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Processo n.º 44/2011. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente independente: B.
Recorrente subordinado: A.
Recorrido no recurso independente: A.
Recorrida no recurso subordinado: B.
Assunto: Contrato-promessa de compra e venda. Sinal. Mora. Incumprimento definitivo. Termo essencial. Alienação a terceiro do imóvel prometido vender.
Data do Acórdão: 30 de Novembro de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Lai Kin Hong.
SUMÁRIO:
I – Face ao disposto no artigo 436.º do Código Civil só há lugar à perda do sinal ou à sua restituição em dobro, consoante, respectivamente, o incumprimento caiba a quem prestou o sinal ou a quem o recebeu, quando haja incumprimento definitivo e não simples mora do devedor.
II - De acordo com o estatuído no artigo 797.º, n.º 1, do Código Civil, a mora converte-se em incumprimento definitivo, ou pela perda do interesse do credor na prestação ou pela interpelação admonitória, pela qual o credor, em caso de mora, concede um prazo suplementar ao devedor, para que este cumpra, seguida da não realização da prestação.
  III – O referido nas conclusões I e II aplica-se ao contrato-promessa.
  IV - Contratos com termo essencial são aqueles em que desaparece a utilidade, para o credor, da prestação fora de prazo, podendo o termo ser objectivo se a sua essencialidade resulta da natureza da própria prestação, atento o respectivo fim. O termo essencial é subjectivo se respeita ao desaparecimento da utilidade da prestação para o credor após o vencimento do termo e resulta de pactuação expressa ou tácita dos contraentes, mas não da fixação unilateral de prazo por um dos contraentes.
  V – Se o promitente-vendedor aliena a terceiro a coisa prometida vender, sem ter reservado para si um direito que o habilite a recuperar a coisa alienada, coloca-se em situação de, por sua culpa, se ter tornado impossível a prestação a que se obrigara.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
  I – Relatório
  A intentou acção declarativa com processo ordinário contra B, pedindo a resolução de contrato-promessa de compra e venda de cinco imóveis, a devolução em dobro do sinal no montante de MOP$1.418.392,40 e juros legais desde a citação.
  Subsidiariamente, pediu a anulação do contrato-promessa, por dolo, e a condenação da ré na restituição do sinal entregue no montante de MOP$709.196,20 e juros legais desde a citação.
  Ainda subsidiariamente, pediu a condenação da ré na restituição do sinal entregue no montante de MOP$709.196,20 e juros legais desde a citação, a título de enriquecimento sem causa.
  A ré deduziu pedido reconvencional contra o autor, pedindo a resolução de contrato-promessa de compra e venda de fracção autónoma e a condenação do autor na perda do sinal.
A final, foi a acção julgada improcedente, com a absolvição da ré do pedido e a reconvenção julgada procedente, declarada a resolução do contrato-promessa e declarada a perda do sinal entregue pelo autor, no montante de HKD$688.540,00.
  O Tribunal de Segunda Instância (TSI) concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelo autor, declarou resolvido o contrato-promessa e condenou a ré a restituir ao autor o sinal entregue no montante de HKD$688.540,00.
  E negou provimento ao recurso interposto pela ré, que se limitava ao pedido de condenação do autor como litigante de má-fé.
  Recorrem ambas as partes, a ré interpôs um recurso independente e o autor um recurso subordinado.
  A ré B formulou as seguintes conclusões:
  (1) O acórdão recorrido julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor e condenou a recorrente no pagamento de HKD$688.540,00 ao autor;
  (2) Salvo o devido respeito, a recorrente está inconformada com o acórdão e tem os seguintes fundamentos.
  (3) O acórdão recorrido tem como fundamento principal o artigo 6.º e os seguintes em “III-FUNDAMENTO”. Ou seja se a recorrente vendeu os bens imóveis indicados no contrato-promessa constante das fls. 108 e v dos autos antes da verificação de “incumprimento definitivo” por parte do autor, e em consequência, resultou no incumprimento definitivo por parte da própria recorrente e na obrigação de indemnização desta.
  (5) Além disso, o acórdão recorrido manteve os factos provados pelo tribunal a quo, ou seja os factos constantes das fls. 342 e seg.s dos autos.
  (6) De acordo com a alínea B, foi provado o contrato-promessa constante das fls. 108 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
  (7) O art.º 3.º al. a) do contrato-promessa dispõe que deve-se celebrar a escritura de compra e venda dos bens imóveis ou a procuração irrevogável no prazo de 90 dias, a al. b) indica as condições de prolongação do prazo para a celebração, e a data de celebração é 29 de Janeiro de 2004.
  (8) Segundo as alíneas D e F, a recorrente mandou pelo menos duas cartas ao autor no Maio, notificando-o para se dirigir ao escritório de notário privado para celebrar o contrato de compra e venda dos imóveis antes das 11h30 do dia 29 de Maio de 2004.
  (9) Assim, os contraentes celebraram o contrato-promessa em 29 de Janeiro de 2004, e segundo o art.º 3.º al. a) do contrato-promessa, os contraentes devem celebrar o contrato prometido no prazo de 90 dias (ou seja antes do dia 28 de Abril de 2004) para cumprir os deveres previstos no contrato-promessa.
  (10) Nos factos provados constantes dos autos, não se verificam factos que constituam circunstâncias de adiamento previstas pelo art.º 3.º, al.s a) a c) do contrato acima referido;
  (11) por isso, segundo o art.º 3.º do supracitado contrato, o autor devia celebrar o contrato de compra e venda com a recorrente no dia 28 de Abril de 2004 ou antes. Mas o autor não cumpriu o seu dever.
  (12) A recorrente deu mais 30 dias ao autor para apresentar-se à celebração do contrato prometido.
  (13) De acordo com a alínea I dos factos provados: “Em 29 de Maio de 2004, isto é, no dia de celebração da escritura, o autor não apareceu.” (o sublinhado e o destacado são nossos)
  (14) O original prazo tinha expirado em 29 de Abril de 2004, mas foi prolongado até ao dia 29 de Maio de 2004 porque a recorrente deu ao autor mais 30 dias, factos estes que constam na matéria de factos assentes e na decisão.
  (15) Supõe-se que o dia 29 de Abril de 2004 é considerado apenas mera mora (pomos as nossa reservas a isso, e entendemos que esta data satisfaz o disposto do prazo certo previsto pelo art.º 794.º n.º 2 al. a) do CC),
  (16) mas segundo as alíneas D e F dos factos provados, as duas cartas emitidas pela recorrente ao autor satisfazem a definição de interpelação extrajudicial.
  (17) Para o efeito, através de comparação das alíneas B, D, F, I e os documentos que são considerados integralmente reproduzidos, quando o autor não se apresentou ao escritório de notário privado em 29 de Maio de 2004, as suas condutas já constituíram o incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa acima referido,
  (18) ou seja as condutas do autor já satisfazem os dispostos nos artigos 794.º, 797.º e 790.º do CC. Por isso, o tribunal deve, de acordo com a primeira parte do art.º 436.º n.º 2 do CC, declarar que a recorrente confisca o sinal entregue pelo autor.
  (19) O acórdão recorrido entende que a ausência do autor à celebração do contrato prometido em razão de precisar de mais tempo para considerações não constitui incumprimento definitivo.
  (20) O que o autor precisou de considerar são os artigos 6.º, 8.º e 9.º dos factos provados constantes das fls. 342 e seg.s dos autos.
  (21) Podemos verificar isso conforme as cartas constantes nos factos assentes acima referidos, de fls. 119 e 121 dos autos, em 11 de Junho de 2004, o autor mandou carta à recorrente, pedindo tempo para considerar e renegociar o respectivo contrato-promessa por causa da altura dos edifícios.
  (22) O acórdão recorrido apontou expressamente que por existirem leis de construção correspondentes, a altura da construção não pode ser fixada pelos contraentes, e a altura da construção também não é o elemento-chave do contrato-promessa.
  (23) Mas o acórdão recorrido entendeu que isto é um dos elementos que o autor precisou de considerar, porque a altura dos edifícios influenciou o interesse deste, e resultou na ausência do autor à celebração da escritura de compra e venda respectivamente em 29 de Abril e 29 de Maio de 2004.
  (24) Assim existe contradição na fundamentação do acórdão recorrido e o acórdão recorrido padece do vício previsto pelo art.º 571.º n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil.
  (25) De acordo com os artigos 1.º e 5.º dos factos provados, a diferença entre as alturas litigadas pelos contraentes é apenas 1,5 metros,
  (26) e de acordo com o Decreto-Lei n.º 79/85/M - «Regulamento Geral da Construção Urbana», alterado pela Lei n.º 6/99/M, e o Diploma Legislativo n.º 1600, nomeadamente o art.º 101.º,
  (27) a altura de 1,5 metros não é suficiente para a construção dum pavimento do edifício; pelo que quando o número dos pavimentos e a superfície de cada pavimento são iguais, seja o edifício reconstruído com altura de 22 metros ou 20,5 metros, o autor não sofre de qualquer prejuízo;
  (28) e não encontramos a parte sobre o prejuízo nos factos provados.
  (29) Em relação à outra explicação, que o autor pretende construir uma “sobreloja” nas lojas no rés-do-chão, razão pela qual a altura do edifício tem de ser 22 metros, isso violou o art.º 117.º do supracitado regulamento – a altura duma “sobreloja” tem de ser superior a 2 metros;
  (30) Na celebração do contrato-promessa acima referido, o autor não tem qualquer interesse ou esperança justo e legal neste sentido, nem qualquer prejuízo.
  (31) Além disso, a recorrente também não concorda com que as suas condutas constituem incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa.
  (32) De acordo com a alínea G dos factos provados, em 28 de Julho de 2004, a recorrente vendeu os referidos imóveis a terceiros. Já passaram dois meses desde 29 de Maio de 2004,
  (33) como acima referido, em 11 de Junho de 2004, o autor mandou carta à recorrente, dizendo que só iria cumprir os deveres no contrato-promessa acima referido depois de apurar o limite do pé direito do edifício.
  (34) Assim, com base neste fundamento, o autor solicitou que a recorrente prolongasse de forma repetida e indefinida o prazo, isso é injusto para a recorrente e não tem qualquer fundamento de direito, senão a recorrente tem de esperar indefinidamente.
  (35) Por isso, o acórdão recorrido violou o art.º 790.º do CC.
  (36) A matéria de subsunção do facto à lei é matéria de direito.
  (37) Pelo que o acórdão recorrido violou os artigos 790.º, 794.º, 797.º e a primeira parte do 436.º n.º 2 do CC; bem como o art.º 571.º n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil,
  (38) e padece dos vícios de “aplicação errada da lei” e de “contradição entre prova e decisão”, pelo que deve ser declarado nulo ou anulado.
  (39) Entendemos que, na aplicação correcta das supracitadas disposições legais, deve-se julgar procedente o recurso interposto pela recorrente, manter a sentença da 1ª instância e declarar que a recorrente confisca o sinal entregue pelo autor.
  O autor A formulou as seguintes conclusões:
  a. O acórdão recorrido decidiu declarar resolvido o contrato-promessa e condenou a B a devolver ao recorrente o sinal no valor de HKD$688.540,00.
  b. Salvo o devido respeito, o recorrente não está de acordo com esta decisão.
  c. Uma das funções do regime de contrato-promessa é negócio prudente.
  d. Esta função dá tempo suficiente aos contraentes antes da celebração do contrato prometido para fazer considerações prudentes, por exemplo, procurar mais informações e só celebrar o contrato prometido após pensamento profundo.
  e. In casu, tratamos da compra de cinco parcelas de terrenos, e tal negócio não é comum e é relacionado com grande quantidade de dinheiro. Os dados dos terrenos e o limite do pé direito da construção são elementos importantes que afectam directamente o interesse do recorrente após a compra dos terrenos.
  f. Este facto tem de ser considerado de forma prudente, senão o recorrente assumirá as consequências desfavoráveis depois da celebração da escritura de compra e venda.
  g. O limite do pé direito da construção nos respectivos terrenos é uma das circunstâncias importantes na celebração do contrato prometido.
  h. Se o recorrente for forçado a cumprir o contrato-promessa e celebrar a escritura de compra e venda, será violado de forma grave o princípio da boa fé.
  i. Com base no princípio da boa fé, o recorrente pediu à recorrida para prolongar a celebração da escritura de compra e venda, e tal pedido é absolutamente normal, justo e legal.
  j. O recorrente não prolongou o negócio de propósito, indicando expressamente na sua carta “se a vossa companhia pode fornecer documentos legais acima referidos em qualquer tempo, vou entregar os documentos legais ao escritório do C e concluir o negócio com a vossa companhia segundo os dados reais dos respectivos documentos do governo.”
  k. Daí se pode ver que o recorrente pretendeu e permitiu celebrar a escritura de compra e venda em 29 de Maio de 2004, sempre que exista documento legal para verificar o limite do pé direito da construção nos respectivos terrenos.
  l. No pressuposto de que o limite do pé direito da construção ser elemento importante para a exploração do terreno, se a recorrida tivesse fornecido prova legal ao recorrente antes da celebração da escritura de compra e venda, para provar que o limite do pé direito da construção nos terrenos era 22 metros, o recorrente teria aparecido na celebração da escritura sem dúvida.
  m. In casu, a recorrida insistiu em que o recorrente cumpriu o contrato e recusou a renegociação, violando o princípio da boa fé.
  n. Por isso, a recorrida é culposa.
  o. A recorrida vendeu mais tarde os referidos terrenos a terceiros.
  p. O recorrente nunca manifestou o seu desejo de não comprar os terrenos.
  q. A recorrida vendeu os terrenos, causou a perda do objecto do acto de compra e venda, e provocou o incumprimento definitivo.
  r. Tal incumprimento é imputável à recorrida e é definitivo.
  s. No presente processo, pagou-se o sinal no contrato-promessa, e mais tarde ocorreu incumprimento imputável ao devedor, pelo que é aplicável o art.º 436.º do CC.
  t. As condutas da recorrida constituem incumprimento culposo, e a recorrida tem de pagar ao recorrente o dobro do sinal, ou seja HKD$1.377.080,00, equivalente a MOP$1.418.392,40.
  u. Por isso, o recorrente entende que não é adequado que o acórdão recorrido declarou resolvido o contrato-promessa e condenou a recorrida a devolver o sinal.
  v. Pelos expostos, o acórdão recorrido padece do vício de aplicação errada da lei substantiva e constitui fundamento de recurso previsto no art.º 639.º do Código de Processo Civil, pelo que pede-se ao tribunal para alterar o acórdão recorrido, e condenar a recorrida, de acordo com o art.º 436.º do CCM, a pagar ao recorrente o dobro do sinal, no montante acima referido.
  
  II – Os factos
  Os factos considerados provados pelos Tribunais de 1.ª e Segunda Instâncias, são os seguintes:
  Os bem imóveis localizados no [Endereço (1)] Macau, descritos na Conservatória de Registo Predial foram registados em nome da Ré, sob o número XXXXX, no Livro BXX-XXX; o número XXXXX, no Livro BXX-XXXV; o número XXXXX, no Livro BXX-XXXV; o número XXXXX, no Livro BXX-XXX; e número XXXXX, no Livro BXX-XXXV (A);
  Em 29 de Janeiro de 2004, a Ré prometeu vender e o Autor prometeu comprar cinco parcelas de terrenos indicados na alínea A), cujos dados constam de fls. 108 dos autos e aqui se dá por integralmente reproduzido. (B)
  No mesmo dia, o Autor pagou à Ré HKD$688.540,00. (C)
  Em 24 de Maio de 2004, a Ré mandou ao Autor a carta constante de fls.111 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida. (D)
  Em 27 de Maio de 2004, o Autor mandou à Ré a carta constante de fls. 115 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida. (E)
  Em 28 de Maio de 2004, a Ré enviou ao Autor a carta constante de fls. 117 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida. (F)
  Em 28 de Julho de 2004, a Ré declarou vender os terrenos referidos na alínea a) que tinha adquirido a D, identificado a fls. 131 a 133 dos autos, aqui se dá por integralmente reproduzido. (G)
  Em 27 de Outubro de 2004, D mais declarou vender os terrenos referidos na alínea a) que tinha adquirido a E, identificado a fls. 135 a 136 dos autos, aqui se dá por integralmente reproduzido. (H)
  Em 29 de Maio de 2004, isto é, no dia de celebração da escritura, o Autor não apareceu. (I)
  No dia da celebração do contrato promessa, a Ré alegou ao Autor que no referido terreno, pode-se construir prédio com altura até 22 metros. (1.º)
  Após a celebração do contrato promessa, o Autor veio a conhecer que o limite do pé direito da construção era 20,5 metros (5.º).
  O Autor mandou a carta para a DSSOPT, pedindo informação a esta. (6.º)
  O Autor pediu para renegociar o referido contrato com a Ré (8.º).
  A Ré recusou o pedido do Autor (9.º).
  Foi apenas provado o facto determinado referido na alínea I) (14.º).
  
  
  III – O Direito
  1. A questão a resolver
  A questão fundamental a resolver é a de saber se houve incumprimento do contrato-promessa de compra e venda dos imóveis dos autos por alguma das partes ou por ambas e, assim, se deve manter-se a decisão recorrida de decretar a resolução do contrato, com devolução do sinal entregue pelo autor à ré (se tiver havido culpa de ambas as partes), ou se o autor deve perder o sinal (se se concluir por culpa parte do autor) ou se a ré deve pagar o dobro do sinal ao autor (se se concluir por culpa da ré).
  
  2. Os termos da controvérsia
  O Ex.mo Presidente do Tribunal Colectivo considerou que o autor, promitente- comprador, tinha violado o contrato-promessa ao não ter comparecido no local e na data convencionada para a celebração do contrato prometido e, por outro lado, que não tinha havido incumprimento por parte da ré, promitente-vendedora. Entendeu que a falta à escritura pública, por parte do promitente-comprador, representava incumprimento definitivo do contrato-promessa, pelo que a ré teria direito de fazer seu o sinal entregue.
  Já o TSI considerou que a falta do promitente-comprador à celebração do contrato prometido representou simples mora e que, para a conversão desta em incumprimento definitivo, teria sido necessário que a promitente-vendedora tivesse concedido um novo prazo ao promitente-comprador para cumprir. Entendeu, assim, que a promitente-vendedora violou o contrato ao ter procedido à venda dos imóveis a terceiro, mas que também o promitente-comprador tinha violado o contrato-promessa, pelo que se deveria imputar a violação do contrato-promessa a ambas as partes, com a restituição das prestações, repondo-se o estado original; significando, portanto, a devolução do sinal ao promitente-comprador.
  
  3. Mora e incumprimento
  A ré, promitente-vendedora, considera que estava estabelecida a data para a celebração da escritura pública de compra e venda e que enviou duas cartas ao promitente-comprador para se dirigir ao notário antes da data fixada. Que o prazo original era de 90 dias para a celebração do contrato e que deu mais 30 dias ao autor para cumprir. Portanto, entende que o autor entrou em mora em 29 de Abril de 2004 e que o prazo foi prolongado até 29 de Maio de 2004, sendo este último prazo aquele a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 797.º do Código Civil.
  Afigura-se-nos que a ré não tem razão.
Como referimos no Acórdão de 30 de Abril de 2003, no Processo n.º 2/2003, a violação do dever de prestar, por causa imputável ao devedor, pode revestir várias formas:
- A impossibilidade da prestação;
- O não cumprimento definitivo;
- A mora.1
Afastando, agora, a hipótese de impossibilidade da prestação, que não está em causa, podemos definir a mora do devedor, como o atraso culposo no cumprimento da obrigação.
O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido (n.º 2 do artigo 793.º do Código Civil vigente).
Importa considerar o momento da constituição em mora.
Como se sabe, se a obrigação é pura 2 só há mora depois de o devedor ser interpelado para cumprir (artigo 794.º, n.º 1, do Código Civil).
Haverá mora, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo, se a obrigação provier de facto ilícito3 ou se o devedor impedir a interpelação (artigo 794.º, n.º 2).
Por outro lado, o incumprimento definitivo dá-se quando, no momento do cumprimento, o devedor não acate o comportamento devido, sendo este possível e não se verificando os requisitos do cumprimento defeituoso ou da mora.4
Mas, em certas circunstâncias a mora pode converter-se em incumprimento definitivo.
Na verdade, dispõe o artigo 797.º do Código Civil:
“Artigo 797.º
(Perda do interesse do credor ou recusa do cumprimento)

    1. Considera-se para os efeitos constantes do artigo 790.º como não cumprida a obrigação se, em consequência da mora:
    a) O credor perder o interesse que tinha na prestação; ou
    b) A prestação não for realizada dentro do prazo que, por interpelação, for razoavelmente fixado pelo credor.
    2. A perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente.
    3. No caso da alínea b) do n.º 1, o credor pode, em alternativa às sanções cominadas pelo artigo 790.º, optar por exigir a realização coactiva da prestação e a indemnização pela mora, se o contrário não resultar da interpelação; contudo, o devedor pode fixar ao credor um prazo razoável para o exercício desta opção, sob pena de caducidade do direito do credor a exigir a realização coactiva da prestação.
    4. O disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação, com as necessárias adaptações, do regime constante do artigo 791.º para os casos de incumprimento parcial”

Quer isto dizer que, em duas situações, a mora do devedor pode transformar-se em incumprimento definitivo:
- Se, por causa da mora do devedor, o credor perder o interesse na prestação;
- Se, após a mora do devedor, a prestação não for realizada no prazo (suplementar) que for fixado pelo credor.5
Tem-se entendido, pacificamente, que a declaração expressa do devedor de não querer cumprir, também constitui incumprimento definitivo.6
De outra banda, como explica J. BAPTISTA MACHADO,7 o remédio concedido por lei ao credor para resolução do contrato, em consequência da mora, por via da concessão de prazo suplementar ao devedor para cumprir, só se aplica se, por causa da mora, o credor não perder o interesse na prestação ou se as partes não tiverem previsto uma cláusula resolutiva8 ou um termo essencial.
Contratos com termo essencial são aqueles em que desaparece a utilidade, para o credor, da prestação fora de prazo.
O termo pode ser objectivo se a sua essencialidade resulta da natureza da própria prestação, atento o respectivo fim, como acontece com a entrega de um vestido para um certo baile. O termo essencial é subjectivo se respeita ao desaparecimento da utilidade da prestação para o credor após o vencimento do termo e resulta de pactuação expressa ou tácita dos contraentes.9
Quanto aos efeitos do não cumprimento, temos que a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (artigo 793.º, n.º 1), enquanto que havendo incumprimento definitivo, além desta obrigação de indemnizar os prejuízos (“O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” – artigo 787.º do Código Civil),10 tem o credor direito à resolução do contrato se este for bilateral (artigo 790.º, n.º 2, do Código Civil).11


4. O contrato-promessa e o sinal
Pelo contrato-promessa bilateral, as partes obrigam-se a celebrar determinado contrato.
O sinal consiste na coisa - normalmente dinheiro - que um dos contraentes entrega ao outro, no momento da celebração do contrato ou em momento posterior, como prova da sua seriedade e garantia do cumprimento ou como antecipação da indemnização devida ao outro contraente, quando aquele que constitui o sinal se arrepende de ter contratado e quer desfazer o negócio.12
Dispõe o art. 436.º do Código Civil:
“Artigo 436.º
(Sinal)
1. Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.
2. Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado.
3. A parte que não tenha dado causa ao incumprimento poderá, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, quando esse poder lhe seja atribuído nos termos gerais.
4. Na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
5. É igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 801.º”.

Face a esta redacção (semelhante, nos segmentos agora relevantes, ao artigo 442.º do Código Civil de 1966) quase unanimemente se tem entendido que só há lugar à perda do sinal ou à sua restituição em dobro, consoante, respectivamente, o incumprimento caiba a quem prestou o sinal ou a quem o recebeu, quando haja incumprimento definitivo e não simples mora do devedor.13
Igualmente, é pacífico que uma das funções do sinal é a determinação prévia (ou forfaitaire) da indemnização devida em caso de não cumprimento.14
Vimos, por outro lado, a propósito do cumprimento e não cumprimento das obrigações, que, de acordo com o artigo 797.º, n.º 1, do Código Civil, a mora se converte em incumprimento definitivo, ou pela perda do interesse do credor na prestação ou pela interpelação admonitória, pela qual o credor, em caso de mora, concede um prazo suplementar ao devedor, para que este cumpra, seguida da não realização da prestação.
Pois bem, tal mecanismo da alínea b) do n.º 1 do artigo 797.º do Código Civil, aplica-se ao contrato-promessa, por se aplicar à generalidade dos contratos bilaterais e por não haver nenhuma razão séria para não se aplicar a solução ao contrato em questão.15
Aliás, devem também, considerar-se aplicáveis ao contrato-promessa as regras respeitantes ao incumprimento definitivo das obrigações, atrás mencionadas, designadamente, as relativas à perda do interesse do credor, ao termo essencial e à declaração do devedor de não querer cumprir.16
  
  5. O caso dos autos
  O contrato-promessa foi celebrado em 29 de Janeiro de 2004 e nele se previa a outorga do contrato definitivo no prazo de 90 dias, podendo o prazo prolongar-se por mais 30 dias se o atraso resultasse da necessidade de pagamento de impostos ou de marcação da escritura ou por ausência do promitente-comprador de Macau.
  Não é clara a razão da não marcação da escritura pública nos 90 dias previstos.
  Sabemos que a promitente-vendedora enviou, em 24 de Maio de 2004, uma carta ao promitente-comprador, dizendo-lhe que o dia 29 de Maio é o último para a celebração da escritura (relativamente ao prazo de 120 dias) [Alínea D) e fls. 111]. E enviou nova carta, em 28 de Maio de 2004, lembrando o promitente-comprador de que a celebração da escritura ocorreria no dia seguinte, pelas 11.30 horas [Alínea F) e fls. 117].
  Portanto, a data fixada no prazo de 120 dias a contar da celebração do contrato-promessa, foi a primeira data marcada para a celebração do contrato definitivo, prazo esse expressamente previsto naquele.
  Só a partir de 29 de Maio de 2004, o promitente-comprador entrou em mora, pois não tinha um motivo válido para não celebrar o contrato definitivo. Na verdade, não ficou convencionado no contrato-promessa que a promitente-vendedora assegurava ao promitente-comprador a possibilidade de construção até 22 metros de altura, sendo perfeitamente inócuo que, no dia da celebração do contrato-promessa, aquela tenha mencionado a este tal possibilidade.
Por outro lado, também se entende, tal como no Acórdão recorrido, que o contrato-promessa não continha um termo essencial, já que não desapareceu a utilidade, para o credor, da prestação fora de prazo.
  Por conseguinte, para transformar a mora em incumprimento definitivo, teria a promitente-vendedora de interpelar o promitente-comprador, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 797.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil, já que a credora (a ré) continuava a ter interesse na prestação.
  A ré não interpelou o autor.
  Não merece censura, pois, nesta parte, o Acórdão recorrido.
  
  6. Nulidade do Acórdão recorrido
  O Acórdão recorrido não padece da nulidade invocada (contradição entre fundamentação e decisão). O que nele se diz é que o autor, por causa da tal diferença da altura do edifício (entre aquela que lhe terá sido assegurada pela ré e aquela que a entidade pública competente autorizava a construção), estava a tentar renegociar o contrato. Não se vislumbra qualquer contradição. Com quê?
  
  7. Venda dos imóveis a terceiro
  Não tendo a ré interpelado novamente o autor para cumprir, após este ter entrado em mora, e tendo, por sua vez, vendido os imóveis a terceiro, considerou o Acórdão recorrido que a promitente-vendedora se colocou na posição de não poder cumprir o contrato-promessa celebrado com o autor.
  Também não merece censura este entendimento.
  Como explica VAZ SERRA17, o não cumprimento definitivo “não tem de derivar de uma impossibilidade absoluta, no sentido de não poder em caso algum desaparecer”; citando Enneccerus-Lehmann, acrescentava que “também é definitiva a impossibilidade que só possa cessar por um facto extraordinário com que não seja legítimo contar”. Defende que se o promitente-vendedor aliena a terceiro bens que se obrigara a vender ao promitente-comprador, torna, assim, impossível o cumprimento do contrato, desde que não tenha reservado para si um direito que o habilite a recuperar a coisa alienada, pois que, embora subsista a possibilidade de reaquisição, quando essa possibilidade é remota e improvável equivale a uma definitiva impossibilidade. E, como a impossibilidade de cumprimento de um contrato não tem necessariamente que se produzir na data em que ele deve ser cumprido, podendo já produzir-se antes, conclui que o promitente-vendedor, vendendo a coisa (pura e simplesmente) a terceiro, que se obrigara a vender ao promitente-comprador, se coloca “em situação de, por sua culpa, se ter tornado impossível a prestação a que se obrigara”, e que, “a partir do momento em que a alienou, tornou-se impossível o cumprimento do contrato”.18
  Improcede, pois, o recurso da ré.
  
  8. Recurso subordinado do autor
  No que concerne à conduta do autor, concluímos já que ele entrou em mora com a falta à escritura. Violou o contrato-promessa, não o cumprindo pontualmente (artigo 400.º, n.º 1, do Código Civil) e originando com a sua conduta a violação do contrato pela outra parte.
  Não merece censura o Acórdão recorrido quando considera que ambas as partes tiveram culpa na não celebração do contrato definitivo, pelo que se afigura justificado que a resolução do contrato-promessa dê lugar, no caso, à restituição do que foi prestado.
  Improcede, igualmente, o recurso subordinado.
  
IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento aos recursos.
Custas de cada um dos recursos pelos respectivos recorrentes.
Macau, 30 de Novembro de 2011.
   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Sam Hou Fai –
   Lai Kin Hong

1 Cfr. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Almedina, Coimbra, Volume II, 7.ª ed., 1999, p. 91, que se seguirá muito de perto na exposição subsequente
2 Obrigações puras são as que se vencem logo que o credor exija o seu cumprimento e que se contrapõem às obrigações a prazo ou a termo, que são aquelas que cujo cumprimento não pode ser exigido ou imposto à outra parte antes de decorrido certo período ou chegada certa data.
3 Facto ilícito extracontratual, como refere ANTUNES VARELA, Das Obrigações ..., Volume II, p. 119.
4 A. MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, AAFDL, Lisboa, 1999, 2.º volume, p. 456.
5 Notificação essa que a doutrina designa por notificação admonitória ou interpelação cominatória.
6 Cfr., por todos, J. C. BRANDÃO PROENÇA, Do incumprimento do Contrato-promessa Bilateral, a Dualidade Execução Específica - Resolução, Coimbra, 1996, 2.ª ed., p. 87 e segs., ANTUNES VARELA, Das Obrigações ..., II Volume, p. 92 e 107, nota (1), A. MENEZES CORDEIRO, Direito ..., 2.º volume, p. 457 e VAZ SERRA, Impossibilidade superveniente. Desaparecimento do Interesse do Credor. Casos de Não Cumprimento da Obrigação, 1955, p. 192.
7 J. BAPTISTA MACHADO, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, in Obra Dispersa, Scientia Iuridica, Braga, 1991, vol. I, p. 164 e Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro, II Iuridica, p. 343 e segs..
8 Cláusula resolutiva é a cláusula contratual que prevê o direito de resolução quando ocorra determinado facto.
9 J. BAPTISTA MACHADO, Pressupostos ..., p. 187 e segs.
10 A indemnização do interesse contratual negativo, isto é, o prejuízo que ele não sofreria se o contrato não tivesse sido celebrado, segundo a doutrina ainda dominante ou a indemnização do interesse contratual positivo, segundo outros. Cfr. CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, Coimbra, 1995, 2.ª ed., p. 300, nota 540.
  11 Isto se o credor não preferir requerer a realização coactiva da prestação (artigo 807.º do Código Civil) e pedir a indemnização dos prejuízos sofridos com a falta de cumprimento do devedor (interesse contratual positivo). Ou, em alternativa, como dispõe o n.º 3 do artigo 797.º, do Código Civil, no caso da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo, o credor pode, em alternativa às sanções cominadas pelo artigo 790.º, optar por exigir a realização coactiva da prestação e a indemnização pela mora, se o contrário não resultar da interpelação; contudo, o devedor pode fixar ao credor um prazo razoável para o exercício desta opção, sob pena de caducidade do direito do credor a exigir a realização coactiva da prestação.
12 ANTUNES VARELA, Das Obrigações ..., 8.ª ed., 1994, volume I, p. 315.
13 ANTUNES VARELA, Das Obrigações ..., volume I, p. 337, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 1987, 4.ª ed., Volume I, p. 423, CALVÃO DA SILVA, Cumprimento..., p. 284, 292 e segs. e 297 e segs.
Na jurisprudência, cfr. os acórdãos do TRIBUNAL SUPERIOR de JUSTIÇA, de 23.4.97, Processo n.º 612 e de 1.3.95, Processo n.º 261, na colectânea Jurisprudência, 1997, I tomo, p. 435 e 1995, I Tomo, p. 154, respectivamente.
14 CALVÃO DA SILVA, Cumprimento ..., p. 301.
15 ANTUNES VARELA, Das Obrigações ..., volume I, p. 344 e segs.
16 ANA PRATA, O Contrato-promessa e o Seu Regime Civil, Almedina, Coimbra, 2001, p. 709 e seg..
17 VAZ SERRA, em anotação a acórdão na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 100.º, p. 253 e segs.
18 Neste sentido, também, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código ..., 1986, 3.ª ed., Volume II, p. 60.
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Processo n.º 44/2011

26
Processo n.º 44/2011