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Processo n. 318/2008 (Recurso Laboral)

Relator: Cândido de Pinho

Data do acórdão: 8 de Setembro de 2011

Descritores:
- Salário
- Gorjetas


SUMÁRIO:
A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.






















Proc. N. 318/2008


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I- Relatório

A, com os demais sinais dos autos, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$1.197,185,00 como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais não gozados desde o início da relação laboral até ao seu termo.
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Tendo os autos prosseguido até ao seu termo, foi na altura própria proferida sentença, datada de 12/03/2008, a qual julgou acção parcialmente procedente e a ré condenada a pagar à autora a quantia de MOP$ 14.223,12.
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É dessa sentença que, inconformado, novamente agora o autor recorre, em cujas alegações apresentou as seguintes conclusões:
A - Ao abrigo do disposto no art. 25º do RJRT, as gorjetas são parte integrante do salário do recorrente, sob pena de, não o sendo, o salário não ser justo;
B - A Sentença recorrida viola do o Princípio da Igualdade, pois os direitos dos trabalhadores nas mesma circunstâncias do recorrente têm vindo a ser acauteladas pelos Tribunais da RA.E.M., existindo sobre a questão Jurisprudência Assente e que considera serem as gorjetas parte integrante dos salário dos trabalhadores da recorrida.
C - Ao não considerar as gorjetas parte integrante do salário do recorrente, a Sentença proferida viola o constante do art. 25º do RJRT, o art. 23º, nº 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o art. 7º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, entre outros, com a consequente abertura de portas à violação do direito a uma existência decente e minimanente digna, sujeitando os trabalhadores a uma subsistência miserável, indigna, semelhante a uma possível “escravatura moderna” .
D - Tendo considerado provado o art. 6º da Base Instrutória e a alínea F) da matéria assente, em que ficou epresso que o salário do recorrente inclui as gorjetas recebidas e distribuidas aos trabalhadores pela recorrida, não pode vir o MMo Juiz ad quo, a posteriori e em sede de Sentença, decidir que, afinal, tais montantes não integram o seu salário.
E - Inexiste qualquer identidade ou paralelismo entre a situação dos trabalhadores dos casinos em Portugal e os de Macau, porque aqueles recebem, desde logo, da entidade patronal um salário justo, i.e., que permite a sua normal subsistência, nunca inferior ao salário mínimo Nacional, sendo que caso as gorjetas não fizessem parte integrante do salário dos trabalhadores de Macau, seria o seu salário miserável e incapaz de prover à sua alimentação, quanto mais às restantes necessidades do ser humano.
F - Também, em Portugal, situação analisada na Douta Sentença proferida, as gorjetas não são recebidas e distribuídas ao belo prazer da entidade patronal, segundo regras e critérios desconhecidos dos trabalhadores, sendo a questão clara e transparentemente regulada por Lei.
G - Na exclusiva parte recorrida, é a Douta Sentença proferida nula, de acordo com todo o exposto e o contido no art. 571º, nº 1, alíneas b) e c) do C.P.C..
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A STDM apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
1 - As gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário.
2 - A retribuição ou salário, em sentido jurídico (laboral), encerra quatro elementos essenciais e cumulativos:
i. É uma prestação regular e periódica;
ii. Em dinheiro ou em espécie;
iii. A que o trabalhador tem direito por título contratual e normativo e que corresponde a um dever jurídico da entidade patronal;
iv. Como contrapartida pelo seu trabalho.
3 - No caso dos autos, estando em causa gorjetas comprovadamente oferecidas por clientes de casino, dependendo o seu recebimento do espírito de animus donandi de terceiros, estranhos à relação jurídico-laboral, nunca poderia a trabalhadora ter exigido à sua entidade empregadora o seu pagamento inexistindo aquela oferta por parte dos clientes.
4 - Se, por hipótese, em determinado mês, não existissem quaisquer gorjetas entregues pelos clientes da Recorrida a distribuir pela A., ora Recorrente, e restantes trabalhadores, nenhum dever jurídico impendia sobre a Recorrida no sentido de suprir aquela falta e nenhum direito de crédito podiam os seus trabalhadores exigir a este respeito.
5 - Com efeito, é sabido que em anos em que o montante das gorjetas era inferior ao do ano anterior (variação que se constata pela análise dos rendimentos da A., ora Recorrente), nunca a Recorrente reclamou da ora Recorrida o seu pagamento.
6 - A Recorrente sabia que a parte do rendimento respeitante às gorjetas dependia exclusivamente das liberalidades dos clientes de casino, nada podendo exigir à ora Recorrida a esse título caso essa parte do seu rendimento fosse zero.
7 - Dispõe o artigo 25º, n.º 1 do RJRT que “Pela prestação dos seus serviços ou actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo.”.
8 - Salvo o devido respeito por opinião contrária, analisando a certidão de rendimentos da Recorrente, não se pode dizer que à A. não foi proporcionado um rendimento justo, maxime porque os rendimentos globais auferidos eram claramente superiores à média do rendimento / remuneração auferida por cidadãos de Macau com formação académica e profissional equivalente às suas que não trabalhassem em casino, os quais eram mais que bastantes para prover a uma vida digna e decente da Recorrente e sua família.
9 - A decisão recorrida não viola o princípio da igualdade, pois cada “sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.” - cfr. artigo 576º n.º 1 do C.P.C..
10 - Deste modo, na esteira do entendimento do mais Alto Tribunal da RAEM, do douto tribunal Recorrido e, bem assim, da doutrina maioritária, entendemos que “As gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário.”.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
  A R. tem por objecto social a exploração de jogos de fortuna ou azar, e a indústria hoteleira, de turismo, transportes aéreos, marítimos e terrestres, construção civil, operações em títulos públicos e acções nacionais e estrangeiros (sic.), comércios de importação e exportação. (A)
  A R. foi, até 31 de Março de 2002, a única concessionária de jogos de fortuna ou azar em Macau, designadamente a proprietária e, ou, operadora de todos os casinos aqui existentes. (B)
  Para levar a cabo o seu escopo, designadamente na área dos casinos, a Ré contratou pessoas individuais devidamente habilitadas para o efeito, ou às quais a mesma deu formação, a fim de exercer a actividade de croupier, como é o caso do A. (C)
  Em 11 de Setembro de 1983, o A. iniciou a sua relação contratual com a R., sob direcção efectiva e fiscalização por parte desta. (D)
  O horário de trabalho do A. foi sempre fixado pela R., em função das suas necessidades, por turnos diários, em ciclos de três dias, num total de 8 horas, alteradas de 4 em 4 horas, existindo apenas o período de descanso de 8 horas diárias durante dois dias e um período de 16 horas de descanso no terceiro dia. (E)
  O A. recebia de dez em dez dias de R., como contrapartida da sua actividade prestada, desde o início da relação contratual até a data da sua cessação, duas quantias, uma fixa, no valor MOP$ 4,10 por dia desde o início da relação contratual até 30 de Junho de 1989, de HKD$ 10,00 diária a partir de 1 de Julho de 1989 até 30 de Abril de 1995, e de HKD$ 15,00 por dia desde 1 de Maio de 1995 até ao fim da relação contratual, e ainda outra parte variável, em função do dinheiro recebido dos clientes de casinos vulgarmente designado por gorjetas. (F)
  Os dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios que, ao longo da vigência da relação contratual, o A. gozou, não foram pagos. (G)
  O A. tinha direito a pedir dias de dispensa ao serviço, mas não eram pagos, quer com rendimento diário fixo, quer com gorjetas correspondentes. (H)
  As gorjetas oferecidas a cada um dos trabalhadores da R. pelos seus clientes eram reunidas e contabilizadas diariamente pela seguinte composição de indivíduos: um funcionário do Departamento de Inspecção de Jogos de Fortuna ou Azar, um membro do departamento de tesouraria da R., um “floor manager” (gerente do andar) e trabalhadores das mesas de jogos da R., e depois distribuídas, de dez em dez dias, por todos os trabalhadores dos casinos da R. (I)
  O A. cessou a relação contratual com a R. em 20 de Julho de 2002. (1 º e 2º)
  Desde o início da relação contratual até à sua cessação, nunca o A. foi dispensado pela R. de um dia de descanso por cada semana de serviço prestado, nem a R. lhe pagou a respectiva compensação monetária. (3º)
  Desde o início da relação contratual até ao seu fim, nunca o A. foi dispensado pela R. de seis dias de descanso por cada ano de serviço prestado, nem a R. lhe pagou o serviço prestado pelo A. no mesmo período. (4º)
  Durante a vigência da relação contratual, nunca o A. foi dispensado pela R. de dias de descanso correspondentes aos feriados obrigatórios quer remunerados quer não remunerados, nem a R. lhe pagou o serviço prestado pelo A. nesses mesmos dias. (5º)
Durante o período em que prestava serviço à R., o A. auferiu: (6º)
No ano de 1984 - MOP$ 39.734,00;
No ano de 1985 - MOP$ 77.483,00;
No ano de 1986 - MOP$ 78.903,00;
No ano de 1987 - MOP$ 103.409,00;
No ano de 1988 - MOP$ 129.212,00;
No ano de 1989 - MOP$ 153.776,00;
No ano de 1990 - MOP$ 189.633,00;
No ano de 1991 - MOP$ 166.204,00;
No ano de 1992 - MOP$ 182.800,00;
No ano de 1993 - MOP$ 183.771,00;
No ano de 1994 - MOP$ 200.310,00;
No ano de 1995 - MOP$ 190.819,00;
No ano de 1996 - MOP$ 188.355,00;
No ano de 1997 - MOP$ 207.574,00;
No ano de 1998 - MOP$ 183.128,00;
No ano de 1999 - MOP$150.617,00;
No ano de 2000 - MOP$ 112.215,00;
No ano de 2001 - MOP$ 124.884,00;
No ano de 2002 - MOP$ 140.149,00;
  Antes da entrada do A. ao serviço da R., aquele foi informado pela R. que as gorjetas entregues pelos clientes aos trabalhadores não eram para seu benefício exclusivo, mas para todos os que naquela organização prestavam serviço. (7º e 8º)
  Aquando da contratação do A. pela R., aquele foi informado pela R., o seguinte: (9º)
  1. O rendimento seria pago à razão diária, mas apenas pelos dias em que fosse efectivamente prestado trabalho;
  2. Caso pretendesse gozar dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios, tal não lhe era negado, simplesmente esses dias não seriam pagos.
  O A. era livre de pedir o gozo de dias de descanso sempre que assim o entendesse, desde que tal gozo não pusesse em causa o funcionamento da empresa da R. e que fosse autorizado pela mesma. (11º)
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III- O Direito
Discute-se em 1º lugar se as gorjetas devem ou não fazer parte do salário. A sentença recorrida considerou que não e é dela que ora vem interposto o presente recurso.
Vejamos.
O recorrente começou a trabalhar para a recorrida como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária uma quantia fixa, desde o início até á cessação da relação laboral. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados. E tanto a parte fixa, como a variável, haviam sido acordadas verbalmente entre recorrente e recorrido.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do aresto acima já citado:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
É para nós, portanto, questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Todavia, a ausência de remuneração nesses dias não advém de qualquer acordo prévio.
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
  “…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
Neste sentido, por recentes, vejam-se os acórdãos proferidos nos Processos nºs 780/2007, de 31/03/2011, 423/2008, de 23/06, por exemplo.
Significa isto que a sentença não pode manter-se e deverá ser revogada.
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2- Ultrapassada esta questão, resta extrair as devidas consequências indemnizatórias. Impõe-se, no entanto, antecipar que, em virtude da sentença recorrida ter fixado os factores multiplicadores numa fórmula que não foi impugnada por ninguém (nem pela recorrente, nem pela STDM em recurso subordinado), não os poderá censurar este TSI, por constituírem já um dado inalterável, devido à força do caso julgado e à delimitação objectiva do recurso (art. 589º do CPC).
A única alteração que se nos impõe é que resulta da diferente base salarial para o cálculo da indemnização, que agora incluirá toda a massa remuneratória, incluindo as gorjetas, e não apenas o valor diário base percebido.
Considerar-se-á, assim, que o valor do salário diário (incluindo as gorjetas) foi de Mop$ 110.37, 215,23, 219,17, 287,24, 358,92, 427,15, 526, 75, 461,67, 507,77, 510, 47, 556,41, 530, 05, 523,20, 576,59, 508,68, 418,38, 311,70, 346,90, 389,30, nos anos de 1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2001, 2002, respectivamente.
Teremos em atenção, por outro lado, que a sentença considerou não haver lugar a indemnização relativamente ao serviço prestado em dias de descanso semanal e em feriados obrigatórios, uns e outros ao abrigo do DL nº 100/84, de 25/08. Como esta matéria não faz parte do objecto do recurso (ninguém criticou a decisão nesta parte), impedido está o tribunal de recurso de a apreciar.
E ter-se-á, por fim, em atenção, tal como decidido no despacho saneador, os efeitos da declarada prescrição, em consonância, aliás, com a sentença nesta parte.
Dito isto, avancemos para a atribuição da indemnização.

a) Descanso semanal

a) Na vigência do DL n. 101/84/M
Nada se determinará face ao que ficou dito sobre o teor da sentença.

b) Na vigência do DL n. 24/89/M
A sentença entendeu que o factor multiplicador era o 1 na fórmula AxBx1 (em que A é o número de dias vencidos e não gozados e B o valor do salário diário).
Assim sendo, considerando os dias não gozados e o valor de cada um entre 1984 e 20/07/2002 (data da cessação da relação laboral), conforme mapa a fls. 20 e 21da sentença, a indemnização atinge o valor de Mop$328.434,19.

b) Descanso anual

b)1- Na vigência do DL n. 101/84/M
Considerou a sentença que a indemnização corresponde ao resultado da fórmula (AxBx1).
E sendo assim, considerando os dias mencionados no mapa de fls. 24 da sentença e os valores acima referidos com referência a cada um dos anos, o valor indemnizatório é de é de Mop$ 1.073,31

b) 2- Na vigência do DL n. 24/89/M
Considerou a sentença que o factor multiplicativo era o 3.
Posto isto, e tendo em atenção os mesmos considerandos, o valor indemnizatório apurado ascende a Mop$ 113.863,43

c) Feriados obrigatórios

c). 1 - Na vigência do DL n. 101/84/M
Afirmou a sentença em termos imperativos que não havia lugar a indemnização relativamente ao período comandado pelo diploma em epígrafe. Nada, por isso, pode este TSI retorquir a este respeito.

c). 2- Na vigência do DL n. 24/89/M
No contexto deste diploma legal, a sentença em crise ajuizou que o factor multiplicador da fórmula era o 2 (AxBx2).
Posto isto, o valor a atribuir é de Mop$ 74.944,40.
*
Em suma, o valor total monta a Mop$ 518.315,33.

***

IV- Decidindo

Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar parcialmente a sentença nos sobreditos termos e, em virtude disso, condenar a STDM a pagar à recorrente a quantia de Mop$518.315,33, acrescida de juros legais calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo nº 69/2010.
Custas por recorrente e recorrido em ambas as instâncias na proporção do decaimento.
TSI, 08 / 09 / 2011.

José Cândido de Pinho
Choi Mou Pan
Lai Kin Hong (com declaração de voto)





 




Processo nº 318/2008
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.

RAEM, 08SET2011

O juiz adjunto


Lai Kin Hong