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Processo n.º 529/2011 Data do acórdão: 2011-10-27
(Autos de recurso penal)
  Assuntos:
  – confissão parcial dos factos
– art.o 325.o, n.o 1, do Código de Processo Penal
– art.o 325.o, n.o 4, do Código de Processo Penal
– acta da audiência
– desconformidade do teor da acta
– art.o 90.o, n.o 3, do Código de Processo Penal
– art.o 89.o, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal
– relatório social
– determinação da sanção
– art.o 351.o, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal





S U M Á R I O
1. Nos termos do art.o 325.o, n.o 1, do Código de Processo Penal vigente (CPP), se o arguido pretender confessar os factos imputados, tem de declarar essa sua intenção ao juiz que preside ao julgamento, a quem cabe perguntar ao arguido se o faz de livre vontade e fora de qualquer coacção, e se se propõe fazer uma confissão integral e sem reservas, para depois decidir nos termos do n.o 4 deste preceito processual, no caso nomeadamente de confissão parcial ou com reservas dos factos.
2. In casu, se, a montante, da acta da audiência de julgamento em primeira instância não consta que a arguida ora recorrente tenha declarado a vontade de confessar os factos, e se ela não chegou a arguir, sob a égide do art.o 90.o, n.o 3, do CPP (conjugado com o art.o 89.o, n.os 1 e 2, deste Código), a desconformidade do teor da acta, não pode vir ela a sustentar agora, apenas em sede da motivação do recurso, que, afinal de contas, ela própria chegou a confessar alguns dos factos imputados.
3. Por a recorrente ter idade não inferior a 21 anos à data dos factos em questão, não é obrigatório o pedido de elaboração de relatório social para fins de determinação da sanção – cfr. o art.o 351.o, n.o 1, e n.o 2 (sendo este, a contrario sensu), do CPP.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 529/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I - RELATÓRIO
Por acórdão proferido em primeira instância no âmbito do Processo Comum Colectivo n.° CR1-08-0063-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), a 1.a arguida A, aí já melhor identificada, ficou finalmente condenada apenas como autora material, na forma consumada, de cinco crimes de burla de valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.o 211.o, n.o 4, alínea a), do Código Penal de Macau (CP), na pena igualmente de três anos e três meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico com as penas então objecto de cúmulo jurídico inclusivamente decidido no Processo Comum Colectivo n.o CR4-09-0235-PCC, na pena única de dezassete anos de prisão, para além do também condenado pagamento de quantias indemnizatórias de danos patrimoniais sofridos pelos respectivos cinco ofendidos chamados B (no valor de MOP309.000,00), C (no valor de MOP290.000,00), D (no valor de HKD281.700,00), E (E) (no valor de MOP373.400,00), e F (F) (no valor de MOP223.916,00), com juros legais desde a data desse acórdão até efectivo e integral pagamento, enquanto a 2.a arguida G ficou absolvida (cfr. o teor do acórdão de fls. 631 a 640 dos presentes autos correspondentes).
Inconformada, veio a 1.a arguida assim condenada recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, tendo concluído a sua motivação e peticionado a final nos termos seguintes:
– <<[...]
1.ª Aquando do julgamento do caso, a recorrente encontrava-se detida desde 14/09/07 e em cumprimento de uma pena única de 10 anos de prisão resultante do cúmulo jurídico antes operado em função dos crimes praticados objecto de outros cinco processos e das condenações parcelares anteriores.
2.ª Aplicada a pena concreta a cada um dos cinco crimes, o tribunal deparou-se com a necessidade de operar o cúmulo jurídico das penas aplicadas a estes (outros) cinco crimes com as penas aplicadas a todos os anteriores crimes determinativos de anterior cúmulo jurídico de 10 anos de prisão operado no processo CR4-09-0235-PCC.
3.ª Ignora-se o critério que levou os julgadores a aplicar a cada um dos crimes uma pena parcelar de 3 anos e 3 meses de prisão porque, havendo eles sido praticados dentro do espaço temporal em que se verificou o crime determinativo da sua condenação a 3 anos de prisão (e havendo todos os anteriores crimes idênticos nos anteriores processos sido punidos com penas parcelares não superiores a 2 anos e 3 meses ou 2 anos e 9 meses de prisão) a fixação da pena concreta por cada um destes (outros) cinco crimes, da mesma natureza, em 3 anos e 3 meses de prisão se afigura excessiva.
4.ª Tendo sido já ponderado nas anteriores condenações o facto de não ser delinquente primária e de ter voltado a incorrer na prática de crimes da mesma natureza, o facto de agora ter sido levada a julgamento quando se encontrava já em cumprimento de pena por crimes anteriores da mesma natureza, não existiam razões que justificassem que as penas concretas aplicadas a cada um dos crimes por que foi agora condenada viessem a ser superiores à mais elevada das penas das condenações parcelares anteriores, a de 3 anos de prisão, aplicada pelo crime objecto do processo CR4-09-0235-PCC.
5.ª E isto por ser de admitir, com elevado grau de probabilidade, que se estes outros crimes tivessem sido julgados em conjunto com o crime do processo CR4-09-0235-PCC, as penas parcelares aplicadas não teriam sido superiores à aplicada naquele (outro) processo pelo crime que dele foi objecto: 3 anos de prisão.
6.ª Não se tratando de factos posteriores à anterior condenação - pois a sentença do processo CR4-09-0235-PCC foi proferida em 05/03/2010, sendo todos os factos integradores dos crimes anteriores a essa (outra) condenação e numa altura em que a recorrente se encontrava já em situação de prisão preventiva desde 14/09/2007, nada parece justificar a particular severidade do tribunal recorrido.
7.ª Ignoram-se os fundamentos que determinaram o tribunal recorrido a fixar o (novo) cúmulo jurídico em 17 anos de prisão por existirem dúvidas aobre as operações a que o tribunal recorrido procedeu na efectivação desse (novo) cúmulo jurídico, dado que a descrição das operações determinativas do (novo) cúmulo jurídico não são escalarecedoras quanto a saber se a pena única encontrada no processo CR4-09-0235-PCC, de 10 anos de prisão, foi tomada em consideração pelo tribunal recorrido, de tal sorte que o novo cúmulo jurídico tenha sido feito entre a pena única aplicada a todos os anteriores crimes (julgados noutros processos) e as penas parcelares agora fixadas.
8.ª Os julgadores não fixaram nos termos exigidos pelo art.º 71.º do CP, as balizas entre a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (como respectivo limite máximo) e a indicação da mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (como limite mínimo do cúmulo).
9.ª A falta de conhecimento das concretas operações determinativas do cúmulo jurídico pelo tribunal recorrido consubstancia falta de fundamentação de facto e de direito, o que constitui um requisito da sentença exigido pelo n.º 2 do art.º 355.º do C.P.Penal e é gerador de nulidade da sentença por força do disposto no art.º 360.º, alínea a) do mesmo código.
10.ª Aquando da fixação da pena única de 10 anos de prisão no processo CR4-09-0235-PCC, o tribunal já ali se deparava com um espectro penal situado entre os 3 anos de prisão os 30 anos de prisão, sendo o ponto intermédio, ali, consequentemente, de 17 anos e 6 meses de prisão, havendo o tribunal fixado a pena única em 10 anos de prisão.
11.ª O escalão penal decorrente do quadro que se oferecia ao tribunal recorrido era, agora, também, sensivelmente idêntico àquele, oscilando entre os 3 anos e 3 meses e os 30 anos.
11.ª Situando-se o escalão aplicável ao cúmulo jurídico das penas no anterior processo CR4-09-0235-PCC entre os 3 anos e os 30 anos de prisão e o escalão penal aplicável no processo da actual condenação entre os 3 anos e 3 meses e os 30 anos (não se perdendo de vista que 30 anos é O limite absoluto do escalão para efeitos de fixação do cúmulo jurídico) o tribunal recorrido poderá ter alargado (ao menos implicitamente) de modo ilegal o novo escalão penal para efeitos do (novo) cúmulo jurídico para além dos 30 anos, o que lhe estava interdito.
12.ª Dado o tempo da execução dos crimes objecto deste (outro) processo se situar dentro do tempo da execução dos crimes objecto do anterior processo, não se vem razões justificativas da agravação em 70% do cúmulo jurídico anteriormente fixado, oferecendo à pena concreta agora fixada no processo objecto do presente recurso uma natureza mecânica, arbitrária e desequilibrada em violação do princípio da proporcionalidade das penas pelo confronto que se observa entre os cálculos, ponderações e critérios de ambos os tribunais.
13.ª Tal pena subverte as regras da punição da pluralidade de crimes determinativa do cúmulo jurídico para passar a consubstanciar uma aplicação indevida dos critérios da sucessão de crimes ou da reincidência em que, ao invés de um cúmulo de penas se procede a uma adição de penas (resultantes das condenações nos diferentes processos).
14.ª Se as penas fixadas agora não houvessem de considerar-se integradas num cúmulo jurídico com as penas concretamente aplicadas nos anteriores processos, e estivéssemos perante um caso de reincidência, a pena única encontrada neste processo, perante a medida concreta da pena encontrada para cada um dos cinco crimes situar-se-ia entre os 3 anos e 3 meses e os 16 anos e 3 meses e um (eventual) cúmulo jurídico nos 7 anos de prisão teria se ser cumprido pela arguida em sucessão (e, logo, cumulativamente) com a pena de 10 anos aplicada naquele outro processo, o que reforça a imputada desproporcionalidade da pena global de 17 anos de prisão fixada pelo tribunal recorrido.
15.ª É substancialmente diverso um cúmulo jurídico de penas derivado da aplicação das normas aplicáveis de uma acumulação material de penas, o que se afigura decorrer de, diferentemente do que se passa na acumulação material de penas, no cúmulo jurídico existir como que uma osmose entre os critérios determinativos da punição no(s) anterior(es) processo(s) e no processo do tribunal competente para o cúmulo jurídico.
16.ª Percorrendo o Ac. recorrrido na tentativa de compreender a pena parcelar de 3 anos e 3 meses de prisão para cada um dos crimes e a extrema severidade da pena conjunta de 17 anos aplicada, apenas se localizam as seguintes afirmações: «não confessa os factos» e «considerando-se as circunstâncias e os factos integrados nos vários casos» sem qualquer referência ou transcrição dessas «circunstâncias» ou desses «factos», o que e insuficiente para o ajuizamento imposto por lei dos «factos e da personalidade do delinquente».
17.ª O Tribunal, podendo fazê-lo, não solicitou aos Serviços Sociais do EPM um Relatório Social que, num caso da natureza deste – em que se requer ao juiz uma avaliação conjunta dos factos e da personalidade do arguido -, poderia revelar-se de grande relevância para avaliação da personalidade da arguida ao cabo de três anos de detenção/execução de pena.
18.ª Mas, se não era obrigatório, perante a fragilidade da informação que veio a ser vertida no aresto condenatório sobre essa importante matéria, ter-se-ia justificado plenamente que o Tribunal, por ocasião das deliberações e votações, houvesse feito uso dos poderes que lhe conferem os art.ºs 352.º e 350.º do CP e houvesse reaberto a audiência para produção de prova complementar sobre a perícia da personalidade da arguida e as condições de vida na prisão.
19.ª Não corresponde à verdade que a arguida «não confessou os factos» pois, como o demonstra o seu depoimento incluído na transcrição integral da prova produzida anexa, embora não tenha feito uma confissão plena dos factos, a recorrente confessou-os parcialmente.
20.ª O cúmulo jurídico das penas tem a ver com a razão de ser da unidade da aplicação da pena única ao concurso de crimes, a qual se prende necessariamente com as finalidades da punição, sendo que a pena não tem uma função exclusiva ou predominantemente retributiva, de compensação do mal do crime com o mal da pena, mas essencialmente uma função de prevenção de futuros crimes.
21.ª O Tribunal recorrido ignorou a relevância devida à pena cumprida, isto é a relevância do efeito da advertência na recorrente da pena já cumprida e da educação para o respeito da legalidade que lhe está ínsita.
22.ª Estabelecida a medida penal do concurso, o tribunal ocupa-se da determinação, dentro dos limites da moldura penal, da medida da pena conjunta do concurso em função das exigências gerais da culpa e da prevenção, enfrentando um critério especial obriga desde logo (...) a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso (...) só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da «arte» do juiz uma vez mais – ou puramente mecânico e portanto arbitrário.
23.ª Em alguns dos factos provados pelo Tribunal recorrido observa-se gritante erro notório na apreciação da prova, particularmente lá onde se imputa à recorrente um facto ocorrido quando se encontrava já em prisão preventiva/execução de pena.
24.ª Alguns dos factos dados como provados foram-no contra a prova real e efectivamente produzida, o que significa que o Tribunal recorrido não logrou fazer uma análise cruzada das provas que lhe permitisse identificar a «história» real do processo.
25.ª A recorrente confessou dois dos crimes imputados, os referentes aos ofendidos F E e negou três deles, os relativos aos ofendidos B, C e D, o que está em plena conformidade com a prova globalmente produzida.
26.ª A decisão recorrida violou a norma do art.º 71.º, n.º 1 (parte final) do CP ao não ter procedido à ponderação e avaliação da personalidade da recorrente nas operações de fixação do cúmulo jurídico das penas.
27.ª Violou, ainda, o dever de fundamentação das sentenças penais imposto pelo art.º 355.º, n.º 2, incorrendo na nulidade do art.º 360.º, alínea a), ambas as normas do CPP.
28.ª Violou, ainda, o princípio da proporcionalidade das penas.
29.º Incorreu em erro notório na apreciação da prova.
[...] PEDIDO
  NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS EXPOSTOS [...], deve ser concedido provimento ao recurso e, na procedência dos apontados vícios: (a) anulado o julgamento com reenvio dos autos; ou (b) anulado o Ac. recorrido e determinado o reenvio dos autos para ser proferido novo Acórdão; ou (c) alterado o Ac. recorrido e condenada a recorrente a uma pena conjunta não superior a 12 anos.>> (cfr. o teor de fls. 889 a 896 dos autos).
Respondeu o Ministério Público no sentido de rejeição do recurso, por este se lhe afigurar manifestamente improcedente, ante mormente as seguintes conclusões tecidas na sua resposta:
– <<[...]
1- O crime parcelar de 3 anos e 3 meses está dentro da moldura penal pelo que a sua aplicação é totalmente legal;
2- Tendo em consideração todas as circunstâncias descritas no no. 2 do art. 65° do CPM, a aplicação de uma pena concreta (parcelar) de 3 anos e 3 meses de prisão é totalmente proporcional considerando principalmente o valor burlado e a situação económica dos ofendidos bem como a conduta anterior e posterior à prática do crime da Recorrente;
3- O cúmulo jurídico foi correctamente operada principalmente na determinação da nova moldura penal (do cúmulo);
4- Bem como da determinação da pena única tomou em consideração todas as circunstâncias que a lei exige;
5- Não houve qualquer erro notória na apreciação da prova, mas apenas um desafio à livre convicção do Tribunal a quo>> (cfr. o teor de fls. 976v dos autos).
Subido o processo, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer (a fl. 991), no sentido de aderir à posição assumida na resposta ao recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, e com audiência já realizada nesta Segunda Instância, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como ponto de partida, é de atender a toda a matéria de facto já descrita como provada no texto do acórdão ora recorrido (de fls. 631 a 640), que se dá por aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
Por outro lado, do exame dos presentes autos (nomeadamente de diversas certidões de decisões judiciais juntas aos mesmos), fluem também os seguintes elementos pertinentes à decisão do recurso sub judice:
– a arguida ora recorrente nasceu em 1969;
– no Processo Comum Colectivo n.o CR3-05-0252-PCC do TJB, por decisão judicial de 11 de Dezembro de 2006, já transitada em julgado em 21 de Dezembro de 2006, a ora recorrente, foi condenada, por factos ocorridos em Junho e Julho de 2000, como autora de dois crimes consumados de burla, p. e p. pelos art.os 211.o, n.o 1, e 221.o do CP, na pena de nove meses por cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de um ano de prisão, suspensa na sua execução por dois anos;
– no Processo Comum Colectivo n.o CR1-04-0095-PCC do TJB, por decisão judicial de 17 de Dezembro de 2007, já transitada em julgado em 27 de Dezembro de 2007, a ora recorrente, foi condenada, por factos ocorridos em 1997 e também em 1992 a 2002, como autora de dez crimes consumados de burla (como modo de vida) do art.o 211.o, n.o 4, alínea b), do CP, na pena de dois anos e três meses por cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de seis anos e seis meses de prisão;
– no Processo Comum Colectivo n.o CR3-06-0188-PCC do TJB, por decisão judicial de 17 de Dezembro de 2007, já transitada em julgado em 15 de Maio de 2008, a recorrente, foi condenada, por factos ocorridos em Julho de 2001, como autora de um crime consumado de burla do art.o 211.o, n.o 1, do CP, na pena de dez meses de prisão, suspensa na sua execução por dezoito meses;
– no Processo Comum Colectivo n.o CR2-07-0067-PCC do TJB, por decisão judicial de 17 de Dezembro de 2007, já transitada em julgado em 29 de Maio de 2008, a recorrente, foi condenada, por factos ocorridos em Outubro de 2004 a Janeiro de 2005 e em Dezembro de 2005 a Janeiro de 2006, como autora de dois crimes consumados de burla de valor consideravelmente elevado do art.o 211.o, n.o 4, alínea a), do CP, na pena de dois anos e nove meses de prisão por cada, e como autora de um crime consumado de uso de documento falso do art.o 244.o, n.o 1, alínea c), do CP, na pena de um ano e nove meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas três penas parcelares, na pena única de três anos e nove meses de prisão;
– no Processo Comum Colectivo n.o CR4-09-0235-PCC do TJB, por decisão judicial de 5 de Março de 2010, já transitada em julgado em 15 de Março de 2010, a recorrente, foi condenada, por factos ocorridos em Outubro a Dezembro de 2006, como autora de um crime consumado de burla de valor elevado do art.o 211.o, n.os 1 e 3, do CP, na pena de três anos, e, em cúmulo jurídico dessa pena parcelar com todas as penas parcelares em causa nos quatro acima referidos processos anteriores, na pena única de dez anos de prisão;
– no Processo Comum Colectivo n.o CR1-08-0063-PCC do TJB, por acórdão agora sob impugnação, a recorrente, foi condenada, por factos ocorridos desde Março de 2006 a Julho de 2007, como autora de cinco crimes consumados de burla de valor consideravelmente elevado do art.o 211.o, n.os 1 e 4, alínea a), do CP, na pena de três anos e três meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico dessas cinco penas parcelares com todas as penas parcelares objecto dos cinco acima referidos processos anteriores, na pena única de dezassete anos de prisão.
No acórdão ora recorrido, o Tribunal a quo chegou a afirmar que:
– a recorrente “não confessou os factos em causa”;
– o cúmulo jurídico das penas foi feito nos termos dos art.os 72.o, n.os 1 e 2, do CP, com ponderação das circunstâncias da prática dos crimes em questão nos diversos processos penais em causa e da actuação da recorrente.
No subjacente Processo n.o CR1-08-0063-PCC, a recorrente ficou detida policialmente em 12 de Setembro de 2007, e passou a estar sujeita à prisão preventiva imposta judicialmente desde 14 de Setembro de 2007.
Do teor da acta de audiência de julgamento deste subjacente Processo em primeira instância, não consta que a recorrente tenha declarado que pretendia fazer alguma confissão dos factos, nem que a recorrente tenha suscitado a desconformidade do teor da acta.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Por uma questão da sequência lógica, é de conhecer primeiro do vício de erro notório – assacado ao Tribunal recorrido apenas na parte final da motivação do recurso – na apreciação da prova em relação aos crimes de burla tidos por cometidos pela recorrente contra os ofendidos B, C e D.
A este propósito, após examinados todos os elementos probatórios referidos na fundamentação do acórdão recorrido, não se vislumbra ao presente Tribunal ad quem qualquer erro notório na apreciação da prova relativa aos acusados crimes de burla de valor consideravelmente elevado contra esses três ofendidos, porquanto o resultado do julgamento da matéria de facto então feito não se apresenta violadora de quaisquer normas jurídicas de prova legal, legis artis ou regras da experiência da vida humana na normalidade de situações, e é aceitável para qualquer homem médio colocado na situação concreta do ente julgador, não podendo, pois, a recorrente vir tentar fazer impor o seu ponto de vista pessoal sobre o julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal recorrido, ao arrepio do princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.o 114.o do CPP.
Na parte inicial da sua motivação, a recorrente começou por esgrimir ao Tribunal a quo o excesso na medida da pena de três anos e três meses de prisão para cada um dos cinco crimes de burla de valor consideravelmente elevado por que nesta vez vinha condenada, entendendo ela <>, e que <> (cfr. concretamente o conteúdo do 1.o parágrafo da pág. 12 e dos 2.o e 3.o parágrafos da pág. 13 da motivação do recurso, e sic).
Mas, sem razão.
Na verdade, a dosemetria encontrada pelo Tribunal autor do acórdão do Processo n.o CR4-09-0235-PCC para a medida da pena aí imposta concretamente em três anos de prisão – agora tida pela ora recorrente na sua motivação como padrão de boa referência para a medida concreta da pena dos cinco crimes de burla por que vinha agora condenada no acórdão recorrido do subjacente Processo n.o CR1-08-0063-PCC – o foi para um crime de burla de valor elevado, previsto pelo pelo art.o 211.o, n.os 1 e 3, do CP, e punível com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias, e, pois, não para o tipo legal de burla de valor consideravelmente elevado do art.o 211.o, n.os 1 e 4, alínea a), do CP, por que vinha a recorrente nesta vez condenada em primeira instância, e punível dentro da moldura, muito mais severa, de dois a dez anos de prisão, pelo que a pena parcelar de três anos e três meses de prisão achada no acórdão ora recorrido para cada um dos cinco crimes de burla de valor consideravelmente elevado, e à falta de confissão integral e sem reservas dos factos, já não pode ser mais benévola para a recorrente, à luz dos padrões da medida da pena plasmados nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o do CP.
Improcede, assim, e sem mais outra indagação por ociosa, o recurso nesta parte.
Por outra banda, alegou sobretudo a recorrente (nos 2.o e 3.o parágrafos da pág. 17 e no último parágrafo da pág. 19 da sua motivação, respectivamente) que em relação à pena única de dezassete anos de prisão achada no acórdão recorrido:
– o Tribunal a quo <>;
– <>;
– <> pois, ... embora não tenha feito uma confissão plena dos factos, a recorrente confessou-os parcialmente ... confessou dois dos crimes por que foi levada a julgamento, negando a prática de três deles>>.
Com isso, pediu a recorrente uma pena única nunca superior a doze anos de prisão (cfr. o 3.o parágrafo da pág. 24 da sua motivação), para além de suscitar a questão de falta de fundamentação, com relevância nos termos conjugados dos art.os 355.o, n.o 2, e 360.o, alínea a), do CPP, da decisão de cúmulo jurídico das penas tomada no acórdão recorrido, bem como a questão de o Tribunal recorrido não dever não ter solicitado aos Serviços Sociais do Estabelecimento Prisional de Macau um relatório social, com vista a uma justa determinação da sanção à recorrente.
Antes do mais, é de tratar da questão de “confissão” ou não dos factos.
A recorrente afirma na sua motivação que chegou a confessar alguns dos factos, com relevância para a medida da pena, enquanto o Tribunal a quo afirmou na fundamentação do acórdão ora recorrido que ela “não confessou os factos em causa”.
Nos termos do art.o 325.o, n.o 1, do CPP, se o arguido pretender confessar os factos imputados, tem de declarar essa sua intenção “ao juiz que preside ao julgamento”, a quem cabe perguntar ao arguido se o faz de livre vontade e fora de qualquer coacção, e se se propõe fazer uma confissão integral e sem reservas, para depois decidir nos termos do n.o 4 deste preceito processual, no caso nomeadamente de confissão parcial ou com reservas dos factos.
In casu, é processualmente descabida a tese ora sustentada pela recorrente mormente na conclusão 19.a da sua motivação, no alegado sentido de que ela tenha chegado a confessar parcialmente os factos imputados.
É que se, a montante, da acta da audiência de julgamento em primeira instância não consta que ela tenha declarado a vontade de confessar os factos, e se ela não chegou a arguir, sob a égide do art.o 90.o, n.o 3, do CPP (conjugado com o art.o 89.o, n.os 1 e 2, deste Código), a desconformidade do teor da acta, como pode vir ela agora a sustentar, a jusante, e apenas em sede da motivação do recurso, que, afinal de contas, ela chegou a confessar alguns dos factos imputados?
Outrossim, não é obrigatório, no caso dos autos, atenta a idade da recorrente à data dos factos em questão no subjacente Processo (indubitavelmente não inferior a 21 anos), o pedido de elaboração de relatório social para fins de determinação da sanção – cfr. o art.o 351.o, n.o 1, e n.o 2 (sendo este, a contrario sensu), do CPP.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido, também não se mostra que o Tribunal a quo tenha violado o dever da fundamentação da sua decisão nos termos exigidos no art.o 355.o, n.o 2, do CPP, sendo certo que chegou a afirmar materialmente na fundamentação do seu aresto que o cúmulo jurídico foi feito nos termos dos art.os 72.o, n.os 1 e 2, do CP, com ponderação das circunstâncias da prática dos crimes em questão nos diversos processos penais em causa e da actuação da recorrente (cfr. os últimos três parágrafos da pág. 16 e os dois primeiros parágrafos da pág. 17 do acórdão recorrido).
E agora da questão nuclear de justeza, ou não, da pena única de dezassete anos de prisão achada em novo cúmulo jurídico pelo Tribunal a quo:
Estão em causa, no fundo, vinte e duas penas parcelares seguintes, aplicadas à ora recorrente num total de seis processos penais:
– nove meses de prisão;
– nove meses de prisão;
– dois anos e três meses de prisão;
– dois anos e três meses de prisão;
– dois anos e três meses de prisão;
– dois anos e três meses de prisão;
– dois anos e três meses de prisão;
– dois anos e três meses de prisão;
– dois anos e três meses de prisão;
– dois anos e três meses de prisão;
– dois anos e três meses de prisão;
– dois anos e três meses de prisão;
– dez meses de prisão;
– dois anos e nove meses de prisão;
– dois anos e nove meses de prisão;
– um ano e nove meses de prisão;
– três anos de prisão;
– três anos e três meses de prisão;
– três anos e três meses de prisão;
– três anos e três meses de prisão;
– três anos e três meses de prisão;
– e três anos e três meses de prisão.
Assim sendo, e por comando do art.o 71.o, n.os 1 e 2, do CP, a moldura legal do cúmulo jurídico dessas vinte e duas penas parcelares deverá ser de três anos e três meses de prisão a trinta anos de prisão (dado que a soma de todas as penas parcelares, como é de cinquenta e um anos e quatro meses de prisão, ultrapassa o limite máximo legalmente fixado em trinta anos de prisão como tecto da moldura do cúmulo).
E vistos em conjunto os factos provados em causa nos seis processos penais em questão e a personalidade da ora recorrente manifestada nos mesmos, é de passar a impor à recorrente a pena única de doze anos de prisão.
Em suma, só procede parcialmente o recurso, com consequente redução da pena única de dezassete anos de prisão achada no acórdão recorrido em sede de cúmulo jurídico, para a pena única de doze anos de prisão.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em julgar parcialmente provido o recurso, passando a impor à arguida recorrente A a pena única de doze anos de prisão, resultante do cúmulo jurídico de todas as vinte e duas penas parcelares de prisão aplicadas nos cinco Processos anteriores n.os CR3-05-0252-PCC, CR1-04-0095-PCC, CR3-06-0188-PCC, CR2-07-0067-PCC e CR4-09-0235-PCC, e no Processo n.o CR1-08-0063-PCC, subjacente à presente lide recursória, todos do Tribunal Judicial de Base.
Pagará a recorrente dez UC de taxa de justiça, pelo decaimento parcial do seu recurso.
Comunique o presente acórdão aos referidos cinco Processos.
Macau, 27 de Outubro de 2011.
_________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_________________________ (Votei a decisão)
José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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