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Processo n.º 239/2010
(Recurso civil e laboral)

Data: 28/Julho/2011

RECORRENTES :
Recurso Principal
A (A)

Recurso Subordinado
Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L. (澳門旅遊娛樂有限公司)

RECORRIDAS :
As Mesmas
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    
    A, primeiro patrocinada pelo MP e, depois, por advogado, melhor identificado nos autos, veio interpor contra Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L.”, Sociedade Anónima de Responsabilidade Limitada, com sede em Macau, Região Administrativa Especial de Macau, no ……, …º andar, acção de processo comum de trabalho, pedindo a condenação da Ré, a título de créditos laborais a pagar- lhe a quantia de MOP$110.181,05 acrescida dos respectivos juros a contar desde a cessação da relação laboral.
    Julgada a causa, foi decidido condenar a Ré a pagar o montante de HKD$4.320,00, acrescido de juros de mora à taxa legal a contar da prolação da sentença.
    Da decisão final vem recorrer a parte A. alegando basicamente que as gorjetas devem integrar o salário do trabalhador, impugnando ainda algumas fórmulas .
    A STDM, Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L. contra-alega, defendendo a bondade do decidido e pronuncia-se pela aplicação de outras fórmulas.
    A STDM, Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L. recorre ainda subordinadamente, defendo a manutenção da sentença, ou, caso assim não se entenda, pronuncia-se pela aplicação de outras fórmulas.
    
    Oportunamente, foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
    “Da confissão e das provas documentais resultam provados os seguintes factos:
    FACTOS PROVADOS
    1. A autora começou a trabalhar para a Ré STDM, em data anterior a 11 de Julho de 1988 e cessou a sua relação laboral no mês de Abril de 1993.
    2. Foi admitida como empregada de casino, recebia de dez em dez dias, da ré, duas quantias, uma fixa, no valor de MOP10,00 por dia, e outra variável, em função do dinheiro recebido dos clientes dos casinos, dependente do espírito de generosidade destes, vulgarmente designado por gorjetas.
    3. As "gorjetas" eram distribuídas pela ré segundo critério por esta fixado, a todos os trabalhadores dos casinos da ré, e não apenas aos que tinham contacto directo com os clientes nas salas de jogo.
    4. A autora, entre os anos de 1988 a 1993, auferiu as seguintes quantias, pagas pela ré:
    a) 1988 - MOP21.307,00;
    b) 1989 - MOP54.605,00;
    c) 1990 - MOP60.844,00;
    d) 1991 - MOP70.148,00;
    e) 1992 - MOP61.482,00;
    f) 1993 - MOP12.782,00.
    5. Foi acordado entre a autora e a ré que a autora tinha direito a receber as "gorjetas" conforme o método vigente na ré.
    6. A ré pagou sempre regular e periodicamente a autora a sua parte nas "gorjetas".
    7. A autora, como empregada de casino, era expressamente proibida pela ré de guardar para si quaisquer "gorjetas" que lhe fossem entregues pelos clientes do casino.
    8. As "gorjetas" sempre integraram o orçamento normal da autora, o qual sempre teve a expectativa do seu recebimento com continuidade periódica.
    9. A autora prestou serviço por turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal.
    10. A ordem e o horário dos turnos eram os seguintes:
    1. 1° e 6° turnos, das 07h00, às 11h00 e das 03h00 até às 07h00:
    2. 3° e 5° turnos, das 15h00 às 19h00 e das 23h00 às 03h00 (do dia seguinte);
    3. 2° e 4° turnos, das 11h00 às 15h00 e das 19h00 às 23h00.
    
    11. A autora podia pedir licença para ter dias de descanso sem qualquer remuneração.
    12. Em 21 de Dezembro de 1992, a Autora deu à luz um filho.
    13. Com autorização da ré, a autora não trabalhou para a ré entre 10/11/1992 e 15/03/1993 e nenhum pagamento recebeu da ré relativamente a esses dias em que não trabalhou.
    14. A Autora gozou os dias de descanso que solicitou à ré para gozar e esta autorizou.
    15. A ré nada pagou à autora pelos dias em que não trabalhou efectivamente e que apenas lhe pagou as quantias referidas em B) dos factos assentes pelos dias em que trabalhou.
    16. Autora e ré acordaram que a autora poderia pedir os dias de descanso que pretendesse gozar e que pelos que lhe fossem concedidos não receberia qualquer importância.
    17. Autora e ré acordaram que aquela só receberia remuneração pelos dias em que efectivamente trabalhasse.
    18. Acordaram ainda que o referido em 16° e 17° abrangia o período de licença de maternidade.”
    
    III - FUNDAMENTOS
    
    1. O objecto dos presentes recursos passaria fundamentalmente pelas mesmas questões, fundamentalmente por saber se as ditas “gorjetas” integram ou não o salário do trabalhador, - e por isso não deixariam de ser tratados unitariamente - importando ainda ponderar as seguintes questões:

- Da natureza jurídica do acordo celebrado entre recorrente e recorrida;
- Do salário justo; determinação da retribuição; as gorjetas auferidas pelos trabalhadores de casino integram ou não o seu salário?
- Do não gozo de dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios;
. prova dos factos; prova do impedimento do gozo;
. liberdade contratual; da admissibilidade de renúncia voluntária ao gozo de dias de descanso semanal, anual, feriados obrigatórios;
- Integração da natureza do salário; mensal ou diário;
 - Determinação dos montantes compensatórios dos dias de trabalho prestado em dias descanso e festividades.
- Apuramento das fórmulas de cálculo;
    
    2. Há uma outra questão, no entanto, que oficiosa e previamente convém analisar, sob pena de termos o tempo por perdido, se, depois de abordar as questões que vêm colocadas, entendêssemos que não tínhamos elementos para quantificar as compensações devidas.
    
    Tem isto a ver com o facto de se constatar, na matéria de facto provada, que o Mmo Juiz considerou que o trabalhador gozava dos descansos quando solicitava, o que significa que, tendo gozado ou podido gozar alguns, se fica sem saber quais desses descansos coincidiam com os devidos, bem podendo tal acontecer.
    
    É certo que o Mmo Juiz, em douta elaboração conceptual, retira daí a irrelevância desse gozo de descansos, a pedido, para entender que se devem ter os descansos por não gozados, tal como decorre da sua fina argumentação.
    
    Mas se entendemos que o facto de o trabalhador pedir para descansar se mostra irrelevante no âmbito da relação laboral existente, tal irrelevância fica-se por aí. Pedir ou não pedir para descansar nalguns dias é, de facto, irrelevante. O que pode acontecer e ficamos sem saber é se esses dias eram ou não os devidos, bem podendo acontecer que ele efectivamente tenha gozado de descansos semanais, anuais e feriados obrigatórios que sempre devia ter gozado, independentemente de os ter pedido.
    
    Dizer que gozava os descansos obrigatórios quando pedia significa que ficamos sem saber quantos gozou.
    
    E esta questão não é facilmente contornável.
    
    3. Acontece que, mesmo a entender-se que o trabalhador não gozou nenhum dos descansos que lhe eram devidos, como concluiu o Mmo Juiz na sua douta sentença, sempre deparamos com uma outra questão e tem a ver com o facto de não sabermos quais os factores que ponderou no seu cálculo final, ao condenar nas referidas quantias. Isto é, para além das fórmulas apontadas no mapa inserto na sentença, mais nada se sabe sobre o número de dias que foi ponderado e vencimento das obrigações respectivas, não bastando remeter para os termos da lei. Se se elabora um cálculo, há que o descrever, no mínimo, afigurando-se não ser bastante apresentar o resultado.
    Só acompanhando o cálculo efectuado se pode sindicar a correcção do mesmo e o acerto do resultado.
    4. Esta questão foi já decidida por este Tribunal em alguns acórdãos aqui proferidos1, pelo que sem necessidade de outros desenvolvimentos remetemo-nos para as razões aí expendidas e que passamos a reproduzir.
    
«Ora, com as respostas dadas, cremos que líquido não está que o A. trabalhou nos dias de descanso tal como alegava, e como pelo Mm° Juiz a quo foi entendido.

    Com efeito, face à referida matéria, e ainda que se admita uma interpretação no sentido de que houve “dias de descanso” em que o A. trabalhou, cremos que inviável é considerar-se que trabalhou , ou que não gozou, todos os dias de descanso semanal, anual e de feriado obrigatório durante o período de tempo em que durou a relação laboral com a R..

Então, “quid iuris”?

     Nos termos do artº 629º do C.P.C.M.:
“1. A decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância:
     a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 599.º, a decisão com base neles proferida;
     b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
     c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
     2. No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, o Tribunal de Segunda Instância reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham servido de fundamento à decisão de facto impugnada.

     3. O Tribunal de Segunda Instância pode determinar a renovação dos meios de prova produzidos em primeira instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade, quanto à matéria de facto objecto da decisão impugnada, aplicando-se às diligências ordenadas, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na primeira instância e podendo o relator determinar a comparência pessoal dos depoentes.

     4. Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode o Tribunal de Segunda Instância anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na primeira instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão.

    5. Se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode o Tribunal de Segunda Instância, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de primeira instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou escritos ou repetindo a produção da prova, quando necessário; sendo impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limita-se a justificar a razão da impossibilidade.”

    Atento o teor das respostas dadas aos atrás mencionados quesitos, afigura-se-nos que são as mesmas “deficientes” e “obscuras”, pois que fica-se sem saber se o A. trabalhou (ou não) nos dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios, tal como alegava na sua petição inicial.

    Assim sendo, e tendo-se presente o preceituado no nº 4 do transcrito artº 629º do C.P.C.M., impõe-se a anulação do julgamento efectuado para, em novo julgamento, se suprir as apontadas deficiências, podendo o T.J.B. ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto com o fim de evitar contradições na decisão.»

   5. Do recurso subordinado
Face ao que se acabou de decidir, e tendo presente as questões colocadas no âmbito do presente recurso, mostra-se prejudicada a sua apreciação.

    IV - DECISÃO

    Nos termos e fundamentos expostos, acorda-se em anular o julgamento efectuado no T.J.B.
      Custas pelo vencido a final.

Macau, 28 de Julho de 2011
    
(Relator)
João A. G. Gil de Oliveira

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng

(Segundo Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho
    
    
    
    
    
1 - Por todos, ac. deste TSI, n.º 932/2009; vd. Ainda os acórdão anteriormente citados
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