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  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
  I – Relatório
  O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 9 de Março de 2011, condenou o arguido A, pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009, na pena de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão.
  E, por despacho proferido na audiência de julgamento, havia indeferido requerimento do arguido no sentido da audição de três pessoas como testemunhas, cônjuge e dois amigos do arguido, vindos da Malásia.
  Em recursos interpostos pelo arguido o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 21 de Junho de 2012, negou provimento ao recurso da condenação e ao recurso relativo à recusa de inquirição de testemunhas.
  Ainda inconformado, recorre o arguido para este Tribunal de Última Instância (TUI), terminando com as seguintes conclusões:
  - Conforme disposto no artigo 298º do C.P.P., o rol de testemunhas pode ser adicionado ou alterado ... contando que o adicionamento ou a alteração requeridos possam ser comunicados aos outros até 5 dias antes da data fixada para a audiência mas a ratio de tal preceito legal terá de ser contrabalançada com os princípios que subjazem ao direito penal, como seja o princípio da boa decisão da causa e o princípio da culpa, os quais afastam a natureza imperativa do supra transcrito preceito legal.
  - Por isso é que o legislador de Macau entendeu consagrar o regime previsto no n° 1 do artigo 321º do Código de Processo Penal, nos termos do qual o Tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
  - Para a boa decisão da causa seria imprescindível ouvir as testemunhas cuja inquirição foi requerida, porquanto as mesmas apesar de não terem qualquer relação com os factos imputados ao ora Recorrente permitiriam que, a final, fosse feito um correcto julgamento no que respeita à da censura da conduta do agente, só assim sendo possível avaliar com precisão um dos elementos fundamentais que compõe o crime - a culpa do agente.
  - Ainda que assim não se entenda, sempre se diga que em face da matéria de facto dada por provada não poderá o Recorrente conformar-se com a pena concreta que lhe veio a ser aplicada e que foi confirmada pela decisão recorrida, em violação do preceituado nos artigos 40° e 65° do Código Penal.
  - No caso dos autos a pena concretamente aplicada ao ora Recorrente, não podendo deixar de se considerar exagerada, porquanto desconsiderou os elementos pessoais do agente e bem assim a medida da culpa, parecendo antes ter sido lançada mão à antiga, e em desuso, teoria da retribuição, ao invés de se prosseguir os fins de prevenção especial positiva, adequando-se a pena à sua função ressocializadora do Recorrente.
  - A pena concretamente aplicada pelo douto Tribunal a quo de 7 anos e 9 meses de prisão mostra-se excessiva porquanto foi estabelecida em violação das regras de prevenção especial e em desconsideração das condições pessoais do agente, da sua conduta anterior e posterior ao facto.
  Na resposta à motivação do recurso o Ex.mo Procurador-Adjunto defendeu que se negasse provimento ao recurso.
  No seu parecer, o Ex.mo Procurador-Adjunto manteve a posição já assumida na resposta à motivação.
  
  II – Os factos
  Quanto ao recurso do despacho proferido na audiência de julgamento que indeferiu requerimento do arguido no sentido da audição de três pessoas como testemunhas, o Acórdão recorrido considerou provado que:
  1. Em 27 de Setembro de 2010, a Juíza do Tribunal a quo designou o dia 21 de Fevereiro de 2011, pelas 15H00, para realização da audiência de julgamento da presente causa.
   2. Em 12 de Outubro de 2010, o recorrente recebeu a respectiva notificação.
   3. Em 13 de Outubro de 2010, o recorrente apresentou o rol de testemunhas através da sua defensora.
   4. Ouvido o parecer do M.P., em 22 de Outubro de 2010, o Tribunal a quo admitiu o rol de testemunhas apresentado pela parte da defesa.
   5. Em 21 de Fevereiro de 2011, a defensora do recorrente intentou na audiência o requerimento, no sentido de apresentar três testemunhas da parte da defesa.
   6. As três testemunhas são respectivamente a esposa do recorrente e os seus amigos que servem para comprovar o carácter e personalidade do mesmo.
   7. O M.P. alegou que o prazo legal para apresentação do rol de testemunha já foi expirado e, em consequência, opôs-se à admissão do rol de testemunha apresentado pela defensora do recorrente.
   8. Em 21 de Fevereiro de 2011, neste processo (n.º CR3-10-0151-PCC), o Tribunal a quo proferiu despacho, cujo teor é o seguinte: “dado que o prazo legal para apresentação do rol de testemunha foi expirado, ouvindo o parecer do MºPº, o Tribunal decidiu indeferir o pedido da defensora do arguido.”
  Quanto ao recurso da condenação, ficaram provados os seguintes factos:
  1. Em 23 de Março de 2010, às 10H35, no Posto de inspecção alfandegária (chegada a Macau) do Aeroporto Internacional de Macau, os agentes alfandegários interceptaram o recorrente A que chegou recentemente ao referido aeroporto através do voo n.º XXXX.
   2. Os agentes alfandegários detectaram na camada interna da mochila que se encontrava na posse do recorrente A um pacote de pós da cor leitosa, embrulhado por esponja branca e papel de alumínio.
   3. Feito o exame laboratorial, foi confirmado que os pós da cor leitosa acima referidos continham substâncias de “Heroína”, com peso líquido de 1200,86 gramas, abrangidas na Tabela I-A da Lei n.º 17/2009 (feita a análise de métodos quantitativos, foi confirmado que a percentagem de “Heroína” é de 52,26%, com peso de 627,57 gramas).
   4. Os referidos estupefacientes foram colocados por indivíduo de identidade desconhecida na camada interna da mochila em causa e, em seguida, a mochila foi entregue ao recorrente A, a fim de ser transportada para Macau.
   5. O recorrente A sabia perfeitamente que estavam escondidos estupefacientes na camada interna da referida mochila, mas ainda transportou-os para Macau, com a finalidade de os entregar ao indivíduo de identidade desconhecida, ganhando a retribuição pecuniária no valor de USD1.000,00.
   6. Posteriormente, no posto da PJ, os agentes da PJ apreenderam dois telemóveis (de marcas Nokia e SCIphone), três cartões SIM e um cartão de memória, em posse do recorrente A (vide auto de apreensão de fls. 14 dos autos).
   7. O aludido telemóvel da marca Nokia (com cartão) foi fornecido por indivíduo de identidade desconhecida ao recorrente A para ser usado como instrumento de comunicação na prática do tráfico de drogas.
   8. O recorrente A tinha perfeito conhecimento da natureza e característica dos aludidos estupefacientes.
   9. O recorrente A agiu, livre, voluntária, consciente e deliberadamente, os actos supracitados.
   10. A referida conduta do recorrente A não era permissível por lei.
   11. O recorrente A sabia perfeitamente que a sua conduta era proibida e punida por lei.
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   Mais se provaram os seguintes factos:
   12. Na audiência, o recorrente confessou integralmente e sem reservas a prática dos factos que lhe foram imputados.
   13. Segundo o certificado de registo criminal, o recorrente é delinquente primário.
   14. Alegou o recorrente que, antes de ser preso preventivamente, exercia funções de mecânico electrónico em regime de tempo parcial, auferindo em média o salário mensal de cerca de MYR1.500,00; tem a esposa e duas filhas a seu cargo; e, tem como habilitações literárias o 4º ano do ensino secundário.
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   15. Conforme o relatório social, o recorrente tinha situação social e económica grave desde pequeno.
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   Factos não provados:
   1. Nenhum facto relevante da acusação esteja a aguardar pelo apuramento.
  
  
  III - O Direito
  1. As questões a resolver
  São duas as questões a apreciar.
  A primeira é relativa ao despacho proferido na audiência de julgamento que indeferiu requerimento do arguido no sentido da audição de três pessoas como testemunhas
  A segunda, atinente ao mérito da causa, para o caso de o recurso anterior não proceder, concerne à medida da pena aplicada ao arguido.
  
  2. Recurso da decisão de indeferimento de inquirição de testemunhas
  O Tribunal de 1.ª instância indeferiu o requerimento do arguido para inquirição de três testemunhas, apresentado na audiência de julgamento, com o argumento de que o prazo para adicionamento do rol de testemunhas tinha já expirado.
  Embora não tenha fundamentado juridicamente a decisão, parece que teria em vista o disposto nos artigos 297.º e 298.º do Código de Processo Penal, onde se estatui:
“Artigo 297.º
(Contestação e rol de testemunhas)
1. O arguido, em 7 dias a contar da notificação do despacho que designa dia para a audiência, apresenta, querendo, a contestação, acompanhada do rol de testemunhas.
2. A contestação não está sujeita a formalidades especiais.
3. Juntamente com o rol de testemunhas, o arguido indica os peritos que devem ser notificados para a audiência”.
“Artigo 298.º
(Adicionamento ou alteração do rol de testemunhas)
  1. O rol de testemunhas pode ser adicionado ou alterado a requerimento do Ministério Público, do assistente, do arguido ou da parte civil, conforme os casos, contanto que o adicionamento ou a alteração requeridos por um possam ser comunicados aos outros até 3 dias antes da data fixada para a audiência.
  2. O disposto no número anterior é correspondentemente aplicável à indicação de peritos”.
  
  O Tribunal de 1.ª instância não emitiu qualquer pronúncia sobre a possível aplicação do disposto no artigo 321.º do Código de Processo Penal, onde se dispõe:
“Artigo 321.º
(Princípios gerais)
  1. O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
  2. Se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da acta.
  3. Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 309.º, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis.
  4. Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:
  a) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
  b) O meio de prova é inadequado ou de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou
  c) O requerimento tem finalidade meramente dilatória”.
  
  O Acórdão recorrido, após apreciar a questão de saber se o adicionamento do rol de testemunhas era ou não extemporâneo e de citar o disposto no artigo 321.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, acrescentou o seguinte:
      In casu, segundo o motivo da apresentação imediata do rol de testemunhas complementar pelo recorrente, discriminado na acta de audiência de julgamento do Tribunal a quo: “As referidas testemunhas são respectivamente a esposa e os amigos do recorrente, que servem para comprovar o carácter e personalidade do mesmo. Mais, a defensora disse que as aludidas testemunhas residiam na Malásia e só chegariam a Macau mesmo no dia da audiência, sendo estas indispensáveis para apurarem o carácter e personalidade do arguido, por isso, pediu ao Tribunal que admitisse as testemunhas apresentadas.”
   Do motivo que levou o recorrente a intentar o requerimento, nota-se que as testemunhas em apreço não tinham conhecimento directo do facto criminoso que foi imputado ao recorrente, e, por sua vez, apenas pretendiam prestar depoimentos sobre o carácter e personalidade do mesmo.
   Por outro lado, embora o recorrente invocasse que as referidas testemunhas só chegariam a Macau mesmo no dia da audiência, este já tinha, antecipadamente, conhecimento da existência das testemunhas em causa (a sua esposa e amigos). Portanto, se o recorrente considerasse que os depoimentos das referidas testemunhas eram tão importantes, poderia o mesmo apresentar o rol de testemunhas na altura da apresentação da contestação ou no prazo legal, em vez de intentar o requerimento no dia da audiência.
   Os depoimentos das testemunhas que comprovam o carácter e personalidade do arguido, não são úteis para ajuizar os factos imputados, mas influenciam a determinação da medida da pena.
   Dispõem-se nos artigos 40º e 65º do Código Penal os critérios da determinação da medida da pena.
   Nos termos do art.º 65º, n.º 2, al. d) do Código Penal: “Na determinação da medida da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente: as condições pessoais do agente e a sua situação económica”.
   Nestes autos há provas suficientes que podem ser aproveitadas pelo Tribunal a quo para a examinação das condições pessoais e da situação económica do recorrente, já que, para além da audição das declarações do recorrente, o Tribunal ainda pode atender aos registos criminais e à conduta do recorrente, bem como ao relatório social elaborado pelo EPM, constante dos autos.
   A par disso, analisada a parte de factos provados do acórdão a quo, o Tribunal a quo reconheceu o emprego, a remuneração e os encargos familiares que o recorrente tinha antes de ser preso preventivamente, mais, reconheceu que o mesmo tinha situação social e económica grave desde pequeno.
   Assim sendo, o requerimento de adicionamento de testemunhas apresentado pelo recorrente não é o meio de prova cujo conhecimento é necessário, previsto no art.º 321º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
   Por conseguinte, não se verifica a violação das respectivas disposições legais na circunstância em que o Tribunal a quo indeferiu o pedido de adicionamento de testemunhas apresentado pelo recorrente na audiência de julgamento.
   O supracitado fundamento de recurso apresentado pelo recorrente deve ser julgado improcedente>.
  
  O Acórdão recorrido considerou que a inquirição das três testemunhas não era necessária à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
  É discutível que o Acórdão recorrido pudesse ter procedido a esta avaliação, já que a decisão de 1.ª instância não a fez. Esta não se pronunciou sobre a questão. Ignorou-a. Ou seja, é discutível se o Acórdão recorrido não se devia ter limitado a decidir se a falta de confrontação da decisão de 1.ª instância, com o regime previsto no artigo 321.º do Código de Processo Penal, não inquinava desde logo a decisão.
  O Acórdão recorrido optou por ele, próprio, avaliar, em primeira instância, se a inquirição das três testemunhas era ou não necessária à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
  O arguido, no presente recurso, não impugna esta opção do Acórdão recorrido. Não nos cabe, portanto, dela conhecer.
  Por conseguinte, há que apurar se a conclusão do Acórdão recorrido, de que a inquirição das três testemunhas não era necessária à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, é legal.
  Estamos no domínio dos meios de prova relevantes para a decisão.
  Mas este juízo acerca da necessidade ou desnecessidade de diligências de produção de prova não vinculada - como é o caso das testemunhas - para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa constitui uma questão de facto.
  Ora, o TUI não conhece de matéria de facto em recurso, em 3.º grau de jurisdição (artigo 47.º, n.º 2, da Lei de Bases da Organização Judiciária).
  Logo, o recurso não pode deixar de improceder, nesta parte.
  
  3. Medida da pena
  Relativamente à questão da medida da pena o arguido limita-se a invocar determinadas circunstâncias que, em sua opinião, deveriam ter levado o Acórdão recorrido a impor uma pena mais leve ao recorrente.
  Quanto à questão suscitada a propósito da medida da pena este Tribunal tem entendido que “Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada” (Acórdãos de 23 de Janeiro e 19 de Setembro de 2008 e 29 de Abril de 2009, respectivamente, nos Processos n. os 29/2008, 57/2007 e 11/2009).
  Não foi alegada qualquer violação de vinculação legal ou de regras da experiência.
  A pena não se mostra desproporcionada, face à quantidade de estupefaciente detida e às demais circunstâncias, sendo que a penalidade variava entre 3 e 15 anos de prisão.
  É manifestamente improcedente, assim, o recurso quanto ao mérito da causa, sendo de rejeitar nesta parte.
  
  
  IV – Decisão
  Face ao expendido, negam provimento ao recurso relativo à decisão de indeferimento da inquirição de testemunhas [artigo 409.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal] e rejeitam o recurso da condenação.
  Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UC, devendo pagar a quantia de MOP$1,500.00 (mil e quinhentas patacas) nos termos do artigo 410.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.
  Fixam os honorários da defensora do arguido em mil e quinhentas patacas.
  Macau, 19 de Setembro de 2012.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Sam Hou Fai – Lai Kin Hong
  






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Processo n.º 55/2012