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Processo n.º 61/2011. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente:A.
Recorrido: Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
Assunto: Suspensão da eficácia do acto. Prejuízo de difícil reparação. Grave lesão do interesse público. Ponte-cais. Obra rodoviária.
Data da Sessão: 7 de Dezembro de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e José Maria Dias Azedo.
SUMÁRIO:
I – Não se demonstra prejuízo de difícil reparação para a requerente com a execução do acto se aquela não prova que a actividade comercial, que desenvolve no local cuja desocupação foi determinada pelo acto (a comercialização de produtos provenientes do mar), não possa continuar noutro imóvel, em semelhantes condições.
II – Se a requerente não quantificou a perda do rendimento resultante da cessação da atracação de embarcações, nem alegou qual o peso relativo desta actividade na sua actividade global, onde se inclui a comercialização de produtos provenientes do mar, nunca se poderia considerar que a cessação daquela actividade poderia paralisar a requerente.
III – Não está demonstrado o requisito de que a suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto, se este visa a desocupação de instalações ocupadas a título precário, para melhoria do tráfego rodoviário entre as Portas do Cerco e a Barra, designadamente para a criação de corredores exclusivos para autocarros, e se aponta o funcionamento do troço rodoviário em questão para 2014.
  O Relator,
  Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A requereu a suspensão da eficácia do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 5 de Julho de 2011, que indeferiu o pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da ponte cais n.º XX e, em consequência, determinou a entrega da mesma à gestão da Administração.
Por Acórdão de 20 de Outubro de 2011, o Tribunal de Segunda Instância, (TSI) indeferiu o requerido.
Inconformado, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), formulando as seguintes conclusões úteis.
O Venerando Tribunal recorrido entendeu que os factos aduzidos pela Recorrente no seu requerimento inicial dos autos não seriam manifestamente suficientes para suportar a alegação do “prejuízo de difícil reparação”, pressuposto previsto na alínea a), n° 1 do art. 121 ° do CPAC;
A Recorrente alegou, entre outros factos: a) o fim de toda a actividade comercial da Requerente (quer no que concerne à comercialização de produtos provenientes do mar, quer no que respeita à actividade de atracação de embarcações); b) a possível liquidação da sociedade comercial “A”, que ao não ver renovada a licença de exploração da Ponte-Cais n.º XX, poderá simplesmente deixar de ter um local para desenvolver a sua actividade comercial, e com isso, c) deixar de pagar aos seus credores; d) deixar de poder pagar aos seus trabalhadores e com isso deixar de poder manter os respectivos postos de trabalho daqueles; e) ter de se socorrer do endividamento privado para fazer face às consequências da execução do acto suspendendo; e f) ter que reconsiderar a sua estratégia de investimento e a paralisação de todo o processo produtivo, por um período de tempo longo;
A perda dos postos de trabalho dos trabalhadores da Recorrente resultantes da não suspensão imediata da decisão que ordenou a não renovação da licença de exploração da Ponte cais e bem assim a desocupação daquela infra-estrutura, causam um prejuízo considerável e de difícil reparação na esfera jurídica daqueles, que não deverá ser considerado como indiferente para a decisão da questão que ora se discute;
A Recorrente não tem como substituir o local onde presta uma parte significativa da sua actividade comercial, designadamente, a actividade de atracação das embarcações;
É um facto inquestionável, credível e notório: sendo a Recorrente uma empresa comercial que se dedica exclusivamente à exploração da Ponte cais nº XX, designadamente, à importação e exportação de pescado e marisco e bem assim á exploração da actividade de aluguer de espaço para atracação de embarcações, é facto notório que a não renovação da licença em questão importará o inevitável “fecho de portas.”;
A própria extinção e liquidação da sociedade Recorrente constitui, por si só, um dano previsível, credível e de difícil reparação, mostrando-se em claro nexo causal com a execução do acto recorrido;
Não se vislumbra in casu qualquer razão concreta e real de interesse público relevante que se possa sobrepor ao interesse da Requerente;
A existir verdadeiramente o interesse público invocado pela Capitania dos Portos de Macau, impunha-se que todos os pedidos de renovação das licenças de ocupação temporária, de todas as outras pontes-cais existentes no local por onde passará a via para uso exclusivo de autocarros fossem igualmente indeferidos e bem assim ordenada a desocupação das mesmas, o que não aconteceu;
Resulta claramente dos autos, nomeadamente do documento junto com o requerimento inicial sob o n° 1 que foi celebrado entre um contrato entre o Governo da RAEM e a empresa B, e nos termos do qual a esta ultima incumbirá o Estudo dos Corredores Exclusivos para Autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra, resultando claro que a execução de tal estudo se prolonga por mais de um ano económico;
Depois de apresentado tal estudo, deverá ainda o Governo da RAEM proceder à abertura de concurso público para adjudicação da referida obra e celebração do respectivo contrato de empreitada;
O que significa que o Governo da RAEM não irá dar tão cedo inicio à execução do projecto em causa, ou seja, a sua execução não será imediata e haverá ainda um longo caminho a percorrer;
O Douto Acórdão recorrido violou a lei, nomeadamente o disposto nos arts. 2º e 121º do CPAC, pelo que se impõe decisão diversa no sentido de que seja concedida a requerida suspensão de eficácia do acto recorrido até decisão final do recurso contencioso, de modo a evitar uma posterior situação de impossibilidade ou de irreversibilidade da legalidade,
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso, por não verificação do requisito referente à suspensão não determinar grave lesão do interesse público.

II - Os Factos
O TSI considerou provado que:
1- “A” dedica-se à actividade de importação e exportação de pescado e marisco e, bem assim, à exploração de actividade de aluguer de espaço para atracação de embarcações.
2- Adquiriu em 12/10/1993, por trespasse a C , D e E a licença de ocupação a título precário da ponte de atracação nº XX.
3- Na sequência desse trespasse solicitou à Capitania dos portos do Governo de Macau em 19/10/1993 a transmissão para seu nome da licença de exploração da Ponte-Cais nº XX, o que lhe foi deferido por ofício de comunicação de 21/10/1993.
4- Desde então tem a requerente vindo a explorar a referida Ponte-Cais no Porto Interior, local onde além de instalado um estabelecimento de venda de peixe e marisco, se encontram atracadas diversas embarcações e está albergada a sua sede social.
5- Anualmente a requerente vinha ocupando a referida ponto a título precário mediante licença, tendo, na sequência da comunicação de fls. XXXXX do apenso instrutor ao Recurso Contencioso (2º Vol.) da Capitania dos Portos, sido apresentado pedido de renovação da licença, que lhe foi concedida para vigorar no período de 01/01/2010 até 31/12/2010;
6- Em 14/10/2010 a requerente solicitou a renovação da licença de ocupação da mencionada Ponte-Cais até 31/12/2011;
7- A Directora da Capitania, por ofício de 31/03/2011, notificou a requerente para, em audiência prévia, se pronunciar sobre o eventual indeferimento da renovação;
8- A requerente apresentou em 15/04/2011 resposta escrita em audiência;
9- Por ofício da Capitania dos Portos de Macau (Ref. XXXXXXXXXXXX), datado de 11/07/2011, foi o recorrente notificado nos seguintes termos:
“[Endereço (1)]
F
Sr. Advogado G
Assunto: Indeferimento do pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da ponte-cais n.º XX do Porto Interior
Ex.mo Senhor:
De acordo com o despacho de 5 de Julho de 2011 proferido pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas na proposta n.º XX/DAPE-ATJ/2011 da Capitania dos Portos de Macau, notifica-se, designadamente:
1. O indeferimento do pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da ponte-cais n.º XX do Porto Interior;
2. O requerimento, ao antigo titular da licença de ocupação a título precário da ponte-cais n.º XX do Porto Interior, ou seja, a A, de proceder, no prazo de 30 dias, à demolição dos objectos amovíveis na ponte-cais, de forma à restituição desta à posse da Região Administrativa Especial de Macau.
Nos termos do art.º 149.º do Código do Procedimento Administrativo, o interessado pode apresentar a reclamação para o Secretário para os Transportes e Obras públicas no prazo de quinze dias a contar a partir da data da recepção desta notificação.
Nos termos do art.º 25.º, n.º 2 do Código de Processo Administrativo Contencioso e do art.º 36.º, al. 8) da Lei n.º 9/1999, republicada pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 265/2004, o interessado pode, querendo, recorrer da decisão para o Tribunal de Segunda Instância da RAEM no prazo de 30 dias a contar a partir da data da recepção desta notificação.
O interessado pode dirigir-se, nas horas de expediente, para o centro de registo e de execução de licenças do Departamento de Assuntos Portuários e Embarcações no Edifício da Capitania dos Portos de Macau para o acesso aos processos da ponte-cais n.º XX do Porto Interior.
Constante do anexo desta notificação o extracto integral da proposta n.º XX/DAPE-ATJ/2011 da Capitania dos Portos de Macau.
Com os melhores cumprimentos.
Directora
                    WONG SOI MAN
Notifique-se à A ; duplicados para DAPE, DATM.
Anexo
Extracto integral da proposta n.º XX/DAPE-ATJ/2011 da Capitania dos Portos
Com referência ao pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da ponte-cais n.º XX do Porto Interior, apresenta-se o relatório, designadamente:
Parte I Relatório
1. Foi emitida à A (registo comercial n.º XXXX SO), em 1994, a licença de ocupação a título precário da ponte-cais n.º XX do Porto Interior. A licença é válida pelo período de um ano e é renovável cada ano.
A Capitania dos Portos emitiu em Dezembro de 2009 à A a última licença de ocupação a título precário da ponte-cais n.º XX do Porto Interior (n.º XXX/2009), cujas informações se apresentam, designadamente:
- O titular da licença de ocupação a título precário: a A;
- Área ocupada: 310.00 metros quadrados
- Actividades autorizadas pela licença: actividades de comércio e serviços;
- Período de validade: de 1 de Janeiro de 2010 a 31 de Dezembro de 2010
(v anexo 1 e anexo 2)
A ponte-cais n.º XX do Porto Interior é composta por um edifício de dois andares e uma plataforma de madeira. A loja localizada no rés-do-chão e no sul da ponte-cais é “H”. Encontra-se geralmente nos fundeadouros da ponte-cais embarcações de pesca.
2. A A requereu, em 14 de Outubro de 2010, à Capitania dos Portos, a renovação da licença de ocupação a título precário do ano 2011 da ponte-cais n.º XX do Porto Interior (v o anexo 3)
3. Tal como sugeriu o ponto 6 do relatório n.º XXXX/DDPDT/2010 de 15 de Dezembro de 2010 da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego: notifica-se aos respectivos serviços competentes a concepção dos Corredores Exclusivos para Autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra, e sugere-se que os respectivos serviços reservassem os espaços das ponte-cais n.ºs XX e XX do Porto Interior para via pública, e que o desenvolvimento e plano dos edifícios na vizinhança tivessem de ter em conta a necessidade de reservar espaços para o trânsito. (v o anexo 4)
4. Depois, em 25 de Fevereiro de 2011, realizou-se, entre os representantes da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro e Capitania dos Portos, uma discussão sobre as questões na concepção dos Corredores Exclusivos para Autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra que têm relação com as ponte-cais n. Os XX e XX do Porto Interior. Por estas duas ponte-cais serem bens do domínio público sem registos prediais, e serem ocupadas, a título precário, pelo titular da licença, entende-se viável que sejam reservadas as mesmas a fim da via pública.
5. A Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego emitiu em 10 de Março de 2011 o ofício n.º XXXXXXX/XXXXXDPT/2011 à Capitania dos Portos, cujo ponto 5 referiu que, considerando a partir do ponto de vista do trânsito integral de Macau e para coordenar a execução dos planos recentes e a longo prazo, é necessário e viável reservar as ponte-cais n. os XX e XX do Porto Interior para via pública. O ofício também sugeriu que a Capitania dos Portos adoptasse respectivas medidas para a cooperação da realização do respectivo plano. (v o anexo 5)
6. Para o efeito de reservar a ponte-cais n.º XX do Porto Interior para via pública, não se pode deferir o pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da ponte-cais n.º XX do Porto Interior. Além disso, deve o antigo titular da licença de ocupação a título precário da ponte-cais n.º XX do Porto Interior, isto é, a A proceder à demolição dos objectos amovíveis na ponte-cais, de forma à restituição desta à posse da Região Administrativa Especial de Macau.
Tendo em conta a especialidade deste caso, a Capitania dos Portos precedeu à audiência escrita da A através do ofício n.º SATJXXXXXXXE de 1 de Abril de 2011. Na respectiva audiência escrita, foi indicado que:
(1) A ponte-cais n.º XX do Porto Interior trata-se do bem do domínio público.
(2) O interessado não tem o direito de superfície sobre a ponte-cais n.º XX do Porto Interior, por isso, ele não pode sustentar, para o Governo da RAEM, a posse do direito de construção nesta ponte-cais.
(3) O interessado não teria direito a indemnização se a ponte-cais n.º XX do Porto Interior for devolvida ao Governo da RAEM após a caducidade da licença de ocupação a título precário.
(v o anexo 6)
7. O Sr. Advogado G de F apresentou, em 15 de Abril de 2011 e em representação da A, o parecer escrito para a Capitania dos Portos. (v o anexo 7)
Parte II Análise
8. Foi emitida à A, em 1994, a licença de ocupação da ponte-cais n.º XX do Porto Interior. A relação jurídica da ocupação a título precário da ponte-cais n.º XX do Porto Interior pela companhia foi regulada pela Lei n.º 6/86/M de 26 de Julho (Lei do domínio público hídrico) que já entrou em vigor naquele tempo.
De acordo com o anexo 2 da Lei n.º 1/1999 (Lei de Reunificação), a Lei n.º 6/86/M a Lei n.º 6/86/M não é adoptada como lei da Região Administrativa Especial de Macau. Todavia, enquanto não for elaborada nova legislação, pode a Região Administrativa Especial de Macau tratar as questões nela reguladas de acordo com os princípios contidos na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, tendo por referência as práticas anteriores.
9. Não se encontra actualmente nenhum documento que comprove que a ponte-cais n.º XX do Porto Interior tinha sido uma propriedade privada ou possuída particularmente em 1 de Julho de 1870, nem documento do então Governo Português de Macau que comprovasse, de acordo com a Lei n.º 6/86/M, que a ponte-cais n.º XX do Porto Interior tinha sido uma propriedade privada.
Por outro lado, o então Governo Português de Macau e o presente Governo da RAEM têm emitido licenças de ocupação a título precário da ponte-cais n.º XX do Porto Interior.
Nos termos da Portaria n.º 122/89/M de 31 de Julho, a ponte-cais n.º XX do Porto Interior localiza-se no domínio público hídrico.
Com base nos factos acima referidos, considera-se bem do domínio público a ponte-cais n.º XX do Porto Interior.
10. Nos termos do art.º 7.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau. O Governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento, bem como pelo seu arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento. Os rendimentos daí resultantes ficam exclusivamente à disposição do Governo da Região Administrativa Especial de Macau.
Por ser bem do domínio público a ponte-cais n.º XX do Porto Interior, esta é propriedade do Estado. O Governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão.
11. A Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego referiu no relatório n.º XXXX/DDPDT/2010 de 15 de Dezembro de 2010 a concepção dos Corredores Exclusivos para Autocarros entre as portas do Cerco e a Barra, e sugeriu que os respectivos serviços reservassem os espaços das ponte-cais n.ºs XX e XX do Porto Interior para via pública, e que o desenvolvimento e plano dos edifícios na vizinhança tivessem de ter em conta a necessidade de reservar espaços para o trânsito.
12. No seu ofício n.º XXXXXXX/XXXX/DPT/2011 de 10 de Março de 2011, a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego referiu que, considerando a partir do ponto de vista do trânsito integral de Macau e para coordenar a execução dos planos recentes e a longo prazo, é necessário e viável reservar as ponte-cais nºs XX e XX do Porto Interior para via pública.
13. Nos termos do art.º 20.º, n.º 1 da Lei n.º 6/86/M, as concessões e as licenças podem ser extintas, mediante acto fundamentado, se os terrenos dominiais forem considerados necessários à utilização pelo público sob a forma de uso comum ou se outro motivo de interesse público assim o exigir.
Pelo que, com base nas necessidades do uso comum ou de outro interesse público, o Governo da RAEM pode não autorizar a renovação da licença de ocupação a título precário do bem no domínio público hídrico
14. Nestes termos, para o efeito de reservar a ponte-cais n.º XX do Porto Interior como via pública em cooperação com o desenvolvimento de trânsito integral de Macau, é obvia que o Governo da RAEM não pode deferir o pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da ponte-cais n.º XX do Porto Interior.
Se o Governo da RAEM indefira o pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da ponte-cais n.º XX do Porto Interior, a A perderia o direito de utilização desta por a caducidade daquela licença. Caso assim, a A tenha de proceder à demolição dos objectos amovíveis na ponte-cais, de forma à restituição desta à posse da Região Administrativa Especial de Macau.
15. É previsto, tanto no Código Civil de 1966 (o art.º 202.º, n.º 2) como no Código Civil vigente (o art.º 193), que todas as coisas que se encontram no domínio público são consideradas fora do comércio e não podem ser objecto de direitos privados, nem apropriadas pessoalmente.
Por encontrar-se no domínio público a ponte-cais n.º XX do Porto Interior, os seus direitos reais (incluindo o direito de superfície) não podem ser adquiridos ou transmitidos pessoalmente.
Por o interessado não ter o direito de superfície sobre a ponte-cais n.º XX do Porto Interior, ele não pode sustentar, para o Governo da RAEM, a posse do direito de construção nesta ponte-cais.
16. Nos termos do art.º 20.º, nºs 1 e 2 da Lei n.º 6/86/M, as concessões e as licenças podem ser extintas, mediante acto fundamentado, se os terrenos dominiais forem considerados necessários à utilização pelo público sob a forma de uso comum ou se outro motivo de interesse público assim o exigir; a revogação das licenças não confere ao interessado direito a qualquer indemnização, podendo ser levantadas as benfeitorias que não afectem a utilidade económica do terreno.
Nos termos do art.º 75.º da vigente Lei de Terras, o ocupante não tem direito de levantar as benfeitorias introduzidas no terreno nem de ser indemnizado por elas, qualquer que seja o motivo do termo da ocupação, devendo, porém, ser reembolsado da importância da taxa correspondente ao tempo por que ainda teria direito a ocupar o terreno.
Com base no disposto acima referido, o interessado não teria direito a indemnização se a ponte-cais n.º XX do Porto Interior for devolvida ao Governo da RAEM após a caducidade da licença de ocupação a título precário.
17. Quanto à resposta escrita apresentada em 15 de Abril de 2011 pelo Sr. Advogado G em representação da A, entendemos que:
(1) Em relação a que “...não pode dizer que o depoente ocupa a título precário a ponte-cais n.º XX” referido no ponto 2 da resposta.
Segundo as informações da Capitania dos Portos, tanto a A como o antigo utente ocuparam, a título precário, a ponte-cais n.º XX do Porto Interior usando a licença de ocupação a título precário. Por isso, tal perspectiva acima referida não é insustentável.
(2) Quanto a que se referiu nos pontos 3 e 4 da resposta, “Em 1993 estabeleceu-se a companhia do depoente. Sendo um dos grandes accionistas da companhia, C injectou a ponte-cais n.º XX no bem social da depoente. Ao longo dos anos, seja qual for a situação económica, o depoente tem explorado esta ponte-cais e lá construiu um prédio permanente de dois andares.”
C foi o titular da licença de ocupação a título precário da ponte-cais n.º XX do Porto Interior. Porém, seja qual for a relação entre aquele e a A, estes são dois indivíduos independentes, e também dois titulares diferentes de licença de ocupação quanto ao assunto de ocupação a título precário do domínio público hídrico. Tal companhia sucedeu, em 1994, a C, no direito à ocupação a título precário da ponte-cais n.º XX do Porto Interior, devendo aquela considera de forma plena as naturezas jurídicas da respectiva ponte-cais e dos edifícios nela construídos.
(3) Quanto ao plano de aproveitamento do porto interior referido nos pontos 5, 6 e 7 da resposta escrita
O Plano de Reordenamento do Porto Interior, aprovado pela Portaria n.º 218/90/M, na redacção dada pela Portaria n.º 171/95/M e Ordem Executiva n.º 5/2002, determina um planeamento global dos fins a que as pontes-cais se destinam. Todavia, tal Plano de Reordenamento do Porto Interior não concede a ninguém o direito à ocupação permanente das pontes-cais a título precário.
(4) Quanto ao estudo prévio do edifício e às obras de alteração/legalização referidos nos pontos 8, 9 e 10 da resposta escrita.
Tal estudo prévio não é autorizado oficialmente.
Nenhuma obra de beneficiação realizada no terreno de domínio público ocupado a título precário não altera as naturezas jurídicas deste e dos edifícios nele construídos.
(5) Quanto a que se referiu na resposta, “o depoente já pagou a taxa de renovação do ano 2011”
A Capitania dos Portos cobra, de acordo com a lei, a taxa de ocupação apenas aquando da emissão da licença de ocupação a título precário. Relativamente à ponte-cais n.º XX do Porto Interior, a Capitania dos Portos nunca requereu que a A pagasse a taxa de ocupação a título precário, nem que esta companhia pagou tal taxa.
(6) Quando a que “o depoente pediu que fosse reconsiderada a decisão de devolução da ponte-cais n.º XX do Porto Interior ou que lhe fosse concedida outra parcela de terreno...” referido na resposta escrita.
A ponte-cais n.º XX do Porto Interior trata-se do bem do domínio público. Com base nas necessidades da abertura dos Corredores Exclusivos para Autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra, a ponte-cais n.º XX do Porto Interior pode ser devolvida ao Governo da RAEM para outro plano de aproveitamento após a caducidade da licença de ocupação a título precário.
Quanto à concessão de outra parcela de terreno ao depoente, não há fundamentos de direito correspondentes a ser citados.
(7) Conclusão
Quanto às opiniões importantes referidas na audiência escrita, como “a ponte-cais n.º XX do Porto Interior trata-se do bem do domínio público” e “por o interessado não ter o direito de superfície sobre a ponte-cais n.º XX do Porto Interior, ele não pode sustentar, para o Governo da RAEM, a posse do direito de construção nesta ponte-cais” e “o interessado não teria direito a indemnização se a ponte-cais n.º XX do Porto Interior for devolvida ao Governo da RAEM após a caducidade da licença de ocupação a título precário”, estas não foram contraditas com fundamentos de direito e de facto na resposta escrita.
Faltam fundamentos de direito ou de facto aos pedidos e alegações referidos na resposta escrita.
Parte III Sugestão
18. É necessário reservar os espaços das ponte-cais n.º XX do Porto Interior para via pública para o efeito dos Corredores Exclusivos para Autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra. Atentas as alegações e análises acima referidas, é de sugerir:
18.1 O indeferimento do pedido de renovação da licença de ocupação a título precário da ponte-cais n.º XX do Porto Interior;
18.2 O requerimento, ao antigo titular da licença de ocupação a título precário da ponte-cais n.º XX do Porto Interior, ou seja, a A, de proceder, no prazo de 30 dias, à demolição dos objectos amovíveis na ponte-cais, de forma à restituição desta à posse da Região Administrativa Especial de Macau”.
10- A Directora da Capitania Dos Portos pronunciou-se do seguinte modo:
“Parecer
1. Concordo com a sugestão;
2. Submete a despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
21/06/2011
WONG SOI MAN”
11- Entretanto, o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas proferiu o despacho de 5/07/2011, com o seguinte teor:
“Despacho
Concordo com as opiniões e as sugestões nesta proposta
Secretário para os Transportes e Obras Públicas
05/07/2011
LAO SI IO”

III – O Direito
1. As questões a apreciar
Trata-se de saber se o Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), que fixa os requisitos para que seja concedida a suspensão da eficácia de actos administrativos.
O Acórdão recorrido julgou que o acto tinha conteúdo negativo, com uma vertente positiva, pelo que nada obstava à suspensão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 120.º, alínea b) do CPAC.
O Tribunal não apreciará esta questão na medida em que favorece a recorrente, sendo certo que a entidade recorrida não suscitou a sua apreciação para o caso de o recurso obter provimento, nos termos previstos no artigo 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

2. A suspensão jurisdicional da eficácia de actos administrativos
O artigo 121.º do CPAC exige como requisitos para a concessão da suspensão da eficácia dos actos administrativos objecto de recurso contencioso, que:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.

3. Prejuízo de difícil reparação. O caso dos autos.
O recorrente afirma que alegou como prejuízos que a execução do acto administrativo lhe causará:
  a) o fim de toda a actividade comercial da Requerente (quer no que concerne à comercialização de produtos provenientes do mar, quer no que respeita à actividade de atracação de embarcações); b) a possível liquidação da sociedade comercial “A”, que ao não ver renovada a licença de exploração da Ponte-Cais n.º XX, poderá simplesmente deixar de ter um local para desenvolver a sua actividade comercial, e com isso, c) deixar de pagar aos seus credores; d) deixar de poder pagar aos seus trabalhadores e com isso deixar de poder manter os respectivos postos de trabalho daqueles; e) ter de se socorrer do endividamento privado para fazer face às consequências da execução do acto suspendendo; e f) ter que reconsiderar a sua estratégia de investimento e a paralisação de todo o processo produtivo, por um período de tempo longo.
Sobre o prejuízo alegado atinente ao fim de toda a actividade comercial da Requerente (quer no que concerne à comercialização de produtos provenientes do mar, quer no que respeita à actividade de atracação de embarcações) e à possível liquidação da sociedade comercial, o Acórdão recorrido entendeu que não está demonstrado que a actividade comercial da Requerente, no que concerne à comercialização de produtos provenientes do mar, não possa continuar noutro local. Quanto ao prejuízo de cessação da actividade de atracação de embarcações, considerou o Acórdão recorrido que não custa admitir que esta actividade tenha de cessar. No entanto, entendeu não se estar perante um prejuízo de difícil reparação, por não ser difícil de quantificar o prejuízo, podendo a recorrente ser ressarcida em execução de sentença. Acrescentou, ainda, que a ora recorrente não se deu ao trabalho de quantificar a perda do rendimento resultante da cessação da atracação de embarcações, pelo que nunca poderia considerar que tal cessação de actividade poderia paralisar a ora recorrente.
Estas considerações do Acórdão recorrido não merecem censura.
No que concerne à cessação da actividade comercial da ora recorrente, não adiantou esta nenhum argumento tendente a infirmar o argumento de que ela pode continuar a sua actividade noutro local, em semelhantes condições, bastando para isto que adquira ou contrate a utilização de um imóvel para o efeito. Não se percebe minimamente a que título é que terá de cessar definitivamente a sua actividade.
Não há nenhum prejuízo de difícil reparação.
Pelo que respeita à cessação da actividade de atracação de embarcações, aqui percebe-se perfeitamente que não possa continuar a sua actividade noutro local, por ser facto notório não haver facilidade em encontrar no mercado locais disponíveis para o efeito.
Mas, como bem se diz no Acórdão recorrido, a ora recorrente não alegou nada quanto à dimensão quantitativa dos seus negócios nesta vertente – aliás, nem na outra vertente – quanto à sua facturação, lucros, etc. Não sabemos se é uma actividade muito ou pouco intensa, se atracam ali 10, 100 ou 1000 embarcações por ano. Nem alegou qual o peso relativo desta actividade na sua actividade global. Logo, não sabemos se a mera cessação de tal actividade pode constituir prejuízo de difícil reparação insusceptível de ser ressarcido pelas vias normais da execução de sentença anulatória e da eventual acção de indemnização.
Não demonstrou, por conseguinte, a ora recorrente a existência de prejuízos de difícil reparação.

4. Grave lesão do interesse público.
Entendeu, ainda, o Acórdão recorrido que não demonstrou igualmente a ora recorrente que a suspensão não determina grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
Isto porque, visando a desocupação das instalações a melhoria do tráfego rodoviário entre as Portas do Cerco e a Barra, designadamente para a criação de corredores exclusivos para autocarros, determinaria grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto a suspensão da sua eficácia, na medida em que, se bem que se aponte o funcionamento do troço rodoviário em questão para 2014 – ocasião da conclusão da 1.ª fase do metro ligeiro – a envergadura da obra pública faz intuir que o tempo já começa a ser escasso.
Também nada temos a apontar a esta conclusão e considerações.
Mesmo que os trabalhos nas instalações, ocupadas a título precário pela recorrente, não se tenham de iniciar de imediato, o que não temos por absolutamente seguro, pois o lançamento de determinadas empreitadas pressupõe que o local da obra esteja livre para ser entregue ao empreiteiro, isso nunca seria motivo para conceder a suspensão da eficácia do acto, pois não estamos em condições de saber qual o tempo da duração do recurso contencioso até haver decisão transitada em julgado, de modo a que se pudessem iniciar os trabalhos, para estarem concluídos em 2014.
Alega a recorrente que a existir verdadeiramente o interesse público invocado pela Capitania dos Portos de Macau, impunha-se que todas os pedidos de renovação das licenças de ocupação temporária, de todas as outras pontes-cais existentes no local por onde passará a via para uso exclusivo de autocarros, fossem igualmente indeferidos e bem assim ordenada a desocupação das mesmas, o que não aconteceu.
Mas não está demonstrado que a continuação da ocupação de outras pontes-cais no local tivesse sido deferida. Nem que se impusesse a desocupação de todas as outras (e quais?) para que a obra tivesse lugar.
Concorda-se, assim, que a recorrente não demonstrou que a suspensão não determina grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
O recurso não merece provimento.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 3 UC.
Macau, 7 de Dezembro de 2011.

   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Sam Hou Fai –
   José Maria Dias Azedo
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho






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Processo n.º 61/2011

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Processo n.º 61/2011