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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A intentou uma acção declarativa de condenação com processo ordinário contra B, C, D, E e F, pretendendo obter o pagamento das despesas emergentes do consumo de energia eléctrica em dívida bem como da multa por falta do respectivo pagamento atempado, no montante total de MOP$ 2.128.073,20.
Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base, foi julgada parcialmente procedente a acção, tendo a 3.ª Ré D, sido condenada a pagar a quantia de MOP$ 2.128.073,20, acrescida a respectiva multa.
E a 1.ª Ré B foi condenada a pagar, solidariamente com a 3.ª Ré, MOP$ 1.030.880,00, montante este que comprometeu pagar, descontando a quantia de MOP$ 200.000,00 já pago.
Inconformando com esta decisão, recorreu a D, para o Tribunal de Segunda Instância, que por sua vez decidiu conceder provimento ao recurso, absolvendo a sociedade recorrente do pedido e revogando a sentença recorrida nesta parte.
Deste Acórdão vem agora A recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões:
A. O enquadramento jurídico da relação contratual estabelecida entre a Recorrente e a ora Recorrida rege-se pelo disposto no Decreto-Lei n.º 43/91/M, de 15 de Julho, nos termos do qual os outorgantes de contratos de fornecimento – in casu, por um lado, a Recorrente, enquanto “concessionária do serviço público da produção, importação, exportação, transporte, distribuição e venda de energia eléctrica no território de Macau” e, por outro, a Recorrida enquanto “Consumidor” devidamente identificado nos quinze contratos sub judice – se obrigam a aderir e a cumprir todas as condições (gerais e particulares) previstas no Contrato-tipo.
B. Ao subscrever – livre e voluntariamente – os quinze contratos de fornecimento de energia eléctrica a que se refere o ponto Q. da Factualidade Assente, a Recorrida aceitou, aderiu e obrigou-se incondicionalmente a cumprir todos os termos e condições previstos no DL 43/91/M, nomeadamente, a:
a) Pagar à Recorrente os montantes dos consumos de energia eléctrica das instalações comuns dos Blocos 1 a 14 do [Endereço(1)] (cfr. art. 19.º do DL 43/91/M);
b) Participar à Recorrente a cessação da sua exploração dos Blocos 1 a 14 do [Endereço(1)] (cfr. n.º 2 do art. 9.º do DL 43/91/M); e
c) Não o fazendo, a ser responsável perante a Recorrente por todos os débitos que pudessem existir ao abrigo de tais contratos (cfr. n.º 2 do art. 9.º do DL 43/91/M).
C. Apesar de alegar que se apartou da gestão dos Blocos 1 a 14 do [Endereço(1)], a Recorrida não comunicou à Recorrente a vontade de por fim aos contratos de fornecimento de energia a que se refere o ponto Q. da Factualidade Assente que celebrou (cfr. ponto T. da Factualidade Assente), nem decorre dos autos que, por qualquer forma ou meio, tenha participado, formal ou informalmente, à Recorrente a cessação da exploração – seja a que título fosse – das instalações comuns objectos de tais contratos.
D. A 3.ª Ré D não cumpriu, pois, a obrigação que lhe era imposta pelo n.º 2 do art. 9.º do DL 43/91/M.
E. Assim, verificando-se que à data da propositura desta acção continuavam sem ser pagas despesas de fornecimento de electricidade emergentes dos quinze contratos a que se refere o ponto Q. da Factualidade Assente, bem como as multas por falta do respectivo pagamento atempado, não podia senão imputar-se a responsabilidade dos débitos também à 3.ª Ré D.
F. O DL 43/91/M não distingue “consumidor” de “consumidor efectivo”, limitando-se a definir que um “Consumidor”, para efeitos do diploma e das relações contratuais nele previstas, é aquele que se encontra devidamente identificado no contrato de fornecimento enquanto tal (cfr. n.º 1 do art. 1.º do DL 43/91/M).
G. A norma do n.º 2 do art. 9.º do DL 43/91/M pretende permitir à Recorrente, pelo menos, a responsabilização solidária de uma eventual pluralidade de devedores pelo pagamento das dívidas que existam, cabendo a essa pluralidade de devedores, posteriormente, exercer entre si eventuais direito de regresso.
H. Acresce que a qualificação do acordo celebrado entre a 1.ª Ré B e a Recorrente em 12.12.2005 como uma transacção é manifestamente contrária e incompatível com o disposto nos arts. 1172.º e ss. do Cód. Civ., uma vez que só a Recorrente e a 3.ª Ré D poderiam dispor e/ou fazer concessões sobre os direitos emergentes dos quinze contratos a que se refere o ponto Q. da Factualidade Assente.
I. Sem a intervenção da 3.ª Ré D, nunca o acordo celebrado em 12.12.2005 exclusivamente entre a 1.ª Ré B e a Recorrente poderia ser considerado uma transacção (e muito menos uma transacção válida nos termos dos arts. 1172.º e ss. do Cód. Civ.) porquanto a 1.ª Ré B não podia dispor ou transigir sobre os direitos inerentes aos quinze contratos a que se refere o ponto Q. da Factualidade Assente e a 3.ª Ré D, que tinha legitimidade e interesse em fazê-lo, não interveio, ratificou ou consentiu na celebração da putativa transacção.
J. A Recorrente nunca renunciou ao poder de exigir a prestação devida à 3.ª Ré D, não afastou da sua esfera jurídica os instrumentos de tutela do seu interesse e não perdoou qualquer parte da dívida existente, não se percebendo que concessões tenha a Recorrente feito perante a 3.ª Ré D que possam justificar eximir a sua responsabilidade do pagamento das dívidas emergentes de contratos de fornecimento de energia por si celebrados.
K. O acordo celebrado entre a l.ª Ré B e a Recorrente em 12.12.2005 só pode, por isso, ser considerado como um reconhecimento unilateral da dívida por parte da l.ª Ré B.
L. Atento o exposto, andou mal o Tribunal a quo na aplicação do Direito ao caso concreto, devendo, em consequência, ser revogado o Acórdão recorrido e substituído por outro que determine a condenação da 3.ª Ré D no pedido, conforme foi decidido em primeira instância.

A D, ora recorrida, apresentou contra-alegações, com a formulação das seguintes conclusões:
I. A A. e a 3.ª R. celebraram em XX e XX de Maio de 1993, quinze contratos de fornecimento de energia eléctrica às partes comuns do prédio em regime de propriedade horizontal denominado [Endereço(1)], Blocos 1 a 14 e parque de estacionamento, referenciados com os n.º XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, em que a A. se obrigou a A. a fornecer, e a 3.ª R. a adquirir, energia eléctrica, de forma unitária e duradoura, pagando como contraprestação os montantes dos seus consumos, resultantes da aplicação dos Princípios Gerais do Sistema Tarifário
II. À data (XX e XX de Maio de 1993), conforme pode ser verificado da certidão do registo predial relativa ao prédio [junta como Doc. n.º 2 à contestação], a proprietária de todas as fracções de tal prédio era a “G”, sendo a sociedade 3.ª R. somente sua procuradora, nos termos dos factos provados.
III. Nos termos do art. 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 43/91/M de 15 de Julho, que aprova o contrato-tipo para o fornecimento de energia eléctrica em baixa e média tensão a celebrar entre a sociedade concessionária do serviço “A” e o “Consumidor” e os direitos e os deveres de cada uma das partes no contrato de fornecimento e venda de energia, o contrato apenas poderá ser celebrado entre a concessionária e a pessoa que prove, por meio idóneo, a posse legítima, em nome próprio ou alheio, ou seja, a posse que resulta da titularidade dos direitos de propriedade, de usufruto, de concessão de superfície e de cessão onerosa ou gratuita do gozo, do imóvel ou de parte dele a ser alimentado de energia eléctrica.
IV. Os referidos contratos são nulos, porque celebrados por quem não tinha qualquer legitimidade para dispôr das partes comuns do [Endereço(1)], que eram bem alheio – foi feita indevida interpretação e aplicação do art. 892.º do C.C. anterior [actual art. 882.º do C.C.], aplicável por via do art. 939.º do anterior C.C. [actual art. 933.º do C.C.].
V. Existe uma subrogação legal na posição de consumidor no contrato de fornecimento de electricidade às partes comuns, celebrado com a A., “A”, cada vez que os direitos reais de uma fracção são transmitidos por uma pessoa a outra, e o reconhecimento de tal cessão da posição contratual na posição de consumidor impõe-se à entidade fornecedora a partir da data do registo de aquisição de tais direitos na Conservatória do Registo Predial de Macau, não sendo necessária qualquer manifestação de vontade dos contraentes para que tal cessão de posição contratual na posição de consumidor no contrato produza efeitos e se considerem os condóminos de um edifício em regime de propriedade horizontal obrigados ao pagamento dos consumos de energia eléctrica fornecida às partes comuns do edifício – entendimento diverso faz indevida interpretação e aplicação dos artigos 1323.º, 1324.º e 1332.º, n.º 3, b) do actual C.C.
VI. Desde a data da celebração dos contratos de fornecimento de electricidade às partes comuns do [Endereço(1)] que a A. sabe que as instalações às quais é fornecida a electricidade não são da 3.ª R.; tal facto também é revelado pelo contrato que a A. celebrou em 12.12.2005 com a 1.ª R. “B”, esta na qualidade de prestadora de serviços de administração ao condomínio do [Endereço(1)], composto de 14 blocos e parque de estacionamento. É um manifesto abuso de direito, que torna ilegítimo o exercício do direito, que a A. peça a condenação da 3.ª R. no pagamento da dívida ao abrigo do n.º 2, do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 43/91/M de 15 de Julho, i.e. “por falta de comunicação da cedência de exploração das suas instalações” – entendimento diverso faz indevida interpretação e aplicação do art. 326.º do C.C.

Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Os Factos Provados
Nos autos foram dados como assentes os seguintes factos:
A) A A. é uma sociedade anónima, tendo por objecto a exploração, em regime de exclusividade, das concessões de produção, importação, transporte, distribuição e venda de energia eléctrica em alta, média e baixa tensão em Macau.
B) A 1ª R. é uma sociedade por quotas, tendo por objecto a gestão dos prédios.
C) A 2ª R. é uma comissão de condóminos eleita na Assembleia Geral de Condóminos do [Endereço(1)] que se realizou no dia 29 de Novembro de 2003, para administração do respectivo condomínio.
D) A 3ª R. é uma sociedade por quotas, tendo por objecto o investimento no sector imobiliário, a importação e exportação, a grosso ou a retalho, quer como agentes quer como representantes exclusivos, de quaisquer bens e produtos.
E) O 4º R. é representante legal da 1ª R.
F) A 5ª R. é uma comissão de condóminos eleita na reunião da Assembleia Geral do Condomínio do [Endereço(1)] em 24 de Dezembro de 2005, para administração do respectivo condomínio.
G) A partir de 1999 e até 23 de Maio de 2005, a administração do condomínio do [Endereço(1)] foi exercida pela empresa denominada “H” cujo proprietário é I.
H) Intervalo de tempo durante o qual existiu uma relação de administração de facto, ou seja, os serviços de administração do [Endereço(1)] foram efectivamente prestados pela “H” e todos os condóminos do [Endereço(1)] pagaram as despesas do condomínio a esta que efectuou as despesas emergentes dos serviços das partes comuns, incluindo os consumos de energia eléctrica.
I) Acontece que, a partir de 24 de Maio de 2005, a “H” deixou de administrar o [Endereço(1)], na sequência da decisão proferida no processo n.º CV2-05-0002-CPV junto do Tribunal Judicial de Base.
J) Pelo menos desde 24 de Maio de 2005 até 28 de Maio de 2006, a administração do [Endereço(1)] foi exercida pelas 1ª R. e 2ª R.
K) A 1ª R. foi contratada pela 2ª R. para administrar as partes comuns do [Endereço(1)].
L) Em 12 de Dezembro de 2005, a 1ª R. aceitou, como empresa de serviços de administração do condomínio do [Endereço(1)], composto por 14 blocos e parque de estabelecimento, que das despesas de fornecimento de electricidade e multas por falta de pagamento estava em dívida da quantia de MOP$1.030.880,00, dívida que confessou e aceitou pagar, havendo no acto pago a quantia de MOP$200.000,00.
M) Desde Maio de 2005 até Janeiro de 2006, o montante em dívida respeitante ao fornecimento de energia eléctrica totaliza a quantia de MOP$1.311.500,00, conforme consta das seguintes facturas:
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 1 do [Endereço(1)]) — MOP$97.460,00;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 2 do [Endereço(1)]) — MOP$88.400,00;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 3 do [Endereço(1)] ) — MOP$92.230,00;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 4 do [Endereço(1)]) — MOP$89.180,00;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 5 do [Endereço(1)]) — MOP$89.890,00;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 6 do [Endereço(1)]) — MOP$88.890,00 ;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 7 do [Endereço(1)]) — MOP$89.200,00;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 8 do [Endereço(1)]) — MOP$84.410,00;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 9 do [Endereço(1)]) — MOP$84.950,00;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 10 do [Endereço(1)]) — MOP$93.070,00;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 11 do [Endereço(1)]) — MOP$91.010,00;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 12 do [Endereço(1)]) — MOP$85.150,00;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 13 do [Endereço(1)]) — MOP$90.140,00;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 14 do [Endereço(1)]) — MOP$91.830,00;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade ao parque de estacionamento comum do [Endereço(1)]) — MOP$55.690,00.
N) A data de vencimento das sobreditas facturas é de 28 de Fevereiro de 2006.
O) Em 28 de Maio de 2006, estava em dívida a quantia de MOP$2.128.073,20, que se vencia em 15 de Junho de 2006, soma dos totais das seguintes facturas:
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 1 do [Endereço(1)]) — MOP$159.120,60;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 2 do [Endereço(1)]) — MOP$143.032,10;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 3 do [Endereço(1)]) — MOP$149.665,50;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 4 do [Endereço(1)]) — MOP$143.220,10;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 5 do [Endereço(1)]) — MOP$144.547,80;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 6 do [Endereço(1)]) — MOP$144.476,50;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 7 do [Endereço(1)]) — MOP$145.389,70;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 8 do [Endereço(1)]) — MOP$137.533,40;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 9 do [Endereço(1)]) — MOP$138.098,80;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 10 do [Endereço(1)]) — MOP$151.996,00;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 11 do [Endereço(1)]) — MOP$149.249,70;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 12 do [Endereço(1)]) — MOP$139.818,00;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 13 do [Endereço(1)]) — MOP$144.315,00 ;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade às partes comuns do Bl. 14 do [Endereço(1)]) — MOP$147.722,90;
- Contrato XXXXXXXXXX (fornecimento de electricidade ao parque de estacionamento comum do [Endereço(1)]) — MOP$89.887,10 .
P) O consumo de energia eléctrica emergente destes contratos é destinado ao bom funcionamento das instalações comuns, incluindo a iluminação pública, do [Endereço(1)], Blocos 1 a 14.
Q) A A. e a 3ª R. celebraram, em XX e XX de Maio de 1993, quinze contratos de fornecimento de energia eléctrica, referenciados com os n.ºs XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX.
R) Por estes contratos, obrigou-se a A. a fornecer, e a 3ª R. a adquirir, energia eléctrica, de forma unitária e duradoura.
S) A título de contraprestação pela aquisição da energia eléctrica, obrigou-se a 3ª R. a pagar os montantes dos seus consumos, resultantes da aplicação dos Princípios Gerais do Sistema Tarifário.
T) A 3ª R. não comunicou à A. a vontade de pôr fim ao contrato de fornecimento de energia de electricidade.
U) Até à presente data, continuam sem ser pagas as despesas de fornecimento de electricidade e multas por falta de pagamento atempado.
V) No momento da constituição da propriedade horizontal, foi a sociedade 3ª R. quem construiu e procedeu à venda das fracções autónomas do [Endereço(1)], na qualidade de procuradora da sociedade proprietária de todas as fracções, a “G”.

3. O Direito
Discute-se no presente recurso se a 3ª Ré, ora recorrida, é responsável pelo pagamento da quantia em dívida emergente do consumo de energia eléctrica oferecida pela Autora recorrente.
Antes de mais, é de notar que, nas suas alegações de recurso, veio a recorrida suscitar a nulidade dos contratos de fornecimento de energia eléctrica celebrados entre si e a ora recorrente, invocando a disposição no art.º 3.º n.º s 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 43/91/M e a falta de legitimidade para dispor das partes comuns do [Endereço(1)].
No entanto, repare-se que a questão não foi levantada na contestação de fls. 215 dos autos, apresentada no já longínquo dia 27 de Outubro de 2006.
E nos termos do art.º 409.º n.º s 1 e 2 do Código de Processo Civil de Macau, toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuando os incidentes que a lei mande deduzir em separado, as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deve conhecer oficiosamente, o que não é, evidentemente, o nosso caso.
Por outro lado, não há factos alegados donde resulte que, ao tempo, foi violado o disposto no art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 43/91/M.
Daí que não é de conhecer a questão suscitada pela recorrida.

Resta apurar quem é responsável pelo pagamento das dívidas.
Ora, o fornecimento e venda de energia eléctrica em Macau é objecto de um contrato-tipo celebrado entre a concessionária e o consumidor, segundo o qual a concessionária se compromete a pôr a energia à disposição do consumidor e o consumidor se obriga a utilizar a energia fornecida no local indicado no contrato, para além dos outros deveres impostos (art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 43/91/M).
Nos termos do art.º 9.º n.º 2 do diploma, se o consumidor ceder, por qualquer forma, a exploração das suas instalações, deverá participar à concessionária o nome e a morada ou sede do novo consumidor, sob pena de, e até à data em que o fizer, continuar responsável por todos os débitos à concessionária.
Daí que só com a participação por parte do consumidor outorgante do contrato sobre o nome e a morada do novo consumidor é que fica aquele exonerado de responsabilizar pelas despesas emergentes do consumo de energia.
No caso sub judice, resulta da matéria provada que os quinze contratos respeitantes ao fornecimento de electricidade às partes comuns dos 14 blocos e do parque de estabelecimento do [Endereço(1)] foram celebrados entre a Autora recorrente e a 3.ª Ré recorrida, pelos quais se obriga a recorrente a fornecer e a recorrida a adquirir energia eléctrica, pagando esta, a título de contraprestação pela aquisição, os montantes dos seus consumos, resultantes da aplicação dos Princípios Gerais do Sistema Tarifário.
Acontece que a recorrida nunca comunicou à recorrente a vontade de pôr fim ao contrato de fornecimento de energia de electricidade, não obstante ter havido, a partir de 24 de Maio de 2005, a mudança das companhias que exerciam a administração do [Endereço(1)], que passou para as 1.ª Ré. e 2.ª Ré, sendo a 1.ª Ré. contratada pela 2.ª Ré. para administrar as partes comuns do Edifício.
Constata-se ainda que em 12 de Dezembro de 2005 e através dum acordo celebrado com a recorrente, a 1.ª Ré reconheceu, como empresa de serviços de administração do condomínio do [Endereço(1)], que estavam em dívida as despesas de fornecimento de electricidade e multas por falta de pagamento no montante de MOP$1,030,880.00, que aceitou pagar, tendo até no mesmo acto de assinatura do acordo pago a quantia de MOP$200,000.00.
Ora, face à aceitação da dívida bem como ao pagamento parcial dessa dívida por parte da 1.ª Ré, que era do conhecimento da recorrente, afigura-se-nos correcta a tese do Acórdão recorrido no sentido de considerar cessado o dever de comunicação por parte da 3.ª Ré logo que a concessionária do serviço público da produção, exportação, transporte, distribuição e venda de energia eléctrica tenha pleno conhecimento da identidade do novo consumidor a quem foram cedidas as instalações de consumo da energia, uma vez que já não se verifica o pressuposto da norma contida no art.º 9.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 43/91/M, que visa protecção da concessionária no caso de haver mudança do consumidor, sendo que a obrigação de participação da identidade do novo consumidor foi atingida por outro meio.
Na verdade, a partir de 12 de Dezembro de 2005, com o acordo celebrado entre a Autora, ora recorrente, e a 1.ª Ré, no sentido de pagamento de dívidas passadas, a Autora concessionária sabia perfeitamente que a 3.ª Ré recorrida já não era a consumidora.
Daí que improcede o recurso, nesta parte.

Finalmente, repare-se que as despesas emergentes do consumo de energia eléctrica que estão em dívida se reportam ao período entre 25 de Maio de 2005 e 28 de Maio de 2006.
Como foi dito, a 3.ª Ré ora recorrida fica exonerada, a partir de 12 de Dezembro de 2005, de responsabilizar pelas dívidas emergentes do consumo de energia eléctrica após esta data.
Já relativamente às dívidas anteriores, ou seja, do período entre 24 de Maio e 12 de Dezembro de 2005, não tendo havido comunicação da cedência das instalações nem se retirando que a Autora recorrente já conhecia tal cedência, aplica-se plenamente o disposto no art.º 9.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 43/91/M.
É certo que a 1.ª Ré e a Autora recorrente fizeram um acordo para pagamento das dívidas anteriores, mas não tendo havido pagamento efectivo da totalidade da dívida, tal acordo, aliás não cumprido, não pode exonerar a 3.ª Ré ora recorrida.
Ora, não parece correcto qualificar o acordo como uma transacção feita entre 1.ª Ré e a recorrente.
Nos termos do n.º 1 do art.º 1172.º do Código Civil de Macau, transacção é “o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíproca concessões”.
E as partes não podem transigir sobre direitos de que lhes não é permitido dispor, nem sobre questões respeitantes a negócios jurídicos ilícitos (art.º 1173.º do Código Civil de Macau).
No caso em apreço, o referido acordo entre a 1.ª Ré e a Autora recorrente tem como objecto o pagamento das despesas emergentes dos contratos de fornecimento de energia eléctrica celebrados entre a 3.ª Ré e a recorrente, entre as quais se operam as relações controvertidas antes de 12 de Dezembro de 2005.
Daí que, sem a intervenção da 3.ª Ré ora recorrida, não se pode aceitar como transacção válida o referido acordo em causa.
O que aconteceu é que, mediante tal acordo, a 1.ª Ré reconheceu como suas as dívidas anteriores e assumiu a responsabilidade de pagá-las, não tendo porém cumprido a totalidade do acordo.
E a ora recorrente nunca renunciou ao direito de exigir à 3.ª Ré o pagamento das dívidas em causa.
Resumindo, afigura-se-nos que o recurso é procedente, nesta parte.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando o Acórdão recorrido na parte em que absolveu a 3.ª Ré ora recorrida do pagamento das quantias devidas até 12 de Dezembro de 2005.
Custas pelas recorrente e recorrida, na proporção do seu decaimento.

Macau, 18 de Julho de 2012

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima




20
Processo n.º 32/2012