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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Segurança, de 16 de Março de 2010, que determinou a expulsão da recorrente da Região, por ter excedido o prazo de permanência nesta Região em 86 dias, e interditou-a de reentrada no Território durante um ano.
Por acórdão de 7 de Dezembro de 2011, o Tribunal de Segunda Instância (TSI) negou provimento ao recurso.
Inconformada, interpõe a mesma recorrente recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões úteis:
- Indeferiu o douto Tribunal a quo o pedido de suspensão da eficácia da decisão de expulsão, por entender que o mesmo não foi requerido nos termos dos art, 123°, n° 1 e 121°, n° 1, ambos do CPAC.
- Ora, o pedido de suspensão da eficácia da decisão de expulsão foi realizado “ juntamente com a petição de recurso”, faculdade permitida pela alínea b) do nº 1 do art. 123º do CPAC.
- Mal andou ainda o douto Tribunal a quo ao entender que não houve qualquer “falta de notificação”, “O que poderá haver é a deficiência de notificação por omitir os elementos previstos nas al. c) e d) do art. 70° do CPA, cuja existência não determina a invalidade do acto recorrido”.
- O acto recorrido encontra-se ferido por falta de fundamentação.
- Ao desconsiderar toda a factualidade alegada - em sede de petição inicial - o Tribunal a quo errou na aplicação da lei.
- O acto recorrido foi praticado dentro da esfera de discricionariedade concedida à Administração Pública.
- Entende o Tribunal a quo que a decião de interdição de entrada da ora Recorrente na RAEM por um período de 1 ano é um prazo “relativamente curto”.
- Dados os pressupostos de facto e o Princípio da Proporcionalidade (nas suas três vertentes), a ora Recorrente não pode conformar-se com tal punição.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.

II - Os Factos
O Acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
- Por despacho nº XXXXX/IMO/GRH/XXXX do Gabinete para os Recursos Humanos, de 15/07/2008, a recorrente foi autorizada para trabalhar, como empregada doméstica, a um indivíduo de nome B, que por sua vez, também era um trabalhador não residente duma empresa de arquitectura denominada C (fls. 358 do P.A.).
- Em 22/08/2008, foi emitido o Título de Identificação de Trabalhador Não Residente (TI/TNR) nº XXXXXX/XXXX à recorrente, com prazo de validade até 30/04/2009.
- Em 02/02/2009, a referida empresa de arquitectura comunicou ao Serviço de Migração da PSP da cessação da relação laboral com o referido B, requerendo o concelamento do TI/TNR do mesmo (fls. 349 do P.A).
- No mesmo dia, o referido B abandonou da RAEM, só voltou no dia 22/02/2009, pelas 12H36 e saiu de novo no mesmo dia, pelas 17H25 (fls. 131 dos autos).
- Entre o período 23/02/2009 e 14/07/2009 não há qualquer registo de entrada e saída na RAEM do referido B.
- Em 16/02/2009, a recorrente deu parto a uma criança de nome D.
- Em 29/04/2009, a recorrente dirigiu-se ao Serviço de Migração da PSP para entregar o seu TI/TNR, onde foi informada de que o seu TI/TNR já se encontrava caducado pelo que a sua estadia na RAEM era ilegal/clandestina.
- Por despacho do Secretário para a Segurança de 08/06/2009, proferido na Proposta nº MIG.XXXX/XXXX/C.I., de 29/04/2009, foi determinada a expulsão da recorrente, bem como a interdição da entrada na RAEM por um período de um ano (fls. 161 do P.A.).
- Em 16/03/2010, o Secretário para a Segurança proferiu o despacho “Concordo” no seguinte
PARECER
Assunto: Reforma do despacho de expulsão
    Cidadã filipina A (passaporte n.º XXXXXXXXX)
    Ref.a: INF. MIG XXXX/XXXX/CI
    Recurso contencioso n.º 34/2010 do TSI
  No âmbito do recurso contencioso acima identificado, em fase de contestação, apura-se da existência de um erro nos pressupostos da informação n.º MIG XXXX/XXXX/CI,1 que consubstancia a fundamentação do despacho do Exm.º Secretário para a Segurança de 08/06/2009, de fls. 161, do processo instrutor, que pese embora incidir sobre um aspecto de relevo da aludida fundamentação, reclamando-se por isso a sua rectificação, o que aqui se fará, não altera, como se alcança adiante, o resultado prático e técnico-jurídico da factualidade em causa.
  Com efeito, não é exacta a afirmação daquela informação nos termos da qual o empregador da interessada, o cidadão indonésio B, haja activa e formalmente cancelado o título de identificação de trabalhador não residente (TI/TNR) da sua empregada junto do Serviço de Migração do CPSP.
  O que na verdade se constata, também a fls. 349 do processo instrutor, é que a empresa de arquitectura que empregava o referido cidadão indonésio, em 02/02/2009 cancelou, formalmente, o TI/TNR do mesmo, que era seu trabalhador não residente, e que nessa qualidade era por sua vez autorizado a manter ao seu serviço a trabalhadora A.
  E naquela data, 02/02/2009 há-de ter-se por correcto o cancelamento do TI/TNR da trabalhadora A, por parte do Serviço de Migração, considerada a cessação da relação contratual por parte do empregador, com reflexos na empregada, e ainda a evidente cessação da relação laboral de facto, a qual aliás hoje de confirma, pois segundo informa o Serviço de Migração, o empregador (cidadão indonésio) depois daquela data, 02/02/2009, só permaneceu em Macau por 1 dia em 22/02/2009 até voltar a entrar em 15/07/2009 e aqui permanecer por um curto período, sendo que era 30/04/2009 a data formal do termo do contrato com a sua empregada.
Donde se conclui que:
  a) Ao empregador, após a cessação da sua relação laboral com uma empresa de Macau e o cancelamento do seu TI/TNR não mais era legítimo, nem tecnicamente possível, manter em vigor a sua autorização de contratação de uma trabalhadora e consequentemente o TI/TNR desta;
  b) Demonstra-se que a trabalhadora não continuou a prestar o seu trabalho e a receber o seu salário (cessação de facto e formal da relação contratual), o que, aliás, a acontecer haveria de qualificar-se como trabalho ilegal nos termos da lei respectiva.
  O que se refere em a) sustenta-se inferindo-se do teor do despacho de autorização de contratação que limita o respectivo período ao da autorização de trabalho do próprio empregador enquanto trabalhador,2 e em a) e b) na notificação/declaração do processo instrutor cujo teor incorpora a autorização de permanência condicionando-a à manutenção da relação de trabalho e anunciando o cancelamento automático do TI/TNR e obrigando a trabalhadora a apresentar-se no caso de cessação da mesma relação.
  Finda a relação contratual/laboral, em 02/02/2009, a trabalhadora A não se apresentou no Serviço de Migração, como devia e se obrigava nos termos da declaração referida no parágrafo anterior, ciente contudo do cancelamento do seu TI/TNR por caducidade da autorização de permanência.
  Pelo que, até à data em que voluntariamente se apresentou no Serviço de Migração, permaneceu ilegalmente em Macau por 86 dias.
  O art.º 2.°, n.º 2, da Lei n.º 6/2004 faz corresponder a permanência não autorizada à condição de imigrante ilegal, a que são aplicadas as medidas de expulsão e interdição de entrada nos termos conjugadas dos art.°s 8.° e 12.°, n.º 1, da mesma Lei.
  Pelo exposto, sugerimos a V. Ex.a, Senhor Secretário para a Segurança, que com os fundamentos aqui vertidos, e nos termos dos art.ºs 126.° e 129.° do CPA:
  a) Proceda à reforma do despacho de expulsão e interdição de entrada de 08/06/2009, apenas quanto aos pressupostos e fundamentação, mantendo a medida de expulsão e o período de interdição;
  b) Ordene ao CPSP/Serviço de Migração a notificação, à interessada, do teor integral da ordem de expulsão ora reformada.
É este o acto recorrido.

III – O Direito
1. A questão a apreciar
Trata-se de saber se a recorrente formulou correctamente o pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo, se é possível proferir acórdão no sentido de que a recorrente seja novamente notificada do mesmo acto, se este enferma de falta de fundamentação e se houve total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários e violação do princípio da proporcionalidade.
Não se conhecem das questões que a recorrente não suscitou na petição de recurso contencioso, como a do estado de necessidade desculpante.

2. Suspensão de eficácia pedida na petição de recurso contencioso de anulação
Nas conclusões da petição de recurso contencioso de anulação, a recorrente pediu a suspensão de eficácia do acto administrativo, pedido este que nem sequer formalmente fez no local próprio, que sempre seria na parte final daquela petição. É doutrina estabelecida que o tribunal só conhece dos pedidos feitos na parte própria da petição inicial e não daqueles espalhados ao logo da petição.
O Tribunal recorrido não considerou a pretensão por não ter sido feita em requerimento próprio, isto é, autónomo.
E fez bem. Já há muitos anos que no ordenamento jurídico de Macau a suspensão da eficácia de actos administrativos, ou da executoriedade, como anteriormente se dizia, não é feita na petição de recurso contencioso.
A recorrente invoca em seu auxílio o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 123.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, segundo o qual a suspensão é pedida previamente à interposição do recurso ou juntamente com a petição do recurso. Só que se esqueceu de outra parte da norma: a suspensão é pedida em requerimento próprio. Ou seja, a suspensão de eficácia pode ser pedida previamente à interposição do recurso ou juntamente com a petição do recurso. Mas, em qualquer caso tem de ser em requerimento autónomo e não na petição de recurso contencioso.

3. Deficiente notificação do acto administrativo
Continua a recorrente a suscitar a questão da deficiente notificação do acto administrativo. Mas esta nunca é causa de invalidade do acto, isto é, não conduz nunca à anulação ou à declaração de nulidade do acto administrativo, pois ela, por natureza, posterior à prática do acto. Ora, só alguma circunstância anterior ou contemporânea do acto administrativo pode conduzir à sua invalidade. Pois bem, só para aquele fim (anulação ou declaração de nulidade) existe o recurso contencioso de anulação.
A deficiente notificação do acto administrativo pode ser motivo para suspensão da contagem do prazo do recurso contencioso, quando o interessado requeira a notificação das partes omitidas (artigo 27.º do Código de Processo Administrativo Contencioso) ou mesmo ter como consequência que a contagem do prazo não se inicie (artigo 26.º do mesmo Código). Mas não tem consequências invalidantes do acto.
Improcede a questão suscitada.

4. Falta de fundamentação
O acto administrativo, por remissão para o parecer, que incorpora, considera que o título de trabalhador não residente da recorrente se deve ter por cancelado em 2 de Fevereiro de 2009, data em que o seu empregador viu o respectivo título de trabalhador não residente cancelado pela empresa para a qual trabalhava. E que a recorrente só se apresentou nos Serviços de Emigração no dia 29 de Abril de 2009, 86 dias depois daquela data, pelo que o acto considerou ter estado ilegal durante este lapso de tempo na Região.
Não tem, pois, razão, a recorrente quando afirma que não sabe como se chegou ao cômputo dos 86 dias de permanência ilegal.
Improcede a questão suscitada.

5. Da total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários e violação do princípio da proporcionalidade
O Acórdão recorrido considerou que nas decisões de expulsão e de interdição de entrada, por violação do prazo de permanência na Região, a Administração não exerce poderes discricionários, mas vinculados, só sendo discricionária a fixação do prazo de interdição de entrada. E entendeu que a fixação daquele prazo, em um ano, não enferma de erro grosseiro, nem total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários que justifique a intervenção do Tribunal.
A recorrente só impugna esta última parte da decisão.
Não merece censura a decisão, quando entende que a fixação do prazo de interdição de entrada, em um ano, não enferma de erro grosseiro, nem total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários que justifique a intervenção do Tribunal.
Remetemos, aqui, para o que temos entendido sobre a sindicabilidade judicial dos podres discricionários da Administração, começando logo no nosso Acórdão de 3 de Maio de 2000, no Processo n.º 9/2000.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC.


Macau, 13 de Junho de 2012.
  Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho

1 Susceptível de constitituir fundamento de anulabilidade do acto em apreço.
2 Informação obtida informalmente junto do serviço competente.
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Processo n.º 25/2012