de “Ice” por MOP450,00; ganhava MOP100,00 em cada venda de “Ketamina” por MOP500,00; e, ganhava MOP8,00 a 10,00 em cada venda de “Erimen five” por MOP50,00.
  5. Em 31 de Maio de 2010, por volta das 22H15, na entrada do referido apartamento, os guardas do CPSP interceptaram o arguido B.
  6. In loco, os guardas do CPSP encontraram na posse do arguido B MOP1.000,00, HKD3.000,00, 2 telemóveis e um conjunto de 3 chaves (vide auto de apreensão de fls. 7 dos autos).
  7. O dinheiro e os telemóveis em apreço eram, respectivamente, objectos obtidos e instrumentos de comunicação usados pelo arguido B na prática do tráfico de drogas.
  8. Depois, os guardas do CPSP efectuaram busca domiciliária ao aludido apartamento e encontraram, sucessivamente, nas camas e nos roupeiros dos quartos da recorrente A e do arguido B, 53 sacos de objectos cristalizados transparentes embalados em sacos plásticos azuis, 47 sacos de objectos cristalizados transparentes embalados em sacos plásticos transparentes, 6 sacos de objectos cristalizados brancos embalados em sacos plásticos transparentes, 1 saco de objectos cristalizados brancos embalados em saco plástico transparente, 16 comprimidos da cor laranja clara embalados particularmente em papeis de alumínio vermelhos com um algarismo “5”, 469 saquetes plásticos transparentes, 10 palhinhas coloridas, 1 objecto de vidro, 2 telemóveis e 1 recibo de renda (vide auto de apreensão de fls. 10 e 10v. dos autos).
  9. Feito o exame laboratorial, foi confirmado que os aludidos 53 sacos de objectos cristalizados transparentes embalados em sacos plásticos azuis e 47 sacos de objectos cristalizados transparentes embalados em sacos plásticos transparentes, com respectivamente peso líquido global de 25,061g e 22,524g, continham substâncias de “Metanfetamina”, abrangidas na Tabela II-B da Lei n.º 17/2009; feita a análise de métodos quantitativos, foi confirmado que a percentagem de “Metanfetamina” é respectivamente de 90,72% e 92,56%, com respectivamente peso líquido de 22,735g e 20,848g. Os aludidos 6 sacos e 1 saco de objectos cristalizados brancos embalados em sacos plásticos transparentes, com respectivamente peso líquido de 8,517g e 8,388g, continham substâncias de “Ketamina”, abrangidas na Tabela II-C da mesma Lei; feita a análise de métodos quantitativos, foi confirmado que a percentagem de “Ketamina” é respectivamente de 78,12% e 83,27%, com respectivamente peso líquido de 6,653g e 6,985g. Os aludidos 16 comprimidos da cor laranja clara, com peso líquido global de 3,036g, continham substâncias de “Nimetazepam”, abrangidas na Tabela IV da mesma Lei.
  10. Os referidos estupefacientes foram adquiridos pela recorrente A, pelo arguido B e pelos seus parceiros a um indivíduo de identidade desconhecida, a fim de serem transportados pelo arguido B a locais anteriormente determinados para serem vendidos e fornecidos a outrem.
  11. Os referidos saquetes transparentes foram usados pela recorrente A, pelo arguido B e pelos seus parceiros como instrumentos de embalagem de drogas; os referidos telemóveis foram usados pelos mesmos como instrumentos de comunicação na prática do tráfico de drogas; e, o referido recibo de renda serviu para comprovar que os mesmos tinham arrendado o apartamento em causa.
  12. As referidas palhinhas coloridas e o objecto de vidro foram usados pelo arguido B como instrumentos de consumo de drogas.
  13. Em 18 de Junho de 2010, a recorrente A foi interceptada no Posto Fronteiriço das Portas do Cerco quando regressava a Macau.
  14. In loco, os guardas do CPSP encontraram na posse da recorrente A 1 telemóvel (vide auto de apreensão de fls. 94 dos autos).
  15. O dito telemóvel foi usado pela recorrente A como instrumento de comunicação na prática do tráfico de drogas.
  16. A recorrente A e o arguido B tinham perfeito conhecimento da natureza e característica dos aludidos estupefacientes.
  17. A recorrente A e o arguido B adquiriam e detinham, em conjugação de esforços e divisão de tarefas, os aludidos estupefacientes, com o intuito de os venderem e fornecerem a outras pessoas.
  18. O arguido B sabia perfeitamente que não era permissível, mas ainda detinha as palhinhas e o objecto de vidro em apreço e usava-os como instrumentos e equipamentos de consumo de drogas.
  19. O arguido B prestou auxílio concreto na recolha das provas; e, essas provas eram determinantes para a identificação e detenção de outros envolventes (a recorrente A).
  20. A recorrente A e o arguido B agiram, livre, voluntária, consciente e deliberadamente, os actos supracitados.
  21. A recorrente A e o arguido B sabiam bem que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei.
  A recorrente trabalhava como empregada doméstica; é casada; tem os pais a seu cargo.
  A recorrente negou os factos; é delinquente primária.
  Antes de ser preso, o 2.º arguido trabalhava como motorista, auferindo o salário mensal de RMB1.500,00.
  O 2.º arguido é casado; tem um filho a seu cargo.
  O 2.º arguido confessou os factos; é delinquente primário.
  *
  Factos não provados: nenhum.
  
  III - O Direito
  1. As questões a resolver.
  As questões a apreciar são as de saber se houve erro notório na apreciação da prova, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável na fundamentação da matéria de facto e a da medida da pena.
  
  2. Erro notório na apreciação da prova, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável na fundamentação da matéria de facto
  Começando por conhecer da contradição insanável na fundamentação da matéria de facto, dos enumerados nos artigos 3.º, 8.º, 10.º, 11.º, 14.º, 15.º, 16.º e 17.º.
  Percorre-se estes factos considerados provados e não se detecta nenhuma contradição entre eles. E também se não vislumbra que sejam insuficientes para neles se basear a decisão, sendo certo que há outros factos dados como provados.
  No que concerne ao erro notório na apreciação da prova, a recorrente baseia a sua discordância no facto de a sua condenação se basear fundamentalmente, no depoimento do co-arguido, de este invocar o nome de um outro participante cujo registo não foi detectado nas entradas e saídas na Fronteira das Portas do Cerco, de tratar a recorrente por “mana”, sem saber o seu verdadeiro nome.
  Muitas vezes, os factos apuram-se apenas no confronto de dois depoimentos principais, mesmo que contraditórios entre si, sendo função do Tribunal descobrir qual das versões é a verdadeira.
  A circunstância de não se ter confirmado um nome fornecido pelo arguido a quem o Tribunal atribuiu credibilidade, nada tem de estranho. Sabe-se que nestes meios da toxico-dependência e do seu tráfico, é frequente as pessoas serem conhecidas por alcunhas ou por outros nomes que não os constantes do registo civil. Por isso, esta argumentação da recorrente, para aí firmar o erro notório na apreciação da prova, não procede.
  Omite a recorrente, por outro lado, a inconsistência das várias versões de factos que foi fornecendo nas suas declarações ao longo do processo.
  Como diz a Ex.ma Magistrada do Ministério Público, “embora, finda a investigação, não se tivesse encontrado o registo de migração do indivíduo chamado C, não se devia, com base nisto, concluir que o teor das declarações do 2º arguido B fosse completamente inacreditável, mas sim, na fase de inquérito, não se confirmou o paradeiro e a identidade verdadeira ou completa do indivíduo C referido pelo 2º arguido. De facto, o 2º arguido declarou, na fase de instrução, que só sabia que o nome verdadeiro de C era F após ter sido internado na prisão. (Vide fls. 454 dos autos).
   No início do período de investigação, o 2º arguido só tratava a recorrente Mana e não sabia nada sobre o nome verdadeiro dela, no entanto, não se devia, com base nisto, concluir que o 2º arguido e a recorrente fossem apenas vizinhos que subarrendaram o mesmo apartamento, e entre os quais não houvesse de maneira nenhuma a comparticipação na autoria de crime. O 2º arguido não sabia o nome verdadeiro da recorrente, que tem por alcunha Mana, não prejudicava a possibilidade de que o mesmo aceitasse as indicações dadas pela recorrente e, em consequência, praticasse o crime imputado”.
  Por outro lado, a recorrente omite as discrepâncias entre as suas declarações produzidas nos autos, que, como é óbvio, enfraquecem a sua credibilidade. Como refere a Ex.ma Magistrada do Ministério Público “negou que tinha a alcunha Mana; negou que tinha arrendado o apartamento e o quarto em causa, alegando que foi recrutada para prestar serviço de limpeza no apartamento em causa, razão pela qual compareceu no dito apartamento; negou que habitava no quarto onde se encontrava grande quantidade de drogas (só alterou as suas declarações na fase de instrução, alegando que habitava no quarto em apreço, quando soube que já foi apreendido aos autos o contrato de arrendamento assinado por ela); negou que conhecia o 2.º arguido, dizendo que nunca o viu, entretanto, não conseguiu justificar como é que o 2.º arguido possuía a chave do seu quarto e podia entrar e sair livremente dali; negou que tinha usado o telemóvel n.º XXXXXXXX, alegando que não tinha conhecimento daquele número telefónico nem sabia quem era utente do mesmo, mas não conseguiu justificar como é que a testemunha da parte acusadora podia contactá-la através do aludido telemóvel e porque é que se deixavam naquele telemóvel as mensagens em vietnamita que lhe foram dirigidas”.
  Quanto aos restantes factos invocados, por si só não sustentam o alegado vício.
  
  3. Medida da pena
  Quanto à questão suscitada a propósito da medida da pena este Tribunal tem entendido que “Ao Tribunal de Última Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada” (Acórdãos de 23 de Janeiro e 19 de Setembro de 2008 e 29 de Abril de 2009, respectivamente, nos Processos n. os 29/2008, 57/2007 e 11/2009).
  Isto é, quando está em causa a medida concreta da pena, não cabe a este Tribunal averiguar se a pena criminal aplicada pelo TSI teria sido aquela que o TUI aplicaria se julgasse em primeira ou em segunda instâncias.
  No caso dos autos, em que o TUI intervém em terceiro grau de jurisdição, ponderando a sua posição no sistema judiciário e à competência visando sobretudo a correcção da aplicação do Direito, não lhe cabe apreciar a dosimetria concreta da pena, a menos que ela se mostre completamente desajustada, ou seja, quando a mesma seja de todo desproporcionada face aos factos.
  É que a aplicação da pena contém alguma discricionariedade judicial, entendida esta como a actividade do tribunal que não se esgota com a mera subsunção silogístico-formal, que não se compadece com o controlo que os sistemas judiciários e processuais semelhantes, neste aspecto, ao de Macau, atribuem aos tribunais supremos.1
  Outrossim, cabe ao TUI sindicar a violação de regras de direito ou de experiência na aplicação da pena.
  No caso dos autos não foi alegada qualquer violação de vinculação legal ou de regras da experiência.
  Por outro lado, a pena aplicada não se mostra desproporcionada, tendo em atenção os factos provados.
  É, pois, o recurso manifestamente improcedente.
  Impõe-se, portanto, a rejeição do recurso (artigo 410.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
  
  IV – Decisão
  Face ao expendido, rejeitam o recurso.
  Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 2 UC, suportando, ainda, a quantia de MOP$2.000,00 (duas mil patacas), nos termos do n.º 4 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
  Fixam os honorários do defensor da arguida em mil patacas.
  Mac au, 12 de Outubro de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Sam Hou Fai –
Lai Kin Hong
1 J. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2.ª reimpressão, 2009, p. 194 e 197, citando MAURACH/ZIPF, quanto à segunda asserção.
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Processo n.º 41/2011

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