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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A requereu a suspensão da eficácia do despacho do Chefe do Executivo, de 16 de Março de 2012, que admitiu o Consórcio formado por B e C ao Concurso Internacional para Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau e determinou que se procedesse à classificação das quatro propostas admitidas ao mesmo, incluindo a da ora requerente.
Por Acórdão de 7 de Junho de 2012, o Tribunal de Segunda Instância, (TSI) indeferiu o requerido.
Inconformada, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), formulando as seguintes conclusões úteis:
- Pelo acórdão deste V. Tribunal de 12 de Outubro de 2011, a recorrente viu reconhecido o direito da sua proposta ser admitida ao concurso internacional, impondo-se, nos termos da legislação administrativa vigente na RAEM que, para integral cumprimento do julgado anulatório, a admissão e avaliação da proposta da recorrente se opere num concurso público internacional aberto e nunca num concurso público internacional extinto pelo acto de adjudicação, estando o consórcio vencedor do concurso público internacional, a operar, na qualidade de consórcio adjudicatário, a ETAR da Península de Macau, desde 1 de Outubro de 2011.
- O concurso público internacional, acima identificado, aberto nos termos do anúncio publicado no Boletim Oficial no 13 de 31 de Março de 2010, no qual a proposta da recorrente foi excluída, está extinto desde a prolação do acto de adjudicação em 5 de Agosto de 2011 pelo Chefe do Executivo, a favor do consórcio vencedor do concurso para operar a referida ETAR da península de Macau.
- O primeiro acto a ser praticado pela requerida, se era sua intenção o cumprimento integral do julgado anulatório, deveria ter sido ordenar a revogação do acto de adjudicação e em consequência a reabertura do Concurso Público Internacional, que tinha que ser objecto de publicação obrigatória no Boletim Oficial da RAEM, nos mesmos termos do Aviso de Abertura do Concurso em 2010, bem como proferir despacho de nomeação de uma nova Comissão de Avaliação de Propostas.
- Tal não sucedeu, pelo que existe omissão da requerida na prática de um acto válido que ordenasse:
- A revogação do acto de adjudicação, para poder reabrir o concurso internacional, de modo a que todos os concorrentes ficassem dentro do procedimento concursal em igualdade de posição para serem classificados;
- A reabertura do concurso internacional para readmissão de propostas excluídas e subsequente classificação, e
- A nomeação individual e nominativa dos elementos que deviam integrar a nova Comissão de Avaliação das Propostas, para em condições de igualdade e sã concorrência, avaliar todas as propostas concorrentes ao Concurso Público Internacional para a “Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”;
- Mantendo-se o acto de adjudicação e o consórcio vencedor a operar a ETAR de Macau, na qualidade de adjudicatário, não foram praticados os actos necessários à integral execução de julgado anulatório.
- Não obtendo tutela efectiva dos seus direitos na providência cautelar interposta, mantêm-se os prejuízos causados pela não execução do julgado, nomeadamente os prejuízos resultantes de ver a sua proposta ser objecto de avaliação num concurso extinto.
- Sendo o acto suspendendo um acto que foi praticado no âmbito da execução de um acórdão anulatório, pretende-se na providência cautelar evitar a produção de danos irreparáveis com a sua execução, que inviabilizam o resultado que a recorrente possa obter no recurso contencioso interposto para declaração de nulidade do mesmo (Procº nº 427/2012 - TSI), bem como do resultado que possa obter no processo executivo em curso (Procº nº 17/2011-B - TSI).
- O recurso contencioso interposto pela recorrente do acto suspendendo é legal e tempestivo, e com fundamento nas disposições legais da legislação contenciosa administrativa da RAEM, que em sede de execução de julgados comina com a nulidade os actos desconformes com a sentença anulatória (cf. art°s 184° nº2 CPCA), devendo os interessados dele interpor recurso contencioso de declaração de nulidade, o qual será apensado ao processo de execução de sentença para aí o juiz da execução decidir sobre a nulidade dos actos de execução (art° 184º nº 3 CPCA).
O Consórcio formado por D e outras pediu a ampliação do recurso, para o caso de o recurso obter provimento, nos termos do artigo 590.º do Código de Processo Civil.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso, por não se verificar o requisito do prejuízo de difícil reparação.

II - Os Factos
O TSI considerou provado que:
- Por Ac. do TUI de 12/10/2011 e 15/02/2012, foram anulados os actos de exclusão das propostas da ora requerente e do consórcio formado por B e C ao concurso público internacional para a “Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”.
- Em consequência, a entidade requerida, por despacho de 16/03/2012, determinou a readmissão da requerente e do consórcio formado por B e C ao concurso em referência e mandou proceder à classificação das Propostas das 4 candidatas admitidas, incluindo a da ora requerente.

III – O Direito
1. As questões a apreciar
Trata-se de saber se o Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), que fixa os requisitos para que seja concedida a suspensão da eficácia de actos administrativos.

2. A suspensão jurisdicional da eficácia de actos administrativos
O artigo 121.º do CPAC exige como requisitos cumulativos para a concessão da suspensão da eficácia dos actos administrativos objecto de recurso contencioso, que:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.

3. Prejuízo de difícil reparação. O caso dos autos.
A recorrente veio neste procedimento justificar a ilegalidade do acto que determina a classificação das 4 propostas admitidas ao concurso.
Trata-se de uma actividade inútil, já que no procedimento cautelar não se discute a legalidade do acto administrativo.
O que a recorrente deveria ter alegado eram prejuízos decorrentes da execução do acto e isso não fez.
Alega ter os prejuízos resultantes de ver a sua proposta ser objecto de avaliação num concurso extinto.
Antes de mais, o concurso não está extinto, ao contrário do que a recorrente insiste em afirmar
Por outro lado, não é o despacho de 16 de Março de 2012 que vai impedir ou deixar de impedir a indemnização da requerente. Até porque, por ora, não está excluído que seja a requerente que venha a ser escolhida como vencedora do concurso. Mas, se não for, será o acto que adjudica a operação a outra candidata que prejudica a requerente.
Não demonstrou, por conseguinte, a ora recorrente a existência de prejuízos de difícil reparação decorrentes da execução do acto.

4. Fortes indícios de ilegalidade do recurso. Irrecorribilidade do acto.
Ainda que assim não fosse, isto é, ainda que a ora recorrente tivesse demonstrado a existência de prejuízos de difícil reparação decorrentes da execução do acto, teria a mesma de demonstrar que a suspensão não determinaria grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto e que do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso.
A propósito deste último requisito escreve VIEIRA DE ANDRADE1, que .
Ora, há fortes indícios que o recurso contencioso do despacho que admitiu o Consórcio formado por B e C ao Concurso Internacional para Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau e determinou que se procedesse à classificação das 4 propostas admitidas ao mesmo, incluindo a da ora requerente, é ilegal, por se tratar de acto irrecorrível.
O acto em causa é um acto preparatório integrado no procedimento de concurso que terminará com o acto de adjudicação.
Dos actos preparatórios não cabe recurso contencioso, a menos que sejam actos destacáveis, como o de exclusão de candidato a concurso, por exemplo. Não é o caso.
Em princípio, só do acto final cabe recurso contencioso.
Na verdade, “são actos administrativos contenciosamente recorríveis os que, produzindo efeitos externos, não se encontram sujeitos a impugnação administrativa necessária” (artigo 28.º, n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso).
Só os actos que definem inovatoriamente uma situação jurídica administrativa concreta, ou seja, produzem efeitos de direito administrativo são actos administrativos.2
  De acordo com o ensinamento de VIEIRA DE ANDRADE3, o conceito de “lesividade de direitos e interesses legalmente protegidos” tem de ser interpretado em termos de lesão efectiva da esfera jurídica do particular, devendo concluir-se que não são lesivos senão aqueles actos que produzam (em rigor, até: que tenham já produzido) efeitos externos que sejam desfavoráveis ao administrado em termos de ofenderem direitos ou interesses seus juridicamente protegidos.
  E que actos administrativos (em sentido estrito) são apenas aqueles actos que, por si, sejam capazes de produzir efeitos jurídicos externos e, assim, capazes de afectar realmente o círculo de direitos do particular.
  E acrescenta: “Os puros actos preparatórios (que não produzem, por definição, efeitos externos) ou os que se limitem a executar decisões individuais anteriores não podem ser considerados, em si, lesivos do particular, porque a lesão da esfera jurídica ou ainda não aconteceu (e pode não vir sequer a dar-se), ou já se tinha consumado antes”.
  E ainda:
  “Verifica-se, deste modo, que o conceito de acto administrativo na perspectiva da tutela jurisdicional – que não deve ser confundido como um conceito puramente adjectivo de acto recorrível – aponta não só para um acto que deva abrir o acesso aos tribunais (por o acto ser capaz de lesar a esfera jurídica do particular), como para um acto de que tenha de haver impugnação (tem de ser utilizado o meio do recurso, por o acto constituir uma decisão de autoridade que conforma a relação jurídica concreta).
  Ora, esse “acto recorrível por natureza”, que tem de ser impugnado através da forma de recurso, há-de ser justamente aquela decisão de autoridade que regule directamente o caso concreto, com efeitos externos, nas variadas espécies já identificadas pela jurisprudência e pela doutrina – que configure unilateralmente (decida) em termos constitutivos uma relação jurídica externa, como geradora de vantagens, como pronúncia ablatória, como imposição de desvantagens, como pressuposto necessário de efeitos, como avaliação ou qualificação autónoma, como meio de prova legalmente imposto ou como factor de certeza jurídica”4.
  Um acto que admite propostas a um concurso para modernização, operação e manutenção de instalação ambiental não é, por conseguinte, um acto que produz efeitos externos. Logo, não é contenciosamente recorrível.
  
  5. Fortes indícios de ilegalidade do recurso. Falta de legitimidade da recorrente.
  Há, por fim, outra circunstância que aponta para a ilegalidade da interposição do recurso contencioso.
  No que respeita à parte do acto que inclui a ora recorrente no universo dos candidatos ao concurso, ela não tem interesse em impugnar o acto porque este lhe é favorável. Falta-lhe, portanto, legitimidade activa para o recurso [artigo 33.º, alínea a) do Código de Processo Administrativo Contencioso].
  E o mesmo se diga da parte do acto que admite os outros candidatos ao concurso e os manda classificar. É o que defende MÁRIO AROSO DE ALMEIDA5 relativamente a preceito semelhante ao mencionado artigo 33.º, alínea a) do Código de Processo Administrativo Contencioso de Macau, o artigo 55.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos português6: “ A nosso ver, o artigo 55.º, n.º 1, alínea a) do CPTA também afasta, entretanto, por inexistência de interesse directo, a possibilidade de impugnação dos actos de admissão de candidatos em concursos por parte dos demais candidatos admitidos”.
  Com o que também falha o terceiro requisito para se pudesse conceder a suspensão da eficácia do acto em causa.
Sendo certo que a recorrente teria de demonstrar todos os requisitos, a falta de prova de dois é motivo para não conceder a pretensão.
O recurso não merece provimento.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 5 UC.
Macau, 8 de Agosto de 2012.
  Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Ip Son Sang –
  Leong Fong Meng

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Mai Man Ieng
    1 VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), Coimbra, Almedina, 2.ª edição, 1999 , p. 171. Cita-se a 2.ª edição e não outra mais recente da obra, por ser a edição mais actualizada do direito português vigente ao tempo da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, que tem mais semelhanças com o actual de Direito de Macau que o Código de Processo nos Tribunais Administrativos português actual.
    2 SÉRVULO CORREIA, Acto Administrativo e âmbito da jurisdição Administrativa, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Rogério Soares, Coimbra Editora, 2001, p. 1167 e também em Estudos de Direito Processual Administrativo (esta com outros autores), Lisboa, Lex, 2002, p. 222.
    3 VIEIRA DE ANDRADE, Algumas Reflexões a Propósito da Sobrevivência do Conceito de Acto Administrativo no Nosso Tempo, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Rogério Soares, Coimbra Editora, 2001, p. 1207.
    4 VIEIRA DE ANDRADE, Algumas Reflexões .., p. 1215.
    5 MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Considerações em Torno do Conceito de Acto Administrativo Impugnável, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano no Centenário do Seu Nascimento, Faculdade de Direito de Lisboa, 2006, p. 292.

     6 Que dispõe: “Artigo 55.º
Legitimidade activa
1 - Tem legitimidade para impugnar um acto administrativo:
a) Quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos;”
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1
Processo n.º 56/2012