打印全文
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:


1. Relatório
A requereu, nos termos conjugados do disposto nos artºs 120º e segs. do Código de Procedimento Administrativo Contencioso e na al. 3) do nº 5 do artº 30º da Lei nº 9/1999, ao Tribunal de Segunda Instância o procedimento de suspensão de eficácia do acto do Chefe do Executivo que mandou proceder à reabertura do acto público do concurso público internacional para a “Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau” bem como da suspensão de eficácia dos actos que sejam daquele execução directa.
Por Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, foi denegada a requerida suspensão de instância.
Inconformando com este Acórdão, vem A recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões:
1. Com a extinção do Concurso Internacional pelo acto de adjudicação do Chefe do Executivo, de 5 de Agosto de 2011, o acto do Chefe do Executivo de 9 de Novembro de 2011 que, para execução do Acórdão deste V. Tribunal de 12 de Outubro de 2011, ordena a reabertura em 25 de Novembro de 2011 da Sessão Pública do Concurso Internacional para admissão da Proposta da requerente, é um acto sem objecto, porque após a adjudicação do contrato já não existe procedimento concursal. A reabertura do procedimento concursal só pode operar depois da suspensão ou revogação do acto de adjudicação pela entidade adjudicante.
2. A admissão da proposta da recorrente/requerente pela entidade recorrida/requerida a um concurso extinto tem o propósito de expropriar a recorrente do direito de indemnização devido pela impossibilidade definitiva de cumprimento de julgado por parte da recorrida, impossibilidade por esta confessada, invocando grave lesão do interesse público para não suspender o acto de adjudicação (Doc. nº 8 do requerimento inicial).
3. Ora, a recorrida, em 27 de Outubro de 2011, no Despacho acima referido invoca a grave lesão do interesse público para não suspender o acto de adjudicação e no dia 9 de Novembro de 2011 ordena a reabertura do concurso público internacional, em pleno vigência e execução do acto de adjudicação do contrato objecto do concurso.
4. Razão pelo que o acto de reabertura do concurso e os actos dele consequentes são objecto de recurso contencioso para declaração de nulidade como actos desconformes com a sentença anulatória, atempadamente interposto pela recorrente, no Tribunal de Segunda Instância (TSI), Procº Rec. Adm. nº 37/2011, correndo também no TSI os autos de execução de julgado, sob o nº 17/2011-B – Processo de Execução para Prestação de Facto.
5. As medidas cautelares previstas nos artºs 120º e 121º do CPCA visam assegurar que o julgamento tardio do processo principal não determine a inutilidade da decisão nele proferida e impedir que o requerente fique numa situação em que o volume ou a qualidade dos prejuízos sofridos inviabilize a possibilidade de reverter a situação que teria se a ilegalidade não tivesse sido cometida.
6. A expropriação do direito de indemnização, consequência directa do acto suspendendo, é um facto lesivo e gerador de prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação para a recorrente, facto desvalorizado e ignorado pelo acórdão em crise.
7. No processo de execução para prestação de facto, a ora recorrente tem direito a obter uma indemnização face à existência de causa legítima de inexecução por parte da recorrida, situação que os serviços subordinados da recorrida estão desesperadamente a esconder por detrás de uma simulada reabertura de um concurso extinto, afirmando terem já cumprido o julgado anulatório.
8. Com a adjudicação, em 05.08.2011, ao consórcio vencedor do Concurso Internacional do contrato posto a concurso e do início de execução e operação da ETAR de Macau desde 1 Outubro de 2011, a situação de facto e de direito no caso sub judice é da existência de causa legítima de inexecução por parte da recorrida/adjudicante.
9. A recorrida/adjudicante declarou a impossibilidade de suspensão do acto de adjudicação, por tal consubstanciar grave lesão do interesse público (Despacho nº XX/CE/2011, de XX de X de 2011, Doc. nº 8)
10. Ora, tal declaração comporta a situação de causa legítima de inexecução que não se compagina com a abertura de um concurso público já extinto para simular uma execução de julgado.
11. Não pode a entidade recorrida produzir no espaço de 13 dias dois despachos incompatíveis entre si e que se anulam, um invocando grave lesão do interesse público para fundamentar a rejeição de qualquer suspensão do acto de adjudicação e do contrato adjudicado, outro ordenando a reabertura em 25 de Novembro de 2011, da Sessão Pública do Concurso Público Internacional, extinto pelo seu próprio acto de adjudicação, com o fim de admitir a proposta ilegalmente excluída na Sessão de Abertura do Concurso em 24 de Junho de 2010, e com vista à execução do julgado anulatório deste V. Tribunal.
12. Com efeito, reabrir o concurso internacional implica a revogação do acto de adjudicação ou pelo menos a sua suspensão temporária, com todas as consequências para a operação da ETAR de Macau.
13. E a recorrida já declarou no Despacho supra-citado que não o faz por reconhecer grave lesão para o interesse público, pelo se opõe a qualquer alteração na adjudicação e execução do contrato de operação da ETAR pelo consórcio vencedor.
14. Tem legitimidade para tal, mas é exactamente por essa razão de grave lesão do interesse público que a recorrida devia ter inequivocamente invocado causa legítima de inexecução ao cumprimento do Acórdão do TUI de 12 de Outubro de 2011, em vez de ter procedido a uma simulação de reabertura do Concurso Internacional extinto.
15. O acto suspendendo não prossegue qualquer fim público, nem prossegue um específico interesse público em matéria de funcionamento da ETAR de Macau, mas sim um fim diverso, sem cobertura no interesse público, qual seja, expropriar a recorrente do direito de indemnização que lhe assiste em consequência da impossibilidade de reconstituir a situação hipotética actual em que estaria caso não tivesse sido praticado o acto de exclusão ilegal do concurso praticado pela recorrida e face à situação por ela confessada de grave lesão do interesse público que consubstancia causa legítima de inexecução.
16. O acto suspendendo é ele próprio o facto gerador dos prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação para a recorrente que o acórdão em crise ignorou e que não lhe permitiu proceder à subsunção da norma aos factos provados pela requerente, ora recorrente, e que, no caso sub judicando integram o periculum in mora.
17. A expropriação pelo acto suspendendo do direito à compensação dos prejuízos resultantes da impossibilidade de execução de sentença anulatória, por parte da recorrida, integra o periculim in mora, pressuposto sine qua non da viabilidade do procedimento cautelar conservatório, exigido pela al. a) do nº 1 do artº 121º do CPCA.
18. São estes os prejuízos prováveis a ser causados pelo acto suspendendo, que se reflectem directamente na esfera jurídica da recorrente (a determinar em Execução de Sentença), cujos efeitos lesivos se pretende congelar com a presente providência conservatória, até serem totalmente irradicados da ordem jurídica, no processo de execução e no recurso contencioso de declaração de nulidade acima identificados.
19. Mas até que tais processos terminem, o acto suspendendo apesar de nulo continua a produzir efeitos e estragos, pois é o acto suporte da simulada reabertura do concurso internacional e da simulada admissão da proposta da recorrente no concurso internacional já extinto, bem como da impossibilidade de obtenção pela recorrente da indemnização devida pelo não cumprimento do julgado anulatório pela recorrida.
20. O acto suspendendo, acarreta ainda prejuízos graves, de difícil reparação ou até irreparáveis para o bom nome, reputação e prestígio técnico de qualquer empresa, local ou internacional. De facto, qualquer empresa candidata a um concurso internacional da RAEM, com valores de contrato que ascendem a cerca de 700 milhões de patacas, e propostas de grande complexidade técnica, não pretende e não pode permitir ser objecto de avaliação e qualificação num concurso extinto e com o contrato adjudicado e em execução pelo vencedor do concurso.
21. Com efeito, ser objecto de admissão a um concurso extinto, com o fundamento no cumprimento de uma sentença anulatória numa fase em não existem propostas e avaliadores, por força do acto de adjudicação que deu por findo o concurso e em que o adjudicatário está a executar plenamente o contrato posto a concurso, são claramente actos idóneos a causar prejuízos sérios e de difícil reparação, na esfera da recorrente, incluindo ao seu bom nome técnico e comercial.
22. O acto suspendendo viola as mais elementares regras da boa fé e da confiança que a RAEM, como ente público de bem, está obrigada a seguir na sua acção governativa e administrativa com os seus cidadãos, pessoas singulares e com os operadores económicos internos e internacionais que com ela contratam.
23. Não é admissível, face aos referidos princípios gerais de direito, da boa fé e da confiança, que a entidade recorrida declare que está a cumprir o acórdão anulatório ao admitir a proposta da recorrente a um concurso público internacional (extinto), para, logo a seguir, em sede de execução de julgado, dizer que in casu não há lugar a indemnização porque a concorrente foi admitida a um concurso (extinto) e assim se executou a decisão judicial anulatória!
24. A entidade recorrida/requerida, no processo de execução de sentença nº 17/2011-B, que corre no TSI, nega o pagamento de qualquer indemnização à recorrente pelos prejuízos directamente causados pela impossibilidade de reconstituição da situação hipotética actual em consequência da anulação da sua exclusão, exactamente com o fundamento de ter executado integralmente e dado cumprimento ao julgado anulatório com a simulada admissão da recorrente a um concurso já extinto! (Doc. nº 1 )
25. Num processo claro de simulação de cumprimento de julgado, a requerida furta-se ao pagamento da indemnização a que está obrigada.
26. Ao mesmo tempo que invoca o interesse público para não proceder à suspensão e ou à revogação do acto de adjudicação, conforme Despacho nº XX/CE/2011, de X, recusa-se a classificar tal situação como causa legítima de inexecução em sede de execução de julgado, escudando-se exactamente no acto ora suspendendo.
27. A engenharia jurídica levada a cabo pela recorrida, usando artifícios de simulação, não tem outro objectivo que não seja lesar a recorrente no seu direito a obter uma indemnização por impossibilidade objectiva e total de execução do Acórdão anulatório por parte da recorrida, ora requerida.
28. O acto suspendendo ordena a reabertura de um concurso extinto, com a consequente avaliação de propostas que deixaram de existir qua tale desde o momento da extinção do concurso em 5 de Agosto de 2011, para criar ardilosamente uma situação de facto e de direito impeditiva do pagamento pela recorrida/requerida da indemnização devida à recorrente/requerente.
29. Com efeito, não sendo possível a reconstituição da situação hipotética actual resultante da prática do acto ilegal de exclusão da requerente do concurso internacional, por o concurso estar extinto com o acto de adjudicação e ter sido declarado pelo Chefe do Executivo que, o acto de adjudicação não pode sofrer qualquer alteração, suspensão e ou revogação, porque tal constituir grave lesão do interesse público, tem a recorrente o direito subjectivo de chegar a um acordo indemnizatório com a RAEM ou da fixação equitativa de indemnização pelo Tribunal em Execução de Sentença, em virtude de causa legítima de inexecução de forma a ser ressarcida dos prejuízos resultantes da impossibilidade daquela reconstituição.
30. Mas é exactamente o acto suspendendo de Reabertura da Sessão Público do Concurso Internacional e consequente admissão da Proposta da recorrente num concurso já extinto, que apesar de ser nulo e de nenhum efeito (cf. artº 184º nº 2 do CPAC e artº 122º, nº 2, al.s c) e d) do Código do Procedimento Administrativo), veda à recorrente o direito de obter a indemnização devida da RAEM, por esta estar impossibilidade de execução de julgado anulatório.
31. Assim o acto suspendendo consubstancia um acto expropriativo do direito à indemnização da recorrente infligindo-lhe directamente prejuízos patrimoniais no valor da indemnização que lhe é devida, a ser liquidada em execução de sentença, por acordo ou por fixação equitativa pelo tribunal, estando provado, ao contrário do decidido no acórdão ora em crise, o periculum in mora, pressuposto de verificação obrigatória para o deferimento da presente providência cautelar.
32. No que se refere à dificuldade de reparação de prejuízos, ensina o Prof. José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), 4a edição, Almedina, Coimbra, p. 298:
“...importa fazer um juízo de prognose e colocarmo-nos na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela ou por, entretanto, se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica. "
33. Diz o Acórdão ora impugnado que a recorrente não invoca prejuízos concretos usando expressões genéricas, mas, como já dissemos, o acto suspendendo ao expropriar a recorrente do direito à indemnização por impossibilidade de execução do acórdão anulatório, criando uma simulação de cumprimento do julgado anulatório com a reabertura de um concurso extinto e com a admissão incondicional da proposta da recorrente, é ele próprio o gerador dos prejuízos prováveis a serem infligidos pelo acto impugnado à ora recorrente, que devem ser liquidados no processo de execução de sentença para prestação de facto nº 17/2011-B, que corre no TSI.
34. A ora recorrente/requerente sofre directamente na sua esfera jurídicos prejuízos que são consequência directa do acto suspendendo – expropriação do direito de indemnização com a simulação de reabertura de um concurso extinto.
35. É de considerar que a reabertura do acto público de um concurso extinto e a consequente simulada admissão a concurso da proposta da recorrente, ao provocar uma aparência de execução de julgado anulatório, expropria a recorrente do direito de indemnização devida por impossibilidade de execução do julgado anulatório, constitui causa directa de prejuízos prováveis e de difícil reparação para a recorrente, resultantes da execução do acto impugnado, ora suspendendo, para efeitos da al. a) do nº 1 do artº 121º do CPAC.
36. O Acórdão recorrido não aplicou, em matéria de providências conservatórias, a norma da al. a) do nº 1 do artº 121º do CPAC, que in casu é integralmente subsumida à situação de facto provada pela recorrente, ou seja, está provado e demonstrado pela recorrente/requerente a existência de periculum in mora no caso sub judicio.
37. Denota o acórdão em crise não ter compreendido que o acto suspendendo constitui ele próprio o facto danoso gerador de prejuízo para a recorrente, que a impede de ser ressarcida pela RAEM em virtude desta invocar já ter executado integralmente o julgado anulatório, pelo que deve indemnizar a recorrente.
38. O acto suspendendo é praticado neste contexto: esconder a declaração de grave lesão de interesse público (Doc. nº 8) que sustentaria a invocação de causa legítima de inexecução no processo de execução do acórdão anulatório, aparentar a execução integral do julgado reabrindo um concurso já extinto com a prolação do acto de adjudicação, com o contrato adjudicado e a ser executado e a posse das instalações da ETAR de Macau transferidas pela RAEM para o consórcio vencedor do concurso público internacional, desde o dia 1 de Outubro de 2011.
39. Talvez assim se entenda como o acto suspendendo, praticado ao arrepio dos mais elementares princípios da boa fé e da confiança, é apto a causar prejuízos directamente na esfera da recorrente, expropriando-a do direito à indemnização previsto na lei – artºs 184º nº 4 e 185º do CPCA – sempre que seja declarada causa legítima de inexecução.
40. O acórdão recorrido não tirou as consequências jurídicas da prolação do acto de adjudicação pela recorrida que extingue o Concurso Internacional para Modernização, Operação e Manutenção da ETAR da Península de Macau, e como consequência directa e lógica o concurso só pode ser reaberto com a suspensão e ou revogação do acto de adjudicação.
41. O acórdão em crise não atentou no exposto pela recorrente, nomeadamente nos artºs 31º, 32º, 33º e 34º do requerimento inicial do pedido de suspensão, porque não se debruçou sobre o prejuízo resultante para a recorrente da expropriação do direito à indemnização, consequência directa do acto suspendendo, que simulou a execução do julgado anulatório, com a admissão da proposta da recorrente a um concurso extinto.
42. E considerou que: “nem se pode considerar que teriam lugar prejuízos para a requerente, com a reabertura do concurso, por no fundo tratar-se de única hipótese, após a anulação pelo TUI do acto de exclusão da requerente da candidatura do concurso, de ela reaver a qualidade e oportunidade de concorrer nos ulteriores termos procedimentais”.
43. Ora, ao contrário do expendido no acórdão recorrido o Chefe do Executivo da RAEM tem sempre duas vias abertas pela lei processual administrativa para a execução de uma sentença judicial anulatória:
a) execução do julgado, praticando o acto devido (174º, 175º CPCA); ou
b) pagamento de indemnização por impossibilidade de cumprimento do julgado e impossibilidade de reconstituição da situação hipotética actual, caso o acto ilegal não tivesse sido praticado (invocação de causa legítima de inexecução artºs 180º a 184º CPCA).
44. Portanto, a admissão ilegal a um concurso extinto não pode ser, face ao princípio da legalidade, a única hipótese que a lei processual administrativa da RAEM dá à recorrente, em sede de execução de julgado.
45. Provado o prejuízo, mesmo sem imediata conversão numérica, a recorrente tem a alternativa de requerer indemnização a ser fixada por acordo das partes ou pelo Tribunal, bastando para tal a recorrida invocar causa legítima de inexecução.
O que já o fez no Despacho nº XX/CE/2011, de XX de X, mas não retirou as devidas ilações e consequência daquela declaração.
46. O acto suspendendo, abertura simulada do concurso internacional, é lesivo e tem como único objectivo impedir o uso da alternativa enunciada em 42–b) supra, ou seja, pagamento de indemnização por impossibilidade de cumprimento do julgado e impossibilidade de reconstituição da situação hipotética actual, caso o acto ilegal não tivesse sido praticado (invocação de causa legítima de inexecução artºs 180º a 184º CPCA).
47. Assim extinto o concurso pelo acto de adjudicação, não pode haver lugar a admissão e qualificação de uma proposta sem que o acto de adjudicação seja, no mínimo, suspenso para reabertura de novo do concurso e avaliação de novo de todas as propostas a concurso.
48. A lei obriga a avaliação conjunta de todas as propostas admitidas e não permite a avaliação isolada de qualquer proposta depois da adjudicação concluída e executada.
49. Se um concurso está extinto é necessário proceder à sua reabertura ou iniciar ex novo o procedimento concursal.
50. Em ambos os casos, a abertura ex novo ou a reabertura de um concurso tem que ocorrer simultaneamente com a suspensão ou revogação do acto de adjudicação já praticado pela entidade adjudicante.
51. Tal impõe-se pela simples razão lógica que havendo adjudicação de um contrato e execução plena do mesmo, com transferência de posse de instalações e equipamentos públicos, não há objecto para reabrir um concurso com o mesmo fim e o mesmo objecto do contrato adjudicado e em execução.
52. Com este postulado lógico são perceptíveis os prejuízos infligidos à recorrente com o acto suspendendo.
53. A patente ilegalidade do acto suspendendo – admissão de uma proposta de um concorrente a um concurso extinto como modo de execução de julgado anulatório – em si mesmo encerra o potencial dano causador de prejuízos irreparáveis à recorrente, facto que o Tribunal a quo não ponderou e não se pronunciou, e, caso tivesse ponderado, teria sido outro sentido da sentença a quo.
54. O acto suspendendo igualmente prejudica a contra-interessada B, actual adjudicatário, por inviabilizar a realização da escritura pública do contrato a que está adstrita a entidade adjudicante (cf. Informação proposta do GDI que obteve a decisão de Concordo, em 9 de Novembro de 2011 do Chefe do Executivo e que integra o acto ora suspendendo, onde o GDI propõe ao Chefe do Executivo a reabertura da Sessão Pública do Concurso Público Internacional, extinto nos termos da lei, para admitir a proposta da recorrente e executar o julgado ao mesmo tempo que propõe a suspensão da realização da escritura pública com a adjudicatária até ao fim do novo concurso e avaliação da proposta admitida, continuando a adjudicatária a execução do contrato mas sem escritura pública!!).
55. No caso sub judice o prejuízo irreparável ou de difícil reparação corresponde à expropriação do direito de indemnização da recorrente efectuada pelo acto suspendendo, através de um acto nulo de reabertura ilegal de um concurso público internacional extinto pela adjudicação do contrato que simula a execução integral do julgado anulatório.

A entidade requerida apresentou contra-alegações, entendendo que o acto não é susceptível de suspensão, “porque não estamos perante a prática de qualquer acto administrativo, mas sim de um acto de execução de uma decisão judicial e de actos preparatórios ou instrumentais da prática de um acto administrativo”.
Pugnou também, a título subsidiário, pelo indeferimento do pedido de suspensão de eficácia.
E o recorrido, B, apresentou também contra-alegações, concluindo pelo não provimento do recurso.
O Exmo. Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o douto parecer, levantando dúvida sobre a recorribilidade do acto impugnado em causa e sobre o preenchimento dos requisitos previstos no artº 120º do C.P.A.C. no presente caso e pugnando pelo não provimento do recurso.

Foram corridos os vistos.
 
2. Os Factos Provados
Nos autos foram dados como assentes os seguintes factos:
- Tendo sido aberto em 25 de Junho de 2010 o Concurso Público Internacional de “Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”, no qual o ora requerente tinha sido excluída.
- Dos sete candidatos ao Concurso Público Internacional só 3 consórcios foram admitidos na Sessão Pública (os Consórcio ora indicados como contra-interessados), vindo a proposta do C, admitida condicionalmente, a ser excluído na continuação da Sessão de Abertura realizada no dia 30 de Junho de 2010, exclusão que foi anulada por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 27 de Outubro de 2011, pendente de recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância.
- Do acto de exclusão, a requerente tinha interposto recurso contencioso, e finalmente obteve provimento em consequência do acórdão do Tribunal de Última Instância, de 12 de Outubro de 2011, que anulou o acto de exclusão da ora requerente ao Concurso Público.
- Por Despacho de 9 de Novembro de 2011, o Chefe do Executivo concordou com a Informação Proposta nº XXX/GDI/2011, de XX de X de 2011, que propunha, por virtude da execução do dito acórdão do Tribunal de Última Instância, de 12 de Outubro de 2001, a reabertura do Acto Público do Concurso Internacional acima identificado, para readmissão da ora requerente àquele concurso internacional, tendo a mesma sido publicitada por Aviso do GDI, publicado no Boletim Oficial de XX de X de 2011 e realizada em XX de X 2011.
- Pretendendo interposto recurso contencioso deste acto, requereu por isso a presente suspensão da eficácia do mesmo acto.

3. O Direito
O regime de suspensão de eficácia dos actos administrativos é previsto nos artºs 120º e segs. do CPAC.
Regula o artº 121º a legitimidade e os requisitos para a suspensão de eficácia:
“A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
 
Resulta claramente do artº 121º do CPAC que é pressuposto processual da suspensão da eficácia dos actos administrativos que estes sejam contenciosamente recorríveis, pois só pode requerer a suspensão de eficácia quem possa interpor recurso contencioso.
E os requisitos contemplados nas diversas alíneas do nº 1 do artº 121º para a suspensão de eficácia dos actos administrativos são de verificação cumulativa, bastando a não verificação de um deles para que a providência não seja decretada, salvo nas situações previstas nos nºs 2, 3 e 4.
É claro que o caso vertente não se integra em nenhuma das situações dos nºs 2, 3 e 4 do artº 121º, daí que se exige a verificação de todos os requisitos do nº 1.
Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que, no caso sub judice, não está preenchido, desde logo, o pressuposto processual acima referido, isto é, o acto administrativo concretamente impugnado deve ser contenciosamente recorrível.
Nos termos do nº 1 do artº 28º do CPAC, “são actos administrativos contenciosamente recorríveis os que, produzindo efeitos externos, não se encontram sujeitos a impugnação administrativa necessária”.
E só os actos externos, definitivos e executórios são susceptíveis de recurso contencioso.
Os actos são definitivos ou não definitivos consoante se contenham resolução final que define a situação jurídica da pessoa cujo órgão se pronunciou ou de outra que com ela está ou pretende estar em relação administrativa.
E a resolução final é o acto que ponha termo a um processo gracioso ou a um incidente autónomo desse processo.1
No caso sub judice, constata-se na matéria de facto assente que, face ao provimento concedido ao recurso jurisdicional interposto pela ora requerente, por douto Acórdão do Tribunal de Última Instância, de 12 de Outubro de 2011, que anulou o acto de exclusão da requerente ao Concurso Público Internacional de “Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”, o Chefe do Executivo concordou com a Informação Proposta nº XXX/GDI/2011, de XX de X de 2011, que propunha, por virtude da execução do dito acórdão do Tribunal de Última Instância, a reabertura do Acto Público do Concurso Internacional acima identificado, para readmissão da ora requerente àquele concurso internacional.
É este acto do Chefe do Executivo do qual pretende a requerente interpor recurso contencioso, bem como a suspensão de eficácia do mesmo acto.
Trata-se dum acto que determina a reabertura de concurso público com admissão de propostas de concorrentes.
Afigura-se que não é contenciosamente recorrível o acto, pois não é, evidentemente, um acto definitivo, não sendo lesivo de quaisquer interesses, nem da requerente nem dos outros concorrentes, não produzindo efeitos externos.
E só o acto final de adjudicação é, em princípio, recorrível, para os preteridos. E no recurso desse acto poderá o interessado suscitar quaisquer vícios procedimentais ou outros.
Por outro lado, resulta do artº 121º nº1, al. c) do CPAC que a suspensão não pode ser pedida se for ilegal a interposição do recurso.
Como se sabe, “a suspensão da eficácia do acto administrativo é um meio acessório ou instrumental em relação ao recurso contencioso de anulação: visa acautelar, por medidas provisórias, a utilidade prática final do recurso. Se, portanto, houver fortes indícios de que o recurso é ilegal – ou seja, de que faltam uma ou mais condições de interposição do recurso -, não se justifica estar a conceder a suspensão da eficácia do acto, uma vez que, com toda a probabilidade, o recurso vai ser em breve rejeitado”. 2
E a recorribilidade do acto é um dos pressupostos processuais de interposição do recurso.
Nas palavras de José Carlos Vieira de Andrade, o terceiro requisito da suspensão de eficácia “consiste na inexistência de ‘fortes indícios da ilegalidade da interposição do recurso’, entendendo-se que, verificados os outros requisitos, a suspensão só não deve ser concedida se houver a certeza prática de que o recurso principal é inviável (num plano formal, por falta de um pressuposto processual ou de um elemento essencial da causa, dado que não há lugar no processo de suspensão à consideração da validade do acto e, portanto, da eventual procedência do pedido), …”.3
Para Freitas do Amaral, “o tribunal só poderá, por conseguinte, rejeitar o pedido de suspensão da eficácia – para além da hipótese de o tribunal ser incompetente – se do processo resultarem fortes indícios de que o acto é irrecorrível, de que as partes são ilegítimas, ou de que o recurso é extemporâneo”. 4
Assim, não sendo o acto em causa contenciosamente recorrível, não é possível requerer a respectiva suspensão de eficácia.
Concluindo pela irrecorribilidade do acto posto em causa bem como a impossibilidade da suspensão de eficácia do acto pretendida pela requerente, não há necessidade de apreciar os outros requisitos previstos na lei.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente o recurso jurisdicional.
Custas pela recorrente com a taxa de justiça fixada em 4UC.

Macau, 23 de Maio de 2012

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho

1 Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, pág.443.
2 Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Volume IV, pág.316.
3 José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 2ª edição, pág. 171, nota 12.
4 Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Volume IV, pág.317.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




24
Processo nº 22/2012