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Processo n.º 55/2011. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrentes: B e C.
Recorridas: A e D.
Assunto: Citação. Lei do exterior. Ónus da prova.
Data do Acórdão: 30 de Novembro de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Choi Mou Pan.
SUMÁRIO:
Invocando-se e provando-se citação, em processo cível, feita em acção pendente no exterior de Macau, de acordo com a lei aí vigente, deve presumir-se que a mesma ocorreu de acordo com as formalidades legais, cabendo a quem alega que assim não sucedeu, o ónus da prova da violação legal.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
  I – Relatório
  A intentou acção declarativa com processo ordinário (impugnação pauliana) contra B e C, pedindo a restituição do vendido (seis fracções autónomas), pela 2.ª ré à 1.ª ré, na medida do interesse da autora, para satisfação dos seus créditos, no montante de HKD$ 211,208.00 e juros (resultante de condenação da 2.ª ré no pagamento daquela quantia à autora, por sentença transitada em julgado em 9 de Outubro de 1998).
  Entretanto, D deduziu o incidente de intervenção principal espontânea, como coligada com a autora, formulando pedido semelhante ao da autora, para pagamento de crédito da interveniente sobre a 2.ª ré, no montante de MOP$13.782.899,89.
  A final, a sentença condenou a 2.ª ré a restituir à 1.ª ré o vendido na medida da satisfação do interesse da autora (por manifesto lapso, já que deveria ser a 1:ª ré a restituir à 2.ª ré).
  A sentença omitiu pronúncia sobre o pedido da interveniente D.
  O Tribunal de Segunda Instância (TSI) concedeu provimento aos recursos interpostos e julgou procedentes, tanto o pedido da autora como o do interveniente.
  Recorrem, agora, as rés para o Tribunal de Última Instância (TUI).
  Para tal, a 1.ª ré B formulou as seguintes conclusões úteis:
  No recurso que interpôs da douta sentença de fls. 1161 e seguintes proferida pelo Tribunal a quo, a ora Recorrente alegou a fls. 1264 a 1274-v, além do mais, a inexistência de qualquer crédito da Autora A sobre a 2.a Ré desde 15 de Janeiro de 2001;
  É que, não obstante por decisão judicial transitada em julgado em 9 de Outubro de 1998, proferida nos autos de que correram termos no 5.º juízo deste Tribunal sob o n.º 167/95, a Ré “C” ter sido condenada a restituir à Autora, A, a quantia de HKD$211,208,00, no decurso deste processo, as Rés fizeram prova da extinção, por transacção, desse direito de crédito e como tal nunca poderia proceder a presente acção de impugnação pauliana;
  Sendo a decisão proferida pelo Tribunal ad quem omissa quanto à matéria de excepção invocada pela ora Recorrente na defesa apresentada nos autos, o Acórdão ora recorrido enferma do vício de nulidade por omissão de pronúncia, previsto na 1. a parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 633.° do mesmo diploma;
  Ainda que, atenta a factualidade provada nos autos, não se pudesse considerar extinto o alegado crédito da Autora sobre a 2.a Ré, considerando o teor do Acordo celebrado entre a Autora e as Rés (alínea N da Especificação) e a prova de que a quantia de MOP$110,000.00 referida na cláusula 1.ª do referido Acordo já foi paga à Autora (resposta ao quesito 13.°) (cfr. fls. 1180 a 1183), no Acórdão ora recorrido devia ter sido no mínimo deduzida ao crédito alegadamente considerado existente a quantia de MOP$110,000.00, que já foi paga à Autora;
  Acresce que, a falta de fundamentação de facto ou de direito que justificam a decisão proferida no Acórdão ora recorrido gera a sua nulidade nos termos previstos na al. b) do nº1 do referido artigo 571.º, aplicável ex vi do artigo 633.º do CPC;
  No seu requerimento de oposição à intervenção da “D”, a ora Recorrente invocou a excepção peremptória da prescrição do direito de crédito de que aquela alega ser titular, invocando a norma legal do artigo 310.° alínea b) do Código Civil de Macau (CC);
  Em face do exposto cabia à ora Recorrente provar a prescrição “tout court”, isto é, provar que já decorreu o prazo prescricional;
  A partir daqui todas as causas da alegada interrupção do prazo de prescrição tinham de ser alegadas e provadas pela Interveniente, já que as mesmas visavam impedir a extinção do direito invocado e, nessa medida, funcionavam como elementos constitutivos da existência e sobrevivência do direito (cfr. n.º 2 do artigo 335.° do CC);
  Assim, para que pudesse beneficiar da interrupção da prescrição, nos termos previstos no referido normativo, cabia, antes de mais, à Interveniente provar o acto interruptivo da prescrição, in casu, a citação da 2.a Ré, o que não sucedeu;
  Porquanto, a interrupção da prescrição nos termos previstos no n.º 1 do artigo 315.° do CC supõe que, embora mais tarde, a citação ou notificação veio a ter efectivamente lugar, pois de outro modo, o processo passaria à margem do Réu, in casu, da ora 2.a Ré;
  Por sua vez, ainda que se pudesse presumir que a 2.a Ré veio efectivamente a ser citada no âmbito da acção judicial que a Interveniente instaurou no Tribunal de Justiça da Birmingham, sem qualquer prova documental desse facto - o que não se aceita e apenas se admite por mera cautela de patrocínio -, ao contrário do que se sustenta no Acórdão recorrido, nada nos autos permite concluir que “(...) a citação requerida em 28 de Outubro de 1999 não chegou a ser feita, por causa não imputável à própria Interveniente, dentro de cinco dias depois de requerida”;
  Pelo contrário, porque, diferentemente do que sucede no ordenamento jurídico de Macau, em que incumbe, à secretaria a execução dos despachos judiciais, nomeadamente de citação (ou notificação), o que resulta do conteúdo do documento junto pela Interveniente a fls. 631 a 651 dos autos, concretamente, das “notes for guidance” ou instruções para a notificação e bem assim, do despacho judicial que autorizou a citação, é que de acordo com regras legais em vigor no ordenamento jurídico de Birmingham, no Reino Unido, incumbia à Interveniente proceder à citação da 2.a Ré;
  No que respeita à alegada prova da verificação do requisito da má fé, a ora Recorrente acompanha integralmente a posição defendida pelo Mm. Juiz Relator no seu Projecto de Acórdão, que ora se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
  Atenta a factualidade efectivamente provada nos autos, não estavam verificados os pressupostos enunciados nos artigos 610.º e 612.° do Código Civil de 1966 (aqui aplicável);
  Pelo que, o Acórdão recorrido deve ser revogado nos termos do disposto no artigo 639.° do CPC, com fundamento na violação ou errada interpretação e aplicação do disposto nos supra referidos artigos 610.° e 612.° do Código Civil de 1966.
  
  A 2.ª ré C formulou as seguintes conclusões úteis:
  Não se provou o dolo ou a actuação dolosa ou a má fé entre a l.ª Ré e a 2a Ré, aqui ora Recorrente, não estando preenchidos, designadamente, os artigos 605° (alínea a)), 606° e 607°, todos do actual Código Civil de 1999, ou os artigos 610°, 611° e 612°, do anterior Código Civil de 1966, ainda em vigor em Portugal e aplicável à matéria dos factos.
  A Recorrente pagou o preço de MOP 110.000,00 (cento e dez mil patacas), logo, nada deve à A./Recorrida - alínea n) da matéria assente e resposta ao quesito 13° da douta base instrutória.
  Relativamente à prova da prescrição dos créditos (da quantia reclamada pela Interveniente que ascende a MOP 13.782.899,89 - treze milhões, setecentas e oitenta e duas mil e oitocentas e noventa e nove patacas e oitenta e nove avos), o ou os créditos estão, prescritos, nos termos da alínea b) do artigo 317° do CC de 1966 ou da actual alínea b) do artigo 310° do CC aqui em vigor.
  De facto, não foram cumpridos os requisitos previstos, quer na Convenção da Haia de 15 de Novembro de 1965 relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro de Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matérias Civil e Comercial, aprovada em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 210/71, de 18 de Maio de 1971, quer pela lei da Grã-Bretanha ou do Reino Unido, sobre citação de entidades fora da Inglaterra, como pretendia a Interveniente ao intentar no Tribunal de Justiça de Birmingham (Reino Unido) [“Her Majesty's High Court of Justice, Birmingham District, District Registry, United Kingdom”], uma acção contra a ora Recorrente.
  Acontece que a 2a Ré, aqui ora Recorrente nunca foi citada.
  Mesmo a admitir-se a tese (que não se concede, nem se equaciona, nem por hipótese académica) de que se verificou a interrupção do prazo de 5 dias após a não realização da citação, interrompendo-se a Prescrição (o que, repete-se, não foi o caso), esta interrupção do prazo prescricional não preclude, antes obriga, a que a mesma citação seja feita.
  Isto é, não foi feita a citação (o service, de acordo com a lei da Grã-Bretanha), por culpa imputável à Interveniente, que apenas depositou uma acção no Reino Unido, não curando de proceder à citação de acordo com a lei deste Estado.
  Tais créditos, tais facturas, tal montante de MOP 13.782.899,89, está, pois, prescrito.
  Deve, pois, absolver-se a Ré/Recorrente dos pedidos da A. e da Interveniente, considerando não existir fundamentos legais e jurídicos para poder lançar-se mão da acção de impugnação pauliana e considerarem-se os pretensos créditos da Interveniente prescritos, bem como procedente o acordo entre a A./Recorrida e estando a mesma paga por esta Ré, ora Recorrente, de acordo com a alínea n) da matéria assente e a resposta ao quesito 13° da douta base instrutória.
  
  II – Os factos
  Os factos considerados provados pelos Tribunais de 1.ª e Segunda Instâncias, são os seguintes:
  - A sociedade "B" tem por objecto o comércio de importação e exportação, bem como a venda de automóveis e acessórios para automóveis (alínea A dos factos assentes).
  - A "C", tem por objecto a compra e venda e automóveis e acessórios para automóveis, bem como a sua importação e exportação (alínea B dos factos assentes).
  - Por decisão judicial transitada em julgado em 9 de Outubro de 1998, proferida nos autos que correram termos no 5.° Juízo do Tribunal de Competência Genérica, sob o n° 167/95, foi a ora Ré "C", condenada a restituir à ora Autora, A, a quantia de HKD$211,208.00 (alínea C dos factos assentes).
  - Por apenso à acção referida na alínea anterior, a ora Autora instaurou execução para pagamento de quantia certa contra a ora Ré "C" (alínea D dos factos assentes).
  - No âmbito desse processo executivo, foi proferido, no dia 26 de Maio de 1999, despacho a ordenar a penhora das fracções autónomas "A YR/C", "AZR/C", "BAR/C", "BBR/C", "BCR/C" e "BDR/C", todas do Rés-do-chão, para comércio, do prédio com os números [Endereço (1)] e [Endereço (2)], descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n° XXXXX, a fls. 133 do livro BXX, inscrito na matriz predial da freguesia de Nossa Senhora da Fátima sob o n° XXXXX (alínea E dos factos assentes).
  - A penhora foi efectivada através de termo lavrado no dia 31 de Maio de 1999, tendo sido registada na Conservatória do Registo Predial de Macau em 25 de Junho de 1999 (alínea F dos factos assentes).
  - No dia 26 de Maio de 1999, através de escritura exarada no Cartório do Notário Privado, E, F, na qualidade de gerente e em representação da "C", declarou vender à sociedade "B", que declarou aceitar tal venda, pelo preço global de seiscentas e dezoito mil patacas (MOP$618,000.00), as fracções autónomas referidas supra na alínea e) desta matéria de facto assente (alínea G dos factos assentes).
  - O valor matricial total dessas fracções era, em 26 de Maio de 1999, de MOP$2,420,240.00 (alínea H dos factos assentes).
  - Em 28 de Maio de 1999, foi inscrita, na Conservatória do Registo Predial de Macau, a aquisição das ditas fracções autónomas a favor da ora Ré "B" (alínea I dos factos assentes).
  - Em 26 de Maio de 1999, F era sócio-gerente da "C" e gerente da sociedade "B", ora segunda e primeira Rés, respectivamente (alínea J dos factos assentes).
  - Na mesma data, G era sócio da ora segunda Ré e gerente da 1ª Ré (alínea L dos factos assentes).
  - A Ré "C" é, desde 17 de Novembro de 1993, detentora de uma quota com o valor nominal de MOP$5,200.00, que representa 52% do capital social da "H" (alínea M dos factos assentes).
  - Entre a Autora e as Rés foi celebrado, através de escrito particular, o "Acordo" cujo teor consta de fls. 635 dos presentes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea N dos factos assentes).
  - A Interveniente dedica-se ao fabrico e comercialização de veículos automóveis da marca “X” (alínea O dos factos assentes).
  Da base Instrutória:
  - A primeira Ré sabia que desde 9 de Outubro de 1998, a segunda Ré estava condenada a pagar à Autora a quantia referida na alínea c) da matéria de facto assente (resposta ao quesito 1º).
  - Quando outorgou na escritura referida na alínea g) da matéria de facto assente, a segunda Ré sabia que estava a afastar da sua esfera patrimonial bens que permitiam à Autora obter o pagamento da quantia referida na alínea c) da matéria de facto assente (resposta ao quesito 2º).
  - Quando outorgou na escritura referida na alínea g) da matéria de facto assente, a primeira Ré sabia que estava a afastar da esfera patrimonial da segunda Ré bens que permitiam à Autora obter o pagamento da quantia referida na alínea c) da matéria de facto assente (resposta ao quesito 3º).
  - Ambas as Rés sabia que tais bens eram um dos meios essenciais de a Autora obter o pagamento do montante referido na alínea c) da matéria de facto assente (resposta ao quesito 4º).
  - Entre 28 de Agosto de 1997 e 9 de Janeiro de 1998, a Interveniente D, efectuou fornecimentos de veículos de marca "X" à 2ª Ré, no montante global de MOP$13,782,899.89 (resposta ao quesito 7º).
  - Esse montante ainda não foi pago pela 2ª Ré (resposta ao quesito 8º).
  - A 2ª Ré, ao declarar vender as suas fracções autónomas nos termos referidos na alínea c) da matéria de facto assente sabia que estava a afastar da sua esfera patrimonial, bens que permitiam à Interveniente obter o pagamento da quantia referida no quesito anterior (resposta ao quesito 9º).
  - A 1ª Ré, ao declarar aceitar a venda das ditas fracções autónomas, nos termos referidos na alínea c) da matéria de facto assente sabia que estava a afastar da esfera patrimonial da 2ª Ré, bens que permitiam à Interveniente obter o pagamento da quantia referida no quesito 7º (resposta ao quesito 10º).
  - Ambas as Rés sabiam que tais bens eram um dos meios essenciais de a Interveniente obter o pagamento de tal quantia (resposta ao quesito 11º).
  - Em 25 de Maio de 1999, a 2ª Ré tinha dívidas fiscais no montante de MOP$999,035.00 (cfr. fls. 808) (resposta ao quesito 11º-A).
  - A quantia de MOP$110,000.00 referida na cláusula 1ª do "Acordo" referido na alínea n) da matéria de facto assente foi paga à Autora (resposta ao quesito 13º).
  
  III – O Direito
  1. As questões a resolver
  São as seguintes as questões a resolver:
  A) O primeiro grupo de questões refere-se à existência dos dois créditos:
  1) - Se não existia qualquer crédito da autora sobre a 2.ª ré, desde 15 de Janeiro de 2001, por se ter extinguido por transacção e subsequente pagamento, pelo acordo de fls. 535;
  - A não se entender assim, se o crédito da autora deveria ter sido deduzido de MOP$110,000.00, referido no mesmo acordo;
  2) - Se a interveniente não provou ter a 2.ª ré sido citada na acção judicial que correu termos no High Court of Justice de Birmingham, para pagamento dos créditos dos autos;
  - Se tal crédito da interveniente está extinto por prescrição;
  B) O segundo grupo de questões refere-se aos restantes requisitos da impugnação pauliana:
  - Designadamente, se não se verificou o requisito da má fé, de que dependia a procedência dos pedidos da autora e da interveniente.
  
  2. Matéria de facto
  Não se conhece da impugnação da matéria de facto deduzida pela 2.ª ré, referida nas conclusões da sua alegação E. a N., já que o TUI não tem poder de cognição em matéria de facto.
  Não se vislumbra nenhuma insuficiência da matéria de facto nem nenhuma contradição na mesma matéria (entre quê?).
  Não é possível determinar a ampliação de matéria de facto, quanto a factos não alegados.
  Não alega a ré que factos alegados é que não foram averiguados, com o que se indefere o requerido.
  
  3. Omissão de pronúncia
  Não existe omissão de pronúncia quanto à extinção do crédito da autora, pelo acordo de 15 de Janeiro de 2001 (fls. 535 e não 635) e pagamento do cheque de MOP$110,000.00 (resposta ao quesito 13.º).
  A questão foi conhecida a fls. 37 a 40 da sentença, da lavra do primitivo relator, mantida no Acórdão, como resulta de fls. 45, já que tal matéria não estava sublinhada, o que significou que a decisão do Acórdão a manteve, sendo tal fundamentação, de facto e de direito, suficiente.
  
  4. Da existência do crédito da autora
  O crédito da autora resulta da sentença transitada em julgado em 9 de Outubro de 1998, proferida nos autos que correram termos no 5.° Juízo do Tribunal de Competência Genérica, sob o n° 167/95, pela qual foi a ora 2.ª ré C, condenada a restituir à ora Autora, A, a quantia de HKD$211,208.00 (alínea C dos factos assentes).
  Tal litígio emerge do contrato de locação-venda da viatura X de matrícula ME-XX-XX (certidão da sentença, a fls. 59 e segs.).
  Entretanto, em 15 de Janeiro de 2001, a autora e as duas rés celebraram o seguinte acordo:
“ACORDO
  Entre:
  C, representada por I; .
  B, representada por J;
e
  A, representada por K,
  É acordado e reduzido a escrito o presente acordo, que se regerá pelas cláusulas seguintes:
1.°
  C compromete-se a pagar à A o montante de MOP$110.000,00 (cento e dez mil patacas) como contrapartida pela desistência por parte da A do processo de falência.
2.°
  Para efeitos de concretização do estabelecido na cláusula anterior, os advogados constituídos pela A renunciarão ao mandato antes da realização da audiência de julgamento dos embargos à falência marcada para o dia 17 de Janeiro de 2001, comprometendo-se igualmente a A a não inviabilizar a sua notificação nos termos e para efeitos do disposto no artigo 81.° n° 4 do Código de Processo Civil e a não constituir qualquer outro mandatário no processo.
3.°
  Ainda para os efeitos previstos na cláusula 1.ª A compromete-se a, respectivamente, desistir do pedido na acção de impugnação pauliana ou a ceder informalmente a respectiva posição processual, por substabelecimento forense sem reserva, em colega a indicar pelos mesmos, em função da revogação ou da manutenção da declaração de falência.
  Primeiro: Na hipótese de o julgamento dos embargos à falência se protelar no tempo e for entretanto apresentada a contestação na acção de impugnação pauliana e esta tiver que prosseguir os seus termos, a A, desde que se tenha verificado condição, prevista na cláusula sétima, compromete-se igualmente a viabilizar, desde logo a estratégia processual que vier a ser definida pelos advogados da B, nomeadamente no imediato substabelecimento forense sem reserva em colega a indicar pelos mesmos.
4.°
  A compromete-se, ainda, a renunciar ao crédito que lhe vier a ser reconhecido no processo de falência, caso esta não venha a ser revogada.
5.°
  Todas as custas que vierem a ser devidas em qualquer dos dois processos em questão, i.e., o processo de falência e todos os seus apensos e acção pauliana, serão da exclusiva responsabilidade da C.
6.°
  Todas as partes no presente acordo renunciam aos respectivos direitos emergentes do contrato de locação – venda celebrado em 24/05/1993 sobre a viatura automóvel de matricula ME-XX-XX da marca X, modelo Sterling e, em conformidade, comprometem-se reciprocamente a desistir de todos os processos que corram termos no Tribunal Judicial de Base, relacionados com o litígio que opõe A à C.
7.°
  O pagamento do montante referido na cláusula 1.ª será pago na data em que der entrada no Tribunal Judicial de Base o requerimento de renúncia do mandato no processo de falência, por cheque emitido a favor de escritório de advogados, mas só poderá ser movimentado após o decurso do prazo atribuído pelo tribunal à A para constituição de novo mandatário no processo de falência.
  Macau, 15 de Janeiro de 2001.”.
  A quantia de MOP$110,000.00 foi efectivamente paga à autora (resposta ao quesito 13.º da base instrutória).
  Tendo a 1.ª ré requerido a extinção da instância face à celebração deste acordo, veio a autora dizer, nos autos, em 20 de Abril de 2004 (fls. 545), que não se provava que esta quantia tivesse sido paga – o que se revelou não ser exacto – e que não estava cumprido o acordo quanto ao pagamento das custas.
  Pois bem, as custas da presente acção não podem estar pagas, já que a acção ainda está pendente, sendo que só após trânsito em julgado da decisão final haverá lugar à contagem das custas, correndo então o prazo para o seu pagamento.
  Quanto ao pagamento das custas no processo de falência, trata-se de uma obrigação das rés, que não tem implicações sobre o destino do pedido deduzido na presente acção.
  O que o mencionado acordo revela é que foi intenção das partes (autora e rés) pôr termo aos vários litígios entre elas, originado pelo contrato de 1993, de locação-venda do veículo X.
  A autora abriu mão do crédito dos autos, com a contrapartida do recebimento da quantia de MOP$110,000.00. Tendo recebido esta quantia extinguiu-se o direito que a autora pretendia valer no presente processo. Nem se diga que ela apenas se obrigou a desistir da presente acção, tendo, portanto, a possibilidade de não cumprir.
  Se fosse assim, não faria sentido ter renunciado a todos os direitos emergentes do contrato de locação-venda da viatura X, que dera origem à acção judicial, que correu termos no 5.° Juízo do Tribunal de Competência Genérica, sob o n° 167/95.
  Ora, a autora não prometeu renunciar. Renunciou efectivamente a todos os direitos emergentes do contrato de locação-venda, incluindo, portanto, o resultante da acção do 5.° Juízo do Tribunal de Competência Genérica, que é o crédito que a autora pretende garantir com a presente impugnação pauliana.
  Por conseguinte, independentemente da qualificação jurídica do mencionado acordo, o que não há dúvidas é que, por meio dele, se pretendeu pôr termo, tanto ao direito da autora a obter a impugnação pauliana, como ao crédito resultante do Processo n.º 167/95.
  Logo, o direito da autora extinguiu-se, com o que improcede o pedido feito na presente acção.
  Procede, nesta parte, o recurso das rés.
  
  5. Da existência do crédito da interveniente. Prescrição.
  Cabe, agora, apurar as questões relacionadas com o crédito da interveniente X.
  D deduziu intervenção principal espontânea (fls. 294), como coligada com a autora, invocando um crédito contra a 2.ª ré - declarada falida em 2000 - que reclamou no processo de falência, no montante de MOP13.782.899,89, por fornecimentos ocorridos entre 28 de Agosto de 1997 e 9 de Janeiro de 1998. Formulou, assim, pedido idêntico ao da autora para garantir a satisfação do seu crédito.
  A 2.ª ré arguiu a prescrição dos créditos, alegando ser o prazo de prescrição de 2 anos, e que entre 9 de Janeiro de 1998 – data do último fornecimento - e 8 de Janeiro de 2000, não ocorreu nenhum facto susceptível de suspender ou interromper tal prazo (fls. 471).
  A interveniente veio contrapor (fls. 626) ter havido interrupção do prazo de prescrição, nos termos do artigo 315.º do Código Civil, por ter a 2.ª ré sido citada duas vezes para acção, que correu termos no High Court of Justice de Birmingham, visando cobrar os créditos que constituem a causa de pedir dos presentes autos, tendo as citações, naquela acção, ocorrido em 17 de Dezembro de 1999 e 16 de Fevereiro de 2000.
  O Acórdão recorrido decidiu que os créditos não estão prescritos. Para tal considerou que, mesmo que não se saiba ao certo a data da recepção da citação pela ré, sempre a prescrição ter-se-ia interrompido por força do disposto no n.º 2 do artigo 315.º do Código Civil, segundo o qual “Se a citação ou notificação se não fizer dentro de 5 dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os 5 dias”. Tendo a citação sido requerida em 28 de Outubro de 1999, data da propositura da acção, às 24 horas do dia 2 de Novembro de 1999 ter-se-ia dado a interrupção da prescrição.
  A 1.ª ré entende que esta norma não se aplica quando não tenha havido citação. E defende que a interveniente não provou ter a 2.ª ré sido citada na acção judicial que correu termos no High Court of Justice de Birmingham, para pagamento dos créditos dos autos.
  Importa, assim, averiguar se houve citação e em que data.
  Pois bem. O documento de fls. 1514 prova que a citação teve lugar, por entrega dos documentos pertinentes, sendo que em 17 de Dezembro de 1999, o representante do autor de tal acção declarou não lhe terem sido devolvidos os documentos entregues.
  Como é evidente, tendo ocorrido um acto processual numa acção pendente no exterior de Macau, de acordo com essa lei do exterior, tem de se presumir que foi praticado regularmente, sendo às rés que caberia provar que tal citação violou tal lei, o que não fizeram.
  É esse o entendimento pacífico quanto ao requisito da revisão e confirmação de sentenças do exterior, previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 1200.º do Código de Processo Civil – que o réu tenha sido regularmente citado para a acção , nos termos da lei do tribunal de origem – como decidiu este Tribunal nos Acórdãos de 15 de Março de 2006 e 11 de Fevereiro de 2010, respectivamente, nos Processos n. os 2/2006 e 43/2009, e não há nenhuma razão para, neste caso paralelo, se não seguir a mesma doutrina.
  A citação considera-se, assim, efectuada em 17 de Dezembro de 1999, pelo que se interrompeu a prescrição antes de ter completado o prazo de 2 anos, em 8 de Janeiro de 2000.
  Os créditos do interveniente não estão prescritos.
  
  6. Requisitos da impugnação pauliana
  Resta saber se se verificam os demais requisitos da impugnação pauliana, no que respeita aos créditos do interveniente.
  Dispõem os artigos 605.º e 607.º do Código Civil:
Artigo 605.º
(Requisitos gerais)
Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:
a) Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.
Artigo 607.º
(Requisito da má fé)
1. O acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé; se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa fé.
2. Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.
  
  Não é controvertido nos autos o preenchimento dos requisitos do artigo 605.º. Por um lado, o crédito é anterior ao acto de alienação e resulta do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito.
  Resta o requisito da má fé.
Entende-se por má fé a consciência – por parte do devedor e o terceiro - do prejuízo que o acto de alienação causa ao credor.
  A prova da consciência, por parte das rés, do prejuízo causado à interveniente, é exuberante. Apenas para recordar, provou-se que:
A 2ª Ré, ao declarar vender as suas fracções autónomas nos termos referidos na alínea c) da matéria de facto assente1 sabia que estava a afastar da sua esfera patrimonial, bens que permitiam à Interveniente obter o pagamento da quantia referida no quesito anterior2 (resposta ao quesito 9º).
A 1ª Ré, ao declarar aceitar a venda das ditas fracções autónomas, nos termos referidos na alínea c) da matéria de facto assente sabia que estava a afastar da esfera patrimonial da 2ª Ré, bens que permitiam à Interveniente obter o pagamento da quantia referida no quesito 7º3 (resposta ao quesito 10º).
Ambas as Rés sabiam que tais bens eram um dos meios essenciais de a Interveniente obter o pagamento de tal quantia (resposta ao quesito 11º).
Verificam-se, assim, todos os requisitos da impugnação pauliana.
  O pedido da interveniente é, pois, procedente, com o que se nega provimento aos recursos das rés.
  
IV – Decisão
Face ao expendido:
A) Dá-se parcial provimento aos recursos das rés, julgando o pedido da autora improcedente;
B) Nega-se provimento aos recursos das rés na parte restante, pelo que se mantém o Acórdão recorrido na parte em que julgou procedente o pedido da interveniente D.
Custas da acção na proporção dos decaimentos. Custas dos recursos no TUI e TSI, a proporção de 1/4 para a autora e 3/4 para as rés.
Macau, 30 de Novembro de 2011.
   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Sam Hou Fai –
   Choi Mou Pan
   1 Não se trata da alínea c), como se refere, por manifesto lapso, mas da alínea g), que diz: “No dia 26 de Maio de 1999, através de escritura exarada no Cartório do Notário Privado, E, F, na qualidade de gerente e em representação da "C", declarou vender à sociedade "B", que declarou aceitar tal venda, pelo preço global de seiscentas e dezoito mil patacas (MOP$618,000.00), as fracções autónomas referidas supra na alínea e) desta matéria de facto assente”. Que eram as fracções autónomas "A YR/C", "AZR/C", "BAR/C", "BBR/C", "BCR/C" e "BDR/C", todas do Rés-do-chão, para comércio, do prédio com [Endereço (1)] e [Endereço (2)], descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n° XXXXX, a fls. 133 do livro BXX, inscrito na matriz predial da freguesia de Nossa Senhora da Fátima sob o n° XXXXX.
   2 Os quesitos 7.º e 8.º perguntavam se a interveniente forneceu veículos à 2.ª ré, no montante de MOP$13,782,899.89, montante que não foi pago, o que se considerou provado.
3 Ver nota anterior.
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Processo n.º 55/2011

22
Processo n.º 55/2011