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Processo n.º 38/2011. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrentes: [Recorrente (1)], [Recorrente (2)], [Recorrente (3)] e [Recorrente (4)] Recorrida: [Recorrida (1)]
Assunto: Marcas. Erro ou confusão do consumidor. Actividades concorrentes. Matéria de facto. Matéria de direito.
Data do Acórdão: 26 de Outubro de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Lai Kin Hong.
SUMÁRIO:
I – É matéria de facto apurar o conteúdo dos sinais distintivos do comércio (marca e nome de estabelecimento, designadamente) e a existência de semelhanças e dissemelhanças entre eles. É matéria de direito concluir se a utilização de firma, nome ou insígnia de estabelecimento na composição de marca é susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão quanto à proveniência desta última.
II - Para se apurar se registo de marca deve ser recusado por força da alínea e) do n.º 2 do artigo 214.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (Decreto-Lei n.º 97/99/M, de 13 de Dezembro) há que apurar se existe susceptibilidade de erro ou confusão por parte do consumidor entre a marca e firma, denominação social, nome ou insígnia de estabelecimento, ou apenas com parte característica destes, utilizados na composição da marca e que não pertençam ao requerente da marca e que o mesmo não esteja autorizado a utilizar, tendo também em atenção as actividades exercidas pelas empresas em causa.
  III – Um consumidor médio em Macau, que não faça um exame atento ou confronto, pode confundir o nome de estabelecimento hoteleiro澳門置地廣場 [Ou Mun Chi Tei Kuong Cheong], que corresponde em inglês a Macau Landmark Plaza, com a marca香港置地 [Hong Kong Chi Tei], que corresponde em inglês a Hong Kong Landmark, esta destinada à classe 37 de serviços (construção e reparações).
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
[Recorrente (1)], [Recorrente (2)], [Recorrente (3)] e [Recorrente (4)] (doravante designadas de recorrentes), interpuseram recurso judicial do despacho de 22 de Novembro de 2005, da Chefe do Departamento de Propriedade Industrial, da Direcção dos Serviços de Economia, que concedeu o registo da marca N/XXXXX, para a classe 37, a [Recorrida (1)] (doravante designada de recorrida particular).
Por sentença, de 14 de Abril de 2010, foi provido o recurso, sendo revogado o despacho recorrido, negando-se o registo da mencionada marca.
A recorrida particular interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) que, por Acórdão de 31 de Março de 2011, concedeu provimento ao recurso, mantendo o despacho recorrido, que concedeu o registo da marca N/XXXXX, para a classe 37.
Inconformadas, recorrem [Recorrente (1)], [Recorrente (2)], [Recorrente (3)] e [Recorrente (4)] para este Tribunal de Última Instância (TUI), formulando as seguintes conclusões:
1. A marca em discussão nestes autos não difere, em nada essencial, da marca apreciada pelo douto Tribunal de Última Instância, no processo n.º 21/2009, onde o TUI julgou verificado o fundamento de recusa de marca previsto na alínea e) do n.º 2 do artigo 214.º do RJPI, recusando a final a marca pretendida registar pela [Recorrida (1)] – solução de direito que deve acompanhar-se nos presentes autos, recusando-se a marca N/XXXXX, porquanto os caracteres 香港 não são suficientes para o consumidor médio distinguir claramente a marca pretendida registar das firmas das Partes Contrárias, das suas marcas registadas N/XXXXX e N/XXXXX, e do seu Nome de Estabelecimento n.º E/XX.
2. Prevendo a hipótese de procedência de alguma das questões suscitadas pela [Recorrida (1)], e caso se entenda que a factualidade considerada assente na douta decisão do Tribunal Judicial de Base é insuficiente para nestes autos se fazer o mesmo enquadramento que fez o douto Tribunal de Última Instância no âmbito daquele processo N.º 21/2009, as ora Recorrentes impugnaram (em sede de contra-alegações apresentadas no douto Tribunal de Segunda Instância) e impugnam agora, subsidiariamente, ao abrigo e nos termos do n.º 2 do artigo 590.º e do artigo 650.º respectivamente, ambos do Código de Processo Civil, a matéria de facto seleccionada na primeira instância, que deve ser ampliada, por forma a incluir os factos alegados pelas ora Recorrentes no requerimento de recurso que apresentaram no Tribunal Judicial de Base a 10 de Fevereiro de 2006, incluindo os vertidos nos artigos 3.º, 4.º, 7.º, 37.º, 38.º, e 46.º a 56.º daquele requerimento, provados por profusa documentação então junta, a que nesses mesmos artigos se faz referência expressa.
3. Prevendo também a hipótese de procedência de alguma das questões suscitadas pela [Recorrida (1)], não se seguindo nestes autos o entendimento propugnado pelo douto Tribunal de Última Instância no supra citado processo n.º 21/2009, requerem também as ora Recorrentes, subsidiariamente, ao abrigo e nos termos do n.º 1 do artigo 590.º, do Código de Processo Civil, a ampliação do âmbito do recurso, por forma a que sejam analisados por V. Exas. os fundamentos de recusa previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º do RJPI (concorrência desleal), e na alínea b) do n.º 1 do artigo 214.º do RJPI (marca notória), não considerados na douta sentença da primeira instância, conforme a argumentação expendida nos artigos nos artigos 43.º a 45.º (com referência ao historial de pedidos de registo relatado nos artigos 3.º a 12.º e 14.º a 22.º), e 46.º e segs., do requerimento de recurso apresentado a 10 de Fevereiro de 2006, pelas ora Recorrentes, no Tribunal Judicial de Base.

II – Os factos
Os factos considerados provados pelos Tribunais de 1.ª e Segunda Instâncias, são os seguintes:
Em 16.11.2004 a Recorrida particular requereu o registo da marca N/XXXXX para os serviços da classe n.º 37 a qual consiste no seguinte:

- cf. fls. 1 do proc. adm. apenso -;
O pedido de registo foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (BORAEM), II Série, de 05.11.2005 – cf. fls. 13 do proc. adm. apenso -;
Por despacho de 22.11.2005 proferido a folhas 1198 do processo administrativo apenso foi concedido o pedido de registo da marca N/XXXXX com base nos fundamentos constantes da informação de folhas 1198/1208 do mesmo processo cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
O Despacho referido na alínea c) foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, II Série, de 11.01.2006 – cfr. fls. 1209 do proc. adm. apenso -;
As marcas N/XXXXX, N/XXXXX e N/XXXXX não foram concedidas – cfr. fls. 218/301 -.
A marca N/XXXXX constituída por
para a classe 35ª foi concedida a [Recorrente (4)] tendo sido requerida em 29.07.2003 – cf. fls. 386 -.
A marca N/XXXXX, para a classe 42ª foi concedida a [Recorrente (2)]. – cf. fls. 371/385.

III – O Direito
1. A questão a resolver
A primeira questão a resolver é a de saber se o registo da marca N/XXXXX 香港置地 [Hong Kong Chi Tei], para serviços da classe 37, devia ter sido recusado, por – na tese das recorrentes – os caracteres 置地 [ Chi Tei], que correspondem a Landmark em inglês, fazerem parte de nome de estabelecimento de uma das recorrentes, sendo susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão, por violar o disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 214.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, doravante designado por RJPI.
Entende-se que é este o sentido da 1.ª conclusão das recorrentes que, ao remeterem para o Acórdão deste Tribunal, de 21 de Outubro de 2009, no Processo n.º 21/2009, implicitamente pretendem significar que o Acórdão recorrido ao não acolher aquele Acórdão violou a mencionada norma, aliás citada na 1.ª conclusão. Não há, pois, necessidade de corrigir conclusões.

2. O litígio.
Foi deferido à recorrida particular [Recorrida (1)] o registo da marca N/XXXXX 香港置地 [Hong Kong Chi Tei], para serviços da classe 37.
Os caracteres 置地 [Chi Tei] é a expressão utilizada em chinês, que corresponde a “Landmark”.
Os caracteres 置地 [Chi Tei] fazem parte do nome de estabelecimento n.º E/XX, registado a favor de uma das recorrentes, [Recorrente (4)]. O mencionado nome de estabelecimento é澳門置地廣場 [Ou Mun Chi Tei Kuong Cheong], que corresponde a Landmark Plaza Macau.
Duas das recorrentes, uma das quais a titular do registo do mencionado nome de hotel, ostentam na firma a expressão “Landmark”.
O Acórdão recorrido considera que não foi violado o disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 214.º do RJPI – que dispõe que “O registo de marca é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha: e) A firma, nome ou insígnia de estabelecimento, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente ou que o mesmo não esteja autorizado a utilizar, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão”.
Para tal, entendeu o Acórdão recorrido que não foram alegados factos que permitam extrair a conclusão de que há possibilidade de induzir em erro ou confusão o público consumidor que estiver em contacto com um serviço assinalado pela marca que se pretende registar (para a classe 37) e a denominação social da 3.ª recorrente, donde consta a expressão Landmark.
Isto, porque considerou o Acórdão recorrido, que atentas as diferentes finalidades da marca e da firma (nome ou denominação social), só em casos muito especiais a coincidência de elementos entre a marca e a firma, pode induzir em erro ou confusão o público consumidor.
Acrescentou, ainda, o Acórdão recorrido, que só poderá haver indução em erro ou confusão do público consumidor “... quando estivermos perante uma afinidade de produtos ou serviços entre os correspondentes à marca registanda e às actividades desenvolvidas por uma dada empresa.
Seria levar muito longe a proibição de utilização de um elemento, ainda que parcial, existente numa dada firma, numa qualquer marca de um produto ou serviço que nada tivesse a ver com aquela empresa. Imagine-se v.g. a interessada na marca de um pneu ficar impedida de usar uma parte da firma de uma empresa detentora de um hotel”.

3. Marca. Confusão com nome de estabelecimento e com denominação social de outrem. Matéria de facto. Matéria de direito.
A marca e o nome de estabelecimento são direitos de propriedade industrial.
O direito de propriedade industrial confere ao respectivo titular a plena e exclusiva fruição, utilização e disposição das invenções, criações e sinais distintivos, dentro dos limites, condições e restrições fixados na lei (artigo 5.º do RJPI).
A marca destina-se a distinguir produtos ou serviços.
O nome de estabelecimento identifica o estabelecimento comercial.
A firma é o nome sob o qual o empresário comercial é conhecido no exercício da sua actividade (artigo 14.º do Código Comercial).
Como se sabe, vigora em matéria de marcas o princípio da especialidade, segundo o qual a marca há-de ser constituída por forma a que não se confunda com outra anteriormente adoptada para o mesmo produto ou semelhante.
Por outro lado, a alínea e) do n.º 2 do artigo 214.º do RJPI dispõe que “O registo de marca é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha: e) A firma, nome ou insígnia de estabelecimento, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente ou que o mesmo não esteja autorizado a utilizar, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão”.
Ora, a lei, ao proibir uma marca de conter a firma ou o nome de estabelecimento de outrem, ou apenas parte característica dos mesmos, quando susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão, estende o princípio da especialidade da marca aos demais sinais distintivos que não pertençam ao empresário, ou que este não esteja autorizado a usar. Pretende-se ainda “evitar a confusão de produtos de empresários diferentes: pretende-se concretamente evitar que um empresário possa sugerir, através da marca, que os produtos assinalados provêm de outro estabelecimento que não o seu”.1
Como se disse, não podem integrar a marca, a firma, nome ou insígnia de estabelecimento, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente ou que o mesmo não esteja autorizado a utilizar, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão.
Existe susceptibilidade de erro ou confusão do consumidor quando este só possa distinguir as marcas depois de exame atento ou confronto [artigo 215.º, n.º 1, alínea c) do RJPI].
Este princípio vale também quanto à possibilidade de confusão entre uma marca e um nome de estabelecimento ou uma firma.
O consumidor em causa deve ser o consumidor médio, ou seja, nem o particularmente esclarecido, nem o ignorante ou o distraído.
Em face dos princípios expostos, atendendo a que o Tribunal de Última Instância só conhece, em princípio, de matéria de direito, pode pôr-se a questão – aliás não suscitada pelas partes – do poder de cognição deste Tribunal para apreciar a questão em apreço.
Parece dever adoptar-se o seguinte critério: é matéria de facto apurar o conteúdo dos sinais distintivos do comércio em causa e a existência de semelhanças e dissemelhanças entre eles. É matéria de direito concluir se a utilização de firma, nome ou insígnia de estabelecimento na composição de marca é susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão quanto à proveniência desta última.

4. O caso dos autos
A parte característica do nome de estabelecimento registado com o n.º E/XX - 澳門置地廣場 [Ou Mun Chi Tei Kuong Cheong], que em inglês corresponde a Macau Landmark Plaza - a que lhe dá eficácia distintiva, é置地 [Chi Tei], ou seja, Landmark. Não é, nem 澳門 [Ou Mun], ou seja, Macau, nem [Kuong Cheong], ou seja, Plaza.
O referido estabelecimento é um hotel de Macau, comumente designado por Hotel Landmark.
Duas das recorrentes integram na sua denominação social a palavra “Landmark”: [Recorrente (3)] e [Recorrente (4)].
No Acórdão de 21 de Outubro de 2009, no Processo n.º 21/2009 dissemos que se discorda da tese, segundo a qual os caracteres香港, que significam Hong Kong, juntos aos caracteres置地 [Chi Tei] (que são a expressão utilizada em chinês para significar Landmark), ou seja, Hong Kong Landmark, permitam ao consumidor médio distinguir claramente a marca da recorrida particular香港置地 [Hong Kong Chi Tei], ou seja Hong Kong Landmark, do nome de estabelecimento - 澳門置地廣場 [Ou Mun Chi Tei Kuong Cheong], ou seja, Macau Landmark Plaza.
Na verdade, não parece que uma designação de proveniência geográfica, como Hong Kong, seja capaz de fornecer eficácia distintiva aos caracteres置地 [Chi Tei].
Manifestamente, na marca香港置地 [Hong Kong Chi Tei], que corresponde a Hong Kong Landmark, não é a designação “Hong Kong” que tem eficácia distintiva. É antes置地 [Chi Tei], ou seja, “Landmark”.
O mesmo acontece no nome de estabelecimento - 澳門置地廣場 [Ou Mun Chi Tei Kuong Cheong], ou seja, Macau Landmark Plaza. O que tem capacidade distintiva é置地 [Chi Tei], ou seja, “Landmark”.
Da mesma maneira, recorrendo a um exemplo, nos nomes Holiday Inn Hong Kong e Holiday Inn Plaza, o que tem carácter distintivo é Holiday Inn e não Hong Kong ou Plaza. Um consumidor médio pensará que há ligação entre os dois nomes. Isto sem esquecer que, provavelmente, Holiday Inn é uma marca mais forte que Landmark.
O mesmo se diga quanto à firma de duas das recorrentes. O elemento característico é a palavra Landmark.
No caso dos autos, um consumidor médio em Macau, que não faça um exame atento ou confronto, pode confundir o nome do estabelecimento e as duas firmas com a marca, pode pensar que a marca está ligada ao estabelecimento de hotel Landmark, que aquela marca provém deste estabelecimento.
Afigura-se-nos, portanto, que a mencionada marca, a que foi concedido o registo em Macau, é susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão com o nome do estabelecimento.

5. O pretenso requisito das actividades concorrentes na alínea e) do n.º 2 do artigo 214.º do RJPI
No Acórdão recorrido discorda-se do dito acima, por se entender que a alínea e) do n.º 2 do artigo 214.º do RJPI só se aplica quando estiverem em causa actividades concorrentes, quando haja uma afinidade de produtos ou serviços entre os correspondentes à marca e as actividades desenvolvidas pela empresa cujo nome de estabelecimento ou firma são utilizados.
Com esta dimensão e conteúdo discorda-se desta tese.
Na verdade, este princípio só está estabelecido na lei para a marca que imite ou reproduza outra marca. Mas já não o está para marca que imite ou reproduza firma, nome ou insígnia de estabelecimento de outrem, como resulta do n.º 2 do artigo 214.º do RJPI, que dispõe:
“2. O pedido de registo também é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha:
a)...
b) Reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada;
c) ...
d) ...
e) A firma, nome ou insígnia de estabelecimento, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente ou que o mesmo não esteja autorizado a utilizar, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão;
f) ...” [artigo 214.º, n.º 2, do RJPI].
Diga-se, a propósito, que algumas legislações, como a espanhola2, a italiana e a francesa,3 expressamente incluem na norma que se refere à impossibilidade de composição de marca com firma ou nome de estabelecimento de outrem, o requisito de estas empresas terem actividade semelhante ou afim da marca que se quer registar.
Mas não é, como se viu, o caso da legislação de Macau, nem da portuguesa.
Ora, como o legislador de Macau e o português conhecem as legislações europeias, parece ser razoável retirar algum argumento de aquelas ordens jurídicas não mencionarem o requisito apontado quando estatuem sobre a composição da marca com a firma, nome ou insígnia de estabelecimento, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente da marca.
Assim, para o RJPI, o fundamental é que a composição de marca com imitação ou reprodução de firma, nome ou insígnia de estabelecimento, ou apenas parte característica dos mesmos, pertencentes a outrem, seja susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão. Se o for, deve recusar-se o registo da marca, ainda que as actividades das empresas em causa não sejam idênticas ou afins.
É certo que parte da doutrina portuguesa – provavelmente influenciada por legislações que expressamente exigem o requisito da actividade idêntica ou similar – defende igualmente o requisito na Ordem Jurídica Portuguesa. Mas fá-lo, não irrestritamente, mas apenas como regra tendencial, “em princípio” “ou por regra” são as palavras utilizadas por LUÍS COUTO GONÇALVES4.
Assim, é que MARIA MIGUEL ROCHA MORAIS DE CARVALHO5 sustenta que “Julgamos porém, que, se os produtos (ou serviços) assinalados pela marca se inserirem numa actividade bem diferente do sector em que o titular da firma ou denominação actua, pode ser difícil existir susceptibilidade de erro ou confusão por parte dos consumidores”.
Ou seja, esta autora parte do requisito da susceptibilidade de erro ou confusão por parte dos consumidores, para defender que esta pode ser difícil numa actividade bem diferente do sector em que o titular da firma ou denominação actua; o que é substancialmente diverso de se erigir como requisito de recusa do registo de marca a actividade similar da firma ou nome de estabelecimento reproduzidos.
De resto, LUÍS COUTO GONÇALVES faz alguma distinção entre o nome e insígnia de estabelecimento, por um lado e a firma ou denominação social, por outro, em ambos os casos, quando utilizados na composição de marcas. Depois de defender a sua tese de que a proibição da marca só deve operar em relação a actividades concorrentes, acrescenta “... sem prejuízo de se nos afigurar aceitável ampliar a noção de concorrência no caso de o conflito ocorrer entre a marca e a firma e denominação social, em virtude do carácter potencialmente mais versátil e abrangente destes sinais”6.
Ora, no caso dos autos também ocorre conflito entre marca e firmas.
Afigura-se-nos, pois, que centrar a análise comparativa da marca com a firma ou denominação social ou com o nome ou insígnia de estabelecimento utilizados, apurando a susceptibilidade de erro ou confusão por parte do consumidor – tendo também em atenção as actividades exercidas pelas empresas em causa – está mais de acordo com o critério legal.
Neste sentido, parece propender JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU7 que, após transcrever a alínea f) do n.º 1 do artigo 189.º do Código da Propriedade Industrial português de 1995 – semelhante à alínea e) do n.º 1 do artigo 214.º do diploma de Macau – refere: “O consumidor seria induzido em erro ou confusão quando, designadamente, julgasse que a marca pertencia ao titular dos citados sinais distintivos ou os produtos marcados provinham desse sujeito (não necessariamente concorrente do requerente do registo da marca)”.
O que não constitui motivo para perplexidade, já que, em relação a determinadas marcas (de prestígio), a reprodução, imitação ou tradução destas marcas é motivo de recusa de registo de marca em Macau, em determinadas circunstâncias, ainda que esta se destine a produtos ou serviços sem afinidade com as primeiras8.
  Parafraseando M. NOGUEIRA SERENS9, a propósito da questão inversa, do monopólio inerente à titularidade da marca, diremos que se deve reconhecer ao titular de firma ou denominação social ou de nome ou insígnia de estabelecimento a prerrogativa de impedir o uso dos seus sinais em marcas sempre que, não obstante a inexistência do risco de os círculos relevantes do tráfico confundirem os próprios sinais, não existindo, “... o risco de julgarem que os sinais em causa cabiam à mesma empresa, haja, porém, o risco de esses círculos do tráfico serem erradamente levados a supor que a empresa do titular da marca e a empresa do titular da firma/denominação ou do nome do estabelecimento são empresas entre as quais intercedem especiais relações económicas ou estreitas conexões organizatórias (v.g., contrato de licença de marca, como elemento ou não de um contrato de franchising, e relação de grupo)”.
  
  6. Novamente, o caso dos autos
Pois bem, no caso dos autos o nome do estabelecimento em causa, Landmark, refere-se a um conhecido hotel de 5 estrelas, em Macau, com lojas de prestígio, onde está instalado um casino. Trata-se de um facto notório – por ser do conhecimento geral - que não necessita, nem de alegação, nem de prova (artigo 434.º, n.º do Código de Processo Civil).
A classe para a qual se pretende o registo da marca é a 37, que se refere a serviços de construções e reparações.
Aparentemente, são actividades completamente diversas, mas uma análise mais pormenorizada permite comprovar certas sinergias e complementaridades entre as mencionadas actividades.
Normalmente, quem está ligado à construção civil são os grandes grupos ligados ao imobiliário. Será, aliás, o caso da requerente da marca, a [Recorrida (1)], e respectivo grupo, que é, fundamentalmente, um grande investidor em toda a Ásia (Hong Kong, Macau, Interior da China, Singapura, Tailândia, Vietname, Indonésia), nas áreas do desenvolvimento imobiliário e da administração imobiliária, listada nas bolsas internacionais, como, também, é público e notório.
Não é raro as grande empresas ligadas ao imobiliário terem também interesses na área dos hotéis.
É até o caso da empresa que pretende registar a marca dos autos, a [Recorrida (1)]: está integrada no grupo Jardine Matheson, que é o accionista maioritário dos hotéis Mandarin Oriental, cadeia internacional de hotéis de luxo, de 5 estrelas, como é público.
Por outro lado, uma das recorrentes que ostenta o nome Landmark, está precisamente ligada a uma das actividades principais da requerente da marca, a [Recorrida (1)]. Na verdade, a denominação social da 3.ª recorrente é, precisamente, [Recorrente (3)].
E o Hotel Landmark está registado como nome de estabelecimento a favor de uma das recorrentes, [Recorrente (4)], que ostenta, portanto, igualmente, a expressão Landmark na sua firma.
Por conseguinte, é perfeitamente possível que um consumidor médio suponha que existe uma ligação entre o Hotel Landmark de Macau, a [Recorrente (3)] e [Recorrente (4)] com a marca que se pretende registar para serviços ligados à construção e reparações, que ostenta o nome Landmark, na versão em língua chinesa, cujo requerente desenvolve a sua actividade na área imobiliária e que está integrada em grupo que é o accionista maioritário de cadeia internacional de hotéis de luxo, de 5 estrelas.
Entende-se, portanto, haver susceptibilidade de erro ou confusão por parte do consumidor relativamente à composição da marca N/XXXXX, para a classe 37, com a parte característica (Landmark) das firmas [Recorrente (3)] e [Recorrente (4)] e com o nome de estabelecimento澳門置地廣場 [Ou Mun Chi Tei Kuong Cheong], que corresponde a Landmark Plaza Macau.
O despacho da Chefe do Departamento de Propriedade Industrial violou, assim, o disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 214.º do RJPI, impondo-se a sua anulação, para que seja substituído por outro que recuse o registo da marca N/XXXXX, para a classe 37.
Procede, assim, o recurso.
Está prejudicado o exame dos restantes fundamentos do recurso.


IV – Decisão
Face ao expendido, dão provimento ao recurso e anulam o despacho de 22 de Novembro de 2005, da Chefe do Departamento de Propriedade Industrial, da Direcção dos Serviços de Economia, que concedeu o registo da marca N/XXXXX, para a classe 37, a [Recorrida (1)], devendo ser substituído por outro que negue o registo.
Custas pela recorrida particular em todas as instâncias.
  Macau, 26 de Outubro de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Sam Hou Fai –
Lai Kin Hong (com declaração de voto de vencido)
Processo nº 38/2011
Declaração de voto de vencido


Vencido por entender que para a efectivação dos efeitos protectores do artº 214º/2-e) do RJPI, é preciso demonstrar nos autos que a adopção da marca registanda seja susceptível de induzir os consumidores em erro ou confusão, por forma a levá-os a associar os produtos ou serviços que a marca registanda visa identificar aos provenientes do titular da determinada firma, nome ou insígnia de estabelecimento que conhecem, fazendo com que o titular da marca registanda possa tirar partido indevido do prestígio dessa firma, nome ou insígnia de estabelecimento e prejudicá-lo, o que in casu não foi demonstrado.

Eis as razões que me levaram a não subscrever o Acórdão antecedente.

RAEM, 26OUT2011

O juiz adjunto,


Lai Kin Hong

1 FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Universidade de Coimbra, Volume I, 1973, p. 328 e nota (2).
2 Artigo 7.º da Lei 17/2001, de 7 de Dezembro:
“Artículo 7.
Nombres comerciales anteriores.
1. No podrán registrarse como marcas los signos:
a) Que sean idénticos a un nombre comercial anterior que designe actividades idénticas a los productos o servicios para los que se solicita la marca.
b) Que por ser idénticos o semejantes a un nombre comercial anterior y por ser idénticas o similiares las actividades que designa a los productos o servicios para los que se solicita la marca, exista un riesgo de confusión en el público; el riesgo de confusión incluye el riesgo de asociación con el nombre comercial anterior.
2. ...”
3 LUÍS COUTO GONÇALVES, Manual de Direito Industrial, Coimbra, Almedina, 2008, 2.ª edição, p. 287 e nota 585.
4, LUÍS COUTO GONÇALVES, Direito de Marcas, Coimbra, Almedina, 2008, 2.ª edição, p. 123 e nota 276, que cita, aliás, jurisprudência do Supremo português nos dois sentidos, LUÍS COUTO GONÇALVES, Manual..., p. 287 e Código da Propriedade Industrial Anotado, coordenado por ANTÓNIO CAMPINOS e LUÍS COUTO GONÇALVES, Coimbra, Almedina, 2010, p. 468.
5 MARIA MIGUEL ROCHA MORAIS DE CARVALHO, Merchandising de Marcas (A Comercialização do Valor Sugestivo das Marcas), Coimbra, Almedina, 2003, p. 97.
6 LUÍS COUTO GONÇALVES, Manual..., p. 287.
7 JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Coimbra, Almedina, 1999, p. 337 e nota (95).
8 O registo de marca é recusado quando … A marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem afinidade, constitua reprodução, imitação ou tradução de uma marca anterior que goze de prestígio em Macau, e sempre que a utilização da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou possa prejudicá-los (artigo 214.º, n.º1, alínea c) do RJPI).
9 M. NOGUEIRA SERENS, Aspectos do Princípio da Verdade da Marca, Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo, Coimbra, 2003, p. 659, final da nota 48.
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1
Processo n.º 38/2011

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Processo n.º 38/2011