打印全文
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Inconformando com o douto Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância que decidiu conceder provimento ao recurso interlocutório do despacho proferido pelo Tribunal Administrativo que, numa acção de responsabilidade civil extracontratual, indeferiu o pedido de segunda perícia, anulando todos os termos processuais após o pedido, vem a Direcção dos Serviços de Saúde de Macau recorrer para este Tribunal de Última Instância.
Por despacho do Exmo. Juiz-Relator do Tribunal de Segunda Instância, de 10 de Fevereiro de 2012, o recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.
 Subidos os autos para o Tribunal de Última Instância, no exame preliminar a relatora proferiu o seguinte despacho:
“O objecto do presente recurso é a decisão do Tribunal de Segunda Instância tomada em segundo grau de jurisdição.
Nos termos da al. 2) do nº 2 do artº 44º da Lei de Bases da Organização Judiciária, compete ao Tribunal de Última Instância “julgar os recursos dos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância proferidos em matéria cível e laboral, bem como nas acções do contencioso administrativo, fiscal e aduaneiro, em segundo grau de jurisdição, quando sejam susceptíveis de impugnação nos termos da presente lei e das leis de processo”.
E ao abrigo da al. c) do nº 1 do artº 150º do CPAC, não é admissível recurso ordinário dos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância que decidam em segundo grau de jurisdição, como foi o caso.
Daí que se deve concluir que, mesmo nas acções do contencioso administrativo, julgadas em primeira instância, pelos tribunais de primeira instância e de que coube recurso para o Tribunal de Segunda Instância, não cabe recurso destes acórdãos para o Tribunal de Última Instância.
Não admito o recurso interposto pelos Serviços de Saúde de Macau.”

Notificada deste despacho, vem a recorrente reclamar para a conferência, alegando em síntese que, para aferir qual a “lei de processo” referida na al. 2) do nº 2 do artº 44º da Lei de Bases da Organização Judiciária, deve atender-se ao disposto no nº 1 do artº 99º do CPAC, segundo o qual, salvo as excepções legalmente previstas, as acções do contencioso administrativo “seguem os termos do processo civil comum de declaração, na sua forma ordinária”, cuja clareza leva a concluir que não há fundamento legal para que se considere o CPAC como “lei de processo” aplicável às acções do contencioso administrativo, nomeadamente no que se refere às normas aplicáveis aos recursos, incluindo o disposto no artº 148º e seguintes do mesmo Código.
Notificados dessa reclamação, vêm os recorridos pronunciar-se no sentido da manutenção do despacho reclamado, defendendo a aplicação do disposto na al. c) do nº 1 do artº 150º do CPAC.
Corridos os vistos dos Exmos. Juízes-adjuntos, cumpre agora decidir nos termos do art.º 153.º n.º 2 do CPAC.

2. Fundamentos
Ora, não obstante a consideração sobre a argumentação deduzida pela recorrente ora reclamante para sustentar a recorribilidade do douto Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância para este Tribunal de Última Instância, continuamos a entender que não é admissível o recurso.
Desde logo, parece evidente não poder acolher a tese da reclamante que afasta a aplicabilidade às acções do disposto no artº 148º e seguintes do CPAC, até porque se encontra na al. a) do nº 1 do artº 150º do CPAC uma norma que regula especialmente a admissibilidade de recurso ordinário das decisões proferidas em acções.
Por outro lado, tal como resulta da própria norma legal, o artº 99º do CPAC destina-se a reger a tramitação das acções do contencioso administrativo, do qual não resulta que a sua aplicação estenda para a fase do recurso.
E a organização sistemática de todos os capítulos do CPAC revela que, ao lado de reger, pelos capítulos seguidos (Capítulo II a Capítulo VIII), os vários tipos do processo do contencioso administrativo, o legislador destaca um capítulo próprio (Capítulo IX) para regular os recursos jurisdicionais, que deve abranger, em princípio, todos os meios de defesa do contencioso administrativo.
Acresce-se que não se nos afigura existente a “incoerência sistemática” entre o artº 150º nº 1 al. c) do CPAC e o artº 44º nº 2 al. 2) da Lei de Bases da Organização Judiciária, alegada pela reclamante, uma vez que esta última norma não visa regular apenas recursos nas acções do contencioso administrativo, fiscal e aduaneiro, mas também matéria cível e laboral, em que é admissível, nos casos previstos no Código de Processo Civil, o recurso para o Tribunal de Última Instância, como terceiro grau de jurisdição.
Resta, finalmente, remeter para as razões já explanadas no despacho reclamado, reafirmando aqui a posição quanto à não admissão do recurso interposto para o Tribunal de Última Instância.

3. Decisão
Face ao expendido, acordam em julgar improcedente a reclamação, com consequente manutenção do despacho reclamado.
Sem custas, dada a isenção da ora reclamante.

Macau, 6 de Julho de 2012

Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho




5
Processo nº 36/2012