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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base em 9 de Dezembro de 2011, A, arguida nos presentes autos, foi condenada, pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes p.p. pelo artº 8º nº 1 da Lei nº 17/2009, na pena de 11 (onze) anos de prisão.
Inconformando com a decisão, recorreu a arguida para o Tribunal de Segunda Instância, recurso este que foi julgado improcedente.
Vem agora a arguida recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando na sua motivação do recurso as seguintes conclusões:
- Face ao douto acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância que decidiu manter a pena de 11 anos de prisão aplicada à ela pelo Tribunal Judicial de Base, pela prática, em autoria material e na forma consuma de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 8º, nº 1 da Lei nº 17/2009.
- Inconformada com o supracitado acórdão, a recorrente considera que a pena aplicada é pesada, violando os dispositivos dos artºs 40º e 65º do Código Penal de Macau. Deve o Tribunal a quo, na determinação da pena, ter em consideração não só os factores desfavoráveis à recorrente tais como a característica e a quantidade de droga, como também deve ter em considerar os factores favoráveis seguintes:
- De acordo com o certificado de registo criminal de Macau, a recorrente era primária, e tinha, na altura em que praticou crime, apenas 21 anos de idade. Por ter pouca experiência social e sob a influência de companheiros, perante a dificuldade económica da família e doença grave da mãe, a recorrente resolveu transportar droga. Pelo que, face à situação concreta do caso, a pena de prisão de 11 anos que lhe foi aplicada é muito pesada, obviamente ultrapassando a culpa da recorrente, e isso também se mostra desfavorável à sua regeneração e integração de novo à sociedade. Dado que a recorrente se encontra a cumprir a pena fora da sua pátria e família, e na realidade, a pena de 9 anos de prisão já é suficiente para que a mesma se reflecte, e que também reúne a exigência da prevenção geral de crime.
- Apesar de o Tribunal de Segunda Instância ter considerado que a mera indicação dada pela recorrente do nome incompleto e do número telefónico do líder daquele grupo de tráfico de droga que se encontra em Malásia, não produz muito efeito em concreto no auxílio ao inquérito nem reúne a circunstância de atenuação prevista no artº 18º da Lei nº 17/2009, para a recorrente, ela apenas era uma pessoa que foi utilizada pelo grupo de traficante, tendo a mesma, por sua iniciativa e conforme o que sabia e conseguia, fornecido o indivíduo importante nos bastidores que a tinha manipulado para praticar o crime, e descrito detalhadamente qual a relação entre ela e o respectivo indivíduo, no sentido de prestar auxílio à autoridade policial para apurar outros intervenientes no tráfico de droga. Tudo isso mostra que a recorrente já sentiu arrependimento e tinha uma atitude de colaboração. Podemos dizer assim que a recorrente tem uma vontade de reparar as consequências do crime;
- A recorrente encontra-se presa preventivamente desde 1 de Abril até à presente data, tendo a mesma cumprido pena quase um ano. Contudo, não se verificou a violação pela recorrente de qualquer regulamento prisional, e esta, por sua vez, envidou todos os esforços para se adaptar ao novo ambiente, e já conseguiu usar cantonês para comunicar com outros. Pelo que, tudo isso mostra que a recorrente está a dirigir-se a um rumo correcto. Assim sendo, a pena de 11 anos de prisão parece ser demasiado severa e cruel para uma pessoa que se mostra sinceramente arrependida, sendo também desfavorável para a sua reintegração na sociedade.
Pretende a redução da pena.

Respondeu o Ministério público, terminou a sua resposta com as seguintes conclusões:
1. Nos termos dos artºs 40º e 65º do Código Penal, na determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, bem como o tribunal também deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
2. Nos termos do artº 8º, nº 1 da Lei nº 17/2009, quem praticar o crime de tráfico ilícito de estupefacientes é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos. In casu, a recorrente foi condenada na pena de 11 anos de prisão pela prática do referido crime, pena essa correspondente a 2/3 da moldura penal abstracta.
3. In casu, apesar de ser primária, a recorrente envolveu-se num crime de tráfico de droga transfronteiriço e foi presa em flagrante delito. Contudo, não confessou os factos que lhe eram imputados, não mostrando qualquer arrependimento.
4. Verificamos que, nos últimos anos, o tráfico de droga transfronteiriço tem vindo a tornar-se activo em Macau, e muitos traficantes utilizam Macau como seu local de transbordo. Assim sendo, destaca-se que, face a esse tipo de crime, são muito mais elevadas as suas exigência da prevenção geral.
5. Tendo em consideração o grau de culpa da recorrente, a natureza e gravidade do crime por si praticado, o limite de moldura penal aplicável, o tipo e quantidade da droga ora apreendida, as condições pessoais da recorrente, as circunstâncias concretas do caso, bem como as repercussões negativas causadas pelo acto de tráfico de droga à saúde pública e à ordem social, e após sintetizadas as exigências da prevenção penal tais como prevenção geral e especial do crime, entendemos que a pena de 11 anos de prisão aplicada pelo Tribunal a quo à recorrente pela prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes, não se mostra gravosa, reunindo o disposto nos artºs 40º e 65º do Código Penal.
6. Pelo exposto, deve-se julgar improcedente a motivação da recorrente, mantendo-se a decisão recorrida.
Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição já assumida na resposta à motivação do recurso.

2.Os Factos
As instâncias consideraram provados os seguintes facto:
1. No dia 31 de Março de 2011, pelas 10h00, na área do átrio de chegada do Aeroporto Internacional de Macau, agentes da Polícia Judiciária interceptaram a arguida A que acabou de chegar ao Aeroporto Internacional de Macau no voo n.º AKXX da Air Asia e levaram-na posteriormente ao Gabinete da Polícia Judiciária sito no Aeroporto para efeitos de averiguação.
2. No Gabinete da Polícia Judiciária, os agentes da Polícia Judiciária encontraram no interior do forro da mochila de cor castanha preta (de marca “POLO BANKER”) duas pacotes de pó branco embrulhado com papel de cor amarela.
3. Após o exame laboratorial, averigua-se que o referido pó branco contém “Heroína” abrangida pela tabela I-A anexa à Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 1732,15 gramas (após a análise quantitativa, verifica-se que a percentagem de “Heroína” é de 51,31%, com peso de 888,77 gramas).
4. Os aludidos estupefacientes foram colocados no forro da referida mochila por um indivíduo não identificado e entregues à arguida A.
5. A arguida A, bem sabendo que continha estupefacientes no forro da referida mochila, trouxe os aludidos estupefacientes para Macau, com o objectivo de os levar de Macau para Cantão e entregar a indivíduo(s) desconhecido(s).
6. A par disso, os agentes da PJ encontraram na posse da arguida A dois telemóveis (de marca Nokia e de marca JINNUO), um bilhete electrónico de avião e um cartão de embarque emitidos em nome da arguida A, 500 dólares americanos e 150 MYR de Malásia (vide auto de apreensão de fls. 16 dos autos).
7. Os aludidos telemóveis de marca Nokia e de marca JINNUO foram instrumentos de comunicação entre a arguida A e o indivíduo que a instruiu para traficar estupefacientes e o referido dinheiro foi dado pelo este último como despesas para actividades de tráfico de estupefacientes.
8. A arguida A conhecia bem a natureza e as características dos supracitados estupefacientes.
9. A arguida A agiu de forma livre, voluntária e consciente ao praticar as condutas acima referidas.
10. A conduta da arguida A não era permitida por lei.
11. A arguida A sabia bem que a sua conduta era proibida e punida por lei.
No julgamento foram ainda dados como provados os seguintes factos:
De acordo com o CRC, a arguida é delinquente primária aqui em Macau.
A arguida declarou ter como habilitações literárias o ensino secundário, auferia antes de ser presa um vencimento mensal de 2.500,00 MYR de Malásia e tem a seu cargo a mãe.
E não há factos não provados que são incompatíveis com os provados.

3. O direito
A recorrente suscitou a única questão que se prende com a medida concreta da pena, pretendendo a redução dessa pena.
Nos termos do artº 65º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial.
O crime em causa é punível com a pena de 3 (três) a 15 (quinze) anos de prisão.
No caso sub judice, não resultam dos autos quaisquer circunstâncias que militem a favor da recorrente, com excepção de ser delinquente primária em Macau.
É intensa a culpa da recorrente, na medida em que decidiu transportar a droga de quantidade muito elevada para Macau e depois para Cantão, R.P.C..
Constata-se nos autos que se verificam contradições sensíveis entre as declarações prestadas pela recorrente em audiência de julgamento e as feitas anteriormente no Juízo de Instrução Criminal, o que levou o Tribunal Colectivo a proceder à leitura dessas últimas declarações.
Destacam-se ainda o tipo e a quantidade da droga apreendida na posse da recorrente bem como o modo e o circunstancialismo em que foi praticado o crime, o que revela a gravidade dos factos ilícitos.
No que tange às finalidades da pena, são prementes as exigências de prevenção geral, impondo-se prevenir a prática do crime em causa, que tem o carácter transfronteiriço e que se torna cada vez mais frequente nos últimos anos.
Alega a recorrente que é primária, sentiu-se arrependida e se colaborou com a Polícia de Macau.
No entanto, o alegado arrependimento é logo afastado pela não confissão da própria recorrente.
E não resulta dos autos que a recorrente tenha dado contribuição decisiva que conduziu à descoberta do grupo de traficantes que mandou a recorrente transportar a droga para Macau.
Tudo ponderado, não parece excessiva a pena de 11 (onze) anos de prisão concretamente aplicada à recorrente.
Tal como tem entendido este Tribunal, “Ao Tribunal de Última Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada”1, pelo que se não se estiver perante essas situações, como é no caso vertente, o Tribunal de Última Instância não deve intervir na fixação da dosimetria concreta da pena.
Daí que se mostra manifestamente improcedente a pretensão da recorrente.

4. Decisão
Face ao expendido, acordam em rejeitar o recurso.
Nos termos do artº 410º nº 4 do Código de Processo Penal de Macau, é a recorrente condenada a pagar 4 UC.
Custas pela recorrente, com a taxa de justiça fixada em 3 UC e os honorários de mil patacas ao seu defensor nomeado.

    Macau, 16 de Maio de 2012
   
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
   
1 Acórdãos do TUI, de 23 de Janeiro de 2008, 19 de Setembro de 2008, 29 de Abril de 2009 e 28 de Setembro de 2011, nos Processos nºs 29/2008, 57/2007, 11/2009 e 35/2011, respectivamente.
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10
Processo n.º 23/2012