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   ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
   
   1. Relatório
   A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM proferido em 3 de Setembro de 2010 que ordenou a desocupação do terreno situado junto ao [Endereço(1)], bem como a demolição e o despejo das construções ilegais implantadas nesse terreno.
   Por Acórdão datado de 24 de Novembro de 2011, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso, mantendo o acto administrativo recorrido.
   Inconformando com a decisão, vem A recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões:
   1. De acordo com os factos provados nºs 1, 2 e 3 constantes do acórdão do presente processo, bem como os factos provados nºs 1, 2 e 3 constantes do acórdão do Processo Cautelar de Suspensão de Eficácia em apenso ao presente processo, todos os factos acima referidos conseguem provar suficientemente a existência da casa rural do recorrente, a relação entre o recorrente e casa rural, bem como confirmar que o recorrente, desde 1974, sucedeu na posse dos pais e dos tios, e após a acessão, a posse da casa rural por parte do recorrente é cerca de cem anos até à presente data;
   2. O facto acima referido mostra também que a posse da referida casa rural por parte do recorrente sempre é de boa fé e de forma pública, reunindo o dispositivo quanto à usucapião previsto nos artºs 1213º, 1193º, nº 1, 1221º, 1179º do Código Civil. O recorrente, de boa fé e de forma pública, passou a ser possuidor da referida casa rural tal como outros proprietários legítimos, a sua posse é reiterada durante cerca de cem anos. Pelo que, o recorrente possui o “direito próprio” da casa rural e como já completou o prazo de usucapião, tem direito a adquirir a casa rural;
   3. Embora o terreno onde se situa a supracitada casa rural pertença ao governo da RAEM, o que não se pode ignorar é, quer seja antes de obras de remodelação, quer seja depois de remodelação, a existência daquela casa rural no terreno em causa e que estava a ser ocupada pelo recorrente durante cerca de cem anos, e por outro lado, ambos a casa rural e o terreno são indivisíveis;
   4. Contudo, embora esteja provada a posse da casa rural por parte do recorrente, o acórdão recorrido, só se baseando simplesmente em que o terreno onde se situa a casa rural não pode ser adquirido por usucapião ao abrigo do artº 5º da Lei de Terras, ignorou os factos de o recorrente ter utilizado, habitado e ocupado a moradia por muitos anos, bem como ter obtido o seu “direito próprio” e completado o prazo de usucapião;
   5. Por outro lado, também ficou provado o facto de o recorrente, seus antecessores e seus familiares sempre terem vivido na referida casa rural, o seu direito de viver na casa rural também deve ser protegido ao abrigo do artº 31º da Lei Básica da RAEM;
   6. Contudo, mesmo que no acórdão estejam provados o facto de existência da casa rural e o facto de o recorrente tê-la habitado, utilizado e ocupado prolongadamente, o mesmo acórdão ignorou o seu direito à casa rural que deve ser protegido pela Lei Básica, indicando que o acto administrativo recorrido não constituiu violação contra a moradia e prédio do recorrente;
   7. Pelo acima exposto, o recorrente considera que os fundamentos provados nos autos estão em oposição com o seu acórdão, pelo que, nos termos do artº 571º, nº1, al. c) do Código de Processo Civil, é nulo o respectivo acórdão.
   8. Além disso, nos autos, o recorrente já reiterou por várias vezes, que a casa rural em causa era a moradia deixada pelos seus antecessores, tendo o recorrente, desde nascimento até à presente data, sempre vivido nela. Contudo, como a casa rural já se encontrava muito arruinada, o recorrente, por sua vez, a fim de salvaguardar o lar deixado de geração em geração, remodelou a casa com a poupança de sua vida inteira, no valor não inferior a MOP3.500.000;
   9. Mas o acto administrativo, ora recorrido, exigiu precisamente ao recorrente que procedesse à desocupação do terreno, à demolição e despejo da casa rural que a sua remodelação estava quase concluída. Sendo isso, indubitavelmente, um grande prejuízo aos interesses do recorrente;
   10. O recorrente entende que, nos termos do artº 4º do Código do Procedimento Administrativo, ao ponderar se o acto administrativo a praticar causa ou não ao interessado um prejuízo de difícil reparação, no sentido de prosseguir o interesse público, certamente devemos ter mais cautela e prudência;
   11. Durante uma trintena de anos, o recorrente tem vivido pacificamente na dita casa rural, nunca foi contestado por qualquer pessoa ou pela Administração. Por este motivo, entende o recorrente que a existência da casa rural não causa lesão grave para o interesse público, tal como não tem causado ao longo dos trinta anos, antes de remodelação;
   12. É de salientar que antes de remodelação, as paredes e a estrutura de aço da moradia já ficavam corridas, a casa estava com risco de interrupção, fuga de electricidade e de queda, perante essa situação, o recorrente decidiu-se a remodelar a casa, e por sua conta própria e de boa fé, elevar o valor global da casa rural e do terreno onde se situa a casa, e são indivisíveis a casa rural e o terreno;
   13. Nos termos do artº 1259º do Código Civil, uma vez que o valor global da casa rural é mais alto de que o valor do terreno, o recorrente tem direito a adquirir o direito de propriedade do terreno;
   14. Além do mais, entende o recorrente que, como ele apenas praticou actos de remodelação à casa rural, não tendo escavado a encosta, arrancado árvores, prejudicado o ambiente ou alterado o topografia do local, nem conseguido mais espaço de terreno para servir do seu uso particular tal como nova acção ou tendência, pelo que, entende que o seu acto de remodelação não prejudica o interesse público;
   15. Além disso, o acto administrativo de demolição da casa rural, para além de ter causado ao recorrente o prejuízo patrimonial da poupança da sua vida inteira no valor não inferior a MOP3.500.000, como também destruído o lar do recorrente deixado pelos seus antecessores, fez com que o recorrente e sua família ficassem sem abrigo. Para o recorrente e sua família, a casa rural tem um valor emocional e memorial, uma vez que a qual pode representar e conter a história da família do recorrente com mais de cem anos, valor esse deve ser protegido por lei;
   16. Contudo, o acto de demolição da casa rural tornou o lar deixado pelos seus antecessores num muro derruído, causando ao recorrente, um prejuízo não patrimonial que é irreparável e irreversível. Pelo que, o seu direito à casa rural deve ser protegido por lei;
   17. O recorrente já tem uma idade avançada, não tendo capacidade económica de reconstruir ou procurar uma casa nova, pelo que, a demolição da casa rural fez com que o recorrente perdesse o seu lar e dormisse na rua sem abrigo, causando-lhe um prejuízo irreparável ou irreversível quer patrimonial quer não patrimonial;
   18. Mesmo assim, o acórdão recorrido também ignorou as supracitadas circunstâncias, não tendo ponderado quanto ao acto administrativo, se efectivamente vai prejudicar ou não o interesse público, nem analisado o prejuízo irreparável ou irreversível causado ao recorrente pelo acto administrativo ao recorrente, pelo que, existe o vício previsto no artº 4º do Código do Procedimento Administrativo;
   19. Com base nas razões acima indicadas, face ao supracitado vício indicado pelo recorrente, o acórdão recorrido não fez juízo nem especificou para servir como os fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão, pelo que, nos termos do artº 571º, nº 1, al. c) do Código de Processo Civil de Macau, deve o acórdão ser nulo;
   20. Pelo acima exposto, o acórdão recorrido padece do vício previsto no artº 571º, nº 1, al.s b) e c) do Código de Processo Civil de Macau, devendo ser considerado nulo.
   
   A entidade recorrida apresentou contra-alegações, com os seguintes fundamentos:
   (1) Face ao recurso interposto pelo recorrente A, o Chefe do Executivo da RAEM, ora recorrido, mantém a sua posição e o respectivo teor constante da contestação apresentada por si em 29/11/2010 junto do Tribunal de Segunda Instância. Quanto à respectiva contestação, fica anexa às presentes alegações, delas fazendo parte integrante, dando-se a aqui por integralmente reproduzido.
   (2) Na verdade, quanto à questão de aquisição do direito de propriedade do terreno por usucapião após o retorno de Macau, tal como indicado pelo supracitado acórdão do Tribunal de Segunda Instância: “…… já há jurisprudência unânime, quer seja o Tribunal de Segunda Instância, quer seja o de Última Instância de Macau, face à mesma questão jurídica, ambos tomaram a mesma decisão judicial, tendo considerado unanimemente que, após o retorno de Macau, a lei já não permite a aquisição de propriedade ou domínio útil de terreno vago por usucapião, ao abrigo do artº 7º da Lei Básica. ……”
   (3) Por outro lado, quanto à matéria da “casa rural” referida nas alegações do recorrente, tal como indicada no acórdão nº 74/2010 do Processo Cautelar de Suspensão de Eficácia em apenso aos autos em epígrafe, “Segundo os factos provados, apesar de o recorrente e a sua família terem residido na casa rural existente no terreno em causa há cerca de cem anos, é de destacar que o terreno não está registado a favor de qualquer particular e a moradia agora encontrada é uma casa totalmente nova, já não é a casa rural que o recorrente e os seus familiares residiam inicialmente. Esta casa rural é agora substituída segundo o plano, concebido e executado por eles próprios, de realização de obras para construir uma moradia nova com quatro andares. …… é manifesto que a moradia construída pelo recorrente é uma construção nova cujas obras foram realizadas com total ignorância da lei. …...”, bem como indicada no supracitado acórdão do Tribunal de Segunda Instância, “O prédio ora objecto de demolição ordenada pelo acto recorrido, já não é a casa rural onde vivia inicialmente o recorrente, mas sim um prédio novo de quatro pisos, de betão armado, vara de aço e paredes de tijolos que foi construído sem ter licença de execução de obras emitida pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes. E isso, evidentemente violou o artº 3º, nº 1 do Regulamento Geral da Construção Urbana, uma vez que se trata de uma construção ilegal, ……”
   (4) O recorrente não goza de qualquer direito sobre o terreno em causa nos termos da lei, e em princípio, deve o recorrente demolir o prédio ilegal novamente construído no referido terreno nos termos da lei, assim sendo, o acto administrativo recorrido não padece de qualquer vício, nem violou direito legal de qualquer pessoa.
   (5) Face ao exposto, no acórdão proferido em 24/11/2011 pelo Tribunal de Segunda instância, não se verifica o vício alegado pelo recorrente.
   Face ao acima exposto, requer-se a meritíssimos juízes de direito que se dignem julgar improcedente a motivação do recorrente.
   
   E o Exmo. Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo que não merece provimento o presente recurso.
   Foram corridos os vistos.
   Cumpre decidir.
   
   2. Os Factos Provados
   Nos autos foram apurados os seguintes factos:
   1. O recorrente tem actualmente 67 anos de idade e da relação com sua esposa B, nasceram três filhos sendo respectivamente C, D e E. Todos são residentes permanentes de Macau que crescem e vivem em Coloane, bem como residiram na casa rural, junto ao [Endereço(1)].
   2. Antes do retorno de Macau, o governo de Macau também reconheceu a existência da referida casa rural, tendo ainda demarcado na planta de Coloane, a casa rural do recorrente.
   3. Desde data não apurada, o recorrente, na qualidade como proprietário da casa rural, usava, ocupava a referida casa e nela residia procedendo à gestão, à reparação e à manutenção da referida casa rural, e requereu, em seu nome, a instalação do contador de electricidade para a casa rural em causa.
   4. No dia 9 de Dezembro de 2009, os fiscais da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, no decurso do exercício de funções, detectaram que alguém estava a efectuar obras de construção com betão armado e vara de aço, no terreno situado junto ao [Endereço(1)]. (vd. fotografias constantes de fls. 3 a 4 do Processo Administrativo)
   5. No dia 16 de Dezembro de 2009, o pessoal da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes deslocou-se ao supracitado local para entregar a “ordem de proibição da execução de obras”.
   6. Contudo, continuavam ainda as respectivas obras. No dia 30 de Julho de 2010 foi construído no referido terreno, um prédio de quatro pisos, de betão armado, vara de aço e paredes de tijolos. (vd. fotografias constantes de fls. 130 do processo administrativo)
   7. De acordo com a certidão da Conservatória do Registo Predial, de 10 de Maio de 2010, sobre o aludido terreno, não se encontra registado a favor de particular, qualquer direito de propriedade.
   8. A fim de substituir a antiga casa rural ali existente, o recorrente construiu, no aludido terreno, o referido prédio sem que detivesse qualquer licença de execução de obras.
   9. O recorrente não possui qualquer documento comprovativo legal sobre o uso ou ocupação do aludido terreno.
   10. No dia 3 de Setembro de 2010, o Chefe do Executivo da REAM proferiu despacho na Informação nº XXXX/DURDEP/2010, ordenando ao recorrente e demais ocupantes ilegais, a desocupação, no prazo de 30 dias a contar da publicação de edital, do terreno sito junto ao [Endereço(1)] e à demolição e despejo das construções ilegais ali existentes, com remoção dos materiais e equipamentos nele depositados, procedendo à entrega desse terreno ao Governo da REAM sem direito a indemnização.
   
   3. O Direito
   Alega o recorrente que os fundamentos do Acórdão ora recorrido se encontram em oposição com a sua decisão e que o Tribunal não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, pelo que se deve declarar nulo o Acórdão nos termos do artº 571º nº 1, al.s b) e c) do Código de Processo Civil de Macau.
   3.1. Na tese do recorrente, os factos provados nos autos conseguem provar suficientemente a existência duma casa rural cuja posse pertence à sua família, e finalmente ao recorrente, durante cerca de cem anos e tal posse é sempre de boa fé e de forma pública, reunindo todos os requisitos da usucapião, pelo que lhe dá direito para adquirir a casa, e também o terreno onde se encontra implantada a casa, por regime de usucapião.
   Defende ainda que, face à sua habitação, utilização e ocupação prolongada dessa casa, o seu direito de viver deve ser protegido ao abrigo do artº 31º da Lei Básica da RAEM.
   Vejamos.
   Ora, é de afirmar desde logo que a posse comprovada da casa e do terreno pelo recorrente, e também pela sua família, ao longo dos anos não lhe confere necessariamente o direito pretendido, mesmo que se reúnam os requisitos da usucapião.
   Importa chamar-se atenção para a disposição no artº 7º da Lei Básica da RAEM, que preceitua o seguinte:
   “Os solos e os recursos naturais da Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau. O Governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento, bem como pelo seu arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento. Os rendimentos daí resultantes ficam exclusivamente à disposição do Governo da Região Administrativa Especial de Macau.”
   Na interpretação e aplicação dessa norma, este Tribunal de Última Instância teve já oportunidade de se pronunciar em várias ocasiões, em que deixou muito claro e firme o entendimento de que o artº 7º da Lei Básica impede o reconhecimento do direito de propriedade de imóvel não reconhecido como propriedade privada antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, mesmo que a acção tivesse sido intentada antes deste estabelecimento (até 19 de Dezembro de 1999), desde que não houvesse sentença transitada em julgado antes desta data, a reconhecer tal direito.
   No Acórdão proferido em 5 de Julho de 2006, Proc. nº 32/2005, que aborda uma situação semelhante ao caso ora em apreciação, o Tribunal de Última Instância expendeu as seguintes considerações:
   Do artº 7º da Lei Básica “resulta que foi estabelecido pela Lei Básica o princípio de que a propriedade e a gestão dos solos e recursos naturais no âmbito da Região cabem respectivamente ao Estado e ao Governo da Região. No entanto, a fim de respeitar e proteger os poucos terrenos da propriedade privada já existentes em Macau, é admitida excepção a este princípio, isto é, continuar a reconhecer os direitos de propriedade privada de terrenos anteriormente existentes.
   Há um requisito para a excepção, que consiste em que os terrenos de propriedade privada devem ser ‘reconhecidos, de acordo com a lei, antes do estabelecimento da RAEM’.
   Uma vez que após o estabelecimento da Região, todos os terrenos situados no âmbito territorial da Região são de propriedade do Estado, excepto os que foram reconhecidos como propriedade privada nos termos da lei antes do estabelecimento da Região. Em consequência, não é possível constituir nova propriedade privada de terrenos depois da criação da Região, sob pena de violar a disposição do art.º 7.º da Lei Básica.
   Se a acção de reconhecimento do direito de propriedade sobre terrenos fosse proposta por interessados apenas depois do estabelecimento da Região, os seus pedidos estariam manifestamente em desconformidade com o art.º 7.º da Lei Básica por que todos os terrenos não reconhecidos como de propriedade privada até ao estabelecimento da Região passam, a partir deste, a integrar na propriedade do Estado.
   Mesmo que a acção fosse instaurada antes do estabelecimento da Região, tal como acontece com o presente processo, os referidos pedidos também não podem proceder se não houver sentença transitada até ao momento do estabelecimento da Região, o que equivale à falta de reconhecimento nos termos da lei e os pedidos de interessados violam a disposição do art.º 7.º da Lei Básica.
   É a mesma a razão de fundo das duas situações. Desde que não fosse confirmada legalmente a natureza privada da propriedade de terrenos antes do estabelecimento da Região, jamais pode obter a confirmação depois da criação da Região, independentemente da qualificação doutrinal deste tipo de acção como constitutiva ou declarativa, sob pena de violação do princípio consagrado no art.º 7.º da Lei Básica, segundo o qual a propriedade dos terrenos na Região cabe ao Estado. Os tribunais não podem proferir sentença de reconhecimento do direito de propriedade privada sobre os terrenos, em desobediência ao disposto na referida norma, após o estabelecimento da Região, ou seja, a partir da entrada em vigor da Lei Básica.”
   Não é de alterar esta posição.
   No caso sub judice, ficou provado que sobre o terreno dos autos não se encontra registado a favor de particular qualquer direito de propriedade nem o recorrente ou a sua família possui qualquer documento comprovativo legal de uso ou ocupação.
   E o recorrente construiu, no aludido terreno e em substituição da antiga casa rural, um novo prédio sem que detivesse qualquer licença de execução de obras.
   Ora, face à factualidade acima descrita, é de concluir pela sem razão da pretensão formulada pelo recorrente, uma vez que não foi reconhecida, até ao estabelecimento da RAEM, a propriedade sobre o terreno em causa a favor de qualquer particular, a disposição legal contida no artº 7º da Lei Básica impede agora tal reconhecimento, segundo a qual o terreno se enquadra na propriedade do Estado.
   E a invocação do artº 1259º do Código Civil de Macau não ajuda em nada para a pretensão do recorrente, pois não tem aplicação no presente caso.
   Concluindo, não se vislumbra nenhuma oposição entre os fundamentos e a decisão do tribunal, que se traduz na contradição lógica entre eles.
   Por outro lado, pesa embora o disposto no artº 31º da Lei Básica da RAEM, que proíbe a violação do domicílio e os demais prédios dos residentes de Macau, certo é que a norma não protege a situação do recorrente, pois não está em causa a violação do domicílio.
   Repete-se que o prédio objecto de demolição ordenada pelo acto administrativo ora impugnado foi construído pelo recorrente sem licença de execução de obras necessária para o efeito.
   Tratando-se duma construção ilegal, é legítimo para a Administração ordenar a sua demolição, nos termos do artº 52 nº 6 do Regulamento Geral da Construção Urbana, que prescreve que “quando se encontre concluída a execução de quaisquer obras de construção sem que para as mesmas tenha sido obtida a licença, a respectiva demolição será, quando se entender justificável, ordenada pelo Governador”.
   
   3.2. No que concerne à alegada falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justiçam a decisão, é também evidente a sem razão do recorrente.
   Na realidade, resulta claramente do Acórdão ora recorrido que o Tribunal de Segunda Instância especificou, e bem, as razões que o levou a tomar a decisão, partindo dos factos provados e passando pela sua interpretação sobre o artº 7º da Lei Básica da RAEM para chegar à conclusão.
   Daí que não se verifica também a nulidade invocada pelo recorrente e prevista na al. b) do nº 1 do artº 571º do Código de Processo Civil de Macau.
   O que se mostra nas alegações apresentadas pelo recorrente é a sua discordância com o entendimento do tribunal sobre a questão em causa e com a interpretação e aplicação das normas legais que interessam à apreciação da questão.
   
   4. Decisão
   Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
   Custas pelo recorrente.
   
    Macau, 30 de Maio de 2012
   
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho
   



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Processo nº 12/2012