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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, Adjunta-Técnica Especialista, 3º escalão, da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, interpôs recurso contencioso do despacho do Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM proferido em 30 de Agosto de 2007, que lhe aplicou a pena única de demissão, imputando os vícios de violação da lei e dos princípios gerais de direito, nomeadamente os princípios da igualdade, da imparcialidade, da decisão e da proporcionalidade.
Por Acórdão de 27 de Outubro de 2011 proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, foi julgado procedente o recurso.
Inconformando com a decisão, vem o Exmo. Senhor Chefe do Executivo recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões:
1. O instrutor do processo disciplinar regulado pelo ETAPM não goza do poder de se declarar impedido, por decisão própria, pese embora a redacção do corpo do nº 1 do respectivo artº 327º;
2. Quando haja motivo sério capaz de comprometer a sua parcialidade, resta ao instrutor do processo disciplinar requerer a sua exoneração a quem o nomeou, podendo também o arguido e o participante apresentar requerimento nesse sentido (ETAPM, artº 327º, nº 2);
3. A arguida nunca requereu o afastamento do instrutor Dr. B, o que teria de ser feito dentro do prazo de 48 horas previsto no artº 327º, nº 3, do ETAPM;
4. Os impedimentos causados maliciosamente pela própria arguida, com o objectivo de embaraçar a acção disciplinar, não podem ser considerados motivo sério susceptível de gerar desconfiança sobre a parcialidade do instrutor (ETAPM, artº 327º, nº 1);
5. Actua de má fé a arguida que apresenta uma queixa-crime pelo mero facto de receber notificações que lhe foram legitimamente enviadas pelo instrutor no âmbito do processo disciplinar contra ela instaurado;
6. Não infringe o disposto no nº 1 do artº 327º do ETAPM o instrutor que, apercebendo-se de que a arguida pretende embaraçar de forma ilegítima a acção disciplinar, entende que os factos criados maliciosamente pela mesma com o objectivo de o afastar não justificam um pedido de escusa de funções;
7. O instrutor Dr. B não instruiu o processo disciplinar resultante da sua participação contra a arguida pelos factos ocorridos em 01.03.2007;
8. Os processos disciplinares são instruídos e decididos por entidades diferentes, pelo que uma eventual parcialidade do instrutor não se reflecte necessariamente em parcialidade da decisão;
9. Os factos provados demonstram que a arguida cometeu gravíssimos actos de indisciplina, que quebraram inelutavelmente a relação de confiança existente entre ela e a Administração;
10. Os factos apurados legitimam a conclusão de que era inviável a manutenção da funcionária ao serviço;
11. Nomeadamente, factos como a organização de uma conferência de imprensa em que a arguida descreve ao público o serviço em que exercia funções como se de um bordel se tratasse, e a equiparação de funcionários públicos a prostitutas, justificam a aplicação de uma pena expulsiva;
12. Ambos os instrutores dos processos disciplinares se mostraram favoráveis à aplicação de uma pena expulsiva;
13. Na escolha da pena aplicada o órgão agora recorrente actuou no exercício de poderes discricionários, não se enxergando erro manifesto ou desrazoabilidade;
14. A mudança de funcionário para serviço diferente não se revela medida adequada à resolução de um problema disciplinar quando aquele mostra estar num estado de total amotinamento contra quem quer que seja que represente perante ele a autoridade pública da Administração.

A ora recorrida apresentou contra-alegações fora do prazo.
E o Exmo. Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo que merece provimento o presente recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Os Factos Provados
Nos autos foram dados como assentes os seguintes factos:
- Por proposta do Sr. Secretário para a Economia e Finanças, de 17 de Janeiro de 2007, foi ordenada, pelo despacho do Senhor Chefe do Executivo, Sua Excelência, de 22 de Janeiro de 2007, a instauração do processo disciplinar, com a nomeação do instrutor Sr. Dr. José Luciano B, contra a recorrida A, sob nº 1/2007.
- Neste processo nº 1/2007, foi depois apensado outro processo disciplinar nº 2/1007, instaurado por despacho do Sr. Chefe do Executivo de 31 de Janeiro de 2007, sob proposta do Sr. Secretário para a Economia e Finanças de 30 de Janeiro de 2007 dado o facto de ter a Funcionária A recusado a cumprir os deveres do processo de classificação dos funcionário públicos, com a nomeação do mesmo instrutor do processo disciplinar nº 1/2007.
- Procedidas todas as diligências disciplinares, foi deduzida a seguinte acusação:
“Processo Disciplinar n.º 1/2007 (Apenso n.º 2/2007)
ACUSAÇÃO
Arguida: Exma Senhora A, Adjunta-Técnica Especialista da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos
B, Assessor Jurídico do Secretário para a Segurança, designado, pelo Chefe do Executivo, instrutor dos presentes autos de processo disciplinar, por despacho de 22 de Janeiro de 2007, relativamente ao processo disciplinar nº 1/2007, e por despacho de 31 de Janeiro de 02007, relativamente ao processo disciplinar nº 2/2007, apenso ao primeiro nos termos do artº 296º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública, aprovado pelo Decreto-Lei nº 87/89/M, de 21 de Dezembro.
Vem
Nos termos do artº 332º, nº 2 do mesmo diploma estatutário, doravante designado por ETAPM, deduzir acusação nos presentes autos contra a arguida, Senhora A, casada, Adjunta-Técnica Especialista, da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, nos termos e com os fundamentos seguintes:
Capítulo I
Processo disciplinar nº 1/2007
Artigo 1º
Em conferência de imprensa realizada no dia 7 de Janeiro do corrente ano (documentos de fls., 2 a 31 e 59 a 71 e CD audio, juntos aos autos), convocada pela arguida a pretexto de denunciar publicamente a não renovação do contrato além do quadro de uma técnica superior da mesma Direcção de Serviços, produziu, na presença de vários jornalistas de órgãos de comunicação social e de alguns colegas do seu serviço, declarações objectivamente ofensivas de seus superiores hierárquicos do que se destaca a afirmação de que os titulares dos altos cargos da DSEC liderados por C, Directora Substituta, são uma vergonha, menosprezam uma sentença do tribunal, ignorando-a, continuando a reprimir os colegas que depuseram como suas testemunhas em processo judicial que ela intentou contra os dirigentes da DSEC.
Artigo 2º
Nessa ocasião imputa à mesma dirigente comportamento parcial e de protecção da Chefe de Divisão, D, autora, no seu entendimento de delitos muito graves no interior daquela DSEC e que, comparando a dirigente com o Chefe de Departamento, que depôs como testemunha no processo judicial, ela e os demais dirigentes andam de cabeça virada para baixo porque, uma vez que protegem um em detrimento de outros, não são capazes de encarar as outras pessoas.
Artigo 3º
Acrescentou ainda no âmbito do mesmo circunstancialismo de modo e tempo que a sua Directora Substituta C, tem pretensões ilimitadas, que passam por estabelecer na DSEC o “seu reino”, no âmbito do qual se une à Chefe de Divisão, D, para criar um clima de repressão na DSEC, imputando-lhes a criação de pornografia e exclamando que “isto é o fim da moralidade no interior de um órgão público”, fazendo passar a ideia de que os actos praticados no interior da DSEC são próprios de locais onde se praticam actos libidinosos.
Artigo 4º
Culminando a sua intervenção na conferência de imprensa, a arguida referindo-se não a Secretária para a Administração e Justiça, afirmou: “A Secretária E ainda é mais ridícula” e, de forma mais genérica, referindo-se aos mais altos dirigentes, proclamou: “Vocês, titulares de altos cargos, desinteressam-se pela morte de uma pessoa, pelas repressões que são levadas a cabo, deixando que chefias lideradas por C procedam em todos os seus actos de forma arbitrária, ela (Secretária), é muito arrogante, muito altiva”.
Artigo 5º
Estes factos tiveram repercussão na imprensa diária, afectando a imagem, a honra, o bom nome e a reputação dos visados em particular e, de uma forma generalizada, a da própria RAEM e a de, pelo menos, uma de suas instituições, a DSEC, sobre a qual se quiseram projectar juízos de incumprimento das obrigações, de devassidão e de imoralidade.
Artigo 6º
Em 18 de Dezembro de 2006 dirigiu uma exposição à Secretária para a Administração e Justiça na qual usa expressões falhas de urbanidade e respeito devido a uma titular de um cargo principal, não se inibindo de lhe conceder um prazo de 5 dias para que responda às suas questões, fechando pelo modo que segue: “Significaria isso um reconhecimento tácito do acto da Chefe de Divisão D por parte da DSEC e da administração? Significaria também que V Ex.a considera que se devem dar beijinhos e acariciar colegas de sexo oposto para atingir os objectivos da avaliação”.
Artigo 7º
Em 26 de Dezembro dirigiu uma exposição ao Secretário para a Economia e Finanças, também ela redigida em termos que se consideram falhos de urbanidade no relacionamento com o titular de um cargo principal, bem como do respeito que lhe é devido, exposição na qual insinua que a sua Directora Substituta e a Chefe de Divisão, D, praticam “actos insolentes e desprezíveis, semelhantes a coacção para a prática de prostituição”.
Artigo 8º
Na mesma exposição, a arguida, acusa o Secretário para a Economia e Finanças de não lhe dar resposta às questões que lhe colocara anteriormente, ameaçando-o de dar conhecimento público do escândalo protagonizado por D e C, alertando os quinhentos mil habitantes de Macau para a desonra daquelas funcionárias.
Artigo 9º
Prossegue, ainda, no mesmo tom, ameaçando o Secretário para a Economia e Finanças de contra ele se queixar perante o Tribunal de Segunda Instância e perante o Governo Central com fundamento em o mesmo proteger os altos dirigentes da DSEC, por nada fazer contra os actos insolentes e desprezíveis que ali se praticam, na sua opinião semelhantes a “coacção sobre outrem para a prática de prostituição”.
Artigo 10º
Sem suster o seu ímpeto, a arguida, depois de referir o caso que em finais do ano de 2006 envolveu o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Eng.º F, que classifica como sendo um fracasso do Governo, lança, na mesma carta, ao Secretário para a Economia e Finanças, um pretenso aviso: “Não pense que com o tempo pode ofender as minhas testemunhas e as de G, pois lutar até final, mas caso V Ex. a venha a enfrentar outro fracasso estou certa de que dificilmente conseguirá responder perante o povo chinês”.
Artigo 11º
Em carta de 29 de Dezembro de 2006, que dirigiu à Secretária para a Administração e Justiça, percorreu idêntico caminho, formulou-lhe algumas questões das quais se fez prevalecer para pedir a intervenção da interpelada na DSEC, de teor desrespeitoso quer pessoal, quer institucionalmente, do que são exemplo: “Tenho a ousadia de perguntar a V Ex. a em que tipo de trabalho é que o pessoal só consegue atingir os seus objectivos do respectivo desempenho acariciando as mãos ou os pés de colegas do sexo masculino dando beijinhos? Estou confiante que isto não acontece a não ser com as prostitutas e na DSEC, não é verdade”?
Artigo 12º
Prossegue na mesma missiva “Espero que desta vez possa V Exa. resolver seriamente o problema, escusando esquivar-se, visto que é remunerada pelos contribuintes fiscais, pelo que deve responder e prestar serviço aos mesmos, sem se preocupar somente em manter os seus poderes e o seu cargo. Sou uma pessoa recta que em nome da justiça não transijo nem recuo, esperando assim que V Ex.a possa dar-me, desta vez, uma resposta séria”.
Capítulo II
Processo apenso (Proc. Disciplinar nº 2/2007)
Artigo 13º
Colhe-se dos autos que a arguida, A, devidamente convocada para o efeito, recusou, no dia 03.03.2006, o conhecimento da homologação da avaliação do seu desempenho relativa ao ano de 2005, invocando o impedimento da notadora D, pelo facto de a mesma ser parte em processo judicial movido pela notada.
Artigo 14º
Todavia, a arguida sabe que a tomada de conhecimento é pressuposto da definitividade do acto, após a qual lhe é legítimo impugnar quer graciosa quer contenciosamente – vd. artº 23 nº 1 do Regulamento Administrativo 31/2004.
Artigo 15º
Conforme consta, ainda, dos autos, a arguida não compareceu à reunião agendada para o dia 15.01.2007 que, nos termos do artº 16º do Regulamento Administrativo nº 31/2004, lhe foi marcada para efeitos de avaliação do desempenho, justificando-se com o facto de ter requerido a suspensão do respectivo processo de avaliação, mais afirmando que a Directora Substituta não lhe inspirava confiança.
Artigo 16º
Na reunião, o seu interlocutor seria o seu actual Chefe de Divisão, H, contra quem não pendia, nem fora invocado qualquer impedimento justificativo de escusa ou recusa nos termos do artº 3º do citado Regulamento Administrativo, não procedendo, assim as invocadas razões para não colaboração no processo de avaliação do desempenho por parte da arguida, A.
Artigo 17º
A arguida tem o dever de saber que, nos termos da lei, deve participar no seu processo de avaliação, sob pena de os seus objectivos se resultarem prejudicados, sem embargo de lhe assistir o direito de impugnar graciosa ou contenciosamente todos os actos que entenda lesivos dos seus interesses, mas jamais pode abster-se da colaboração a não ser que a lhe seja reconhecida a recusa do notador, o que não acontecera.
Capítulo III
A Culpa
Artigo 18º
A arguida agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta lhe era proibida por lei, não obstante, jamais se inibiu de insistir e persistir na revelia ao cumprimento dos seus deveres de funcionária.
Artigo 19º
A arguida praticou, assim, todos os factos de que vem acusada nos artigos antecedentes com perfeito conhecimento de que violava os deveres inerentes à sua qualidade de funcionária da administração pública da RAEM representando intelectualmente os respectivos efeitos, pelo que a sua culpa se apresenta sob a forma de dolo intenso, correspondendo-lhe um elevado juízo de censura ético-disciplinar.
Capítulo IV
Qualificação e pena aplicável
Artigo 20º
Com a conduta descrita a arguida violou os seguintes deveres:
a) Com os factos descritos nos artigos desta acusação numerados de 1º a 5º violou os deveres gerais de obediência e correcção a que se referem, respectivamente, as al.s c) e f) do artº 279º nº 2 do ETAPM (diploma de que serão todas as normas doravante enunciadas sem indicação da respectiva fonte), na formulação que vem descrita nos seus nºs 5 e 8, e, bem assim especialmente, os deveres profissionais contidos nas alíneas m) – desrespeito grave de superior hierárquico fora do serviço, mas por motivos relacionados com o exercício de funções -, do nº 2 do artº 314º, a que corresponde pena de suspensão até 240 dias, referida no nº 3 do mesmo normativo, e al. b) - prática de actos de indisciplina graves - do n° 2 do artº 315º, a que corresponde pena expulsiva de demissão ou aposentação compulsiva a que se refere o seu nº 1;
b) Com os factos descritos nos artigos desta acusação numerados de 6º a 12º violou o dever geral de correcção a que se refere a al. f) do artº 279º nº 2, na formulação que vem descrita no seu nº 8, e, bem assim, especialmente, os deveres profissionais contidos nas al.s m) – desrespeito grave de superior hierárquico fora do serviço, mas por motivos relacionados com o exercício de funções -, do nº 2 do artº 314º, a que corresponde pena de suspensão até 240 dias, referida no nº 3 do mesmo normativo, e al. b) - prática de actos de indisciplina graves - do nº 2 do artº 315º, a que corresponde pena expulsiva de demissão ou aposentação compulsiva a que se refere o seu nº 1;
c) Com os factos descritos nos artigos desta acusação numerados de 13º a 17º violou o dever geral de obediência a que se refere a al. c) do artº 279º nº 2, na formulação que vem descrita no seu nº 5, e, bem assim, especialmente, o dever profissional que a intima a ser diligente e compreender bem os seus deveres de funcionária, a que se refere o nº 1 do artº 313º, na formulação da al. b) do seu nº 2, punível com simples pena de multa, uma vez que as consequências da recusa de conhecimento da avaliação do desempenho relativa a 2005 (artº 13º e 14º da acusação) e de participação na reunião para relativa à avaliação do desempenho de 2006 (artºs 15º a 17º da mesma acusação) podem ser supridas por meios alternativos, sem embargo de a conduta constituir prejuízo para o normal funcionamento do serviço em geral e do processo de avaliação do desempenho em particular.
Artigo 21º
A arguida é favorecida pela circunstância atenuante da al. a) do artº 282º - mais de 10 anos de serviço com classificação de BOM -, sendo que a sua conduta é agravada pelas circunstâncias previstas nas al.s h) - acumulação de infracções – e i) - publicidade da infracção descrita nos artigos da acusação numerados de 1º a 5° - todas do nº 2 artº 283º.
Artigo 22º
Não se mostram nos autos quaisquer causas que dirimam, extingam ou excluam a responsabilidade disciplinar da arguida.
Artigo 23º
A pena abstractamente aplicável é aquela que corresponde à infracção ou infracções mais graves imputadas à arguida, ou seja, aquela que pune as condutas violadoras da al. b) do nº 2 do artº 315º, descritas nas al.s a) e b) do artº 20º desta acusação, com pena expulsiva de Demissão ou de Aposentação Compulsiva, por, nos termos do nº 1 do mesmo normativo, a gravidade daquelas infracções se mostrarem inviabilizantes da manutenção da relação jurídico-funcional.
Prova: A dos autos.
Macau, aos 30 de Março de 2007
O Instrutor
José Luciano B”
- Ainda no decurso do processo disciplinar nº 1/2007, o Sr. Instrutor participou perante o Sr. Secretário para a Economia e Finanças os seguintes factos, ao que ordenou a instauração do processo disciplinar sob nº 3/2007, com a nomeação do Instrutor Sr. Dr. I:
“Participação
Ref.a: Processos Disciplinares nº 1 e 2/2007 (DSEC)
Na qualidade de instrutor do processo disciplinar nº 1/2007 (ao que vem apenso o processo disciplinar nº 2/2007), designado por despacho de Sua Excelência, o Senhor Chefe do Executivo de 22 e 31 de Janeiro de 2007, participo a V. Ex.a o seguinte:
Pelas 10H15 do dia 1 de Março de 2007, solicitei a comparência da arguida, Ad-Técnica Especialista, A no Gabinete que me foi destinado para a diligência de instrução do processo disciplinar nº 1/2007, sito no 17º Andar da Direcção dos Serviços de Estatísticas e Censos.
Alguns minutos mais tarde fui informado pela Sr.a Directora da DSEC de que a mesma, instada pela sua secretária, se recusava a comparecer alegando que quem era arguida num processo era a Sr.a Directora e que, enquanto tal se verificasse, não compareceria a qualquer acto neste processo disciplinar.
Informado da recusa, o signatário fazendo-se acompanhar da Senhora Directora da DSEC, da Sr.a Dr.a J, que secretaria o processo disciplinar e da Sr.a Dr.a K, intérprete-tradutora, deslocou-se pessoalmente ao 16º Andar do mesmo edifício, onde, junto à respectiva mesa de trabalho, se apresentou na qualidade de instrutor do processo disciplinar em que a Sr.a A é arguida, dando-lhe, nessa qualidade, ORDEM para se deslocar ao referido gabinete no 17º Andar, a fim de ali se cumprir a diligência de inquirição cuja notificação a mesma igualmente recusara no dia 28 de Fevereiro, nos termos do documento junto aos autos de fls. 142 a 145.
Traduzidas estas palavras pela intérprete-tradutora Dr.a K, a arguida A levantou-se da sua cadeira e, revelando elevado índice de agressividade e perturbação emocional, dirigiu-se ao signatário e à sua Directora, afirmando que quem era arguida em processo-crime era ela Directora, pelo que não prestava declarações, e que deveria abster-se de a incomodar, mais lhe dizendo directamente que a qualidade de directora não lhe conferia pleno poder.
Dito isto, afastou-se do local de trabalho, sem que, voltando-se para o instrutor lhe dissesse “shut up” mantendo o mesmo tom de voz, audível em todo o piso afecto aquela Direcção de Serviço, repetindo as afirmações atrás descritas, e assim gorando a diligência que vem sendo sucessivamente adiada, em absoluto desrespeito pela autoridade do signatário, na qualidade de instrutor dos processos disciplinares em que ela é arguida.
Com esta atitude a arguida A, para além de revelar falta de urbanidade e respeito, quer perante a sua superiora hierárquica, quer perante o instrutor do processo designado pelo Senhor Chefe do Executivo, o que foi perceptível, pelo menos, por todos os funcionários presentes naquela sala, desobedeceu gravemente a uma ordem dada em acto de serviço pelo signatário, constituindo-se em infracção disciplinar cuja valoração e gravidade há que apurar a bem da ordem e da disciplina institucional.
À consideração de V.Ex.a
O Instrutor do Proc. Disciplinar n.º 1/2007 (c/apenso n.º 2/2007)
José Luciano B
Macau, aos 5 de Março de 2007.”
- Neste processo nº 3/2007, foi deduzida a seguinte acusação:
“Processo Disciplinar nº 3/2007/DSEC
Acusação
A arguida: Sr.a A, funcionária nº XXXXXX, de nomeação definitiva, com a categoria de Adjunta Técnica Especialista, 3° escalão, da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC),
É acusada de:
1. Em 1.03.2007, ter recusado comparecer na sala de reuniões do 17º andar da DSEC (Edifício Dinasty Plaza, Alameda Dr. Carlos d' Assumpção nº 411-417, em Macau) para prestar declarações no processo disciplinar nº 1 e 2/2007/DSEC, após ter sido convocada, através de dois telefonemas seguidos, realizados para a extensão 837, às 10.15h, pela Sr.a L, secretária da Direcção da DSEC nos quais foi referido, expressamente, que a convocação era uma ordem da Sr.a Directora da DSEC;
2. Na sequência da recusa em comparecer na citada sala de reuniões ter respondido, ao telefone, que “Ela (a Directora) também é arguida, não me liguem mais e não me incomodem mais”.
3. No mesmo dia 1.03.2007, nos serviços da DSEC do 16º andar (Edifício Dinasty Plaza, em Macau), perante a Sr.a Directora da DSEC, o Sr. Instrutor do citado processo disciplinar, a tradutora intérprete Dr.a K e a secretária dos processos Dr.a J, ter-se dirigido à Sr.a Directora da DSEC, afirmando, em cantonense, com voz bastante elevada: "Eu já apresentei queixa. Também és arguida. Não voltes a incomodar-me. Não penses que sendo Directora podes mandar em tudo”.
4. Na mesma ocasião e lugar e perante as mesmas pessoas, ter-se levantado, bruscamente, do seu posto de trabalho e ao afastar-se do local de trabalho ter dirigido ao Sr. instrutor do processo disciplinar a seguinte ordem, em inglês, e com voz bastante alta, “You shut up”.
5. Ter afirmado, ao sair da sala e dirigindo-se à Sr.a Directora da DSEC: “Não tenho medo se quiseres podes despedir-me”.
6. Ter praticado os factos e proferido as expressões acima mencionadas por forma a permitir que fossem ouvidas tanto pelas quatro pessoas referidas em 3. supra, como pela maioria dos trabalhadores instalados nas duas salas de trabalho da DSEC do 16º andar do Edifício Dinasty Plaza, em Macau.
Disposições legais infringidas: Os actos acima descritos constituem violação dos seguintes deveres:
a) Dever geral de obediência, previsto na al. c) do nº 2 e no nº 5 do artº 279º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública, aprovado pelo Decreto-Lei nº 87/89/M, de 21 de Dezembro, doravante ETAPM;
b) Dever geral de correcção, previsto na al. f) do nº 2 e no nº 8 do artº 279º do ETAPM;
c) Dever especial de respeito para com terceiro - instrutor de processo disciplinar nomeado por despacho de S. Ex.a o Chefe do Executivo - em local de serviço, previsto na al. a) do nº 2 do artº 315º do ETAPM.
Circunstâncias agravantes:
d) Acumulação de infracções, prevista na al. h) dos nº 1 e nº 5 do artº 283º do ETAPM;
e) Publicidade da infracção, provocada pela própria funcionária prevista na al. i) do nº 1 do artº 283º de ETAPM.
Circunstâncias atenuantes:
Prestação de mais de 10 anos de serviço classificados de “Bom” prevista na al. a) do artº 282º do ETAPM.
Pena aplicável:
Os factos da acusação, pela sua gravidade, inviabilizam a manutenção do vínculo jurídico-funcional da arguida com o Governo da RAEM e, por isso, são puníveis com a pena de aposentação compulsiva de acordo com o nº 1 e a al. a) do nº 2 do artº 315º do ETAPM.
Competência para aplicação da pena: É competente para aplicar a pena o Senhor Secretário para a Economia e Finanças, nos termos da Ordem Executiva 12/2000, confirmada pela Ordem Executiva 6/2005.
Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, aos 2 de Maio de 2007.
O instrutor, I”
- Nos processos nºs 1/2007 e 2/2007 o Sr. Instrutor elaborou o seguinte Relatório Final:
“Relatório
(Artigo 337º do ETAPM)
1. Impulso Processual
1.1 Por despacho de Sua Excelência o Senhor Chefe do Executivo datado de 22 de Janeiro de 2007, foi determinada a instauração de um processo disciplinar, registado sob o nº 6 1/2007, contra a Adjunta-Técnica Especialista, A da Direcção de Estatística e Censos, pela prática dos factos cuja descrição se fará adiante, de acordo com a sistemática própria do presente relatório.
1.2. Por despacho de sua Excelência o Senhor Chefe do Executivo datado de 31 de Janeiro de 2007, foi determinada a instauração de um processo disciplinar, registado sob o nº 2/2007, contra a mesma funcionária, pela prática dos factos cuja descrição se fará, igualmente, adiante.
1.3. Em cumprimento do disposto no artº 296º, nº 1 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM) aprovado pelo Dec. Lei nº 87/89/M, de 21 de Dezembro o processo nº 2-2007 foi apenso ao processo nº 1-2007, conforme consta do termo de autuação, passando, assim, ambos os processos a ter uma tramitação dirigida para a decisão única.
2. Documentação junta e diligências efectuadas
- 2.1. Processo nº 1/2007
- Em 23-01-07 --- junção do Ofício nº 69/GSEF/2007, capeando a documentação e demais material que serviu de base à autuação do processo (fls. 1 a 31);
- Em 24-01-2007 --- Ofício nº 1/PD nº 1/2007, comunicando ao Chefe de Gabinete do SEF a instauração do processo disciplinar e solicitando tradução do material autuado em 23.01.2007 (fls. 32 e 33);
- Em 24.01.2007 --- Ofício à DSEC, solicitando o registo biográfico da arguida (fls. 34);
- Em 25.01.2007 --- Ofício comunicando à arguida (por registo do correio nº AR 150639200MD) a instauração do processo disciplinar contra si (fls. 36);
  - Em 29.01.2007 --- Junção do ofício nº 0297/010/1.1/2007, de 25.01.2007, da DSEC, que remete aos autos o Registo Biográfico da arguida (de fls. 37 a 39);
  - Em 31.01.2007 --- Ofício nº 4/PD nº 1/2007, requisitando a arguida para primeira inquirição a ter lugar em 07.02.2007, pelas 10:15, na DSEC (fls. 41);
  - Em 02.02.2007 --- Ofício nº 6/PD nº 1/2007, solicitando indigitação de secretário e de intérprete-tradutora, dirigido a DSAJ (fls. 43);
  - Em 02.02.2007 --- Ofício nº 7/PD n.º 1/2007, corrigindo um lapso da versão chinesa do ofício nº 6/PD nº 1/2007 (fls. 44);
  - Em 02.02.2007 --- Ofício da DSAJ que indigita a secretária e a intérprete tradutora (fls. 50), nomeados nos termos do meu Despacho de mesma data constante de fls. 50v;
  - Em 06.02.2007 --- Juntou-se ofício da polícia Judiciária, em que é solicitado ao gabinete do Secretário para a Segurança que confirme nomeação do seu Assessor, José Luciano B, como Instrutor do presente processo (fls. 51 e 52);
- 06.02.2007 --- Junção de cópia (versão traduzida para português) da sentença do Tribunal Administrativo no Processo nº 76/06- RA , datada de 11.01.07, em que foram Rés a RAEM e D, Chefe de Divisão da DSEC (fls. 52 a 55);
- 06.02.07 --- Junção de ofício da DSEC que capeia um documento subscrito pela arguida, A, através do qual justifica a sua recusa em comparecer a uma inquirição no presente processo disciplinar (fls. 56 a 58);
- Em 07.02.2007 --- Junção de tradução para português de dois documentos arquivados de fls. 5 a 31, os quais serviram de base à instauração do presente processo disciplinar (fls. 72 a 83);
- Em 07.02.2007 --- Junção aos autos de cópia de resposta aos quesitos formulados no supracitado processo nº 71/06-RA (TA) (fls. 84 a 91);
- Em 07.02.2007 --- Junção aos autos de documentação oriunda da DSEC contendo relatório referente à notificação da arguida e conhecimento da sua ausência por motivo de doença, impeditiva de comparecer ao serviço e, consequentemente, à inquirição neste processo disciplinar (fls. 101 a 108);
- Inquirição de D (fls. 109);
- Inquirição de H (fls. 112);
- Inquirição de G (fls. 116);
- Inquirição de M (fls. 119);
- Inquirição de N (fls. 121);
- Inquirição de O (fls. 124);
- Inquirição de P (fls. 126);
- Inquirição de Q (fls. 128);
- Inquirição de R (fls.131);
- Inquirição de C (fls. 149);
- Em 01.03.2007 --- COTA subscrita pelo Instrutor descrevendo as circunstâncias em que decorreu a sua tentativa pessoal de inquirir a arguida (fls. 148v);
- Em 06.03.2007 --- Remessa ao Senhor Secretário para a Economia e Finanças de participação relativa aos factos relatados na cota de 01.03.2007;
- Em 09.03.2007 --- Junção da proposta e respectivo despacho concordante do Sr. Chefe do Executivo, relativos à suspensão preventiva da arguida (fls. 151 a 154);
- Em 09.03.2007 --- Junção de comunicação dos factos ocorridos em 01.03.2007, subscrito pela Directora Substituta da DSEC (fls. 156 e 157);
- Em 09.03.2007 --- Junção aos autos de despacho de autorização de prorrogação do prazo da instrução do processo, datado de 08.03.2007, e subscrito pelo Senhor Chefe do Executivo (fls. 160 e 161);
- Em 12.03.2007 --- Junção aos autos de documentos relativos à notificação da suspensão preventiva da arguida (fls. 169 a 172);
- Em 16.03.2007 --- Junção aos autos da resposta à dirigi da inquirição da Sra Secretária para a Administração e Justiça (fls. 174 a 187);
- Em 16.03.2007 --- Junção aos autos da resposta ã inquirição dirigida ao Sr. Secretário para a Economia e Finanças (fls. 188 a 219);
- Em 20.03.2007 --- Junção aos autos de exposição da arguida dirigida ao Instrutor, imputando-lhe a qualidade de arguido em processos-crime, que anuncia lhe ter instaurado (fls. 200 a 224);
- Em 30.03.2007 --- Dedução da Acusação (fls. 228 a 245);
- Em 30.03.2007 --- Ofício nº 15/PD nº 1/2007, pelo qual se notifica a arguido do despacho de fls. 226 e 227 e ainda da Acusação deduzida de fls. 228 a 245;
- Em 30.03.2007 --- Despacho do Instrutor em que pondera a sua permanência nas funções em face da informação trazida aos autos pela arguida de que participara criminalmente conta si junto do Ministério Público e da Polícia Judiciária (fls. 226 e 227);
- Em 09.04.2007 - Remessa por Carta Registada com a Aviso de Recepção da notificação da Acusação à arguida (fls. 246 a 249);
- Em 18.04.2007, junção aos autos de uma declaração da arguida, relativa à recepção do ofício de notificação referido supra, com a qual devolveu a Acusação ao Instrutor (fls. 250 e 251), declarando o seu desinteresse em responder, para o que parece prevalecer-se da falta de esclarecimento judicial sobre a autenticidade do processo.
2.2 Processo nº 2/2007
- Em 31.01.2007 --- Junção do ofício nº 0105/GSEF/2007, capeando a documentação que serviu de base à autuação do processo (fls. 1 a 56);
- 02.02.2007 --- Ofício nº 1PD nº 2/2007 à DSEC, informando da instauração do processo nº 2/2007 contra a arguida e da respectiva apensação ao PD nº 1/2007, bem assim solicitando a notificação daquela de que será inquirida no dia 07.02.2007, no seguimento da inquirição sobre os factos do PD nº 1/2007.
3. Factos apurados
Os factos apurados baseiam-se na prova constante dos autos, nomeadamente naquela que decorre dos documentos que originariamente sustentaram a instauração do presente Processo Disciplinar nº 1/2007 e seu Apenso (Processo Disciplinar nº 2/2007), a que não houve oposição por parte da arguida, bem como no conteúdo útil das declarações prestadas pelas testemunhas chamadas a depor e demais documentos juntos (conforme se deixou descrito em 2), documentos esses que melhor circunstanciaram a prova inicialmente reunida.
Sendo com base nessa prova produzida que o Instrutor forma a convicção da prática, de forma livre, consciente e decidida, por parte da arguida Adjunta Técnica Especialista, A da DSEC, titular do BIRM X/XXXXXX/X, dos factos constantes da Acusação e fls. 228 a 245, a qual se dá aqui, por brevidade e para todos os efeitos legais, como inteiramente reproduzida, factos esses que consubstanciam uma conduta contrária aos deveres a que a arguida está vinculada na qualidade de funcionária pública, constituindo-a em infracção disciplinar na forma como, em breve síntese, a seguir se sistematiza, com referência às penas que lhes são aplicáveis:
a) Com os factos descritos nos artigos da Acusação numerados de 1º a 5º violou os deveres gerais de obediência e correcção a que se referem, respectivamente, as al.s c) e f) do artº 279º nº 2 do ETAPM (diploma a que pertencem todas as normas doravante enunciadas sem indicação da respectiva fonte), na formulação que vem descrita nos seus nºs 5 e 8 e, bem assim, especialmente, os deveres profissionais contidos nas al.s m) – desrespeito grave de superior hierárquico fora do serviço, mas por motivos relacionados com o exercício de funções -, do nº 2 do artº 314º, a que corresponde pena de suspensão até 240 dias, referida no nº 3 do mesmo normativo, e al. b) - prática de actos de indisciplina graves - do nº 2 do artº 315º, a que corresponde pena expulsiva de demissão ou aposentação compulsiva a que se refere o seu nº 1;
b) Com os factos descritos nos artigos da Acusação numerados de 6º a 12º violou os deveres geral de correcção a que se refere a al. f) do artº 279º nº 2, na formulação que vem descrita no seu nº 8 e, bem assim, especialmente, os deveres profissionais contidos nas al.s m) - desrespeito grave de superior hierárquico fora do serviço, mas por motivos relacionados com o exercício de funções -, do nº 2 do artº 314º, a que corresponde pena de suspensão até 240 dias, referida no nº 3 do mesmo normativo, e al. b) - prática de actos de indisciplina graves - do nº 2 do artº 315º, a que corresponde pena expulsiva de demissão ou aposentação compulsiva a que se refere o seu nº 1;
c) Com os factos descritos nos artigos da Acusação numerados de 13º a 17º violou o dever geral de obediência a que se refere a al. c) do artº 279º nº 2, na formulação que vem descrita no seu nº 5 e, bem assim, especialmente, o dever profissional que a intima a ser diligente e compreender bem os seus deveres de funcionária, a que se refere o nº 1 do artº 313º, na formulação da al. b) do seu nº 2, punível com simples pena de multa, uma vez que as consequências da recusa de conhecimento da avaliação do desempenho relativa a 2005 (artºs 13º e 14º da Acusação) e de participação na reunião relativa à avaliação do desempenho de 2006 (artºs 15º a 17º da mesma Acusação) podem ser supridas por meios alternativos, sem embargo de a conduta constituir prejuízo para o normal funcionamento do serviço em geral e do processo de avaliação do desempenho em particular.
Favorece a arguida a circunstância atenuante da al. a) do artº 282º - mais de 10 anos de serviço com classificação de BOM -, sendo que a sua conduta é agravada pelas circunstâncias previstas nas al.s h) – acumulação de infracção – e i) – publicidade da infracção descrita nos artigos da Acusação numerados de 1º a 5º - todas do nº 2 do artº 283º.
E,
Não se mostram nos autos quaisquer causas que dirimam, extingam ou excluam a responsabilidade disciplinar da arguida.
4. Incidentes Processuais
4.1 A arguida não participou em qualquer acto processual, sem embargo de ter sido legalmente convocada para o efeito, bem como não respondeu à Acusação no prazo de 10 dias, para o efeito concedido, antes se decidindo pela sua devolução ao Instrutor com o argumento de que a autenticidade do processo disciplinar era, ainda, objecto de investigação judicial.
Na verdade, logo aquando da primeira notificação de instauração do Processo Disciplinar nº 1/2007 a arguida apresentou uma queixa na Polícia Judiciária pedindo, ao que se presume, a averiguação da autenticidade dessa mesma notificação. Porém, entende o Instrutor que tal facto não constituiu motivo de suspensão da regular tramitação processual, porquanto, os despachos de nomeação foram recorrentemente invocados na correspondência vária que foi enviada à arguida, sendo que a mesma foi, sempre, assinada em original pelo Instrutor, pressupostos da autenticação dos efeitos pretendidos. Aliás, a própria arguida, embora invocando fazê-lo sob reserva resultante da pendência de processos judiciais por si instaurados junto da Polícia Judiciária e do Ministério Público, acabou por reconhecer tacitamente a sua qualidade de arguida no processo ao aceitar, sem impugnação, a medida de suspensão de funções imposta pelo Senhor Chefe do Executivo (fls. 220 a 224).
4.2 Recorrentemente a arguida questionou o impedimento do Instrutor com o fundamento de que o mesmo era objecto e sujeito de participações – crime apresentadas junto da Polícia Judiciária e do Ministério Público. A verdade é que o Instrutor jamais foi notificado da pendência de qualquer processo-crime contra si, não obstante ter sido por uma só vez, e a seu pedido escrito, - suscitado mal teve conhecimento nos autos da queixa apresentada pela arguida – ouvido por aquela Polícia, a fim de por motu próprio contribuir para o esclarecimento de dúvidas quanto à autenticidade da notificação de instauração do processo disciplinar, aparentemente posta em causa.
Ora, perante a inexistência de uma formal constituição como arguido ou sequer comunicação oficial de pender contra si qualquer suspeita sobre a legalidade dos seus actos na qualidade de Instrutor, entendeu não suscitar, sequer, a eventual consideração superior do seu impedimento com vista à escusa processual.
4.3 Sem embargo do reconhecimento à arguida do direito de escolher o caminho processual que melhor entender para fazer valer os seus direitos e garantias processuais, cumpre-nos valorar a oportunidade, validade e eficácia dos meios usados, e daí concluir que os mesmos não respeitaram a forma legal e não são válidos perante o procedimento disciplinar – o qual tem regras próprias apenas subsidiariamente se socorrendo do Código de Processo Penal – afigurando-se-nos destituídos de eficácia jurídica, razão pela qual o processo deverá prosseguir os seu trâmites até final, porquanto, para alem de a instauração do processo disciplinar ter sido validamente comunicada à arguida, foi-lhe dada a oportunidade de ser ouvida durante a instrução, o que recusou e, finalmente, foi-lhe validamente notificada a Acusação, a qual entendeu devolver ao Instrutor, não lhe respondendo.
Não ocorre, assim, qualquer ofensa aos seus direitos muito especialmente ao do exercício do contraditório.
5. Propostas
5.1 Pena aplicável
A pena aplicável deverá ser única e, tendo em vista as penas propostas para cada uma das infracções cometidas, a intensidade da culpa que valoramos de elevada, a gravidade objectiva das infracções cometidas e demais circunstancialismo atenuante e agravante, entendo que se mostra inviável a manutenção da relação jurídico-funcional da arguido A devidamente identificada nos autos, pelo que proponho lhe seja aplicada a pena de Demissão, ou, em alternativa, se assim for entendido, a de Aposentação Compulsiva, uma vez que a arguida conta mais de 15 anos de serviço efectivo, por serem estas, as penas de natureza expulsiva, aquelas que cominam a prática das infracções mais graves, designadamente as correspondentes à al. b) do nº 2 artº 315º do ETAPM, com referência aos seus nºs 1 e 3, sendo que para a respectiva aplicação é competente Sua Excelência, o Senhor Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, nos termos do artº 322º do mesmo diploma estatutário.
5.2. Extracção de certidão
A Testemunha G, funcionário da Direcção de Serviços de Estatística e Censos, ouvido a fls. 116 e 117, recusou no final da inquirição a assinatura do depoimento prestado, para tanto invocando ter conhecimento de que relativamente ao processo sobre o qual foi chamado a depôr (Processo Disciplinar nº 1/2007) teria sido interposta uma queixa-crime na polícia Judiciária pela arguida A e ainda que, não sendo o Instrutor, a Secretária e a Tradutora, agentes da Polícia Judiciária não lhes reconhecia autoridade para lhe tomar tais declarações. Dito isto, atirou sobre a mesa de trabalho do Instrutor um documento com o qual referiu pretender justificar a recusa de sua assinatura (junto a fls. 118) e abandonou a sala onde decorrera a inquirição, em afrontoso desprezo pelas recomendações que lhe eram dadas bem como da advertência de que tal atitude poderia constituir infracção disciplinar.
Nestes termos, e porque tal conduta, desrespeitosa perante a autoridade do Instrutor, é, em nossa opinião, desadequada aos deveres gerais de correcção e lealdade e ainda contrária aos objectivos do serviço público, designadamente os do exercício de uma acção disciplinar assente em critérios de justiça devidamente fundamentados, poderá, eventualmente, ser valorada de infracção disciplinar ou considerada na respectiva avaliação do desempenho, proponho sejam extraídas certidões deste ponto do relatório e de fls. 116 a 118, para os efeitos que Vossa Excelência entender por convenientes.
6. Situação jurídica da arguida
A arguida encontra-se suspensa preventivamente de funções por despacho de Sua Excelência o Senhor Chefe do Executivo de 8 de Março de 2007, com efeitos desde o dia seguinte, 9 de Março, sendo que o respectivo prazo de 90 dias (artº 331º nº do ETAPM) termina no dia 7 de Junho de 2007.
Com o que aqui se propõe, vão os presentes Autos de Processo Disciplinar nº 1/2007 (Apenso nº 2/2007) ã presença de Sua Excelência Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau.
Região Administrativa Especial de Macau, aos 28 de Maio de 2007
O Instrutor
José Luciano B”
- Enquanto no processo nº 3/2007 foi elaborado o seguinte Relatório Final:
“Processo Disciplinar nº 3/2007/DSEC
Arguida: A
Relatório Final
(Artigo 337º do ETAPM)
Introdução
Por despacho, de 7.03.2007, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças foi determinada a instauração do presente processo disciplinar contra a Sr.a A, adjunta técnica especialista da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, abreviadamente DSEC, e nomeado o respectivo instrutor.
A instauração do presente processo disciplinar teve por base as participações do senhor instrutor dos processos disciplinares nº 1/2007/DSEC e 2/2007/DSEC e da senhora Directora substituta da DSEC.
Em 13.03.2007 foi dado início ao processo. A fase de instrução terminou em 02.05.2007.
Deste processo consta o despacho, de 1.06.2007, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que determina a suspensão preventiva da arguida a partir de 11.07.2007 até à decisão final do processo ou termo do prazo legal de 90 dias, se ocorrer primeiro.
Não foi possível notificar a arguida da acusação nem pessoalmente nem por carta registada por isso recorreu-se à publicação de aviso no B.O. da RAEM e em dois jornais diários - nº 2 do artº 333º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, abreviadamente ETAPM.
A arguida tomou conhecimento da publicação do citado aviso e apresentou a sua defesa por carta, de 1.08.2007, entregue em mão na Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos - abreviadamente DICJ.
2. Diligências processuais
Procedemos, ao longo do processo, às seguintes diligências:
- Junção do Ofício nº 196/GSEF/2007 e dos documentos anexos designadamente as duas participações disciplinares já mencionadas.
- Comunicação, por carta, da instrução do processo disciplinar à entidade que nomeou o instrutor, aos dois participantes e à arguida (nº 3 do artº 328º do ETAPM).
- Tradução de dois documentos juntos com o ofício nº 196/GSEF/2007.
- Requisição e junção do certificado de registo biográfico-disciplinar da arguida (nº 2 do artº 329º do ETAPM).
- Pedido de nomeação de secretária/tradutora, deferido por despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 15.03.2007 (nº 4 do artº 326º do ETAPM).
- Carta, registada com aviso de recepção, a solicitar a comparência da arguida para ser ouvida em declarações (nº 3 do artº 329º do ETAPM).
- Junção ao processo, a requerimento da arguida, de duas cartas (nº 4 do artº 329º do ETAPM).
- Carta de notificação do Dr. Luciano B para prestar declarações (nº 2 do artº 329º do ETAPM).
- Carta de notificação da Dra. C para prestar declarações (nº 2 do artº 329º do ETAPM).
- Convocação de onze testemunhas trabalhadores da DSEC (nº 2 do artº 329º do ETAPM).
- Convocação da tradutora da DSAJ, nomeada para os processos 1/2007/DSEC e 2/2007/DSEC.
- Convocação da secretária da DSAJ nomeada para os processos 1/2007/DSEC e 2/2007/DSEC.
- Carta para o Director dos Serviços de Assuntos de Justiça (DSAJ) a informar as duas convocações anteriores.
- Elaboração e junção ao processo dos Autos de Declarações dos participantes.
- Elaboração e junção ao processo do Auto de Declarações da arguida.
- Elaboração e junção ao processo dos Autos de Inquirição das testemunhas:
Dr. H, Chefe de Divisão da DSEC (fls.73);
Sr. G, Agente de censos e inquéritos (fls. 71 e 72);
Sra. Q, Assistente de Informática Especialista (fls. 78);
Sra. S, Codificador Especialista de Comércio Externo (fls. 76);
Sra. M, Técnica-Auxiliar (fls. 70);
Sra. O, Técnica-Auxiliar (fls. 67 e 68);
Sra. T, Codificadora de Comércio Externo (fls. 75);
Sr. U, Codificador Especialista de Comércio Externo (fls. 77);
Sra. P, Codificadora (fls. 69);
N, Codificadora de Comércio Externo (fls. 66);
L, Secretária (fls. 79);
Dra. K DSAJ, intérprete - tradutora da DSAJ (fls. 83);
Dra. J, técnica superior da DSAJ (fls.84).
- Dedução da Acusação (nº 2 do artº 332º do ETAPM).
- Carta para entrega pessoal à arguida (suspensa preventivamente) da notificação da Acusação e de minuta de Recibo.
- Junção ao processo de três informações da secretária deste processo e do condutor da DICJ relatando as tentativas infrutíferas de entrega da notificação da acusação na casa de morada da arguida (fls. 93, 94 e 95).
- Envio à arguida de carta registada, com aviso de recepção, contendo a notificação da acusação (nº 1 do artº 333º do ETAPM).
- Proposta de suspensão preventiva da arguida a partir de 11.07.2007.
- Junção ao processo de cópia do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças a autorizar a suspensão preventiva da arguida (fls.120).
- Junção ao processo da carta registada, com aviso de recepção, destinada a notificar a acusação, entretanto devolvida pelos Correios de Macau com a informação de “não reclamada” (fls. 124).
- Carta à DSEC a solicitar a publicação do aviso de notificação da acusação no B.O. e em dois jornais diários (nº 2 e 3 do artº 333º do ETAPM).
- Junção ao processo dos avisos publicados, em 4.07.2007, no B.O., no “Macau Daily News” e no “Ponto Final” (fls. 128 a 131).
- Junção ao processo da carta de “Contestação referente ao processo disciplinar nº 3/2007/DSEC”, de 1.08.2007, dirigida ao instrutor do processo.
- Tradução da carta acima referida.
3. Prova recolhida
Com vista a apurar as eventuais infracções disciplinares e determinar a responsabilidade da arguida foram ouvidos os participantes e a arguida e inquiridas 13 testemunhas: onze trabalhadores da DSEC e ainda a tradutora e a secretária nomeadas para os processos 1/2007/DSEC e 2/2007/DSEC, ambas funcionárias da DSAJ.
4. A acusação
Finda a instrução do processo foi deduzida a acusação constituída pelos seguintes factos:
a. Em 1.03.2007, a arguida recusou comparecer na sala de reuniões do 17º andar da DSEC (Edifício Dinasty Plaza, Alameda Dr. Garfos d' Assumpção nº 411-417, em Macau) para prestar declarações no processo disciplinar nº 1 e 2/2007/DSEC, após ter sido convocada, através de dois telefonemas seguidos, realizados para a extensão 837, às 10.15 h, pela Sr.a L, secretária da Direcção da DSEC nos quais foi referido, expressamente, que a convocação era uma ordem da Sr.a Directora da DSEC;
b. Na sequência da recusa em comparecer na citada sala de reuniões respondeu, ao telefone, que “Ela (a Directora) também é arguida, não me liguem mais e não me incomodem mais”.
c. No mesmo dia 1.03.2007, nos serviços da DSEC do 16º andar (Edifício Dinasty Plaza, em Macau), perante a Sr.a Directora da DSEC, o Sr. Instrutor do citado processo disciplinar, a tradutora intérprete Dr.a K e a secretária dos processos Dr.a J, dirigiu-se à Sr.a Directora da DSEC, afirmando, em cantonense, com voz bastante elevada: “Eu já apresentei queixa. Também és arguida. Não voltes a incomodar-me. Não penses que sendo Directora podes mandar em tudo”.
d. Na mesma ocasião e lugar e perante as mesmas pessoas, levantou-se, bruscamente, do seu posto de trabalho e ao afastar-se do local de trabalho dirigiu ao Sr. instrutor do processo disciplinar a seguinte ordem, em inglês, e com voz bastante alta, “You shut up”.
e. Afirmou, ao sair da sala e dirigindo-se à Sr.a Directora da DSEC: “Não tenho medo se quiseres podes despedir-me”.
f. Praticou os factos e proferiu as expressões acima mencionadas por forma a permitir que fossem ouvidas tanto pelas quatro pessoas referidas em 3. supra, como pela maioria dos trabalhadores instalados nas duas salas de trabalho da DSEC do 16º andar do Edifício Dinasty Plaza, em Macau.
5. Defesa da arguida e avaliação da prova
Na carta de “contestação” apresentada pela arguida na sequência da publicação do aviso de notificação da acusação, a arguida considera que o Auto de Declarações a fls. 37 e 38 constitui a sua defesa/contestação escrita e não requer outras diligências adicionais de prova.
Cabe, por isso, realçar que no citado Auto de Declarações, a arguida:
- Admite parcialmente os factos e circunstâncias descritos em b), c) e d) da Acusação;
- Considera que tais factos podem ter sido observados/ouvidos pelos colegas da sua sala - al. f) da acusação;
- Nega os factos descritos nas al.s a) e e).
Na mesma carta de defesa/contestação a arguida questiona a legitimidade dos processos disciplinares nº 1/2007/DSEC, 2/2007/DSEC e 3/2007/DSEC e nega a falta de respeito e de cortesia face à Directora substituta da DSEC - Dr.a C.
A arguida diz ainda ter denunciado irregularidades administrativas da Directora substituta da DSEC porque tem a obrigação de denunciar as irregularidades cometidas pelos funcionários e de supervisionar a Administração Pública.
Qualifica como “irregularidades administrativas” matéria de facto dada como provada nos processos nº 71/06 - RA; 74/06 - RA e 79/06 - RA.
Solicita, por fim, ao instrutor do processo que confirme a inocência da arguida para poder regressar ao seu posto de trabalho e servir o público.
6. Factos provados
A factualidade constante da Acusação é de reduzida complexidade, decorre num tempo e espaço reduzidos e foi testemunhada por diversas pessoas cujo depoimento é convergente.
Mesmo os factos contestados pela arguida – al.s a) e e) da Acusação - vêm confirmados de forma pormenorizada e convincente por vária testemunhas conforme v.g. Autos a fls. 79, 83 e 84.
Por sua vez, a idoneidade e imparcialidade das testemunhas são irrefutáveis quer pelo conhecimento directo dos factos que revelam quer pela ausência de qualquer interesse no desfecho do processo (excepto a testemunha G, amigo da arguida e autor num dos citados processos administrativos).
Sucede até que duas das testemunhas não conheciam a arguida e trabalham na DSAJ (autos de inquirição a fls. 83 e 84).
Por isso, são dados como provados todos os factos constantes da acusação.
7. Infracções legais e sua qualificação
Os factos provados constituem infracções claras dos deveres gerais de obediência e correcção a que estão obrigados os funcionários e agentes da Administração pública da RAEM.
O dever de obediência pressupõe a existência um vínculo hierárquico que é indiscutível no caso da arguida e da Directora da DSEC (nº 5 do artº 279º do ETAPM) mas não perante o instrutor do processo.
O dever de correcção visa o comportamento dos funcionários e agentes perante os “utentes do serviço público, colegas, superiores hierárquicos e subordinados” nos termos do nº 8 do artº 279º do ETAPM. Ora, nestas categorias não cabe o instrutor de processo disciplinar.
Todavia a al. a) do nº 2 do artº 315º do ETAPM prevê um dever especial de respeito para com terceiros nos locais de serviço ou em serviço cuja violação, quando grave, fundamenta a aplicação da pena de aposentação compulsiva ou demissão.
Esta categoria de terceiro (não superior hierárquico, nem colega nem subordinado) comporta, sem dúvida, o instrutor de processo disciplinar.
Deste modo, o comportamento da arguida descrito nas al.s a), b) e d) da Acusação constitui clara violação deste dever geral de obediência, previsto na al. c) do nº 2 e no nº 5 do artº 279º do ETAPM e ainda do dever especial de abstenção de actos de insubordinação ou de indisciplina graves previsto na al. b) do nº 2 do artº 315º, deste Estatuto. A ambos corresponde a pena de demissão ou aposentação compulsiva.
Por sua vez, a prática dos actos descritos nas al.s b), c), d) e e) da Acusação integra uma violação flagrante do dever geral de correcção, previsto na al. f) do nº 2 e no nº 5 do artº 279º do ETAPM e do dever especial de não desrespeitar gravemente superior hierárquico ou terceiro nos locais de serviço ou em serviço, previsto na al. a) do nº 2 do artº 315º, deste Estatuto e a que corresponde, igualmente, a pena de demissão ou aposentação compulsiva.
8. Circunstâncias agravantes e atenuantes
O facto descrito e dado como provado na al. f) da Acusação integra, em si mesmo, a circunstância agravante da publicidade da infracção, provocada pela própria arguida, prevista na al. i) do nº 1 do artº 283º do ETAPM.
Verifica-se, além disso, que os factos descritos nas al.s a) a e) da Acusação integram, no seu conjunto, a circunstância agravante da cumulação de infracções, prevista na al. h) dos nº 1 e nº 5 do artº 283º do ETAPM.
Em contrapartida, a prestação de mais de 10 anos de serviço classificados de “bom” é circunstância atenuante prevista na al. a) do artº 282º do ETAPM.
A arguida alega - de forma vaga - que a sua reacção se deve ao facto de a Directora substituta da DSEC considerar a arguida um elemento problemático e agir perante a arguida de forma preconcebida - atitude provocada pela denúncia de irregularidades administrativas apresentadas pela arguida em três processos intentados no Tribunal Administrativo de Macau.
Trata-se, contudo, de considerações genéricas e juízos de natureza pessoal e não de factos comprovados.
Na verdade, quanto a estas alegações apenas sabemos - é do domínio comum - que a arguida apresentou no Tribunal Administrativo da RAEM um pedido de indemnização, por alegados danos físicos e morais sofridos na DSEC, e este pedido foi considerado improcedente.
A arguida alega ainda como justificação para as suas atitudes a falta de legitimidade do instrutor dos processos disciplinares nº 1/2007/DSEC e 2/2007/DSEC.
Trata-se de alegação improcedente, pois não foi apresentada qualquer prova da declaração dessa ilegitimidade e os processos foram mandados instaurar pelo Chefe do Executivo da RAEM por factos ocorridos fora DSEC.
9. Pena proposta
Tudo valorado, concluímos que os factos e circunstâncias constantes da acusação, pela sua gravidade e culpa subjacente, inviabilizam a manutenção do vínculo jurídico-funcional da arguida com o Governo da RAEM e, por isso, fundamentam a aplicação da pena de aposentação compulsiva - aplicável uma vez que a arguida tem mais de 15 anos de serviço efectivo na função pública.
10. Competência para aplicação da pena
É competente para aplicar a pena proposta de aposentação compulsiva o Senhor Secretário para a Economia e Finanças, nos termos da Ordem Executiva 12/2000, confirmada pela Ordem Executiva 6/2005.
Direcção de Inspecção e Coordenação de jogos, aos 17 de Agosto de 2007
O instrutor
I”
- Recebidos os Relatórios Finais, o Sr. Secretário para a Economia e Finanças propôs ao Chefe do Executivo o seguinte:
“(1) Processo Disciplinar nº 1/2007 (foi apensado o Processo Disciplinar nº 2/2007) --- foram instaurados por despachos do Sr. Chefe do Executivo de 22 e de 31 de Janeiro de 2007, respectivamente, com a nomeação do instrutor Sr. Dr. B, Assessor do Gabinete do Secretário para a Segurança, que propôs a aplicação da pena de aposentação ou de demissão à arguida Tam Mon Sin;
(2) Processo Disciplinar nº 3/2007/DSEC --- foi instaurado por despacho do próprio subscritor de 7 de Março de 2007, com a nomeação do instrutor Sr. Dr. I, Jurista da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, que propôs a aplicação da pena de aposentação compulsiva à arguida Tam Mon Sin;
À consideração da Sua Excelência o Chefe do Executivo
O Secretário para a Economia e Finanças,
Tam Pak Yuen, Francis”
- O Sr. Chefe do Executivo proferiu o seguinte despacho:
“Considerando o relatório, datado de 28 de Maio de 2007, do instrutor dos processos disciplinares instaurados, por despachos do Chefe do Executivo de 22 de Janeiro de 2007 e de 31 de Janeiro de 2007, contra a funcionária A, adjunta-técnica especialista da Direcção de Serviços de Estatística e Censos;
Considerando igualmente o relatório, datado de 17 de Agosto de 2007, do instrutor do processo disciplinar instaurado contra a mesma funcionária por despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 7 de Março de 2007;
Aplico a A, adjunta-técnica especialista da Direcção de Serviços de Estatística e Censos, a pena única de demissão pelos fundamentos constantes nos referidos relatórios.
Gabinete do Chefe do Executivo, aos 30 de Agosto de 2007
O Chefe do Executivo,
Ho Hau Wah”
  
3. O Direito
As questões suscitadas pela entidade recorrente prendem-se com o impedimento do instrutor do processo disciplinar e a proporcionalidade da pena disciplinar aplicada à recorrida.
3.1. No que concerne à primeira questão, entende a entidade recorrente que errou o Tribunal de Segunda Instância ao considerar ter havido violação do artº 327º nº 1 do ETAPM, uma vez que a recorrida nunca requereu o afastamento do instrutor Dr. B, o que teria de ser feito dentro do prazo de 48 horas previsto no artº 327º nº 3 do ETAPM, e os impedimentos causados maliciosamente pela própria recorrida não podem ser considerados motivo sério susceptível de gerar desconfiança sobre a parcialidade do instrutor.
Ora, independentemente da discussão sobre o segundo argumento deduzido pela entidade recorrente, afigura-se procedente a razão por si invocada, porque a questão do impedimento do instrutor não foi suscitada no processo disciplinar.
Na verdade, é princípio do processo disciplinar de que todas as nulidades procedimentais se consideram sanadas se não forem suscitadas oportunamente, salvo a relativa à falta de audiência do arguido, que é insuprível e pode ser suscitada no recurso contencioso (artº 298º nºs 1, 2 e 3 do ETAPM).
Concretamente quanto à questão do impedimento do instrutor, preceitua o artº 327º nº 1 do ETAPM que está impedido de exercer a função de instrutor aquele cuja intervenção corra o risco de ser considerada suspeita, por haver motivo sério susceptível de gerar desconfiança sobre a sua parcialidade, prevendo as várias circunstâncias em que se decorre o impedimento do instrutor.
E nos termos dos nºs 2 e 3 do artº 327, se o instrutor nomeado se encontrar nas circunstâncias previstas na lei poderá requerer escusa dessas funções ou ser recusado a requerimento do arguido ou do participante, requerimentos esses que devem ser apresentados no prazo de 48 horas, contadas do conhecimento da nomeação do instrutor ou do facto que serve de fundamento à recusa e com eles serão oferecidos todos os meios de prova.
Daí que a nulidade processual preclude se o próprio instrutor ou o interessado não o requererem no prazo de 48 horas.
Só perante um requerimento concreto é que a entidade competente vai tomar uma decisão, que sujeita ainda a recurso administrativo (artº 327º nºs 4 e 5 e artº 341º nº 3 do ETAPM).
Sem ter havido um requerimento concreto, a eventual nulidade processual consolidou-se e não podia ter sido suscitada no recurso contencioso.
Ora, decorre dos autos que a questão relativa ao impedimento do instrutor nunca foi suscitada no processo disciplinar, pelo que a nulidade invocada pela recorrida, mesmo verificada, fica já sanada.
Impõe-se a revogação do Acórdão recorrido nesta parte, por violação das apontadas normas.

3.2. Quanto à questão de fundo, relativa à proporcionalidade da pena disciplinar, afigura-se também ter o Acórdão recorrido decidido mal, sendo de concluir não ter havido erro manifesto ou grosseiro da Administração, no sentido de considerar inviabilizada a relação funcional com a recorrida, nem ser a pena aplicada desproporcionada.
Desde logo, não se afigura ter fundamento a tese do Acórdão recorrido de que na acusação teria de se fazer menção à possibilidade de que os factos imputados poderiam quebrar o vínculo de confiança que deve existir entre superiores e inferiores, isto é, que inviabilizam a manutenção da relação funcional.
O que a lei exige é a descrição dos factos imputados ao arguido na acusação e que integram a violação dos deveres infringidos e a indicação da pena aplicável a cada uma das infracções [artºs 332º nº 2, al. b) e e) do ETAPM].
E tais indicações constam das acusações.
A inviabilização da manutenção da relação funcional é uma conclusão a extrair dos factos imputados ao arguido e que conduz à aplicação de uma pena expulsiva.
A inviabilização da manutenção da relação funcional é uma cláusula geral e não um facto que tenha de ser objecto de prova, constituindo o seu preenchimento tarefa da Administração a concretizar através de um juízo de prognose assente na factualidade apurada.1
Por outro lado, a conclusão de que os factos não respeitam às funções mas às relações pessoais entre a arguida e as superiores e de que são factos estranhos ao serviço é intolerável.
Os factos imputados foram todos praticados por causa do serviço e alguns durante o tempo e local do serviço.
Mesmo que assim não fosse – e é manifestamente – é sabido que um funcionário pode ser punido por factos sem relação com o serviço se eles se repercutirem na dignidade da função [artº 314º nº 2, al. m) do ETAPM].2
No que concerne à pena disciplinar, afirma-se que a sua aplicação, graduação e escolha da medida concreta cabem na discricionariedade da Administração.
E só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável [artº 21º nº 1, al. d) do CPAC].
Daí que a intervenção do juiz fica reservada aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas situações em que se verifica uma notória injustiça ou uma desproporção manifesta entre a sanção infligida e a falta cometida pelo funcionário.
E este Tribunal de Última Instância tem entendido que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.3
Nos termos do artº 315º nº 1 do ETAPM, “as penas de aposentação compulsiva ou de demissão serão aplicáveis, em geral, às infracções que inviabilizem a manutenção da situação jurídico-funcional”.
E estabelece o nº 2 várias situações em que se deve aplicar as referidas penas, incluindo a de o funcionário praticar actos de insubordinação ou de indisciplina graves ou incitar à sua prática [artº 315º nº 2, al. b) do ETAPM].
Quanto à inviabilidade da manutenção da relação funcional, tem-se entendido que o preenchimento dessa cláusula constitui tarefa da Administração a concretizar por juízos de prognose efectuados a que há que reconhecer uma ampla margem de decisão.4
Para Ana Fernanda Neves, “O poder de acertamento da sanção é um poder discricionário da Administração, cujo controlo judicial do seu exercício já não é questionável, nem reduzido ao (inoperativo) desvio de poder e ao erro manifesto de apreciação, entendido que está hoje, aos seus limites intrínsecos, os princípios gerais da actividade administrativa, como os princípios da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade”.5
No caso sub Júdice e face aos factos praticados pela recorrida e apurados nos processos disciplinares, nomeadamente a convocação da conferência de imprensa onde produziu, de forma publica, declarações descritas na matéria de facto e objectivamente ofensivas dos seus superiores hierárquicos, o envio das exposições à Secretária para a Administração e Justiça e ao Secretário para a Economia e Finanças contendo expressões falhas de urbanidade e respeito devido, não se nos afigura existir erro manifesto ou grosseiro da Administração ao considerar inviabilizada a relação funcional com a recorrida nem manifestamente desproporcional a pena de demissão concretamente aplicada.
Ora, a conduta da recorrida, praticada com culpa, é muito grave, que revela uma grave insubordinação e indisciplina, pondo em causa, de forma pública, a imagem e o prestígio do Serviço onde se encontrava colocada e comprometendo a manutenção da relação funcional com a Administração, com a quebra irremediável da relação de confiança que tem necessariamente de existir entre a Administração e os seus funcionários.
Tendo em conta a gravidade da ilicitude e da culpa da recorrida, é de concluir pela bondade da decisão que lhe aplicou a pena de demissão.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso.
Custas pela recorrida, com a taxa de justiça fixada em 3 UC.

Macau, 25 de Julho de 2012

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima


O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho

  1 Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul, Portugal, de 18 de Outubro de 2001, Proc. 02211/98.
  2 Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. II, pág. 807 e 808.
  3 Ac. do Tribunal de Última Instância, de 15 de Outubro de 2003, Proc. nº 26/2003.
  4 Ac.s do Tribunal de Última Instância, de 15 de Outubro de 2003, Proc. nº 26/2003 e de 29 de Junho de 2005, Proc. nº 15/2005.
  5 Ana Fernanda Neves, O princípio da tipicidade no direito disciplinar da função pública, em Caderno de Justiça Administrativa, nº 32, pág. 27, em anotação ao acórdão de 19 de Março de 1999 do Supremo Tribunal Administrativo.
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