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Processo nº 447/2010
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se:
- condenar o (1º) arguido A, pela prática dum crime de “tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão; e,
- condenar o (2º) arguido B, pela prática dum crime de “tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 10 anos de prisão; (cfr., fls. 361-v a 362).

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Inconformados, os arguidos recorreram.

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Na sua motivação e conclusões de recurso, formula o recorrente A as conclusões seguintes:
“1. O acórdão recorrido padece do vício previsto pelo art.º 400.º n.º 1 do Código de Processo Penal, porque violou os dispostos nos art.º s 22.º, 40.º, 65.º, 66.º, 67.º do Código Penal de Macau e no art.º 18.º da Lei n.º 17/2009 no aspecto de aplicação da lei e determinação da medida da pena.
2. Na parte de “determinação da medida da pena” do acórdão recorrido, apontou-se que ao aplicar a velha lei, teve-se em consideração o art.º 8.º n.º 1, o art.º 10.º al. g) e o art.º 18.º do DL n.º 5/91/M, o art.º 22.º n.º 2, o art.º 65.º e o art.º 67.º do Código Penal de Macau, e o respectivo critério de determinação da medida da pena, “considerando que trata-se de crime de tráfico de drogas internacional, e que apenas o 1º arguido A é delinquente primário e confessou por sua iniciativa a prática dos crimes acusados, manifestou arrependimento e cooperou por sus iniciativa com a polícia...” (vide as fls. 9 do acórdão recorrido), pelo que entendeu-se que é o mais adequado condenar o arguido na pena de prisão de 7 anos e na multa de MOP$10.000,00.
3. E ao aplicar a nova lei ao recorrente, o acórdão considerou o art.º 8.º n.º 1 e o art.º 18.º da Lei n.º 17/2009, e apontou que “não há circunstâncias agravantes” (vide as fls. 10 do acórdão recorrido). Por isso, condenou-se o recorrente na pena de prisão de 6 anos e 6 meses.
4. Porém, o recorrente está inconformado com a punição da pena de prisão de 6 anos e 6 meses lhe aplicada segundo a nova lei no acórdão recorrido, porque ao aplicar a nova lei (a Lei n.º 17/2009), o acórdão recorrido só apontou que as circunstâncias do recorrente (o 1º arguido) deram lugar à atenuação especial de pena prevista pelo art.º 18.º da mesma Lei, mas não foram aplicados ao recorrente os dispostos no art.º 22.º, art.º 66.º, n.º 1 e n.º 2, al. s c) e d) do Código Penal de Macau.
5. Nos termos do art.º 66.º n.º 3 do Código Penal de Macau: “Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou em conjunto com outras, der lugar simultaneamente a uma atenuação especial da pena expressamente prevista na lei e à atenuação prevista neste artigo.”
6. Mas se existir mais de uma circunstância que der lugar a uma atenuação especial da pena prevista na lei, cada circunstância atenuante diferente deve dar lugar à atenuação especial da pena desde que não seja a consideração “repetida” da respectiva circunstância atenuante.
7. “3 – Face ao disposto no n.º 3 do art.º 72.º do C. Penal (“Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou em conjunto com outras, der lugar simultaneamente a uma atenuação especial da pena expressamente prevista na lei e à atenuação prevista neste artigo.”) têm-se entendido que houve a preocupação de afastar a dupla valoração e não a dupla atenuação.” (o sublinhado é do recorrente, vide a sentença n.º 07P2300 proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça de Portugal em 7 de Maio de 2007)
8. Pode-se ver que o art.º 66.º n.º 3 do Código Penal de Macau não exclui a aplicação de “dupla atenuação especial da pena”.
9. Nos factos provados no acórdão recorrido apontou-se que o recorrente (o 1º arguido) não só admitiu por sua iniciativa à polícia que escondeu drogas no interior do seu corpo, mas também seguiu as instruções dos agentes da PJ e esperou no hotel pela chamada do “C” (vide as fls. 4 do acórdão recorrido).
10. Por um lado, o recorrente (o 1º arguido) não teve sucesso em entregar as drogas ao 2º arguido, abandonou a prática do crime e “confessou por sua iniciativa a prática dos crimes acusados, manifestou arrependimento” (vide as fls. 9 do acórdão recorrido), preenchendo os dispostos no art.º 22.º, art.º 66.º, n.º 1 e n.º 2, al. s c) e d) do Código Penal de Macau.
11. Por outro lado, o recorrente “cooperou por sua iniciativa com a polícia” (vide as fls. 9 do acórdão recorrido), prestou ajudas à polícia na recolha de provas e desempenhou um papel decisivo na identificação e captura do 2º arguido B, preenchendo os dispostos de atenuação especial da pena no art.º 18.º n.º 2 da Lei n.º 17/2009.
12. Para o recorrente, existem obviamente duas ou mais de duas circunstâncias diferentes de atenuação especial da pena. Pelo que deve-se fazer dois cálculos de atenuação especial para a respectiva moldura penal abstracta. Então a respectiva moldura penal deve ser reduzida à pena de prisão de 1 mês a 6 anos e 8 meses em vez de 7 meses e 6 dias a 10 anos.
13. Pelo que em caso de a moldura penal ter limite máximo de 6 anos e 8 meses, o acórdão recorrido condenou o recorrente (o 1º arguido) na pena de prisão de 6 anos e 6 meses, violando os dispostos no art.º 66.º, n.º 1, n.º 2, al. s c) e d), e n.º 3 do Código Penal de Macau.
14. Se não se concordar que as circunstâncias dos actos criminosos do recorrente constituem tentativa do crime prevista pelo art.º 22.º do Código Penal de Macau, e se não se concordar que as circunstâncias em causa constituem circunstâncias atenuantes especiais previstas pelo art.º 66.º do mesmo Código, não se obsta à apresentação dos seguintes fundamentos do recorrente:
15. O acórdão recorrido entendeu que o recorrente (o 1º arguido) tinha as circunstâncias agravantes previstas pelo art.º 10.º al. g) do DL n.º 5/91/M, e também preencheu os dispostos de atenuação especial da pena (art.º18.º do mesmo DL), reduziu a respectiva moldura penal à pena de prisão de 2 a 10 anos e de multa. Dentro desta moldura penal, o acórdão recorrido condenou o recorrente na pena de prisão de 7 anos e na multa de MOP$10.000,00 (vide as fls. 8 do acórdão recorrido).
16. Na aplicação da Lei n.º 17/2009, não só é aplicável ao recorrente os dispostos de atenuação especial da pena, mas também não há qualquer circunstância agravante. Na moldura penal da pena de prisão de 7 meses e 6 dias a 10 anos, o acórdão recorrido condenou o recorrente na pena de prisão de 6 anos e 6 meses.
17. Em comparação com a pena de prisão de 7 anos em caso de aplicar a velha lei (existe circunstância agravante), a pena de prisão só é reduzida de 6 meses em caso de aplicar a nova lei (não existe circunstância agravante).
18. A moldura penal tem limite mínimo de 2 anos em caso de aplicar a velha lei, e tem limite mínimo de 7 meses e 6 dias em caso de aplicar a nova lei, razão pela qual o recorrente entende que a pena de prisão de 6 anos e 6 meses na aplicação da nova lei é demasiado grave e inadequada.
19. Apesar de o Colectivo não concordar com os fundamentos supracitados, tende em conta que “o recorrente é delinquente primário e confessou por sua iniciativa a prática dos crimes acusados durante a investigação, manifestou arrependimento e cooperou por sus iniciativa com a polícia”, e que fez uma confissão de livre vontade e sem reservas na audiência de julgamento, é inadequado condenar o recorrente na pena de prisão de 6 anos e 6 meses.”; (cfr., fls. 373 a 381 e 459 a 471).

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Por sua vez, conclui o recorrente B que:
“1. O tribunal a quo condenou o recorrente B, pela prática dum crime de tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de prisão de 10 anos.
2. O recorrente interpôs o presente recurso contra o acórdão do tribunal colectivo a quo e tem como fundamento questão de aplicação da lei (art.º 400.º n.º 1 do Código de Processo Penal).
3. Em relação à determinação da medida da pena do crime de “tráfico ilícito de estupefaciente e de substâncias psicotrópicas”, o recorrente entende que o tribunal colectivo a quo teve erro na fixação da forma do crime do recorrente, ou seja erro na aplicação da lei, razão pela qual determinou para o recorrente uma medida da pena demasiado grave.
4. Conforme os factos dados como provados na audiência de julgamento, os depoimentos das testemunhas e o relatório de inquérito constante das fls. 5 a 7 dos autos, o recorrente e o 1º arguido cometeram crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, mas as condutas do recorrente, o seu papel de pessoa de contacto de drogas e as circunstâncias preencheram a forma de crime não consumado prevista pelo art.º 21.º do Código Penal de Macau e deve-se, ao abrigo dos dispostos nos art.º s 22.º e 67.º do Código Penal de Macau, aplicar ao recorrente atenuação especial da pena.
5. Na altura em que o recorrente praticou os actos criminosos o DL n.º 5/91/M ainda estava vigente, mas a Lei n.º 17/2009 entrou em vigor desde 10 de Setembro de 2009, estabelecendo medidas de prevenção e de repressão da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas e revogando o DL n.º 5/91/M.
6. Apesar de os factos do presente processo terem lugar antes da entrada em vigor da nova lei, nos termos do art.º 2.º n.º 4 do Código Penal de Macau, quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, salvo se já tiver havido condenação transitada em julgado.
7. Pelos expostos, ao abrigo dos dispostos no art.º 2.º n.º 4 do Código Penal de Macau e na Lei n.º 17/2009, por a punição na nova lei para o recorrente é mais leve, o tribunal a quo devia aplicar a nova lei, e por tratar-se de crime não consumado, deve-se conceder ao recorrente atenuação especial da pena, com a moldura penal original de pena de prisão de 3 a 15 anos reduzida à pena de prisão de 7 meses e 6 dias a 10 anos.
8. No presente recurso, a personalidade e a condição da vida do recorrente é: tanzaniano, casado, comerciante e residente na Tanzânia.
9. O recorrente entende que o tribunal a quo não o condenou pela prática em forma tentativa do crime supracitado de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, nem lhe concedeu atenuação especial, violando o disposto de “a determinação da medida da pena, dentro do limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal” previsto pelo art.º 65.º do Código Penal de Macau, causando que a determinação da medida da pena do era demasiado grave.
10. O recorrente espera que o tribunal superior considere prudentemente os fundamentos supracitados, condene o recorrente pela prática em forma tentativa do crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, conceda-lhe atenuação especial e reduza a moldura penal à pena de prisão de 7 meses e 6 dias a 10 anos.”; (cfr., fls. 382 a 391 e 472 a 484).

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Em resposta ao recurso interposto pelo (1°) arguido A, assim conclui a Exm.a Representante do Ministério Público:
“1. No presente processo, o tribunal a quo condenou o arguido A, pela prática dum crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de prisão de 6 anos e 6 meses.
2. O recorrente (o arguido) está inconformado com o acórdão do tribunal a quo, entende que este violou os dispostos nos art.º s 22.º, 40.º, 65.º, 66.º e 67.º do Código Penal de Macau e no art.º 18.º da Lei n.º 17/2009, solicitando que revogasse o respectivo acórdão e aplicasse penas mais leves.
3. Em relação à medida da pena, na petição de recurso o recorrente referiu que o tribunal a quo devia aplicar a dupla atenuação especial da pena, aplicando tanto os dispostos no art.º 18.º da Lei n.º 17/2009 (adiante designada por nova lei) como os dispostos da tentativa do crime e de atenuação especial da pena no Código Penal de Macau (art.º 22.º, art.º 66.º, n.º 1 e n.º 2, al. s c) e d)); senão entender assim, o recorrente alegou que na aplicação da Lei n.º 17/2009, por não existir circunstância agravante prevista pelo art.º 10.º al. g) do DL n.º 5/91/M (adiante designado por velha lei), após atenuação especial, a pena condenada é mais grave em comparação com a na velha lei.
4. Analisando as respectivas disposições nas leis nova e velha, consultando o teor do acórdão do tribunal colectivo a quo e considerando as circunstâncias concretas deste processo, entendemos que é obviamente improcedente o recurso.
5. É de aclarar que apesar de o tribunal a quo ter mencionado o art.º 22.º n.º 2 (punibilidade da tentativa) do Código Penal de Macau na determinação da medida da pena, não qualificou a forma do crime do recorrente como não consumado, isso já foi dito expressamente no acórdão do tribunal colectivo a quo, pelo que quer aplique a nova lei quer aplique a velha lei, os actos criminosos do recorrente não constituem tentativa.
6. O recorrente referiu ao mesmo tempo que, ao abrigo do disposto no art.º 66.º n.º 3 do Código Penal de Macau, as circunstâncias atenuantes diferentes podem dar lugar à mais de uma única atenuação especial da pena desde que não seja a consideração “repetida” da respectiva circunstância atenuante, e as circunstâncias do recorrente no presente processo preenchem os dispostos no art.º 22.º, art.º 66, n.º 2, al. s c) e d) do Código Penal de Macau e no art.º 18.º da nova lei, a respectiva pena deve ser atenuada especialmente pelo menos duas vezes. Para o efeito, o recorrente também citou assentos judiciais do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal.
7. No n.º 3 do art.º 66.º do Código Penal de Macau prevê-se que na aplicação da pena, é permitido atenuar especialmente várias vezes as circunstâncias diferentes, desde que estas não sejam a dupla medida duma mesma circunstância, mas só pode ser especialmente atenuada uma única vez a circunstância que, por si mesma ou em conjunto com outras, der lugar simultaneamente a uma atenuação especial da pena expressamente prevista na lei e à situação prevista no art.º 66.º. Esta opinião foi primeiro apresentada no livro Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime (fls. 313, secção n.º 466), escrito pela autoridade da doutrina de direito penal de Portugal, Dr. Jorge de Figueiredo Dias em 1993, e mais tarde foi reconhecida pela legislação.
8. Mas a situação deste processo é exactamente a segunda: as circunstâncias iguais deram lugar a uma atenuação especial da pena expressamente prevista na lei especial.
9. O art.º 18.º n.º 2 da velha lei e o art.º 18.º da nova lei prevêem que, no caso de prática das actividades de tráfico de drogas, se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela causado, auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis , especialmente no caso de grupos, organizações ou associações, poderá a pena ser-lhe livremente atenuada ou decretar-se mesmo a isenção.
10. O recorrente confessou por sua iniciativa os factos criminosos, cooperou activamente com a polícia e fez com que o 2º arguido ficasse preso. As suas condutas diminuíram consideravelmente a ilicitude dos factos, não só constituindo circunstâncias de atenuação especial previstas no art.º 18.º n.º 2 da velha lei e no art.º 18.º da nova lei, mas também demonstrando actos de arrependimento sincero previstos pelo art.º 66.º n.º 3 al. c) do Código Penal de Macau. Conforme o princípio da proibição de dupla consideração da mesma circunstância, as circunstâncias acima referidas só dão lugar a uma atenuação especial da pena.
11. No acórdão no processo n.º 07P2300 do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal em 5 de Julho de 2007 citado pelo recorrente há análises similares: “Solução diversa merece o caso de circunstâncias diferentes: tentativa, em que a atenuação especial é o expediente usado pela lei para delimitar a moldura penal abstracta “normal” e a atenuação especial de jovem delinquente, do art.º 4.º do DL n.º 401/82 que encontra a sua génese na idade do agente e na existência de razões sérias para acreditar que dessa atenuação resultarão vantagens para a reinserção social daquele, caso em que nada obsta à dupla atenuação especial em relação aos crimes tentados... Mas não será já possível a tripla atenuação especial como pretende o recorrente, com base no disposto no art.º 72.º do C. Penal, uma vez que as circunstâncias que invoca já foram consideradas na aplicação na atenuação especial de jovem delinquente, e elas não podem ser valoradas duplamente” (http://www.stj.pt/?idm=43).
12. O recorrente entendeu que podia-se aplicar os dispostos no art.º 66.º, n.º 2, al. s c) e d) do Código Penal de Macau. Acreditamos que quando o tribunal a quo referiu ao aplicar a velha lei que “o recorrente é delinquente primário e confessou por sua iniciativa a prática dos crimes acusados, manifestou arrependimento e cooperou por sus iniciativa com a polícia”, o recorrente considerou estas como circunstâncias de atenuação especial. Vendo detalhadamente o 2º parágrafo das fls. 9 do acórdão e analisando o contexto, descobrimos que o tribunal colectivo a quo só estava a explicar que as circunstâncias concretas deste processo preencheram o disposto no art.º 18.º n.º 2 da velha lei.
13. Por isso, são improcedentes os fundamentos do recorrente de que ele podia obter pelo menos dupla atenuação especial da pena.
14. No final, o recorrente ainda alegou que de acordo com a velha lei, as circunstâncias deste processo deram lugar ao mesmo tempo à agravação e à atenuação especial (art.º 10.º al. g) e art.º 18.º n.º 2), e dentro da moldura penal da pena de prisão de 2 a 10 anos e de multa, o tribunal a quo condenou o recorrente na pena de prisão de 7 anos e na multa de MOP$10.000,00, multa essa que é conversível em 1 mês de prisão se não pagar a multa ou a substituir por trabalho; mas se fosse aplicada a nova lei, só existiram circunstâncias de atenuação especial da pena expressamente prevista (no art.º18.º), e dentro da moldura penal abstracta da pena de prisão de 7 meses e 6 dias a 10 anos, o recorrente foi condenado na pena de prisão de 6 anos e 6 meses, condenação essa que é demasiado grave.
15. É obviamente improcedente o ponto de vista do recorrente.
16. Conforme o Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função de prevenção criminal.
17. De acordo com os factos provados neste processo, o recorrente escondeu no interior do seu corpo cerca de 100 grãos de heroína com peso de mais de 1.000,00 gramas, e transportou-os de Malásia para Macau. Apesar de o recorrente fazer confissão na audiência de julgamento, ser delinquente primário e cooperar por sua iniciativa com a polícia, considerando que o recorrente agiu de forma voluntária ao praticar os actos criminosos e a quantidade de drogas detidas pelo recorrente era muito grande, o seu grau de culpa é alto. E em relação às finalidades de prevenção geral, como nos últimos anos aconteciam frequentemente actividades internacionais de tráfico de drogas praticadas pelas individualidades africanas em forma de esconder drogas no interior do corpo, é muito importante restaurar a confiança social na regra de direito e recuperar a esperança pública no sistema jurídico.
18. Com base no grau de culpa do recorrente e nas necessidades de prevenção criminal, comparando as punições na nova lei e na velha lei, de acordo com a Lei n.º 17/2009, até mesmo proporcionalmente, é adequado e justo que o tribunal a quo condenou o recorrente na pena de prisão de 6 anos e 6 meses.”; (cfr., fls. 408 a 416 e 485 a 506).

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Por sua vez, e respondendo ao recurso interposto pelo (2°) arguido B, assim conclui a Exm.a Representante do Ministério Público que:
“1. No presente processo, o tribunal a quo condenou o arguido B, pela prática dum crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de prisão de 10 anos.
2. O recorrente (o arguido) está inconformado com o acórdão do tribunal a quo, entendendo que o acórdão violou os dispostos nos art.º s 21.º e 22.º do Código Penal de Macau, teve erros na fixação da forma do crime e que as condutas do recorrente só constituem crime não consumado, deve aplicar-lhe atenuação especial e fazer a determinação da medida da pena dentro da moldura penal abstracta da pena de prisão de 7 meses e 6 dias a 10 anos.
3. Na petição de recurso o recorrente referiu que, de acordo com os factos provados do tribunal colectivo a quo, os depoimentos prestados pelas testemunhas da polícia durante a audiência de julgamento e os relatórios de inquérito da polícia, o recorrente foi preso antes de receber as drogas, as suas condutas preenchem os dispostos de tentativa no Código Penal de Macau e a pena deve ser especialmente atenuada.
4. Analisando as condutas do recorrente e as respectivas circunstâncias, consultando o teor do acórdão do tribunal colectivo a quo, entendemos que apesar de o acórdão do tribunal colectivo a quo ter mencionado o art.º 22.º n.º 2 (punibilidade da tentativa) do Código Penal de Macau, segundo os factos provados, pode-se aprovar que o recorrente praticou os actos criminosos em forma consumada.
5. É verdade que como o recorrente referiu, o tribunal colectivo a quo reconheceu que o recorrente foi preso antes de receber as drogas. Mas isso não constitui necessariamente a tentativa do crime.
6. A consumação do crime refere-se a que os actos praticados pelo agente reúnem todos os requisitos constitutivos de um crime previsto na lei, e ao contrário, há tentativa apenas quando o agente praticar actos de execução de um crime sem que este chegue a consumar-se.
7. A consumação do crime não significa a realização necessária das finalidades do crime do agente, há tentativa sempre que os actos praticados pelo agente reunam todos os requisitos constitutivos do respectivo tipo de crime. Em princípio, a realização ou não das finalidades do crime não afectou a consumação do crime.
8. Nos assentos judiciais de Portugal há opiniões penetrantes sobre actos de execução na comparticipação: “São actos de execução de um crime: a)...b)...c)... ou finalmente aqueles que, em material de comparticipação criminosa, se inserem no desenvolvimento de actividades conjuntas dos diversos agentes, concorrencialmente indispensáveis para a produção do resultado típico ou para o preenchimento daquele elemento constitutivo do tipo legal de crime, ainda que, em relação a um dos agentes, se não traduzam na prática material de actos típicos do mesmo crime” (ac. RL de 17 de April de 1985; CJ, X, tomo2, 167).
9. In casu, reconheceu-se que os dois arguidos cometeram o crime de tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, no qual se prevê que: “quem, sem se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair ou preparar plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a III, fora dos casos previstos no art.º 14.º é punido com pena de prisão de 3 (sic.) a 15 anos.”
10. Teoricamente, o crime de tráfico de drogas previsto nesse artigo é crime de acto. Constitui-se o crime sempre que o agente pratique dolosamente condutas correspondentes com o respectivo tipo de crime, e não é preciso qualquer resultado do crime. Isso é decidido pelo bem jurídico tutelado no crime de tráfico de drogas.
11. De acordo com os factos provados do tribunal colectivo a quo, o 1º arguido A escondeu as drogas no interior do corpo, trouxe-as para Macau e entregou ao recorrente para obter interesse pecuniário. Nas actividades internacionais de tráfico de drogas praticadas pelas duas pessoas, o recorrente desempenhou um papel de receber drogas e transportá-las para o próximo destino. O recorrente veio propositadamente de HongKong para Macau, comunicou muitas vezes com o 1º arguido através de chamada e mensagem para confirmar o lugar e a forma de receber as “mercadorias” e pagar o dinheiro. Daí se pode constatar que o recorrente não só tem determinação do crime, mas também já praticou os actos de execução. Como o tribunal a quo referiu no primeiro parágrafo das fls. 8 do acórdão, “os dois arguidos acordaram em deter e transportar grande quantidade de drogas para uma mesma organização” (apesar de que na parte de decisão não se reconhecer expressamente que os dois arguidos cometeu o crime em co-autoria e na forma consumada), o recorrente e o 1º arguido cometeram por acordo mútuo, em esforço conjunto e em distribuição de tarefas comparticipação típica.
12. Seja qual for o papel que o recorrente desempenhou na totalidade do plano de crime, sempre que as pessoas, por acordo mútuo, ponham em prática o plano de crime, assumirão a responsabilidade penal pela totalidade dos factos criminosos praticados conforme o plano. De facto, as condutas do recorrente constituem inegavelmente, quer na vontade subjectiva, quer no facto objectivo, o crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas previsto pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, pelo que, depois de o 1º arguido teve sucesso em transportar as drogas para Macau, apesar de o recorrente, um membro na totalidade das actividades criminosas, não poder receber as drogas devido à intervenção policial, estavam preenchidos todos os elementos constitutivos do tipo de crime de tráfico de drogas, e o recorrente cometeu na forma consumada o crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas.”; (cfr., fls. 417 a 421 e 507 e 519).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exm° Procurador-Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Concordamos com as brilhantes alegações da Exma colega junto da 1ª instância.
Na verdade, relativamente ao recorrente A, para além de resultar, à evidência, não poder a conduta respectiva assumir-se como mera tentativa, mas como efectiva consumação do ilícito imputado (embora, francamente, se não entenda a utilidade da referência no douto acórdão à forma de punição da tentativa), denota-se com clareza que a referência, em tal aresto, ao facto de esse arguido ser primário, ter confessado, denotar arrependimento e ter cooperado com a polícia, se reporta ao conjunto, ao "ensemble'' de circunstâncias que permitiram concluir pela possibilidade de ocorrência de livre atenuação da pena, à luz, quer do n° 2 do art° 18° da velha lei, quer do art° 18° da nova, razão por que, atento o preceituado no n° 3 do art° 66°, CPM, não poderia e não poderá qualquer das anunciadas circunstâncias ser novamente valorada para os efeitos consignados nessa norma, sob pena de dupla valoração, não consentida.
Por outra banda, apesar do registo daquelas circunstâncias atenuantes, é inequívoca a gravidade da infracção e o alto grau de culpa do agente, atenta, até, a grande quantidade de drogas que consigo detinha, razões que, aliadas à necessidade de prevenção geral de tal tipo de infracções (infelizmente, com registo múltiplo de situações similares na Região), justificam, em nosso entender, a medida concreta da pena alcançada, que se revela justa e adequada, não merecendo também reparo a opção relativa ao regime legal concretamente aplicável, julgado mais favorável.
Quanto ao recorrente B, sendo verdade ter-se dado como provado que o mesmo não chegou a receber os produtos estupefacientes em questão, não é menos certo que a sua comparticipação criminosa se inseriu no desenvolvimento das actividades conjuntas dos diversos agentes, concorrencialmente indispensáveis para o preenchimento dos elementos do tipo legal de crime, apurando-se que, de facto, tal arguido executou os necessários actos para o efeito, existindo acordo mútuo, esforço conjunto e comparticipação típica, a menos que se considerasse que, para a execução do ilícito necessàriamente houvesse que aguardar que o mesmo tivesse que "pôr as mãos" no produto, após "evacuação" por parte do arguido A, o que, convenhamos, se revelaria, no mínimo, caricato...
De resto, também relativamente a tal arguido se denota a aplicação de medida concreta da pena justa e adequada, com criteriosa e correcta escolha do regime legal concretamente mais favorável.
Tudo razões por que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, somos a pugnar pela manutenção do decidido e consequente não provimento do presente recurso.”; (cfr., fls. 521 a 523).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão dados como provados os factos seguintes:
“Em 20 de Janeiro de 2009, pelas 11h09, perto da correia de transmissão de bagagem no Salão de Chegada no Aeroporto Internacional de Macau, os agentes da PJ interceptaram o arguido A que acabou de chegar em Macau de Kuala Lumpur no voo de AirAsia AK50.
O arguido A admitiu que escondeu drogas no interior do seu corpo e que estava esperar pelo contacto e instrução dum homem da Tanzânia com alcunha de “C”, que prometeu dar ao arguido USD$4.000,00 como remuneração do transporte de drogas.
Depois, sob instruções dos agentes da PJ, o arguido A dirigiu-se ao Hotel XX às 16h00 do mesmo dia e alugou o quarto n.º XX para esperar pela chamada do “C”.
Ao mesmo dia das 16h00 às 21h30, na casa de banho no quarto do hotel supracitado, o arguido A excretou 75 pacotes ovais de objecto em forma de pedaço, de cor creme e marrom, embrulhados em papeis plásticos.
Em 21 de Janeiro de 2009, das 12h26 às 12h47, o arguido A recebeu pelo menos duas chamadas do “C”, e foi notificado de que um terceiro homem já chegou em Macau e ia telefonar ao arguido A em 20 minutos.
Ao mesmo dia pelas 12h34, o arguido B entrou em Macau através do Terminal Marítimo do Porto Exterior.
Ao mesmo dia das 12h34 às 13h06, o arguido B telefonou várias vezes ao arguido A usando o seu telefone de n.º XXX, e confirmou o quarto do hotel em que o arguido A morou através de mensagens curtas.
Ao mesmo dia cerca das 13h30, o arguido B chegou ao quarto n.º XX do Hotel XX, a fim de receber as drogas transportadas pelo arguido A como “pessoa de contacto de drogas” e pagar a remuneração ao arguido A.
Os agentes da PJ encontraram em flagrante na posse do arguido B um telemóvel de número XXX e USD$4.000,00 em numerário.
O telemóvel acima referido é instrumento de comunicação utilizado pelo arguido B para o tráfico de drogas, e o dinheiro supracitado é a remuneração para o arguido A.
A seguir, os agentes da PJ levaram o arguido A ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário para ser examinado.
Ao mesmo dia cerca das 15h30, no hospital supracitado, o arguido A recebeu escaneamento da sua cavidade abdominal, e foi verificada a existência de vários pacotes de objectos estranhos no seu recto e cólon sigmóide.
Em 21 de Janeiro de 2009, das 15h30 às 19h15, no supracitado hospital o arguido A excretou 16 pacotes ovais de objecto em forma de pedaço, de cor creme e marrom.
Submetido a exame laboratorial, um pacote oval de objecto de cor creme, embrulhado em papel plástico com peso líquido de 11,83 gramas, excretado pelo arguido A, revelou tratar-se de “heroína”, substância abrangida pela tabela I-A anexa ao DL n.º 5/91/M de 28 de Janeiro; após análise quantitativa, a percentagem de “heroína” foi verificada em 61,97%, com peso líquido de 7,33 gramas. E os 70 pacotes de objecto em forma de pedaço de cor creme, com peso líquido de 770,93 gramas, também continham “heroína”, substância abrangida pela tabela I-A anexa ao mesmo DL; após análise quantitativa, a percentagem de “heroína” foi verificada em 65,19%, com peso líquido de 502,57 gramas; e os 20 pacotes de objecto em forme de pedaço de cor marrom, com peso líquido de 189,19 gramas, continham “heroína” e “FENOBARBITAL”, substâncias abrangidas respectivamente pelas tabelas I-A e IV anexas ao mesmo DL; após análise quantitativa, a percentagem de “heroína” foi verificada em 49,37%, com peso líquido de 93,40 gramas.
Em 19 de Janeiro de 2009, em Kuala Lumpur de Malásia, o arguido A engoliu as drogas supracitadas sob a vigilância do “C”, a fim de entregar as drogas ao arguido B e receber a remuneração de USD$4.000,00.
Além disso, os agentes da PJ também encontrou na posse do arguido A um telemóvel de número XXX.
O telemóvel acima referido é instrumento de comunicação utilizado pelo arguido A para o transporte de drogas.
Os arguidos A e B conheciam perfeitamente a natureza e as características das drogas supracitadas.
Os arguidos A e B acordaram em deter e transportar grande quantidade de drogas para uma mesma organização, mas não com o objectivo de consumir pessoalmente.
Os arguidos A e B agiram de forma livre, voluntária e consciente ao praticar dolosamente as condutas acima referidas.
Os arguidos A e B sabiam bem que as sua condutas eram proibidas e punidas por lei.
Além disso, mais se provou:
- O arguido B foi preso antes de receber as respectivas drogas.
- De acordo com o registo criminal, os dois arguidos são delinquentes primários.”; (cfr., fls. 358-v a 359-v e 447 a 451).

Do direito

3. Vem os arguidos recorrer do Acórdão proferido pelo Colectivo do T.J.B. que os condenou pela prática de um crime de “tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009.

Em essência, entendem que o crime em causa não se consumou, tendo-o apenas cometido na forma tentada, e que excessiva é a pena.

Cremos que nenhuma censura merece a decisão recorrida, apresentando-se os recursos – como se consignou em sede de exame preliminar – como manifestamente improcedentes.

Vejamos.

— Quanto a “tentativa”.

Nos termos do art. 8°, n° 1 da Lei n° 17/2009:
“1. Quem, sem se encontrar autorizado, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, ceder, comprar ou por qualquer título receber, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 14.º, plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos.
2. Quem, tendo obtido autorização mas agindo em contrário da mesma, praticar os actos referidos no número anterior, é punido com pena de prisão de 4 a 16 anos.
3. Se se tratar de plantas, de substâncias ou de preparados compreendidos na tabela IV, o agente é punido com pena de prisão:
1) De 6 meses a 5 anos, no caso do n.º 1;
2) De 1 a 8 anos, no caso do n.º 2.”

Por sua vez, preceitua o art. 21° do C.P.M.:
“1. Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.
2. São actos de execução:
a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime;
b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou
c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos indicados nas alíneas anteriores.”

Atenta a factualidade dada como provada, de onde se conclui que o (1°) arguido, A, transportou produtos estupefacientes de Kuala Lumpur (Malásia) para Macau, tendo aqui sido interceptado com os ditos estupefacientes, que não se destinavam ao seu consumo, evidente é que cometeu o crime em questão na forma consumada, (e não tentada).

Por sua vez, e quanto ao (2°) B, provado está também que o mesmo contactou o (1°) arguido A e que se deslocou ao hotel onde este se encontrava para receber o referido produto estupefaciente e pagar ao (1°) arguido A o “prémio” pela sua “tarefa”, sendo de referir também que se provou igualmente que os arguidos “A e B acordaram em deter e transportar grande quantidade de drogas para uma mesma organização...”.

Nesta conformidade, há pois que considerar que agiram em “conjugação de vontades e esforços”, sendo pois “co-autores” do crime em questão, o que, afasta, desde logo, a possibilidade da qualificação da conduta do recorrente B como a prática do crime na forma tentada.

De facto, e como repetidamente tem este T.S.I. entendido:
“Autor do delito é aquele que o executa realizando os elementos que integram o respectivo tipo legal de crime.
E, para haver co-autoria (ou comparticipação) necessário é que tenha havido por parte dos agentes do crime uma decisão conjunta com vista à obtenção de um determinado resultado e uma execução igualmente conjunta, ainda que cada um dos co-autores não participe na execução de todos os actos integradores da infracção.”; (cfr., v.g., Ac. de 11.04.2002, Proc. n° 21/2002);
“São requisitos essenciais para que ocorra “comparticipação criminosa” sob a forma de “co-autoria”, a exisitência de decisão e de execução conjuntas.
O acordo pode ser tácito, bastando-se com a consciência/vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado crime.
No que respeita à execução, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos ou tarefas tendendas a atingir o resultado final, importando apenas que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do objectivo em vista.
No fundo, o que importa é que haja uma actuação concertada entre os agentes e que um deles fira o bem tutelado.” (cfr., v.g., Ac. de 30.09.2004, Proc. n° 161/2004);
“Na co-autoria a responsabilidade de cada autor pode ser determinada a partir da adesão da sua vontade à execução de crime por parte dos demais e se teve conhecimento da actividade dos outros e colaborou conscientemente nessa actividade, executando parcialmente a infracção, é igualmente responsável.” (cfr., v.g., Ac. de 28.07.2005, Proc. n° 123/2005); e,
“Constituem requisitos da co-autoria a existência de acordo com outro ou outros, que tanto pode ser expresso como tácito, e a participação directa do agente na execução do facto juntamente com aquele ou aqueles, que se traduz num exercício conjunto no domínio do facto e numa contribuição objectiva para a realização, embora possa não fazer parte da execução.”; (cfr., v.g., Ac. de 28.09.2006, Proc. n° 314/2006);

Tal entendimento constitui também o que tem sido assumido pelo Vdo T.U.I., pois que tem também esta Alta Instância considerado que:
“Quando existe uma decisão conjunta com vista a obter um determinado resultado criminoso, são imputados como autores todos os agentes que praticam actos integrantes dos elementos típicos de crime, seja qual for a parte destes elementos a que a sua actuação respeita.” (cfr., v.g., Ac. do Vdo T.U.I. de 08.06.2005, Proc. n° 13/2005); e,
“Na comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria são necessários dois requisitos: uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado e uma execução igualmente conjunta.
Na comparticipação criminosa, quanto à execução, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos (de execução), bastando que a actuação de cada um seja elemento do todo e que o resultado seja querido por cada um, mesmo sob a forma de dolo eventual.” (cfr., v.g., Ac. do Vdo T.U.I. de 15.10.2008, proc. n° 35/2008).

— Quanto à “pena”.

No cotejo dos regimes legais do D.L. n° 5/91/M a da Lei n° 17/2009, entendeu o Tribunal que era o regime fixado neste último diploma legal o mais favorável, fixando:
– ao recorrente A, a pena, especialmente atenuada, de 6 anos e 6 meses de prisão; e,
– ao recorrente B, a de 10 anos de prisão.

Perante isto, vejamos.

Em causa estão mais de 600 gramas de heroína, afastada estando também a qualificação da conduta dos recorrentes como a prática do crime na formada tentada.

E, dúvidas não nos parecendo haver que correcta foi a consideração no sentido de que mais favorável era o regime da Lei n° 17/2009, (basta ter presente as penas encontradas pelo Tribunal a quo), há que reconhecer que o Colectivo a quo não deixou de atentar no preceituado no art. 28° do C.P.M., onde se estatui que:
“Cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes.”

Daí, aliás a diferença das penas fixadas aos ora recorrentes.

Com efeito, o recorrente A beneficiou já da atenuação prevista no art. 18° da Lei n° 17/2009, e, não se vêm motivos para se accionar também o mecanismo do art. 66° do C.P.M. como pretende.

Quanto ao recorrente B, e atenta também a factualidade dada como provada, não se vislumbram igualmente motivos para se alterar a medida da pena fixada (através de uma atenuação especial).

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar os recursos.

Pagarão os recorrente a taxa individual de justiça que se fixa em 5 UCs, e, pela rejeição, o equivalente a 4 UCs.

Honorários aos Exm°s Defensores no montante de MOP$800.00.

Macau, aos 10 de Junho de 2010
José Maria Dias Azedo (Relator)
Chan Kuong Seng
João A. G. Gil de Oliveira

Proc. 447/2010 Pág. 38

Proc. 447/2010 Pág. 1