Processo nº 483/2011 Data: 29.09.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “furto qualificado”.
Pena.
SUMÁRIO
1. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.
2. Não se mostra de considerar excessiva a pena de 2 anos e 9 meses de prisão aplicada pela prática de 1 crime de “furto qualificado”, se, do modus operandi, se puder concluir ter havido dolo directo intenso, inexistindo circunstâncias atenuantes de relevo e fortes sendo as necessidades de prevenção criminal.
O relator,
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Processo nº 483/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar os arguidos A e B, pela prática como co-autores de 1 crime de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n° 1, al. a) do C.P.M., fixando-se-lhes a pena individual de 2 anos e 9 meses de prisão; (cfr., fls. 113-v a 114 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformados, os arguidos recorreram para, (em síntese), invocando o art. 65° do C.P.M., pedir a redução da pena; (cfr., fls. 145 a 152-v).
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Em resposta, entende o Exm° Magistrado do Ministério Público que os recursos não merecem provimento; (cfr., fls. 157 a 161).
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Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..
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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Mostram-se ambos os recorrentes inconformados com a medida concreta das penas (idênticas) que lhes foram aplicadas, almejando ambos a redução respectiva e batendo-se ainda o A pela suspensão da execução dessa pena, fundando-se, ambos, no essencial, no facto de serem primários e entenderem não ser especial ou consideravelmente elevado o montante subtraído.
Não se vê, porém, que lhes possa assistir qualquer razão, já que, por um lado, a apontada circunstância de ambos os recorrentes serem primários não deixou de ser consignada e sopesada expressamente no acórdão controvertido, sendo que, por outro, o montante concreto subtraído é, por si próprio, determinante do tipo do ilícito imputado, situando-se bastante acima do limite mínimo do “valor elevado” levado em consideração e consignado na al a) do art° 196° C.P., pelo que se revela inócua a argumentação sobre o facto de aquele valor não ser “consideravelmente elevado”: não o é, mas também assim não foi considerado, já que se o fosse o tipo de ilícito seria outro, com moldura penal abstracta bastante mais desfavorável
Ao que acresce que, atentos os circunstancialismos concretamente apurados, atinentes à prática do ilícito imputado, a premente necessidade de controle e prevenção desse tipo de crime numa sociedade em que, como bem acentua a Exma. Colega junto da 1 a instância, a confiança da sociedade na segurança das pessoas e bens numa região eminentemente turística como é Macau se apresenta como primordial e os parâmetros de determinação previstos no art° 65°, C.P., a medida das penas concretamente aplicadas a ambos os recorrentes, pouco acima do limite médio abstracto das mesmas, apresenta-se como justa, sensata e equilibrada, a não merecer reparo, sendo que, não tendo premente necessidade de o fazer, os julgadores não se esquivaram a, no douto acórdão em escrutínio, genericamente esclarecer das razões da não concessão da suspensão da execução das penas, razões essas que não poderão deixar de se prender sobretudo com as apontadas necessidades de prevenção geral deste tipo de criminalidade na Região, bem como do facto de se não antever contrição de qualquer dos visados pelas condutas respectivas, o que, eventualmente, poderia decorrer de eventual confissão, que não existiu por parte de qualquer deles, revelando-se, assim, também desfavorável o seu prognóstico individual à luz de considerações exclusivas da execução da prisão, tudo indicando, pois, que a mera ameaça de prisão e a censura do facto não realizarão, efectivamente, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, afastando os recorrentes da prática de novos ilícitos.
Razões por que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, entendemos ser de manter o decidido, negando-se provimento ao recurso”; (cfr., fls. 243 a 244).
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos seguintes:
“1. Ambos os arguidos A e B são residentes da Província de XX do Interior da China e conheciam-se mutuamente, entrando na RAEM em XX de XX de 2011 com os documentos de vigem do Interior da China.
2. Em 12 de Março de 2011, pelas 13h10 à tarde, os arguidos A, B e outros, pelo menos, três homens de identidade desconhecida seguiram um peão C (ofendido do presente caso) na passagem para peões (vulgarmente designada por “zebra”) entre a zona de descarregamento da Rua de XX em Macau e o Hotel XX, espreitando a oportunidade a tirar os bens na posse de C.
3. Antes disso, C já contabilizou, no seu quarto alojado do Hotel XX, o dinheiro na sua posse no valor de HKD 53.000,00, a seguir, dobrou e atou as notas com elásticos e colocou o dinheiro no seu bolso do lado direito das calças do fato. Posteriormente, C deslocou-se do Hotel XX com os amigos D e E, pretendendo ir ao Hotel XX.
4. Ao atravessar a rua na passagem para peões supracitada (vulgarmente designada por “zebra”), D e E andaram na frente de C não muito longe.
5. Aproveitando-se da distracção de C, o arguido A tirou secretamente o dinheiro supracitado do bolso do lado direito das calças de C e apropriou-se deste.
6. C sentiu um movimento extraordinário no seu bolso do lado direito das calças, pelo que olhou para trás, presenciando que o arguido A entregou o dinheiro que foi atado pelos elásticos no seu bolso do lado das suas calças no montante de HKD 53.000,00 ao arguido B, pelo que apanhou imediatamente o arguido B gritando “o dinheiro foi subtraído”.
7. D ouviu o grito de C e virou-se para trás, apanhando imediatamente o arguido A depois de conhecer a situação.
8. Durante o período de ser apanhado por C, o arguido B aproveitou a confusão para colocar a sua mão com dinheiro supracitado para trás, transferindo bem sucedido o mesmo dinheiro para outros homens de identidade desconhecida em conluio.
9. Todos os homens de identidade desconhecida supracitados levaram o dinheiro de C fugindo separadamente.
10. Os arguidos A e B actuaram de comum vontade e acordo, dividiram as tarefas e cooperaram-se com outros parceiros, tirando coisa móvel de valor elevado do ofendido e apropriando-se desta.
11. Os dois arguidos supracitados, com dolo, actuaram voluntária, livre e conscientemente o acto ilícito supracitado, e sabiam bem que os seus actos eram proibidos e punidos pela lei.
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Além disso, a audiência de julgamento também se provou os seguintes factos:
De acordo com os registos criminais dos arguidos A e B, ambos os dois arguidos são delinquentes primários em Macau.
O arguido A alegou que a sua profissão é comerciante, auferindo anualmente RMB 110.000,00 a 120.000,00 e tendo ensino secundário geral como habilitações literárias, sem cargo familiar.
O arguido B alegou que a sua profissão é agricultor, auferindo anualmente 10.000,00, tendo ensino secundário completo e tendo a mãe e dois filhos a seu cargo”; (cfr., fls. 110 a 111-v e 192-v a 195).
Do direito
3. Buscam os arguidos A e B, ora recorrentes, a redução da pena em que foram condenados, invocando, para tanto, o prescrito no art. 65° do C.P.M. que, como sabido é, estatui os critérios a observar para a determinação da pena.
Como se consignou em sede de exame preliminar, é tal pretensão manifestamente improcedente, passando-se, infra, a explicitar este nosso ponto de vista.
Ora, ao crime pelos ora recorrentes cometido, – “furto qualificado” – cabe a pena de prisão até 5 anos ou pena de multa; (cfr., art. 198°, n° 1, al. a) do C.P.M.).
No caso, atento o preceituado no art. 64° do C.P.M. e às necessidades de prevenção criminal, optou – e bem – o Mm° Juiz a quo, pela pena privativa da liberdade, fixando-a em 2 anos e 9 meses para ambos os recorrentes.
Pretendem porém os recorrentes a sua redução.
Pois bem, já teve este T.S.I. oportunidade de dizer que:
“Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000).
Nesta conformidade, atenta a factualidade provada, o “modus operandi”, de onde se infere um dolo (muito) intenso na prática do crime, inexistindo circunstâncias atenuantes de relevo, e prementes sendo as razões de prevenção especial e geral deste tipo de crime, evidente é que censura não merece a decisão recorrida, no que toca à espécie e medida da pena.
–– Pede também o arguido A que lhe seja decretada a “suspensão da execução da pena” em que foi condenado.
Ora, como tem este T.S.I. repetidamente afirmado:
“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime”; (cfr., v.g., Ac. de 14.07.2011, Proc. n° 412/2011, do ora relator).
No caso, ainda que a pena em causa não seja em medida superior a 3 anos de prisão, verificado não está o pressuposto material.
De facto, atenta a personalidade pelo recorrente revelada, e às circunstâncias do crime, inviável é concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição; (cfr., art. 48° do C.P.M.).
Posto isto, e apresentando-se-nos os recursos manifestamente improcedentes, há que decidir pela sua rejeição.
Decisão
4. Nos termos que se deixam expostos em conferência, acordam rejeitar os recursos; (cfr., art. 409°, n° 2, al. a) e 410°, n° 1 do C.P.P.M.).
Pagarão os recorrentes a taxa de justiça (individual) de 5 UCs, e, pela rejeição, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n° 4 do C.P.P.M.).
Honorários aos Exm°s Defensores no montante de MOP$1,000.00.
Macau, aos 29 de Setembro de 2011
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José Maria Dias Azedo
(Relator)
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)
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