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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
B apresentou recurso do despacho da Exmª. Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia, que concedeu à A o registo da marca nominativa A1 para assinalar serviços integrados na classe 36.ª do Acordo de Nice relativa à classificação internacional de produtos e serviços para efeitos de registo de marca, vigente em Macau.
Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base, foi negado provimento ao recurso, mantendo-se o despacho recorrido.
Inconformado com a decisão, recorreu B para o Tribunal de Segunda Instância, que por sua vez decidiu conceder provimento ao recurso, revogando a sentença da 1.ª instância e, consequentemente, o despacho recorrido.
Deste Acórdão vem agora a A interpor recurso para o Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões:
1. As pessoas singulares ou colectivas podem apresentar pedidos de registo de marcas na DSE, sem que esta proceda a qualquer espécie de controlo no sentido de apurar se os requerentes estão ou não legalmente autorizados a prestar os serviços que constam na especificação das mesmas;
2. Nada obsta a que uma entidade possa requerer e obter o registo de uma marca não estando à data do pedido de registo autorizada a exercer os serviços que constam na especificação da sua marca;
3. O facto de a Recorrente estar a autorizada a exercer uma certa actividade concedida através de licença pela AMCM, não significa que lhe esteja vedado o registo de uma marca para assinalar outro tipo de serviços, porquanto tal recusa seria vista como uma violação do princípio do pedido de registo previsto no artigo 206.º do RJPI;
4. O registo da marca A1, a que foi atribuído o número N/XXXXX respeitou as formalidades do pedido de registo previstas no artigo 206.º do RJPI, e tal marca foi legalmente concedida;
5. A Recorrente tem um legítimo interesse em registar a marca A1, a que foi atribuído o número N/XXXXX para assinalar serviços incluídos na classe 36, a saber: “Seguros; negócios financeiros; negócios monetários, negócios imobiliários, designadamente serviços de administração e arrendamento de imóveis, cobrança de dívidas, serviços de câmbios e depósito de valores, operação fiscais, financeiras, monetárias e imobiliárias, casas de penhores, tudo incluído na classe 36, na medida em que já é titular de outras marcas para assinalar o mesmo tipo de serviços;
6. O legítimo interesse não se afere única e exclusivamente com base nas alíneas do artigo 201.º do RJPI;
7. A possibilidade legal prevista no artigo 12.º do RJPI de a Recorrente fazer utilização indirecta do uso da marca número N/XXXXX através da cessão de exploração a um terceiro, constitui de per se um fundamento para se considerar que a Recorrente tem legítimo interesse no registo da referida marca;
8. A Requerente tem interesse em registar a marca para ceder o uso ou exploração da marca a uma terceira entidade, uma subsidiária ou outra sociedade com relação comercial;
9. A licença concedida pela AMCM a favor da Recorrente pode em qualquer momento caducar ou ser cancelada, caso em que a Recorrente poderá proceder à alteração do seu objecto social nos termos do artigo 271.º do Código Comercial, podendo então vir a prestar todos os serviços constantes na especificação da marca número N/XXXXX;
10. A actividade da Recorrente – entrega rápida de valores em numerário – é uma actividade económica que tem de estar forçosamente prevista em alguns dos tipos de serviços elencados na classe 36 da 9ª edição da Classificação de Nice em vigor em Macau;
11. O Tribunal de Relação reconheceu no acórdão recorrido que o objecto social da Recorrente se inscreve no âmbito da classe 36 enquanto “serviço relacionado com negócios financeiros ou monetários”;
12. Nesse sentido, o acórdão recorrido deveria ter concedido o registo da marca apenas no que toca aos serviços que caiem no âmbito do objecto social da Recorrente – “entrega rápida de valores em numerário” – e as operações cambiais estritamente necessárias à prossecução do seu objecto social, a saber: “negócios financeiros, negócios monetários, serviços de câmbios e depósitos de valores, operações financeiras e monetárias”;
13. O Tribunal da Relação fez uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 11.º, 12.º, 201.º, 206.º, 216.º e 223.º do RJPI e ainda do artigo 271.º do Código Comercial.

B, ora recorrido, apresentou contra-alegações, entendendo que se deve julgar improcedente o recurso, com a manutenção do douto Acórdão posto em causa.

Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Os Factos Provados
Nos autos foi dada como assente a seguinte factualidade:
a) Em 24.06.2009 C requereu o registo da marca N/XXXXX para a classe de produtos nº 36 a qual consiste em “A1” - cf. fls. 1 do proc. adm. apenso -.
b) O pedido de registo foi publicado no Boletim Oficial de XX.XX.2009 - cf. fls.12 -;
c) A Requerente dedica-se a exercer a actividade “de entrega rápida de valores em numerário no território de Macau ou no exterior, por ordem de terceiros, após a entrega, por estes, da respectiva contrapartida, nos termos do Decreto-Lei nº 15/97/M de 5 de Maio” - cf. fls.50 certidão do registo comercial -;
d) São sócios da sociedade D com sede em Hong Kong – cf. fls.51 certidão do registo comercial -;
e) Em 22.07.2009 foi inscrita na Conservatória do registo Comercial relativamente à sociedade Requerente da marca a alteração parcial do pacto, passando a ter a firma em Chinês “甲”, em Português “A” e em inglês “D1” - cf. fls.51 certidão do Registo Comercial -;
f) A Requerente da marca e ora Recorrida faz parte do grupo de empresas - cf. fls.54 -;
g) Por despacho de 08.02.2010 proferido a fls.130 dos autos de Processo Administrativo apensos, foi concedido o registo da marca N/XXXXX com base nos fundamentos constantes da informação de folhas 130/137 do processo administrativo apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
h) O Despacho referido na alínea g) foi publicado no Boletim Oficial de Macau, II Série, de XX.XX.2010 - cf. fls.142 do proc. adm. apenso -.

3. O Direito
3.1. A questão fundamental colocada no presente recurso está relacionada com o interesse legítimo ao registo da marca.
O douto Acórdão ora posto em causa entendeu que a requerente do registo da marca não dispõe de interesse para a iniciativa procedimental se não dispuser de interesse legítimo na concessão do registo da marca no momento em que formula o pedido, por a ordem jurídica não permitir o uso da marca em bens ou serviços que não façam parte daquela que é a única actividade legalmente possível, face ao art.º 2.º, n.º2, do DL n.º 15/97/M, de 5 de Maio, pelo que revogou a sentença da 1.ª instância e, consequentemente, o despacho da Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia, que concedeu à A o registo da marca.
Alega a ora recorrente que nada obsta a que uma entidade possa requerer e obter o registo de uma marca, mesmo que não esteja à data do pedido de registo autorizada a exercer os serviços que constam na especificação da sua marca, e o facto de ela estar autorizada a exercer uma certa actividade concedida através de licença pela Autoridade Monetária e Cambiária de Macau não significa que lhe esteja vedado o registo de uma marca para assinalar outro tipo de serviços, sob pena de violação do princípio do pedido de registo previsto no art.º 206.º do Regime Jurídico de Propriedade Industrial.
Trata-se de saber se tem interesse legítimo ao registo da marca, para determinada classe de produtos e serviços, para efeitos do art.º 201.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, quem esteja impedido legalmente de prestar todos esses serviços, por só poder prestar parte dos serviços incluídos na respectiva classe.
Vejamos.

3.2. Sobre o direito ao registo, dispõe o art.º 201.º do RJPI o seguinte:
“Artigo 201.º
(Direito ao registo)
O direito ao registo da marca cabe a quem nisso tiver legítimo interesse, designadamente:
a) Aos industriais, para assinalar os produtos do seu fabrico;
b) Aos comerciantes, para assinalar os produtos do seu comércio;
c) Aos agricultores e produtores, para assinalar os produtos da sua actividade;
d) Aos artífices, para assinalar os produtos da sua arte, ofício ou profissão;
e) Aos que prestam serviços, para assinalar a respectiva actividade.”
Daí resulta que é reconhecido, desde logo, o interesse legítimo no registo da marca a quem que se encontre a exercer uma das actividades económicas acima elencadas.
No entanto, com a expressão designadamente utilizada na norma, é de afastar a ideia de só poder pedir os registos quem se encontrar numa das situações previstas nas suas 5 alíneas.

Por sua vez, resulta do art.º 206.º que o requerente do registo de marca não tem de demonstrar que exerce qualquer actividade económica conexa com o pedido, já que este requisito não é exigido nos termos desta norma que dispõe que:
“Artigo 206.º
(Forma do pedido)
O pedido de registo de marca é feito em requerimento redigido em língua oficial do Território que indique o nome ou firma do requerente, sua nacionalidade e domicílio ou lugar em que está estabelecido, identifique a marca cujo registo se pretende e seja acompanhado dos seguintes elementos, em triplicado:
a) Os produtos ou serviços a que a marca se destina, agrupados pela ordem das classes da classificação dos produtos e serviços e designados em termos precisos, de preferência pelos termos da lista alfabética da referida classificação;
b) Se o pedido respeita a uma marca de produto, de serviços, de associação ou de certificação;
c) Se o pedido respeita a marca tridimensional ou sonora e, neste último caso, a representação gráfica por frases musicais dos sons que entrem na composição da marca;
d) Exemplar da marca, colado na zona a ela destinada do impresso próprio;
e) Dois fotolitos para a reprodução tipográfica da marca, com as dimensões máximas de 6 cm x 6 cm e mínimas de 1,5 cm x 1,5 cm;
f) Três exemplares da marca com a indicação escrita das cores, caso estas sejam reivindicadas como elemento constitutivo;
g) A invocação do direito de prioridade, se for o caso, nos termos do n.º 3 do artigo 17.º”

E no que respeita à utilização da marca, estabelece expressamente o art.º 223.º que a utilização da marca é facultativa, salvo quanto aos produtos ou serviços em que a utilização de marca registada seja declarada obrigatória por disposição legal e sem prejuízo do disposto quanto à caducidade do direito à marca.

Entende a recorrente que nada obsta a que uma entidade seja titular de registo de marca apesar de não poder, no momento, usá-la, já que a marca é de utilização facultativa, pelo que haveria de distinguir entre titularidade de registo de marca e uso de marca.
Afigura-se-nos plausível tal entendimento, para a generalidade dos casos.
No seu estudo sobre a matéria que está em causa, explica Luís Couto Gonçalves que desde logo resulta da lei ser possível o pedido de registo de marca para utilização mediata, já que a falta de uso futuro não constitui um problema de ilegitimidade para fazer o pedido de registo, e consequentemente, de invalidade, mas apenas de caducidade por não uso da marca.
“Tem legítimo interesse o requerente que desempenhe, por regra, em moldes empresariais …, uma das categorias da actividade económica (primária, secundária e terciária), à qual se ligam os produtos ou serviços a assinalar.
A lei confere, expressamente, legitimidade em razão da actividade económica do interessado, independentemente da respectiva natureza jurídica (pessoa singular ou colectiva, de direito privado ou público). Há legítimo interesse sempre que o interessado destine a marca a uma actividade económica concreta que exista ao tempo do pedido. O requisito exigido é o da ligação da marca a uma actividade directamente exercida pelo interessado.
Não sendo a enumeração legal taxativa, isto significa que no conceito de legítimo interesse podem caber outras situações.
Desde logo, resulta do art.º 216.º n.º 1 al. a) a possibilidade de formulação de um pedido de marca destinada a ser usada no futuro, desde que, sob pena de caducidade, o diferimento do uso não seja superior a um período de cinco anos, após o registo. Assim, seria contraditório, do ponto de vista da coerência do sistema normativo, que o nosso direito de marca estatuísse a falta de legítimo interesse a todo aquele que, exercendo já uma actividade económica, pretendesse registar uma marca para uso não imediato.
Há, portanto, situações, frequentes na prática, em que o requerente solicita o registo da marca para ser usada, mediatamente, em novos produtos ou serviços, ligados ao alargamento da(s) sua(s) actividade(s).
Se o requerente, no momento do pedido, for um industrial, comerciante, agricultor, artesão ou prestador de serviços tem, pois, legitimidade para pedir uma marca, destinada a ser usada, directamente, na sua actividade (ou actividades), de modo imediato ou mediato (diferido).
Na hipótese do uso diferido ou mediato, a eventual falta de uso futuro não constituirá um problema de (i)legitimidade e, consequentemente, de possível invalidade …, mas um problema de caducidade por não uso da marca (cfr. art.º 216.º n.º 1 al. a))”. 1
Daí que é reconhecido o direito ao registo de marca a quem que, no momento do pedido, não esteja ainda no exercício de uma actividade, entendimento este que é também acolhido no Acórdão recorrido, onde se poder ler que “por isso não condiciona o direito ao registo a quem só já estiver em exercício de actividade ou serviço ou em fabricação de bens ou produtos” (cfr. fls. 10 do Acórdão).

Por outro lado, o art.º 12.º do RJPI dispõe o seguinte:
“Artigo 12.º
(Licenças contratuais)
1. Salvo limitação legal expressa, os direitos de propriedade industrial podem, a título gratuito ou oneroso, ser objecto de licença de exploração de forma total ou parcial e, quando limitados na respectiva duração, por todo o tempo dessa duração ou por prazo inferior.
2. O disposto no número anterior é aplicável aos direitos emergentes dos respectivos pedidos de concessão de direitos de propriedade industrial, mas a recusa da concessão implica a caducidade da licença.
3. O contrato de licença de exploração está sujeito a forma escrita.”
  
  Ao mesmo tempo, a matéria de transmissão dos direitos de propriedade industrial e da marca é regulada de seguinte forma:
Artigo 11.º
(Transmissão dos direitos de propriedade industrial - natureza e forma)
1. Salvo limitação legal expressa, a transmissão dos direitos de propriedade industrial pode ser efectuada, total ou parcialmente, a título gratuito ou oneroso.
2. A transmissão por acto inter vivos reveste a forma de documento escrito, sob pena de nulidade.
3. O disposto nos números anteriores é aplicável aos direitos emergentes dos pedidos de concessão de direitos de propriedade industrial.

Artigo 227.º
(Transmissão da marca)
1. O trespasse do estabelecimento faz presumir a transmissão do pedido de registo ou da propriedade da marca, salvo estipulação em contrário.
2. O pedido de registo ou a propriedade da marca registada são transmissíveis, independentemente do estabelecimento, se isso não puder induzir o público em erro quanto à proveniência do produto ou do serviço ou aos caracteres essenciais para a sua apreciação.
3. Quando a transmissão for parcial em relação aos produtos ou serviços deve ser requerida cópia do processo, que serve de base a registo autónomo, incluindo o direito ao título.
4. No caso de transmissão parcial, os novos pedidos conservam as prioridades a que tinham direito.
5. Se na marca figurar o nome individual ou firma do titular ou requerente do respectivo registo, ou de alguém que o titular ou requerente represente, é necessária cláusula para a sua transmissão.

Daí resulta que uma pessoa é permitida a pedir o registo de marca com vista a ceder o seu uso, através de uma concessão de licença de exploração, pelo que tem interesse legítimo no registo quem pretenda ser titular da marca para ceder o seu uso.
E os direitos de propriedade industrial, a marca, e até o pedido de registo, podem ser transmitidos.
Quanto à possibilidade de a marca ser registada com a exclusiva finalidade de ser licenciada (concedida licença de exploração a terceiro), as opiniões divergem-se: enquanto Carlos Olavo defende que nada isto impede, Luís Couto Gonçalves entende o contrário, dizendo que “Também só temos como certo, que não tem legítimo interesse o requerente que não esteja já, por outro título, dentro do sistema de concorrência ou não apresente um motivo fundado para nele entrar …… e apenas tenha a intenção de aproveitar o sistema de modo especulativo.” 2
E mesmo sustentando não ser possível que a marca seja registada com a exclusiva finalidade de ser licenciada, Luís Couto Gonçalves defende, a propósito da legitimidade para o registo, que o registo pode ser requerido por quem exerça ou demonstre poder vir a exercer qualquer das actividades económicas indicadas nas várias alíneas no art.º 201.º do RJPI, independentemente da sua natureza jurídica.3

3.3. No caso concreto ora em apreciação, é evidente que a recorrente está a exercer uma das actividades referidas no art.º 201.º, que consiste concretamente na actividade “de entrega rápida de valores em numerário no território de Macau ou no exterior, por ordem de terceiros, após a entrega, por estes, da respectiva contrapartida, nos termos do Decreto-Lei n.º 15/97/M de 5 de Maio”.
Será isto suficiente para definir o interesse legítimo da recorrente para ser concedido o registo da marca pretendida?
A resposta deve ser negativa.
Ora, afigura-se-nos correcta a posição do douto Acórdão recorrido em chamar à colação a natureza especial da empresa recorrente.
Na realidade, sendo uma empresa que se dedica à entrega rápida de valores em numerário, a sua constituição e actividade está sujeita à regulamentação e ao controlo do Decreto-Lei n.º 15/97/M, de 5 de Maio, que define especialmente o regime aplicável às sociedades deste tipo (legalmente designadas por SEV).

Artigo 2.º
(Objecto)
1. As SEV são sociedades comerciais que têm por objecto social promover a entrega rápida de valores em numerário, no território de Macau ou no exterior, por ordem de terceiros, após a entrega, por estes, da respectiva contrapartida.
2. Às SEV não é permitido o exercício de qualquer outra actividade comercial para além das previstas no presente diploma.
Artigo 3.º
(Operações permitidas)
Para além das operações que constituem o seu objecto social, só é permitido às SEV efectuarem as operações cambiais estritamente necessárias à prossecução do mesmo.
Artigo 4.º
(Operações vedadas)
1. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, é vedado às SEV o exercício de qualquer actividade diferente do seu objecto social e, nomeadamente:
a) Conceder qualquer empréstimo ou adiantamento;
b) Receber quaisquer valores reembolsáveis, a título de depósito ou outro, com ou sem estipulação de juros.
2. A realização de operações previstas no número anterior implica, para além de outras sanções legais, a revogação da autorização.

Ora, a lei delimita claramente o objecto social das SEV bem como as actividades que podem ser exercidas, que ficam estritamente circunscritas às operações permitidas no referido diploma.
E não pode ser livremente alterado o objecto social, contrariando assim a afirmação da recorrente que alega poder mudar o seu objecto social, nos termos do art.º 271.º do Código Comercial de Macau, salvo se deixar de ter natureza de SEV.
Daí que a recorrente, enquanto se mantendo o estatuto da SEV, cujo objecto social consiste no exercício exclusivo da actividade de entrega rápida de valores em numerário, é proibido mudar do seu objecto social e exercer qualquer outra actividade comercial que não constitua o seu objecto social nem esteja estritamente necessária à prossecução do mesmo objecto social.
Pretende a recorrente o registo da marca para assinalar serviços integrados na classe 36.ª do Acordo de Nice relativa à classificação internacional de produtos e serviços para efeitos de registo de marca, vigente em Macau, que “inclui essencialmente os serviços prestados em negócios financeiros e monetários e os serviços prestados relativamente a contratos de seguros de todos os tipos (…) nomeadamente - serviços relacionados com negócios financeiros ou monetários, a saber: a) Serviços de todas as instituições bancárias ou instituições com elas relacionadas tais como agências de câmbio ou serviços de compensação; b) serviços de instituições de crédito que não sejam bancos, tais como associações cooperativas de crédito, empresas financeiras individuais, prestamistas, etc.; c) serviços de fundos de investimento e de companhias holding; d) serviços de corretagem em valores e em bens imóveis; e) serviços relacionados com negócios monetários, assegurados por agentes fiduciários; f) serviços relativos à emissão de cheques de viagem e de letras de crédito; - serviços de administração de imóveis, ou seja, serviços de locação, de avaliação ou de financiamento; - serviços relativos a seguros, tais como serviços prestados por agentes ou corretores que se ocupam de seguros, serviços prestados aos segurados e serviços de subscrição de seguros”, segundo a respectiva nota explicativa.
Tal como se pode ver, são muito amplos as actividades e os serviços abrangidos na classe 36.ª.
Os serviços que a recorrente presta (entrega rápida de valores em numerário) englobam-se, evidentemente, na classe 36.ª em questão, o que foi também afirmado no douto Acórdão recorrido.
A recorrente encontra-se autorizada a exercer em regime exclusivo uma actividade comercial ao abrigo de uma licença concedida pela AMCM.
E nos termos do art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 15/97/M, o exercício de qualquer actividade diferente do seu objecto social implica a revogação da autorização.
Se é verdade que é legalmente admissível o registo de maca para utilização indirecta e diferida, como já vimos, certo é que, no caso da ora recorrente, enquanto SEV, tal utilização nem sequer é possível para outras actividades, embora incluídas na classe 36.ª, mas fora do objecto social da recorrente, uma vez que lhe é vedado o exercício de tais actividades, que constitui um obstáculo inultrapassável, face à norma imperativa legal.
Ainda que é possível pedir o registo de marca com vista a ceder o seu uso, através de uma concessão de licença de exploração, certo é que é discutível o registo de marca com a exclusiva finalidade de ser licenciada (concedida licença de exploração a terceiro).
E mesmo tendo em consideração a previsão no art.º 119.º do Código do Procedimento Administrativo sobre eficácia diferida do acto administrativo, não se pode perder de vista que tal eficácia só se produz no caso de a recorrente deixar de ter a natureza de SEV (o que nem sequer foi demonstrado nos autos), sendo este facto condição necessária para que o registo possa produzir os seus efeitos.
Ora, tal como afirma, e muito bem, o Tribunal a quo, nem o pedido de registo foi feito nessa base nem o acto administrativo foi de concessão do registo com tal eficácia diferida.
Concluindo, afigura-se-nos que, relativamente às actividades que não constituem o seu objecto social nem necessárias à prossecução do mesmo, a recorrente carece de interesse legítimo para ver registada a marca pretendida.

3.4. Finalmente, resta apreciar a pretensão subsidiariamente formulada pela recorrente quanto ao registo parcial da marca.
Pretende a recorrente a manutenção do despacho da Direcção dos Serviços de Economia que concedeu a marca A1, “restringindo os serviços que constam na especificação a “negócios financeiros, negócios monetários, serviços de câmbios e depósitos de valores, operações financeiras e monetárias”.
Desde logo, não parece assistir razão ao recorrido quando alega que fica fora dos poderes do Tribunal de Última Instância o conhecimento desse pedido.
É verdade que, nos termos do art.º 47.º n.º 2 da Lei de Bases da Organização Judiciária, o Tribunal de Ultima Instância, quando julgue em recurso não correspondente a segundo grau de jurisdição, que é o nosso caso, apenas conhece de matéria de direito.
No entanto, e contrariamente à alegação do recorrido, não parece constituir matéria de facto apurar o conteúdo da lista da especificação dos serviços a que a marca se destina nem a integração das actividades exercidas pela recorrente na mesma lista.
Quanto ao mérito de causa, é de afirmar que, pelo menos para os serviços que a recorrente presta (de entrega rápida de valores em numerário), que estão incluídos na classe 36.ª, teria sempre de ter sido admitido o registo de marca pretendido pela recorrente, já que, de acordo com o art.º 216.º do RJPI, quando existam fundamentos para recusa do registo de uma marca apenas no que respeita a alguns dos produtos ou serviços para que este foi pedido, a recusa do registo restringe-se apenas a esses produtos ou serviços.
Daí que é de julgar procedente o recurso interposto pela recorrente, nesta parte, com a consequente manutenção do despacho proferido pela Exmª. Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia, restringindo os serviços que constam na especificação aos que constituem o objecto social da recorrente bem como necessários à prossecução do mesmo, designadamente a “negócios financeiros e negócios monetários”.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso, mantendo-se o despacho recorrido proferido pela Exmª. Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia, restringindo os serviços que constam na especificação aos que constituem o objecto social da recorrente bem como necessários à prossecução do mesmo, designadamente a “negócios financeiros e negócios monetários”.
Custas pela recorrente e pelo recorrido, com a taxa de justiça fixada em 5 UC e 3 UC.
   
   Macau, 7 de Novembro de 2012
   
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
   
   
   
   
  1 Luís Couto Gonçalves, Função Distintiva da Marca, 1999, p. 155 a 157.
  2 Carlos Olavo, Propriedade Industrial, Vol. I, 2 edição, 2005, p. 143; Luís Couto Gonçalves, Função Distintiva da Marca, p. 209.
  3 Luís Couto Gonçalves, Função Distintiva da Marca, p. 160.
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Processo n.º 45/2012