打印全文
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:


1. Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças proferido em 20 de Maio de 2010 que indeferiu o seu pedido de renovação da autorização de residência temporária.
Por Acórdão proferido em 22 de Março de 2012, o Tribunal de Segunda Instância decidiu negar provimento ao recurso, mantendo o acto administrativo impugnado.
Inconformando com a decisão, vem A recorrer para este Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões:
1. O objecto deste recurso é o acórdão de 22 de Março de 2012 proferido pelo Tribunal Colectivo do TSI, que julgou improcedente o recurso interposto pelo recorrente.
2. O recorrente entende que o Tribunal Colectivo a quo, aquando de proferir o acórdão, não considerou um facto relevante, isto é, os juízes do TJB reconheceram que o recorrente não cometerá futuros crimes e decidiram não transcrever a decisão no registo criminal.
3. O recorrente concordou que o antecedente criminal não representa o deferimento (sic.) do pedido de fixação de residência em Macau do recorrente, devendo ser considerado o facto de se o mesmo causa ameaça à segurança interna, estabilidade social pública da RAEM e à consciência dos residentes em observar a lei.
4. O recorrente entende que os juízes do TJB reconheceram expressamente que aquele não vai cometer mais crimes, o qual representa que ele não afectará de qualquer forma a segurança e estabilidade social de Macau.
5. Além disso, o grau de ilicitude do delito praticado pelo recorrente é muito ligeiro, sendo o crime causado principalmente por causa do seu pai. Tai factos devem ser considerados.
6. É evidente que a decisão da Administração e o acórdão do TSI não ponderaram plenamente a situação do recorrente, violando assim os princípios da adequação e da proporcionalidade.
7. A Administração reconheceu que o recorrente afectaria a segurança de Macau, isso é evidentemente diferente do entendimento do Tribunal e padece do erro notório, pelo que a Administração padece do vício de exercício desrazoável do poder discricionário.
8. O acto administrativo da Administração deve ser anulado por ter violado os princípios da adequação e da proporcionalidade e ter padecido do vício de exercício desrazoável do poder discricionário. Pelo que deve ser deferido o pedido de renovação de autorização da fixação de residência do recorrente.

A entidade recorrida apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:
1. De acordo com o artigo 9.º, n.º 2, al. 1) da Lei n.º 4/2003, a Administração pode indeferir o pedido de autorização de fixação de residência do recorrente quando se provar os seus antecedentes criminais.
2. A lei atribui à Administração o poder discricionário para decidir a concessão ou não da autorização de residência às pessoas com antecedentes criminais.
3. Os actos praticados no exercício do poder discricionário só podem ser anulados quando existir desvio de poder, erro notório ou total desrazoabilidade.
4. O acto recorrido, isto é, o acto de indeferir o pedido de autorização de fixação de residência com base no antecedente criminal do recorrente, não se desvia das finalidades que a lei pretende realizar em regulação da matéria de autorização de residência.
5. A decisão do TJB de não transcrição no registo criminal da condenação tem sentido positivo só na área da reintegração social dos criminosos, no entanto, esta não é considerada na apreciação da concessão de autorização de fixação de residência.
6. A decisão judicial de não transcrição no registo criminal não tem influência vinculativa em relação à apreciação da concessão de autorização de fixação de residência, isto quer dizer que, apesar de que o Tribunal decidiu a não transcrição da condenação no registo criminal, não obsta a que o pedido de autorização de residência ser indeferido com base no antecedente criminal do recorrente.
7. Não se pode entender que a Administração não pode indeferir o pedido de autorização de fixação de residência do recorrente com fundamento no seu antecedente criminal quando o TJB decidir a não transcrição da sentença no registo criminal. Caso contrário, tal decisão do TJB prevalece ao poder discricionário legalmente atribuído à Administração em relação à apreciação de autorização de fixação de residência, isso viola manifestamente o princípio da independência recíproca do poder judicial e poder administrativo.
8. O facto de não transcrição da decisão no registo criminal não é suficiente para ser um fundamento da verificação, no acto recorrido, do desvio do poder, erro notório ou total desrazoabilidade.
9. Pelo que o pedido ao Tribunal a quo de considerar tal facto de não transcrição no registo criminal não é fundamentado.
10. Mesmo que o Tribunal a quo considere tal facto de não transcrição, não seria alterado o conteúdo do acórdão recorrido, isso é porque aquele Tribunal não pode entender que a decisão do TJB de não transcrição prevalece ao poder discricionário legalmente atribuído à Administração em relação à apreciação de autorização de fixação de residência.
11. Face ao exposto, deve ser rejeitado este recurso ordinário.

O Exmo. Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo não merecer provimento o recurso.
Foram corridos os vistos.

2. Os Factos Provados
Nos autos foram apurados os seguintes factos relevantes:
1. Desde 8 de Março de 2002, o recorrente A foi autorizado a residir temporariamente em Macau por fixação de residência;
2. A autorização de residência temporária do recorrente foi renovada até 8 de Março de 2008;
3. A seguir, em 7 de Abril de 2008, o recorrente foi condenado pelo Tribunal Judicial de Base, pela prática em Maio de 2002 de um crime de uso de documento falso previsto no artigo 244.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 3 meses de prisão, substituível por multa de 90 dias;
4. Tendo em atenção o antecedente criminal do recorrente, o Secretário para a Economia e Finanças proferiu em Maio de 2010 o despacho que indeferiu o pedido de renovação de autorização de residência temporária daquele.

3. O Direito
Na tese do recorrente, o Tribunal a quo não considerou um facto relevante, que é a decisão judicial sobre a não transcrição da sua condenação no certificado do registo criminal, revelador de que o recorrente não vai cometer mais crimes e não afectará de qualquer forma a segurança e estabilidade social de Macau, pelo que cometeu erro notório na matéria de facto.
Defende ainda que com a não ponderação da sua situação concreta foram violados os princípios da adequação e da proporcionalidade.
Vamos ver se assiste razão ao recorrente.
No que respeita à relevância da decisão judicial sobre a não transcrição da condenação, é de notar, desde logo, uma incoerência existente nas alegações do recorrente, na medida em que, não obstante “concordar que, segundo as passadas práticas judiciais, a não transcrição no registo criminal não se revela muito importante quanto à autorização ou não da fixação de residência”, entende “muito relevante” o facto de o juiz do TJB ter considerado no despacho que decidiu a não transcrição que aquele não teria perigo de cometer mais crimes.
Ora, se o recorrente concordar com a prática judicial no sentido de não considerar muito importante a não transição da sentença condenatória, que pressupõe necessariamente, como se sabe, o prognose favorável quanto à inexistência do perigo de prática de novos crimes1, haverá alguma razão especial para atribuir a pertinência pretendida pelo recorrente ao referido juízo formulado pelo juiz do TJB para efeito da renovação da autorização de residência temporária do recorrente?
Por outro lado, também não é de acolher o argumento do recorrente que afirma que a Administração devia ter ponderado tal facto, em consonância com o juízo formulado pelo Tribunal, sob pena de violar o princípio da separação dos poderes, judiciais e administrativos.
No que concerne à renovação da autorização de residência, estipula o art.º 22.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 o seguinte:
“1. A autorização de residência, com excepção da que é concedida nos termos do artigo 19.º, é em regra válida pelo prazo de 1 ano, e é renovada por períodos de 2 anos, a pedido do interessado ou seu representante, devendo o respectivo requerimento dar entrada até à data em que expira a sua validade.
2. A renovação da autorização depende da verificação dos pressupostos e requisitos previstos na lei de princípios e no presente regulamento.”
Ao mesmo tempo, dispõe o art.º 9.º da Lei n.º 4/2003 que:
“1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.
2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.”
E o art.º 4.º da mesma lei prevê circunstância em que é, ou pode ser, recusada a entrada dos não-residentes na RAEM, sendo uma das quais “terem sido condenados em pena privativa de liberdade, na RAEM ou no exterior” (al. 2) do n.º 2 do art.º 4.º).
Na realidade e para efeitos de autorização de residência e de respectiva renovação, a lei manda expressamente atender aos “antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei”, incluindo a condenação do interessado em pena privativa de liberdade, na RAEM ou no exterior.
Voltando ao caso sub judice, constata-se nos autos que, desde 8 de Março de 2002, o recorrente foi autorizado a residir temporariamente em Macau por fixação de residência, autorização esta que foi renovada até 8 de Março de 2008.
Acontece que, em 7 de Abril de 2008, o recorrente foi condenado pelo Tribunal Judicial de Base na pena de 3 meses de prisão, substituível por multa de 90 dias, pela prática de um crime de uso de documento falso previsto no art.º 244.º, n.º 1 do Código Penal, cometido em Maio de 2002, que motivou o indeferimento do seu pedido de renovação de autorização de residência temporária.
Ora, a decisão administrativo impugnada foi tomada ao abrigo do disposto no art.º 9.º n.º 2, al. 1) da Lei n.º 4/2003, que permite a Administração indeferir o pedido de autorização de residência do interessado, tendo em consideração os seus antecedentes criminais.
Não se descortina no acto administrativo qualquer desvio do objecto legislativo da Lei n.º 4/2003 nem erro manifesto ou grosseiro no exercício do poder discricionário, sabendo que só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício desse poder constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável (art.º 21.º n.º 1, al. d) do CPAC).
Quanto à invocada violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade, é de lembrar que o princípio da proporcionalidade consagrado no n.º 2 do art.º 5.º do CPA exige que “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
De acordo com este princípio, as limitações de direitos e interesses das pessoas devem revelar-se idóneas e necessárias para garantir os fins visados pelos actos dos poderes públicos.
Como se sabe, nos casos em que a Administração actua no âmbito de poderes discricionários, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, a decisão tomada pela Administração fica fora de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
E a jurisprudência também entende assim, tendo este Tribunal de Última Instância decidido que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.2
No caso ora em apreço, o acto administrativo recorrido visa obviamente prosseguir um dos interesses públicos, que é prevenção e garantia da segurança e estabilidade social públicas da RAEM, necessidade esta perante a qual deve ceder os interesses pessoais do interessado.
E dentro da previsão da lei, segunda a qual a Administração só tem duas escolhas: ou renovar o pedido de autorização da residência pretendida pelo recorrente, ou indeferi-lo, não merece censura a posição concretamente tomada pela Administração.
Não se vê como foi intoleravelmente violado o princípio da proporcionalidade.
Concluindo, afigura-se correcta a decisão recorrida.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao presente recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 3 UC.

Macau, 31 de Julho de 2012

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Mai Man Ieng

1 Cfr. art.º 27.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 27/96/M.
2 Cfr. Acórdão do TUI, de 15 de Outubro de 2003, Proc. n.º 26/2003, entre outros.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




12
Processo n.º 38/2012