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Processo n.º 26/2011. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorridos: B, C, D e E.
Assunto: Acção de revisão e confirmação de sentença do exterior. Divórcio. Parte falecida. Sucessores. Legitimidade passiva.
Data do Acórdão: 19 de Outubro de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chan Kuong Seng.
SUMÁRIO:
Tem legitimidade passiva na acção de revisão e confirmação de sentença do exterior de Macau, que decretou divórcio, os herdeiros da parte entretanto falecida.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório e factos provados
A intentou contra B, C, D e E, na qualidade de herdeiros de F, acção para revisão e confirmação de decisão, que decretou o divórcio entre a autora A e o referido F, proferida em 22 de Novembro de 2004, por Tribunal da Província de Guangdong, do Interior da China.
F veio a falecer em 3 de Maio de 2007.
Por acórdão de 11 de Novembro de 2010, o Tribunal de Segunda Instância (TSI), julgou improcedente reclamação do despacho do Relator, que considerou partes ilegítimas os réus, por não terem interesse em contradizer a acção, indeferindo liminarmente a petição.
Inconformado, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões úteis:
  - O falecimento de uma pessoa singular acarreta automaticamente a cessação da sua personalidade jurídica, e por conseguinte judiciária e a abertura da sua sucessão/herança, a qual tem por objecto todo o conjunto de direitos e obrigações de conteúdo patrimonial ou pessoal que não sejam exceptuadas por lei (art. 65.°, n.º 1 e 1864.° do C.C.M.)
  - No caso dos presentes autos, os Requeridos são filhos comuns da Recorrente e do falecido F, que também usava F e únicos herdeiros legítimos deste último, a eles cabendo a legitimidade passiva para representar o conjunto de direitos pessoais e patrimoniais que cabiam na esfera jurídica do seu falecido pai, cfr. artigo 1929.°, n.º 1 do Código Civil.
- O estado civil em que faleceu F produz feitos patrimoniais e também pessoais no conjunto de direitos que compõe a sua herança, pelo que aos seus herdeiros cabe a legitimidade passiva para figurar como parte em qualquer acção judicial onde tal estado esteja a ser discutido, mesmo quando se trata de uma acção com a natureza da presente.
  - A não caber aos ora Requeridos, na qualidade de herdeiros do de cujos e consequentemente, representantes da sua herança, a legitimidade passiva para a presente acção, não descortina a ora Reclamante a quem caberá tal legitimidade e nem o Acórdão recorrido chega a qualquer conclusão quanto a esta questão.
- A definição absoluta do estado civil do de cujus no Território e com igual eficácia de uma decisão proferida pelos Tribunais da RAEM, trata-se de um direito que integra a sua herança.
  - O Acórdão recorrido viola assim o disposto nos artigos 1864.º e 1929.º, n.º 1 do Código de Civil de Macau e artigos 1.º e 394.º, n.º1 alínea c) do Código de Processo Civil de Macau.

II – O Direito
1. A questão a apreciar
Trata-se apenas de apreciar quem tem legitimidade passiva, como réu, numa acção para revisão e confirmação de decisão do exterior de Macau que decretou o divórcio, sendo a acção de revisão proposta por um dos ex-cônjuges e tendo o outro ex-cônjuge falecido, depois de decretado o divórcio.

2. Revisão e confirmação de sentença do exterior. Parte falecida. Sucessores. Legitimidade passiva.
A autora pretende, em Macau, a revisão e confirmação da sentença do Interior da China, que decretou o seu divórcio. O seu ex-marido faleceu após o divórcio.
A autora propôs a acção contra os herdeiros do falecido seu ex-marido.
O TSI considera que estes não podem ser réus, por não terem interesse em contradizer. Mas não diz quem é detentor de legitimidade passiva nesta acção, limitando-se a dizer que “sem querer comprometer, não deixe de ser uma solução plausível o recurso à interpretação extensiva das normas que atribuem poderes ao Ministério Público para representar pessoas ausentes, incertas, incapazes e menores”.
Vejamos.
“Salvo disposição em contrário de convenção internacional aplicável em Macau, de acordo no domínio da cooperação judiciária ou de lei especial, as decisões sobre direitos privados, proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau, só têm aqui eficácia depois de estarem revistas e confirmadas” (artigo 1199.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Para tal acção é competente o TSI [artigo 36.º, alínea 13) da Lei de Bases da Organização Judiciária].
Ensina FERRER CORREIA1 que reconhecer uma sentença estrangeira é atribuir-lhe no Estado do foro (Estado ad quem) os efeitos que lhe competem segundo a lei do Estado onde foi proferida (Estado de origem ou Estado a quo). Esses efeitos são os próprios da sentença considerada como tal – os que derivam da sua natureza de acto de jurisdição – a autoridade de caso julgado e o efeito executivo.
A autora tem manifestas legitimidade e interesse em agir. Na verdade, tem legitimidade activa para intentar a acção de revisão quem foi parte principal (autor ou réu) na acção revidenda. E a autora tem interesse em agir, porque só após revisão e confirmação da sentença de divórcio pelos tribunais de Macau pode proceder aos averbamentos aos assentos de nascimento e de casamento dos divorciados, caso os factos que estes assentos se destinam a declarar tenham ocorrido na Região (artigo 6.º, n.º 1, do Código do Registo Civil).
Por outro lado, se a autora pretender proceder à partilha judicial do imóvel comum situado em Macau, adquirido e registado na constância do casamento, a que se refere a petição inicial, só o pode fazer depois de revista e confirmada a sentença de divórcio.
Claro que para estes efeitos não estamos perante a invocação da sentença como simples meio prova sujeito à apreciação do juiz que julgue a causa, caso em que não seria necessária a revisão (artigo 1199.º, n.º 2 do Código de Processo Civil). Estamos face a um titulo executivo, porque se trata de execução da sentença.
Acresce que a autora, residente permanente de Macau, pode ter necessidade da eficácia da sentença de divórcio perante os serviços da Região, sempre que não esteja em causa a mera prova do seu estado civil (artigo 6.º, n.º 2, do Código do Registo Civil).
Por outro lado, tem legitimidade passiva como réu, na acção de revisão, a parte principal contrária na acção revidenda, por ser o sujeito da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor (artigo 58.º do Código de Processo Civil). Isto é, por ser quem tem interesse em contradizer, como se expressava com propriedade o n.º 1 do artigo 26.º do Código de Processo Civil de 1961, a propósito da legitimidade processual.
Se ex-marido da autora fosse vivo, evidentemente que seria ele o réu desta acção de revisão. Tendo entretanto falecido, quem deve ser o réu?
Sabemos que não é possível haver acções cíveis sem réu.
Quando falece quem é titular de determinado direito ou obrigação, tem legitimidade passiva como réu numa acção cível quem lhe sucede na titularidade da respectiva relação jurídica, por ser o sujeito da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor.
É certo que a sucessão só se dá na titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida (artigo 1864.º do Código Civil), sendo que “Não constituem objecto de sucessão as relações jurídicas que devam extinguir-se por morte do respectivo titular, em razão da sua natureza ou por força da lei” (artigo 1865.º, n.º 1, do Código Civil).
  Só que do estado civil de uma pessoa e da respectiva mudança (de casado para divorciado) resultam efeitos patrimoniais após a sua morte, designadamente até no elenco dos seus sucessores legítimos (artigo 1973.º do Código Civil) e legitimários (artigo 1995.º do Código Civil), já que, como se sabe, o cônjuge é herdeiro legítimo e legitimário do falecido. O que não sucede com o ex-cônjuge.
Recorde-se que a própria acção de divórcio pode ser continuada pelos herdeiros do autor para efeitos patrimoniais, se o autor falecer na pendência da causa (artigo 1640.º, n.º 3, do Código Civil).
  A acção dos autos visa apenas reconhecer, em Macau, o divórcio já decretado em vida do falecido, pelo que, por maioria de razão, tem manifesto interesse em contradizer esta acção de revisão e confirmação de sentença de divórcio os herdeiros de parte do processo de divórcio, entretanto falecida.
  Não faria sentido propor a acção contra réus incertos, cabendo a sua defesa ao Ministério Público [artigo 56.º, n.º 2, alínea 1) da Lei de Bases da Organização Judiciária], a única alternativa aos herdeiros do falecido.
  Certamente que os herdeiros da parte do processo de divórcio, estão em muito melhor posição que o Ministério Público, para se oporem ao pedido de revisão e confirmação da sentença de divórcio daquele a quem sucedem.
Não tem, aliás, suscitado dúvidas na jurisprudência comparada, que são parte legítima como autor da acção de revisão e confirmação de sentença de divórcio os herdeiros de parte entretanto falecida (Acórdão da Relação de Lisboa, de 20 de Fevereiro de 19902) e como réus da mesma acção todos os herdeiros da parte falecida, em litisconsórcio necessário passivo (Acórdão da Relação do Porto, de 11 de Fevereiro de 19923).
Procede, pois, o recurso.

IV – Decisão
Face ao expendido, concede-se provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido e o despacho liminar do Relator, na parte em que indeferiu a petição por manifesta falta de legitimidade passiva dos réus.
Sem custas.
Macau, 19 de Outubro de 2011.
   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Sam Hou Fai –
   Chan Kuong Seng


1 FERRER CORREIA, Lições de Direito Internacional Privado, I, Coimbra, Almedina, 2000, p. 454 e Lições de Direito Internacional Privado, Aditamentos, Coimbra, lições policopiadas, 1973, p. 4.
2 Processo n.º 0024241, em www. dgsi.pt.
3 Processo n.º 9140081, em www. dgsi.pt.
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Processo n.º 26/2011

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Processo n.º 26/2011