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Processo n.º 36/2011. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrente: A.
Recorrido: Ministério Público.
Assunto: Medida da pena. Recurso para o Tribunal de Última Instância.
Data do Acórdão: 28 de Setembro de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Lai Kin Hong.
SUMÁRIO:
  I - Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada.
  II - Isto é, quando está em causa a dosimetria da pena criminal, não cabe ao Tribunal de Última de Instância averiguar se a pena aplicada pelo Tribunal de Segunda Instância teria sido aquela que o TUI aplicaria se julgasse em primeira ou em segunda instâncias.
O Relator
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
  I – Relatório
  O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 13 de Abril de 2011, condenou o arguido A, pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão.
  O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 7 de Julho de 2011, negou provimento ao recurso interposto pelo arguido, com um voto de vencido que propendeu para uma pena de 8 (oito) anos e 10 (dez) meses de prisão.
  Ainda inconformado, recorre o arguido para este Tribunal de Última Instância (TUI), terminando com as seguintes conclusões úteis:
  - O recorrente considera que a pena determinada é excessiva.
  - Consultado o recurso em processo penal n.º 3/2011 do TUI, constata-se que, num caso semelhante ao do presente processo, a arguida que também praticou o crime prevista no art.º 8.º, n.º1 da Lei n.º 17/2009, foi condenada em primeira instância (processo n.º CR1-09-0179-PCC) na pena de prisão de 6 anos.
  - O recorrente é delinquente primário, sendo filho mais velho da família, além de ter os pais a seu cargo, necessita de suportar os custos de vida e dos estudos dos seus cinco irmãos mais novos; mais, como único agente económico da família, precisa de suportar o pesado encargo económico.
  - O recorrente compreende que os casos distintos devem ser analisados e ajuizados com base na sua situação concreta. Contudo, comparado o caso precedente acima exposto com o do presente processo, atendendo às circunstâncias deste caso, constata-se facilmente que a pena determinada é notoriamente excessiva.
  Na resposta à motivação do recurso a Ex.ma Procuradora-Adjunta defendeu que a pena aplicada não é desproporcional, mas não lhe repugnaria a aplicação de uma pena de 9 (anos) de prisão.
  No seu parecer, a Ex.ma Procuradora-Adjunta manteve a posição já assumida na resposta à motivação.
  
  II – Os factos
  As instâncias consideraram provados os seguintes factos:
“1. Em 3 de Março de 2010, pelas 21 horas, na zona de recolha de bagagens de salão de chegada do Aeroporto Internacional de Macau, os agentes da PJ interceptaram o arguido A que acabou de chegar em Macau de Kuala Lumpur no voo.
2. Tendo suspeito de que o arguido A estava guardado com droga no interior do corpo, os agentes da PJ levaram-no ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário para ser examinado.
3. No Centro Hospitalar Conde S. Januário, após uma tomografia axial computorizada à cavidade abdominal do arguido A, foi verificada a existência de grande quantidade de objectos estranhos no interior do corpo do arguido (vide o relatório de diagnose constante das fls. 29 a 30 dos autos).
4. A seguir, os agentes da PJ levaram o arguido A à Divisão de Investigação e Combate ao Tráfico de Estupefacientes da PJ para fazer investigação.
5. Desde as 10h15 de 4 de Março até às 9h30 de 7 de Março de 2010, na Divisão de Investigação e Combate ao Tráfico de Estupefacientes da PJ, o arguido A excretou do seu corpo 68 grãos de pó, em forma oval e de cor creme (vide o auto de apreensão constante das fls. 42 dos autos).
6. Submetidos a exame laboratorial, os supracitados 68 grãos de pó revelaram tratar-se de “heroína”, substância abrangida pela tabela I-A anexa à Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 1002,53 gramas (após análise quantitativa, verificou-se que a proporção de “heroína”de 8 dos grãos era de 50,56%, com peso líquido de 59,82 gramas; e a proporção de “heroína”nos restantes 60 grãos era de 54,45%, com peso líquido de 481,45 gramas).
7. As drogas acima referidas foram fornecidas ao arguido A por indivíduo de identidade desconhecida para guardar no interior do corpo e entregar a indivíduo de identidade desconhecida no Interior da China.
8. O arguido A trouxe com ele as supracitadas drogas com o objectivo de obter retribuição de USD$7,000.00
9. Em 5 de Março de 2009, na PJ, os agentes encontraram na posse do arguido A um telemóvel de marca NOKIA, um cartão SIM, um bilhete de avião electrónico e um cartão de embarque (vide o auto de apreensão constante das fls. 31 dos autos).
10. O telemóvel (junto com o cartão) e o bilhete de avião electrónico acima referidos eram instrumentos de comunicação e bilhete de avião utilizados pelo arguido A para o tráfico de drogas.
11. O arguido A agiu de forma livre, voluntária e consciente ao praticar as condutas acima referidas.
12. O arguido A conhecia bem a natureza e as características das drogas acima referidas.
13. As supracitadas condutas do arguido A não foram autorizadas por lei.
14. O arguido A sabia bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
O arguido era comerciante de vestuário antes de ser preso, auferindo mensalmente USD$5,000.00
O arguido é solteiro e tem a seu cargo os pais e 5 irmãos.
O arguido é delinquente primário e confessou sem reservas todos os factos lhe imputados”.
  
  III - O Direito
  1. A questão a resolver
  A questão a resolver é a de saber se o Acórdão recorrido aplicou ao recorrente uma pena demasiado pesada pela prática do crime de tráfico de estupefacientes.
  
  2. Medida da pena
  Quanto à questão suscitada a propósito da medida da pena este Tribunal tem entendido que “Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada” (Acórdãos de 23 de Janeiro e 19 de Setembro de 2008 e 29 de Abril de 2009, respectivamente, nos Processos n. os 29/2008, 57/2007 e 11/2009).
  Isto é, quando está em causa a medida concreta da pena, não cabe a este Tribunal averiguar se a pena criminal aplicada pelo TSI teria sido aquela que o TUI aplicaria se julgasse em primeira ou em segunda instâncias.
  No caso dos autos, em que o TUI intervém em terceiro grau de jurisdição, ponderando a sua posição no sistema judiciário e à competência visando sobretudo a correcção da aplicação do Direito, não lhe cabe apreciar a dosimetria concreta da pena, a menos que ela se mostre completamente desajustada, ou seja, quando a mesma seja de todo desproporcionada face aos factos.
  É que a aplicação da pena contém alguma discricionariedade judicial, entendida esta como a actividade do tribunal que não se esgota com a mera subsunção silogístico-formal, que não se compadece com o controlo que os sistemas judiciários e processuais semelhantes, neste aspecto, ao de Macau, atribuem aos tribunais supremos.1
  Outrossim, cabe ao TUI sindicar a violação de regras de direito ou de experiência na aplicação da pena.
  No caso dos autos não foi alegada qualquer violação de vinculação legal ou de regras da experiência.
  Por outro lado, face a penas aplicadas em casos com alguma semelhança com o dos autos – arguidos que eram correios de droga, transportando quantidades semelhantes de heroína (Acórdãos de 8 de Julho de 2011 e de 6 de Outubro de 2010, respectivamente nos Processos n. os 30/2011 e 43/2010) - a pena aplicada não se mostra desproporcionada.
  É, pois, o recurso manifestamente improcedente.
  Impõe-se, portanto, a rejeição do recurso (artigo 410.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
  
  IV – Decisão
  Face ao expendido, rejeitam o recurso.
  Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 2 UC, suportando ainda a quantia de MOP$2.000,00 (duas mil patacas), nos termos do n.º 4 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
  Fixam os honorários do defensor do arguido em mil patacas.
Macau, 28 de Setembro de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Sam Hou Fai –
Lai Kin Hong
1 J. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2.ª reimpressão, 2009, p. 194 e 197, citando MAURACH/ZIPF, quanto à segunda asserção.
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