打印全文
Processo nº 408/2009
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 21 de Julho de 2011
Descritores: - Trabalho doméstico
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios
SUMÁRIO:
I- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
II- Na vigência do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).
III- Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).
IV- O trabalhador que preste serviço em dias de descanso anual ao abrigo do DL 101/84/M, mesmo tendo auferido o salário correspondente, terá direito ainda a uma compensação equivalente a mais um dia de salário médio diário, ao abrigo dos arts. 23º, n.1 e 24º, n.2 (salário médio diário x1).
Na vigência do DL 24/89/M, terá o trabalhador a auferir, durante esses dias, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n. 101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber também um dia de salário (salário médio diário x1).


Proc. N. 408/2009

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I- Relatório

A, com os demais sinais dos autos, representada pelo M.P., moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$179.533,84, como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais não gozados desde o início da relação laboral até ao seu termo, acrescida de juros de mora.
*
Tendo a ré STDM suscitado, na oportunidade, a excepção de prescrição na sua contestação, dela o Ex.mo juiz da 1ª instância conheceu no despacho saneador, julgando improcedente a excepção.
*
Dessa decisão recorreu a STDM, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:

a) O Mmo. Juiz defende: “Incompreensível é considerar estar-se perante um direito de prestações duradouras renováveis periodicamente, quando está em causa não a percepção de prestações pecuniárias mas o exercício de um direito de repouso que só em caso de não ser concedido constituirá obrigação da Ré pelo seu pagamento e respectiva indemnização. Pelo que nunca poderá a Ré afirmar que se tratem de prestações regulares e periódicas”;
b) Com a devida vénia, estamos manifestamente em presença de uma decisão inadequada. Isto porque.
c) Desde logo, reafirma-se a aplicação do prazo prescricional de 5 anos previsto no artigo 303º alínea f) do actual Código Civil de Macau (CC) e que é aplicável aos créditos reclamados pela A., aqui Recorrida;
d) Em face da presente relação material e jurídica ora em litígio, o prazo Prescricional em vigor é de 5 anos, nos termos do artigo 303º do CC de 1999;
e) Os créditos laborais que a Recorrida invoca, porque anteriores a 4 de Março de 2003, encontram-se prescritos, pelo decurso do prazo de 5 anos, previsto na alínea f) do artigo 303º do CC actual e na alínea g) do artigo 310º do CC de 1966, relativamente a cada uma das prestações peticionadas;
f) Os créditos peticionados pela A, Recorrida, reconduzem-se às compensações por descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios remunerados, alegadamente não gozados;
g) Os créditos peticionados pela A., reportam-se a direitos que se renovam periodicamente; e, se os créditos ora peticionados se reportam a direitos renováveis periodicamente, também eles (os créditos) são renováveis periodicamente;
h) Estando sempre em causa prestações que são independentes umas das outras e que se vencem sucessivamente, aplica-se o prazo prescricional de 5 anos para cada um dos salários e compensações reclamados pela A., pelo facto de serem periodicamente renováveis (prestações sucessivas, continuativas, periódicas, continuadas, com trato sucessivo ou reiteradas);
i) Assim, estando em causa obrigações duradouras, e dentro destas, especificamente, prestações periódicas, reiteradas, continuativas, sucessivas, continuadas ou com trato sucessivo, as mesmas ficam, na opinião da ora Recorrente sujeitas ao prazo de prescrição de 5 anos nos termos da alínea f) do art. 303º do CC actual (Vejam-se os artigos 6º, 7º, 8º e 10º da Contestação dos Autos);
j) Note-se que, de harmonia com o regime vigente em Portugal, ao abrigo do CC de 1966, nos termos do número 1 do artigo 38º da Lei do Contrato de Trabalho (LCT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, para que remete expressamente o artigo 1152º do CC de 1966, todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer pertencentes ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano contado do dia seguinte àquele em que cessar o contrato de trabalho;
k) O mesmo dispõe o actual número 1 do artigo 318º do Código de Trabalho de Portugal (CT);
l) De acordo com o previsto no Código Civil de Macau (CC), na alínea c), do número 1, do artigo 311º, a prescrição dos créditos laborais não se completa antes de corridos 2 anos sobre o terminus do contrato de trabalho;
m) O prazo prescricional ordinário ou geral que vigora em Macau é de 15 anos, de acordo com o artigo 302º do Código Civil;
n) Mas o prazo prescricional aplicável à presente relação material controvertida, estando em causa o pagamento de prestações duradouras renováveis periodicamente (a retribuição do trabalhador e as compensações pelo trabalho em dias de descanso, feriados ou licença de maternidade), é de 5 anos - alínea f) do artigo 303 º do CC;
o) Caso se entenda que aos alegados créditos vencidos, enquanto durou a presente relação material controvertida, se deve aplicar o CC de 1966, então a norma aplicável para efeitos de prescrição dos créditos peticionados é a al. g) do artigo 310º do referido diploma;
p) A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, de acordo com o número 1 do artigo 315º do CC (o sublinhado é nosso);
q) Quando a R. foi citada, em 4 de Março de 2008; a relação de trabalho com a A. havia terminado há cerca de 14 anos, pelo que, salvo melhor opinião, os créditos invocados pela A., por respeitarem ao período anterior a 4 de Março de 2003, encontrar-se-ão prescritos;
*
Os autos prosseguiram normalmente até ao seu termo, com a prolação de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido e, em consequência, a ré condenada a pagar à autora a quantia de Mop$ 120.132.89 e juros legais.
*
Da sentença interpôs recurso a STDM, que nas suas alegações apresentou as seguintes conclusões:
(i) A sentença de que ora se recorre é nula por erro na subsunção da matéria de facto na aplicação do direito. A decisão ora em crise foi proferida com base em factos que, em relação ao gozo de dias de descanso, foram erradamente dados como provados e, em relação ao impedimento do gozo de tais dias, não foram dados como provados e, porque assim foi, errou a decisão na aplicação do direito.
(ii) Foi feita a prova de que a Autora gozou efectivamente dias de descanso não remunerados e, consequentemente, de que a Ré não a impediu de gozar dias de descanso, pelo que errou o Tribunal ao condenar a Ré ao pagamento de uma indemnização pelo não gozo de dias de descanso, quando faltam duas premissas para o efeito: O não gozo, em absoluto dos dias de descanso e o impedimento do gozo de dias de descanso por parte da Ré;
(iii) Com base nos factos constitutivos do direito alegado pela A., ora Recorrida, relembre-se aqui que estamos em sede de responsabilidade civil, pelo que a esta apenas terá o dever de indemnização caso prove que a Recorrente praticou um acto ilícito.
(iv) E, de acordo com os arts. 20º, 17º, 4, b) e 24º do RJRT, apenas haverá comportamento ilícito por parte do empregador - e consequentemente direito a indemnização - quando, o trabalhador seja obrigado a trabalhar em dia de descanso semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e o empregador não o remunere nos termos da lei.
(v) Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pela A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título;
(vi) Porque assim é, carece de fundamento legal a condenação da ora Recorrente por falta de prova dos elementos essenciais à prova do direito de indemnização da A., ora Recorrida, i.e., a ilicitude do comportamento da R., ora Recorrente e o não gozo de dias de descanso.
(vii) A única conclusão justa e adequada à matéria de facto dada como provada, seria no sentido de considerar que a A. tem direito ao pagamento da remuneração, em singelo, correspondente a todos os dias de descanso reconhecidos por lei.
(viii) Remuneração essa que tem forçosamente de considerar-se inserida no valor do salário, no que respeita aos dias de descanso semanal, se considerarmos que a A. auferia um salário diário (artigo 26º nº 2 do DL. 24/89/M), e ainda no que respeita aos dias de descanso anual e feriados obrigatórios, nos termos do nº 1 do artigo 26º do RJR T, de acordo com o regime legal previsto para o salário mensal, que optou por aplicar-se ao caso concreto, não obstante ficar provado que a A. auferia um salário diário...
(ix) Pelo que, face à matéria de facto dada como provada, nunca a Ré poderia ter sido condenada ao pagamento da quantia indemnizatória que ora se impugna.
(x) Assim sendo, o Tribunal a quo errou na subsunção da matéria de facto dada como provada à solução de direito, pelo que o douto Tribunal de Segunda Instância deverá anular a decisão e absolver a Recorrente dos pedidos deduzidos pela A., ora Recorrida.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
(xi) A A., ora Recorrida, não estava dispensado do ónus da prova quanto ao não gozo de dias de descanso e ao não pagamento da compensação pelo trabalho alegadamente prestado nesses dias e devia, em audiência, por meio de testemunhas ou por meio de prova documental, ter provado que dias alegadamente não gozou.
(xii) Nos termos do nº1 do art. 335º do Código Civil (adiante CC) “Àquele que invoca um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”.
(xiii) Cabia à A., ora Recorrida, provar que a Recorrente obstou ou negou o gozo de dias de descanso.
(xiv) Requer-se, pois, que V. Exas se dignem revogar a sentença ora em crise e julgar a matéria de facto em conformidade com o ora exposto e, consequentemente, absolver a R. da Instância.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
(xv) Não se entende ou aceita que a sentença condenatória haja sido proferida apelando ao regime do salário mensal, sem que tenha sido apresentado, para o efeito, qualquer fundamento, depois de ter sido mencionado várias vezes que a contrapartida do seu serviço prestado pelo trabalhador era de uma importância diária.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
(xvi) A sentença de que ora se recorre é ainda nula por erro na condenação ao pagamento de uma indemnização pelo não gozo de dias de descanso perante a prova de que a Autora descansou, e consequente contradição com o regime do salário mensal.
(xvii) Nos termos do nº 1 do artigo 26º do RJRT, “Para os trabalhadores que auferem um salário mensal, o respectivo montante inclui o valor dos salários dos períodos de descanso semanal e anual e dos feriados obrigatórios, não podendo sofrer qualquer dedução pelo facto de não prestação de trabalho nesses períodos.” - negro nosso.
(xviii) Por um lado considera-se que a Autora recebe um salário mensal, significando isto que se considera que a Autora recebe um salário que se afere a um período de tempo igual a um mês de trabalho, ou seja, que receberia todos os meses o mesmo valor, não só porque se desconsidera a factualidade dada como provada, de que a Autora apenas receberia pelos dias em que efectivamente trabalhasse, mas também porque se considera que trabalhou todos os dias, e por outro aceita-se que o trabalhador gozou dias de descanso, e diz-se que não foram remunerados... quando é a própria lei que estipula que, nos contratos de salário mensal, a remuneração dos dias de descanso está incluída no montante do salário...
(xix) Tanto face à matéria de facto dada como provada, como face às soluções de direito escolhidas quanto ao tipo de salário, nunca a Ré poderia ter sido condenada ao pagamento da quantia indemnizatória que ora se impugna.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
(xx) O nº 1 do art. 5º do RJRT dispõe que o diploma não será aplicável perante condições de trabalho mais favoráveis que sejam observadas e praticadas entre empregador e trabalhador, esclarecendo o art. 6º deste diploma legal que os regimes convencionais prevalecerão sempre sobre o regime legal, se daqui resultarem condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.
(xxi) O facto da A. ter beneficiado de um generoso esquema de distribuição de gorjetas que lhe permitiu, ao longo de vários anos, auferir mensalmente rendimentos que numa situação normal nunca auferiria, justifica, de per se, a possibilidade de derrogação do dispositivo que impõe ao empregador o dever de pagar um salário justo, pois caso a Recorrida auferisse apenas um salário justo - da total responsabilidade da Recorrente e pago na íntegra por esta - certamente que esse salário seria inferior ao rendimento total que a Recorrida, a final, auferia durante os vários anos em que foi empregado da Recorrente.
(xxii) Não concluindo - e nem sequer se debruçando sobre esta questão - pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que a A. auferia - incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da sentença ora em crise.
Assim não se entendendo e ainda concluindo:
(xxiii) A aceitação do trabalhador de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração, e a sua renúncia aos dias de descanso teriam, forçosamente, de ser consideradas, a primeira, como provada, e a segunda, válida.
(xxiv) Os artigos 24º e seguintes da Lei Básica consagram um conjunto de direitos fundamentais, assim como os artigos 67º e seguintes do Código Civil consagram um conjunto de direitos de personalidade e, do seu elenco não constam os alegados direitos violados (dias de descanso anual e feriados obrigatórios).
(xxv) Não tendo o legislador consagrado a irrenunciabilidade dos direitos em questão, devem os mesmos ser considerados livremente renunciáveis e, bem assim, considerada eficaz qualquer limitação voluntária dos mesmos, seja essa limitação voluntária efectuada ab initio, superveniente ou ocasionalmente.
(xxvi) Donde, deveria o Tribunal ter considerado eficaz a renúncia ao gozo efectivo de tais direitos, absolvendo a aqui Recorrente do pedido.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
(xxvii) Ao trabalhar voluntariamente - e, realce-se, não ficou em nenhuma sede provado que esse trabalho não foi prestado de forma voluntária, muito pelo contrário - em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), a Recorrida optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
(xxviii) E, não tendo a Recorrida sido impedido de gozar quaisquer dias de descanso anual, de descanso semanal ou quaisquer feriados obrigatórios, é forçoso é concluir pela inexistência do dever de indemnização da STDM à Recorrida.
Ainda concluindo:
(xxix) As gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário, e bem assim as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da STDM.
(xxx) Neste sentido a corrente Jurisprudencial dominante, onde se destaca com particular acuidade o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Julho de 1999.
(xxxi) Também neste sentido se tem pronunciado a doutrina de uma forma pacificamente unânime.
(xxxii) O ponto essencial para a qualificação das prestações pecuniárias enquanto prestações retributivas é quem realiza a prestação. A prestação será retribuição quando se trate de uma obrigação a cargo do empregador.
(xxxiii) Nas gratificações há um animus donandi, ao passo que a retribuição consubstancia uma obrigatoriedade.
(xxxiv) A propósito da incidência do Imposto Profissional: “O Imposto Profissional incide sobre os rendimentos do trabalho, em dinheiro ou em espécie, de natureza contratual ou não, fixos ou variáveis, seja qual for a sua proveniência ou local, moeda e forma estipulada para o seu cálculo e pagamento”. É a própria norma que distingue, expressamente, gorjetas de salário.
(xxxv) Qualifica Monteiro Fernandes expressamente as gorjetas dos trabalhadores da STDM como “rendimentos do trabalho”, esclarecendo que os mesmos são devidos por causa e por ocasião da prestação de trabalho, mas não em função ou como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho.
(xxxvi) Na verdade, a reunião e contabilização são realizadas nas instalações dos casinos da STDM, mas com a colaboração e intervenção de croupiers, funcionários da tesouraria e de funcionários do governo que são chamados para supervisionar a contabilização das gorjetas.
(xxxvii) Salvo o devido respeito pelo Mmo. Juiz a quo, a posição de sustentar a integração das gorjetas no conceito jurídico de salário, com base no conceito abstracto e subjectivo de “salário justo”, não tem qualquer fundamento legal, nem pode ter aplicação no caso concreto.
(xxxviii) Em primeiro lugar, porque o que determina se certo montante integra ou não o conceito de salário, são critérios objectivos, que, analisados detalhadamente, indicam o contrário, se não vejamos: as gorjetas são montantes, (i) entregues por terceiros; (ii) variáveis; (iii) não garantidos pela STDM aquando da contratação; (iv) reunidas e contabilizadas pelos respectivos croupiers, juntamente com funcionários da tesouraria e do governo de Macau.
(xxxix) E, fortalece a nossa tese, a posição do governo de Macau que nunca considerou necessário a definição de um montante mínimo salarial que pudesse servir de bitola para a apreciação - menos discricionária - do que é um salário justo.
(xl) Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização só poderia levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gorjetas.
*
Cumpre decidir.

***
II- Os Factos

A sentença deu por provada a seguinte factualidade:

A Autora começou a trabalhar para a Ré em 11 de Julho de 1983.
E essa relação laboral cessou em 01 de Fevereiro de 1994.
Como contrapartida da sua actividade laboral, desde o início da relação laboral até à data da sua cessação, a Autora recebia da Ré uma quantia fixa diária e outra parte variável, em função do dinheiro recebido dos clientes de casinos vulgarmente designado por «gorjetas».
A quantia salarial fixa da Autora era de MOP$4.10 por dia, desde do seu início do trabalho até 30 de Junho de 1989, e de HK$10.00 por dia, desde de 1 de Julho de 1989 a data da cessação de funções.
E as «gorjetas» eram distribuídas pela Ré a todos os trabalhadores dos seus casinos, e não apenas aos que têm «contacto directo» com os clientes nas salas de jogo, segundo um critério por esta fixado.
Desde a data em que a Ré iniciou a actividade de exploração de jogos de fortuna e azar e até à data em que cessou a sua actividade as gorjetas oferecidas a cada um dos seus colaboradores pelos seus clientes eram reunidas e contabilizadas na presença de, entre outros, de um fiscal do governo, de um membro do departamento de tesouraria da Ré, um “floor manager” (gerente do andar) e um ou mais trabalhadores da Ré.
Os empregados que não trabalhavam directamente nas mesas ou os que não lidavam com os clientes tinham também direito a receber a distribuição das gorjetas.
Na sua distribuição interna, os trabalhadores recebiam quantitativo diferente, consoante a respectiva categoria, tempo de serviço e o departamento em que trabalha, fixada previamente pela entidade patronal.
Tanto a parte fixa como a parte variável (as gorjetas) relevavam para efeitos de imposto profissional.
As «gorjetas» eram provenientes do dinheiro recebido dos clientes dos casinos, dependentes do espírito de generosidade desses mesmos clientes, de cuja contabilização (do seu quantitativo) era feita exclusivamente pela Ré.
Os rendimentos efectivamente recebidos pela Autora entre os anos de 1984 a 1994 foram de:
a) 1984=38,888.00··
b) 1985=41,098.00
c) 1986=37,605.00
d) 1987=37,725.00
e) 1988=41,525.00
f) 1989=51,557.00
g) 1990=62,920.00
h) 1991=68,559.00
i) 1992=72,137.00
j) 1993=67,640.00
k) 1994=7,422.00.
A Autora prestou serviços em turnos, durante 24 horas em cada 3 dias, sendo o intervalo dos turnos nunca superior a 24 horas.
A Autora tinha a gozar 17 dias do descanso semanal no ano 1984, 52 dias de cada ano 1985, 1986, 1987, 1988 e 13 dias do ano 1989.
E tinha ainda 39 dias do descanso semanal no ano 1989, 52 dias de cada ano 1990, 1991, 1992 e 1993, bem como 4 dias do ano 1994.
A Autora sempre prestou serviços nos seus descansos semanais.
E não foi compensado com outro dia de descanso pela Ré por cada dia de descanso semanal não gozado.
A Autora prestou serviços também nos feriados obrigatórios de 1 de Outubro do ano 1984, de 1 de Janeiro, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos 1985, 1986, 1987 e 1988, bem como de 1 de Janeiro do ano 1989.
A Autora prestou também serviços nos restantes feriados obrigatórios, 1 dia de Chong Chao e 1 dia de Chong Yeong do ano 1984, 3 dias do Ano Novo Chinês, 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao e 1 dia de Chong Yeong dos anos de 1985, 1986, 1987 e 1988, bem como 3 dias do ano novo chinês do ano 1989.
A Autora prestou serviços também nos feriados obrigatórios de 1 de Maio e 1 de Outubro do ano 1989, de 1 de Janeiro, 3 dias do ano novo chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro dos anos 1990, 1991, 1992 e 1993, bem como de 1 de Janeiro do ano 1994.
A Autora prestou também serviços nos restantes feriados obrigatórios, 1 dia de 10 de Junho, 1 dia de Chong Chao e 1 dia de Chong Yeong e 1 dia de Cheng Meng dos anos de 1989, 1990, 1991, 1992 e 1993.
A Autora tinha direito a gozar 2 dias do descanso anual no ano 1984, 6 dias do cada ano de 1985, 1986, 1987 e 1988 e 1 dia e meio do ano 1989.
Tinha a Autora ainda direito de gozar 4 dias e meio do descanso anual no ano 1989, 6 dias do cada ano de 1990, 1991, 1992 e 1993, e 1 dia do descanso anual no ano 1994.
A Autora prestou serviços à Ré nos seus descansos anuais acima referido.
A Autora nunca gozou descansos anuais, respeitantes ao período compreendido entre 01 de Setembro de 1984 a 01 de Fevereiro de 1994.
A Ré nunca procedeu ao pagamento de qualquer quantia à trabalhadora (ora Autora) quer por descansos semanais quer por descansos anuais e feriados obrigatórios não gozados, quer remunerados quer remunerados.
A Autora tinha direito de pedir licença, mas essas licenças sendo concedidas, não eram remuneradas, quer no que se refere a salário diário, quer em «gorjetas».
A Autora gozou 76 dias de descanso em 1993.
***
III- O Direito
1- Recurso do saneador
A STDM tinha considerado que os créditos em questão estariam sujeitos ao prazo prescricional de 5 anos, nos termos do art. 303º, al. f), do Código Civil. E por assim considerar, tendo sido citada em 4 de Março de 2008, prescritos estariam os créditos anteriores a 4 de Março de 2003 (todos, na sua óptica). Não foi esse o entendimento seguido pelo Ex.mo juiz da 1ª instância. Vejamos, então.
Em primeiro lugar, importa dizer que a legislação laboral de Macau (DL n. 101/84/M, de 25/08 e, posteriormente, o DL no 24/89/M, de 3/ de Abril) nada estatuem, especificamente, sobre o regime de prescrição dos créditos emergentes das relações laborais. E se é certo que o Código Civil previa a figura do contrato de trabalho, a verdade é também que não regulamentou o seu regime, remetendo-o para legislação especial (arts. 1152º e 1153º). Assim, em matéria de prescrição, haverá que recorrer ao regime do Código Civil, importando apenas averiguar se o anterior de 1966, se o de 1999.
O art. 290º, n.1 do Cod. Civil actual (que entrou em vigor em 1 de Novembro de 1999) estabelece que o prazo fixado em lei nova, desde que mais curto do que o fixado em lei anterior, será aplicado aos prazos que já estiverem em curso. Contudo, ainda de acordo com a referida norma, o início desse prazo só se dá a partir da entrada em vigor da nova lei, “a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”, caso em que essa será a lei aplicável.
Ora, o prazo ordinário de 15 anos fixado na lei nova (art. 302º, do C.C. vigente) contado desde 1/11/1999 terminaria em 1/11/2014. Quer dizer, só a partir dessa data se colocarão problemas de prescrição ao abrigo da lei nova; neste momento, não. Mas sob o império da aplicação da lei velha (20 anos), é já possível que alguns créditos tenham prescrito, bastando que até à data da verificação do facto interruptivo tenham já passado 20 anos (art. 309º, C.C. anterior). Só isto é suficiente para concluir pela aplicação ao caso do prazo estabelecido no CC de 1966.
Mas, obtida esta conclusão, outra questão já se coloca.
Deverá ter-se em conta o disposto no art. 318º, al. e), do C.C. de 1966, segundo o qual a prescrição não começa, nem corre “entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar” (negrito nosso), tal como o defende o recorrente?
Recordemos que a legislação laboral actual da RAEM nada diz sobre o assunto. E, por tal motivo, entende a recorrente que se deve aplicar a referida norma como forma de integração da lacuna. Isto é, o prazo só deve começar a correr após a cessação da sua relação laboral, tal como acontecia com as relações de trabalho doméstico. E em apoio dessa opinião, chama à colação o art. 318º, al. e), do C.C. de 1966.
Poderemos ver nela a possibilidade de aproveitamento do seu regime aos casos por ela não abrangidos? Não, em nossa opinião.
Trata-se de uma norma muito particular que o legislador quis aplicável somente ao trabalho doméstico, por o considerar distinto e com especificidades relativamente ao universo geral da contratação laboral. Havendo uma relação de grande proximidade, até mesmo de confiança pessoal entre empregador e trabalhador doméstico, com maior incidência quando o trabalhador é “interno”, qualquer incursão judicial para reclamar créditos deste contra aquele iria abalar definitivamente a relação. Porque foi isso o que o legislador anteviu, logo tratou de trazer para a norma um mecanismo de defesa dos interesses do trabalhador, protegendo-o desse risco. Mas não tendo o legislador avistado idêntico perigo nas demais relações laborais, nenhuma necessidade viu de consagrar a mesma solução para elas. Assim sendo, uma vez que nesta matéria o silêncio da lei sobre os demais casos de serviço não doméstico não representa nenhum vazio legal, não podemos falar de lacuna que mereça ser preenchida (este é o sentido unânime da jurisprudência produzida sobre o assunto, de que a título de exemplo citamos o Ac. do TSI de 19/03/2009, Proc. n. 690/2007).
Mas também não é possível defender a aplicação ao caso do art. 303º, al. f), do Cod. Civil, tal como vem sendo decidido por este TSI em termos uniformes, não havendo razão para discordar desse entendimento.
Efectivamente, não se trata aqui de uma prestação renovável. Como se diz, por exemplo, no Ac. de 7/05/2009, deste tribunal no Proc. nº 369/2008 “ Importa não esquecer que os créditos não são os salários, mas sim as compensações por direitos não gozados. E esses direitos não são prestações renováveis, pela razão simples, desde logo, que não se chegaram a verificar.
E mesmo em relação aos salários dos trabalhadores, a prestação de trabalho não se coaduna com a natureza de uma qualquer prestação renovável, antes se traduzindo na contrapartida de um serviço prestado durante um certo período, sob direcção e instruções da entidade empregadora, correspondendo cada salário a um trabalho próprio, não se podendo dizer que o salário seguinte é a renovação do anterior”.
*
E como proceder para apuramento concreto da prescrição?
Tendo em consideração duas disposições: a do art. 306º, n.1 e a do art. 323º, n.1, do C.C. de 1966. Ou seja, tendo-se em conta que o prazo começa a correr quando o direito puder ser exercido (1ª) e que o prazo se interrompe com a citação (2ª). Mas ainda é preciso considerar a norma do art. 27º, nº3, do CPT, segundo o qual os prazos de prescrição se interrompem pela notificação da ré para a tentativa de conciliação. Assim sendo, visto que o facto interruptivo da citação ocorreu em 4/03/2008, este será o marco a considerar. Prescritos estarão os créditos subsistentes para lá de vinte anos antes dessa data, ou seja os anteriores a 04/03/1988, o que aqui se julga, revogando nessa parte o despacho saneador em causa.
*
2- Recurso da sentença

Defende a recorrente STDM que a sentença seria nula quanto aos factos dados como apurados, por não se ter demonstrado que o trabalhador esteve impedido (e só nessa circunstância haveria ilícito) de gozar os dias de descanso semanal, anual, feriados obrigatórios ou sequer que nunca os tenha gozado.
A nosso ver, não tem razão. Com efeito, o que importava apurar era somente se o trabalhador gozou ou não os dias de descanso e os feriados. Saber se a eles o trabalhador renunciou é já questão impeditiva que à STDM cumpria alegar e demonstrar (art. 335º, n.2, do C.C.). E isso não aconteceu. Quanto ao impedimento invocado, algo mais adiante diremos.
-
Mas esta matéria obriga, ainda, a outro tipo de considerações. E uma delas é a liberdade contratual. Pergunta-se: é possível que as partes da relação laboral afastem o conteúdo das normas que conferem o direito ao descanso semanal, anual e feriados obrigatórios?
Toda a gente tem estado de acordo que as normas laborais sedimentam a opinião do favorecimento da parte mais fraca económica ou socialmente, que é o trabalhador. E é por isso que, quando o legislador positiva direitos em favor do trabalhador fá-lo de forma impostergável. Isto é, não se tem entendido ser permitido que, contra a vontade do legislador vertida na norma, o trabalhador acorde com o empregador um regime de trabalho que lhe retire direitos. Estamos, pois, a falar de direitos irrenunciáveis, que de alguma maneira, o art. 30º, da Lei Básica traduz ou acolhe à luz do princípio da inviolabilidade da dignidade humana. Pode o trabalhador acordar com o empregador o valor do salário, dentro de certos limites. O que não pode é prescindir de certos direitos nascidos apenas em seu exclusivo benefício. É o caso, por exemplo, do direito ao descanso.
Disso, aliás, nos dá conta o art. 5º, do DL n.101/84/M e 5º, do DL n.24/89/M ao estabelecer o princípio do tratamento mais favorável.
E não se diga que o acordo firmado entre recorrente e recorrido neste caso concreto é mais favorável ao trabalhador. Tanto no caso da natureza do contrato, no da composição do salário, como no do gozo de dias de descanso e feriados, nada do que se provou encaixa bem no princípio, antes pelo contrário.
Assim, mesmo que se tivesse provado a renúncia a tais direitos – e não se provou - ela seria inoperativa, porque prejudicial aos interesses do trabalhador.
Isto não quer dizer, bem entendido, que trabalhar nesses dias de descanso signifique uma renúncia totalmente abdicativa do correspondente direito. Pode acontecer que o trabalhador preste voluntariamente serviço nesses dias (ver art. 17º, n.5, do DL n. 101/84/M), mas para isso mesmo é que a própria lei prevê formas substitutivas compensatórias (v. art. 566º, do Cod. Civil). Ou seja, tanto é um direito forte (embora não intangível) que só pode ser quebrado num contexto favorável ao trabalhador. E isto é o que a própria lei prevê, de nada valendo a invocação dos usos e costumes, porque estes, pelo modo como a recorrente os desenha, não afastam minimamente as normas imperativas a que nos vimos referindo. O trabalho praticamente contínuo dos “croupiers”, devido à escassez de mão-de-obra especializada para o serviço nas bancas dos casinos de Macau, teria que ser compensado como manda a lei e nunca como o terá querido o empregador ou como, em tese geral, o admitisse o próprio trabalhador. Os usos e costumes nunca poderiam sobrelevar-se ao domínio normativo.
-
Retomando a discussão iniciada, somos levados a dizer que não existe falta de prova, nem sequer erro na apreciação da prova. Pensa a recorrente que sim, quanto ao primeiro ponto, por achar que o impedimento por parte do trabalhador em gozar aqueles dias de descanso seria necessário à aquisição do direito a compensação. Mas não. A lei não faz depender a compensação de qualquer obstáculo criado pelo empregador ao descanso do trabalhador. Pura e simplesmente abstrai dele. Por isso, não seria necessário que se provasse que o trabalhador foi obrigado a trabalhar contra a sua vontade naqueles dias (sobre este ponto, apenas seremos levados a concordar com a recorrente quanto ao descanso anual, mas a seu tempo trataremos dele).
Diferente se nos afigura já a questão do erro na apreciação da prova. A solução antevê-se, porém, fácil.
Em 1º lugar, cumpriria à recorrente indicar as passagens da gravação em que se funda para infirmar a decisão sobre a matéria de facto (art. 599º, n.2, do CPC). E não o fez.
Em 2º lugar, a decisão em causa repousa numa convicção do julgador que, sem outros dados adicionais que possamos conferir, é impossível controlar.
Portanto, à falta de melhores elementos, não se pode dar razão à recorrente sobre este ponto.

*
Da natureza do vínculo e da composição do salário

Nas conclusões seguintes, o recorrente insurge-se contra a indemnização fixada, em especial contra a fórmula de cálculo fixada na sentença. Todavia, para apuramento de um dos factores que integram a fórmula importa que afirmemos previamente a natureza do contrato e o valor do salário em causa.
O recorrente começou a trabalhar para a recorrida como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária uma quantia fixa, desde o início até á cessação da relação laboral. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados. E tanto a parte fixa, como a variável, haviam sido acordadas verbalmente entre recorrente e recorrido.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do aresto acima já citado:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
*
E diz ainda a recorrente STDM que a sentença andou mal ao partir da existência de um salário mensal para apuramento do valor compensatório reclamado pelo trabalhador.
É para nós questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Todavia, a ausência de remuneração nesses dias não advém de qualquer acordo prévio.
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
  “…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
*
Como calcular a compensação, tendo em atenção a prescrição acima decidida?


a) Descanso semanal

Na vigência do Dl nº DL n. 101/84/M

A sentença nesta parte entendeu que o diploma em epígrafe não concedia nenhuma compensação pecuniária pelos dias de trabalho prestado nos períodos de descanso semanal.
Ora, não tendo o autor recorrido da sentença, e atendendo ao objecto do recurso apresentado pela STDM, impedido está o tribunal de se pronunciar sobre o assunto.
*
Na vigência do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda:
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2, tal como concluiu a sentença recorrida.
O valor devido será de Mop$ 91.388,86.
*
b) Descanso anual
- Na vigência do DL n. 101/84/M
O art. 23º, n.1 reza assim:
“O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios”.
O art. 24º, por seu turno, dispõe do seguinte modo:
”1- O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2- No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período”.
A solução coerente e harmónica com todo o espírito que perpassa no diploma, já vista nos restantes casos, não pode deixar de ser a que impõe ao empregador o dever de pagar mais uma unidade salarial. Expliquemo-nos mais uma vez, tanto por uma, como por outras das perspectivas que temos vindo a desenhar.
1ª Perspectiva (pagamento do devido):
Suponhamos que o empregador pagou ao trabalhador a importância que ele sempre teria que receber pelo gozo dos dias de descanso anual – sem perda de salário, diz o art. 23º, n.1; sem possibilidade de desconto no salário mensal, diz o art. 28º.
Como ele trabalhou nesse dia, falta pagar-lhe o salário correspondente ao serviço prestado. Ou seja, tem a receber 1 (um) crédito salarial correspondente a um dia de salário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado):
Se o empregador já pagou ao trabalhador o serviço prestado em cada um desses dias, falta pagar-lhe o valor correspondente aos dias de descanso não gozados e que sempre lhe seria devido. Portanto, 1 (um) dia de crédito salarial.
A fórmula é, em qualquer caso, salário médio x 1, tal como atribuído na sentença, que assim não merece reparo, excepção feita ao valor apurado em razão da divergência sobre a prescrição. Assim, tendo em consideração que estão prescritos os créditos anteriores a 4/03/1988 (equivalendo, em termos proporcionais a 4,5 dias, no valor de 517,95 no ano de 1988)
O valor a considerar é, pois, de Mop$ 732,77 (517,95+214,82)
*
Na vigência do DL n. 24/89/M
São seis os dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1). Se a duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do nº 2.
No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar “ (bold nosso).
O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e o facto que mais se aproximava desse desiderato era o do art. 20º da base instrutória, que mereceu resposta negativa.
Como compensar o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?
A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.
Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Assim, valem aqui mutatis mutandis, as considerações tecidas atrás, quando nos referimos ao modo de compensar o trabalhador que prestou trabalho nos dias de descanso anual ao abrigo do diploma de 1984. Sendo elas também prestáveis à interpretação do DL 24/89/M, somos a concluir como além: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1 (tal como defendido pela recorrente STDM, nas suas alegações de recurso) e não 2, como foi decidido na sentença.
A ser assim, a indemnização deve baixar para Mop$ 5.281,35.
*
c) Feriados obrigatórios
Na vigência do DL n. 101/84/M
A sentença não atribuiu qualquer valor indemnizatório. Ora, como o trabalhador interessado não recorreu da sentença e o objecto do recurso interposto pela STDM não abrange esta matéria, até por lhe ser favorável, está o TSI impedido de se pronunciar sobre o tema.
*
-Na vigência do DL n. 24/89/M
Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3, tal como fora decidido na sentença recorrida, o que corresponde ao valor de Mop$ 15.117,90.
*
IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
a) Julgar parcialmente procedente o recurso do despacho saneador interposto pela STDM e, em consequência disso, revogar o referido despacho na parte correspondente, e julgar prescritos os créditos anteriores a 4/03/1988.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.
b) Julgar o recurso jurisdicional interposto pela STDM parcialmente procedente e, confirmando e revogando a sentença nos sobreditos termos, condenando a STDM no pagamento ao autor da importância de Mop$ 112.520.88, a que acrescerão os juros de mora calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.

TSI, 21 / 07 / 2011.

José Cândido de Pinho (Relator)
Choi Mou Pan
Lai Kin Hong (com declaração de voto)













Processo nº 408/2009
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.

RAEM, 21JUL2011

O juiz adjunto


Lai Kin Hong