打印全文
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base em 24 de Junho de 2011, o arguido D foi absolvido da prática do imputado crime de homicídio por negligência p.p. pelo art.º 134.º n.º 1 do Código Penal de Macau, conjugado com o art.º 93.º n.º 1 da Lei do Trânsito Rodoviário.
E a A foi condenada, a título de responsabilidade pelo risco, a pagar aos demandantes civis B e C o montante de MOP$950,000.00, correspondente a 50% do valor indemnizatório fixado pelo Tribunal, uma vez que, nos termos do art.º 499.º n.º 2 do Código Civil de Macau, foi atribuída ao veículo pesado conduzido pelo arguido a contribuição do risco para o acidente em 50%.
Inconformados com a decisão, recorreram os demandantes civis para o Tribunal de Segunda Instância, que por sua vez julgou parcialmente procedente o recurso, fixando em 90% a proporção do risco para o veículo conduzido pelo arguido e 10% para o ciclomotor da vítima e condenando a A no pagamento da quantia de MOP$2,000,000.00, bem como juros legais.
Vem agora a A recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando na sua motivação do recurso as seguintes conclusões:
1. A Recorrente circunscreve o recurso do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância a dois pontos essenciais (i) a repartição do risco pelos veículos envolvidos no sinistro sub judice; e, (ii) o quantum arbitrado a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelos Demandantes, ora Recorridos.
2. O acórdão recorrido ao julgar a repartição do risco entre o veículo pesado de matrícula ML-XX-XX e o ciclomotor de matrícula CM-XXXXX na proporção de 90% e 10%, respectivamente, violou o disposto no artigo 499º n.º 1 do Código Civil.
3. Não obstante um veículo pesado contribuir com factor de risco mais elevado que o de um ciclomotor, não se pode, em bom rigor, aceitar que a proporção avançada pelo acórdão recorrido de 90% e 10% seja representativa da contribuição dos veículos em causa, quer abstratamente, quer com base na factualidade assente.
4. O julgamento relativo à contribuição para o risco de veículos de diferentes categorias e da repartição desse mesmo risco, ainda que abstracto, não poderá ser discricionário.
5. É necessário lançar mão de critérios ou soluções com voz ou representação no Direito e na lei que permitam ao julgador proferir um juízo sobre a repartição do risco entre veículos de diferentes categorias representativo da percepção da teoria do risco no ordenamento jurídico da RAEM.
6. É possível inferir através da análise dos valores mínimos do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel a percepção do legislador relativamente ao risco gerado por cada categoria de veículos.
7. Assim, de acordo com a tabela dos valores mínimos do seguro de responsabilidade automóvel em vigor à data do sinistro constante da Portaria n.º 205/94/M, o valor mínimo do seguro para ciclomotores era de MOP$500. 000,00, sendo, por sua vez, o valor mínimo do seguro para os veículos pesados de mercadorias de MOP$2.000.000,00.
8. Pelo que, procedendo à comparação dos valores mínimos do seguro obrigatório, valores que reflectem de forma concreta a geração de risco pela condução de veículos na via pública, constata-se que a repartição do risco entre um veículo pesado de mercadorias e um ciclomotor opera numa ratio de 75% (ou 3/4) para veículo de maior massa e 25% (ou 1/4) para o veículo de duas rodas.
9. O douto acórdão recorrido, ao fixar em MOP$500.000,00. num total de MOP$1.000.000,00, o montante indemnizatório a título de danos não patrimoniais sofridos pelos Demandantes, progenitores da vítima e ora Recorridos, violou o disposto nos artigos 489º n.º 3, 487º e 492º todos do Código Civil.
10. Salvo o devido respeito, errou o Tribunal a quo ao não ponderar a origem objectiva da responsabilidade que funda a obrigação de indemnizar os danos não patrimoniais.
11. É aliás esta a jurisprudência deste Tribunal de Última Instância no seu Acórdão de 17 de Dezembro de 2009 no âmbito do Proc. n.º 32/2009, ao decidir que “a circunstância de o lesante responder a título de responsabilidade objectiva ou pelo risco, e não a título de responsabilidade por culpa, deve ser ponderada na fixação do montante dos danos não patrimoniais”.
12. Mais, o montante arbitrado afigura-se excessivo e exagerado quando confrontado com os montantes normalmente arbitrados pela jurisprudência recente dos Tribunais da RAEM, em particular a jurisprudência deste Tribunal de Última Instância.
13. Refira-se a título meramente exemplificativo o Acórdão do TUI de 17 de Dezembro de 2009 no âmbito do Proc. n.º 32/2009, que fixou o montante de MOP$300.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, por cada um dos progenitores de uma jovem de 22 anos, solteira, saudável, falecida em acidente de viação.
14. Que defende e justifica a justeza e equidade da decisão em sede de 1ª instância que fixou, para cada um dos progenitores, a quantia de MOP$300.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Responderam os demandantes civis B e C, pugnando pela manutenção do douto Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância.

Foram corridos vistos.

2. Factos
Nos autos foram apurados os seguintes factos:
(1) Através da audiência de julgamento, foram provados os seguintes factos da acusação:
- Em 20 de Junho de 2009, cerca das 17H50, o arguido conduziu o veículo pesado, de matrícula ML-XX-XX arrastando o suporte de contentor n.º118, circulava pela faixa de rodagem central da Avenida Marginal Flor de Lótus, procedente da Rotunda da Harmonia em direcção à Estrada do Dique Oeste.
- Ao chegar ao Poste de iluminação n.º 946C07, a parte direita do suporte do arguido embateu no ciclomotor CM-XXXXX conduzido pela vítima E, quem foi envolvido em baixo do veículo por essa sequência.
- Na altura o arguido conduziu o veículo em uma velocidade não inferior a 30 km/hora.
- A vítima E foi transportada para o Hospital, onde médico certificou sua morte ocorrida antes da chegada ao hospital.
- O referido embate causou directa e necessariamente contusões externas à parede torácica e abdominal e à parte inferior das coxas da vítima, deixando entalhas compressivas na costa e na parte lombar. A vítima faleceu às 18H17 devido a compostos danos em órgãos do peito e abdómen.
- O relatório de exame, certificado do óbito e relatório de autópsia encontram-se constantes das fls. 14, 40 a 41 e 79 a 87 do processo.
- Na altura da ocorrência do acidente, o tempo estava bom, o pavimento era seco e o tráfego não era denso.
 
(2) Na audiência de julgamento, foram provados ainda os seguintes factos:
- No acidente ocorrido, a vítima foi rolando pelo lado traseiro direito do suporte do veículo ML-XX-XX conduzido pelo arguido, e deu algumas voltas no chão, e o ciclomotor CM-XXXXX conduzido pela vítima escorregou-se da roda traseira direita do suporte para frente e para fora.
- Na faixa esquerda do local de acidente encontravam-se estacionados vários suportes de contentor.
- Conforme o registo criminal, o arguido é delinquente primário.
- A profissão actual do arguido é condutor, auferindo mensalmente MOP12.000. Possui como habilitações literárias o ensino secundário geral completado e tem a seu cargo sua mulher e um filho.

(3) Consideram-se ainda provados os seguintes factos contidos no pedido civil e na contestação civil:
- A vítima, ou seja, o falecido teve ainda percepção difusa no curto espaço de tempo, após o acidente.
- Em 20 de Junho de 2009, foi certificada a morte da vítima antes da chegada ao hospital (vd. fls. 41 do processo)
- Após o acidente, o 1º demandado, ou seja o arguido D não visitou a vítima, mas sua entidade patronal a 2ª demandada F entregou, uns dias depois do acidente, aos demandantes do pedido civil a quantia de MOP80.000 para as despesas funerais e de reparação do ciclomotor.
- O falecido tinha apenas 19 anos de idade aquando da ocorrência do acidente, estava com boa saúde e de personalidade activa e positiva, tendo concluído o curso de pré-divisão da Universidade(1) e foi admitido ao 1º ano da Ciência Política da Universidade(2).
- A vítima tinha muito boa relação familiar com os outros membros da família, passando uma vida muito feliz.
- A vítima era uma pessoa útil, obteve bons resultados em várias competições desportivas escolares, conseguiu o amor dos professores e alunos.
- No dia da ocorrência e depois dessa data, os dois demandantes sofreram muito em nível psicológico e choravam muitas vezes.
- Após o acidente, os dois demandantes do pedido civil pagaram MOP68.500 para as despesas funerais e MOP1.480 para a reparação do ciclomotor, despesas essas foram já reembolsadas.

(4) E não ficaram provados os seguintes factos constantes da acusação:
- Quando o arguido conduziu o veículo pesado de matrícula ML-XX-XX arrastando o suporte de contentor n.º118, circulava pela faixa de rodagem central da Avenida Marginal Lutos, e fez uma súbita viragem para a faixa da direita ao chegar ao Poste de iluminação n.º 946C07.
- O arguido bem sabia que não devia circular com velocidade alta, e devia abrandar a velocidade conforme circunstância do pavimento, por forma de evitar qualquer obstáculo que lhe surgia em condições normalmente previsíveis. O arguido bem sabia que só devia cortar linha com suficiente distância com outros veículos que circulavam paralelamente na mesma direcção, porém, o arguido não tomou o devido cuidado na condução que fazia, provocando embate no motociclo que a vítima conduziu, e causando directa e necessariamente a morte da vítima.
- O arguido violou a obrigação de conduzir com prudência.
- O arguido bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
- Os restantes factos que se encontram constantes da acusação, do pedido civil e da contestação mas não correspondentes aos factos provados.

3. Direito
Tal como se pode ler na sua motivação do recurso, a recorrente discorda do douto Acórdão recorrido nos seguintes pontos essenciais:
i. a repartição do risco pelos veículos envolvidos no acidente de viação ora em apreciação; e
ii. o quantum arbitrado a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes civis.

São estas duas questões a resolver.

3.1. Sobre a repartição dos riscos dos veículos envolvidos no acidente
Ora, o acidente de viação ocorreu entre o veículo pesado conduzido pelo arguido e o ciclomotor conduzido pela vítima.
E uma vez que não ficou provado que o arguido fez uma súbita viragem para a faixa da direita ao chegar ao Poste de iluminação n.º 946C07 e que violou a obrigação de conduzir com prudência, o arguido foi absolvido do crime que tinha sido imputado e a questão de responsabilidade civil foi resolvida por via de responsabilidade pelo risco.
Discute-se a percentagem dos riscos atribuída aos veículos conduzidos pelo arguido e pela vítima.
Alega a recorrente que a repartição dos riscos de veículos de diferentes categorias não poderá ser discricionária, devendo seguir critérios ou soluções com voz ou representação no Direito e na lei que permitam ao julgador proferir um juízo sobre a repartição do risco entre veículos de diferentes categorias representativo da percepção da teoria do risco no ordenamento jurídico da RAEM, juízo este que pode ser feito através da análise dos valores mínimos do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel a percepção do legislador relativamente ao risco gerado por cada categoria de veículos.
Daí que, comparando os valores mínimos do seguro obrigatório em vigor à data do sinistro, de MOP$500,000.00 para ciclomotores e MOP$2,000,000.00 para veículos pesados de mercadorias, a repartição do risco opera numa ratio de 75% (ou 3/4) para veículo de maior massa e 25% (ou 1/4) para o veículo de duas rodas, em vez de 90% e 10% fixados pelo Tribunal de Segunda Instância.
Ora, não parece acolhível o entendimento da recorrente, segundo o qual é sempre igual a repartição dos riscos para todos os casos em que se verifica a colisão entre veículo pesado e ciclomotor, uma vez que se afigura contrária à disposição legal.

Prevê o art.º 499.º do Código Civil de Macau o seguinte:
“Artigo 499.º
(Colisão de veículos)
1. Se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos; se os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigada a indemnizar.
2. Em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores.”

Na determinação da contribuição do risco de cada um dos veículos para a produção dos danos, a regra que resulta da lei é no sentido de que a medida da contribuição de cada um dos veículos intervenientes deve ser encontrada em função da dinâmica do acidente, que se revela através dos factos provados nos autos. E só em caso de dúvida se deve aplicar o segmento normativo que a reparte igualmente.
A própria lei oferece o critério que deve ser seguido para a repartição da responsabilidade assumida pelos veículos: a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos. Ou seja, a questão de repartição do risco há de ser apreciada caso a caso, consoante a contribuição de cada um dos veículos intervenientes no acidente de viação em concreto.
E “como é evidente, no apuramento dos concretos riscos de circulação pode e deve ter-se em conta tudo o que se tiver apurado sobre as concretas circunstâncias do acidente, mesmo que esses factos sejam insuficientes para fundar um juízo sobre a culpa dos respectivos condutores – mas podendo perfeitamente suceder que alguma ou alguma dessas circunstâncias concretas deva determinar um agravamento dos normais e típicos riscos de circulação de um dos veículos intervenientes.
Será, porém, lícito, nos casos em que a dinâmica do acidente permaneça indeterminada, inferir essa percentagem dos riscos típicos de circulação das características estruturais de cada um dos veículos intervenientes – e, desde logo, da sua dimensão relativa e peso? Considera-se que a resposta não poderá deixar de ser afirmativa, se se tiver em conta que a medida do risco causado com a circulação rodoviária de certa viatura se deve fixar em função da sua vocação ou apetência para, em caso de colisão, provocar danos acrescidos no outro ou outros intervenientes no sinistro: nota-se que a maior fragilidade e menor grau de segurança de um dos veículos intervenientes numa colisão, enquanto determina efectivamente uma maior apetência para provocar danos relevantes ao seu próprio utilizador, implica uma típica redução do risco de lesão grave nos outros utilizadores da via pública que conduzam viaturas mais sólidas, pesadas ou estáveis. Ora, sendo este segundo o factor decisivo, é evidente que …, é substancialmente maior a capacidade de um veículo automóvel infligir danos relevantes ao utilizador de um motociclo ou ciclomotor com o qual colida em circunstâncias indeterminadas do que a apetência para o segundo lesar gravemente o condutor do automóvel envolvido na colisão”. 1

Importa agora apurar a proporção de risco em que o veículo pesado conduzido pelo arguido contribuiu para os danos causados, que deve ser determinada pela análise dos factos provados nos autos.
Em relação ao sinistro, foi considerada provada a seguinte factualidade:
- Em 20 de Junho de 2009, cerca das 17H50, o arguido conduziu o veículo pesado, de matrícula ML-XX-XX arrastando o suporte de contentor n.º118, circulava pela faixa de rodagem central da Avenida Marginal Flor de Lótus, procedente da Rotunda da Harmonia em direcção à Estrada do Dique Oeste.
- Ao chegar ao Poste de iluminação n.º 946C07, a parte direita do suporte do arguido embateu no ciclomotor CM-XXXXX conduzido pela vítima E, quem foi envolvido em baixo do veículo por essa sequência.
- Na altura o arguido conduziu o veículo em uma velocidade não inferior a 30 km/hora.
- Na altura da ocorrência do acidente, o tempo estava bom, o pavimento era seco e o tráfego não era denso.
- No acidente ocorrido, a vítima foi rolando pelo lado traseiro direito do suporte do veículo ML-XX-XX conduzido pelo arguido, e deu algumas voltas no chão, e o ciclomotor CM-XXXXX conduzido pela vítima escorregou-se da roda traseira direita do suporte para frente e para fora.
- Na faixa esquerda do local de acidente encontravam-se estacionados vários suportes de contentor.

E na parte da fundamentação jurídica respeitante à proporção da responsabilidade pelo risco, o Tribunal de Segunda Instância fez consignar no seu douto Acórdão ora recorrido o seguinte:
“Contudo, quanto à decisão tomada pelo Tribunal sobre a proporção da responsabilidade pelo risco, isso já merece ser discutido.
Este Tribunal entende que:
- Segundo os factos dados por provados pelo Tribunal a quo, neles não se indicou qualquer culpa cometida pelo arguido ou pela vítima no acidente, pelo que, o texto da segunda parte do art.º 499º, n.º2 do Código Civil já não é aplicável à circunstância provada do caso.
- Além do mais, se vamos fazer simplesmente uma comparação da dimensão dos dois veículos envolvidos no acidente, segundo as regras da experiência, certamente, a circulação na via do veículo pesado de grande dimensão conduzido pelo arguido, pode ter muito mais risco de danos materiais e corporais causados a terceiros em comparação com o ciclomotor conduzido pela vítima, pelo que, o texto da primeira parte do art.º 499º, n.º2 do Código Civil também não é aplicável à circunstância do presente caso.
- Assim sendo, não deve o Tribunal a quo ter a tal “dúvida” prevista no art.º 499º, n.º2, no sentido de fixar em metade a proporção do risco para os dois veículos.
Pelo acima exposto, o presente Tribunal fixa em 90% a proporção do risco no acidente para o veículo pesado conduzido pelo arguido, e 10% para o ciclomotor conduzido pela vítima, respectivamente.
Quanto à possibilidade desta alteração, podemos consular o respectivo conteúdo do acórdão n.º 247/2004 proferido em 21/10/2004 pelo presente Tribunal.”

Vejamos.
Conforme a matéria de facto provada, foi a parte direita do suporte do veículo pesado conduzido pelo arguido, que circulava numa velocidade não inferior a 30 km/hora, que embateu no ciclomotor conduzido pela vítima, que foi rolando pelo lado traseiro direito do suporte do veículo pesado e deu algumas voltas no chão, e o ciclomotor conduzido pela vítima escorregou-se da roda traseira direita do suporte para frente e para fora.
E ambos estavam em circulação.
Nada ficou provado quanto à velocidade do ciclomotor conduzido pela vítima.
Na altura do acidente, o tempo estava bom, o pavimento era seco e o tráfego não era denso. E na faixa esquerda do local de acidente encontravam-se estacionados vários suportes de contentor.
Há que ter ainda presente a diferença a nível de dimensão, peso e características estruturais entre os dois veículos envolvidos no acidente: o veículo pesado conduzido pelo arguido, arrastando o suporte de contentor, de grande dimensão como é sabido, por um lado, e o ciclomotor conduzido pela vítima, por outro, sendo certo que o primeiro envolveria naturalmente um muito maior perigo para a circulação rodoviária, na medida em que, perante a maior fragilidade e o menor grau de segurança do ciclomotor, o veículo pesado, com a sua dimensão, peso e características estruturais que tem, determina efectivamente uma muito maior apetência para provocar danos relevantes para o condutor do ciclomotor com o qual colida em circunstâncias apuradas nos autos.
E foi assim sucedeu no caso concreto, tendo a colisão provocado lesões de extrema gravidade ao condutor do ciclomotor, que veio a falecer antes de ser transportado ao hospital.
Tudo ponderado, afigura-se-nos ajustada uma repartição dos riscos de 85%para o veículo pesado e 15% para o ciclomotor.

3.2. Sobre o quantum arbitrado a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes civis, progenitores da vítima
Ora, a decisão de primeira instância fixou a respectiva indemnização no montante de MOP$600,000.00.
E o Tribunal de Segunda Instância alterou a quantia para MOP$500,000.00 a cada um dos demandantes civis, ou seja, na totalidade de MOP$1,000,000.00.
Considerando este montante excessivo e exagerado, pretende a recorrente que seja fixada, para cada um dos progenitores, a quantia de MOP$300.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Nos termos do art.º 492.º do Código Civil de Macau, “são extensivas aos casos de responsabilidade pelo risco, na parte aplicável e na falta de preceitos legais em contrário, as disposições que regulam a responsabilidade por factos ilícitos”.
Daí que, para determinar a quantia indemnizatória a título de danos não patrimoniais, á aplicável o disposto no art.º 489.º do Código Civil de Macau, que tem o seguinte teor:
“Artigo 489.º
(Danos não patrimoniais)
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de facto e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, ao unido de facto e aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3. O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.”
Por sua vez, manda o art.º 487.º atender ao grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

Ora, os danos não patrimoniais são os prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, mas que podem ser compensados com uma obrigação pecuniária imposta ao lesante, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.
A lei limita os danos não patrimoniais àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
E a reparação obedecerá ao critério de equidade, tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, aos patrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, etc..2

No caso em apreciação, a fixação da indemnização foi com base na responsabilidade objectiva ou pelo risco, uma vez que ficou afastada a culpa do arguido.
Tal facto não pode deixar de ser ponderado na fixação do montante dos danos não patrimoniais.3
E constata-se na factualidade apurada nos autos que a vítima falecido tinha apenas 19 anos de idade aquando da ocorrência do acidente, estava com boa saúde e de personalidade activa e positiva, tendo concluído o curso de pré-divisão da Universidade(1) e foi admitido ao 1º ano da Ciência Política da Universidade(2).
A vítima tinha muito boa relação familiar com os outros membros da família, passando uma vida muito feliz.
No dia da ocorrência e depois dessa data, os seus pais, demandantes civis, sofreram muito em nível psicológico e choravam muitas vezes.
Tendo em conta a idade da vítima, de 19 anos à data do acidente de viação, a sua relação com os pais, o sentimento e as dores sofridas por estes e ainda os montantes habitualmente fixados por este Tribunal de Última Instância, afigura-se equitativa a quantia de MOP$300,000.00 para cada um dos progenitores da vítima, a título de indemnização não patrimonial pelos seus danos próprios pela perda do filho.
De facto, e por Acórdão proferido em 25 de Abril de 2011, no processo n.º 15/2011, em que estava em causa uma jovem com idade semelhante à vítima dos presentes autos, este Tribunal de Última Instância atribuiu o mesmo montante a cada um dos pais da ofendida, também a título da indemnização pelos danos não patrimoniais próprios dos pais.

3.3. Montante devido pela A
O Tribunal de Segunda Instância atribuiu as seguintes indemnizações, que totalizam MOP$2,300,000.00:
- MOP$1,200,000.00 fixada pelo Tribunal Judicial de Base, a título de indemnização pela perda do direito à vida da vítima;
- MOP$100,000.00 fixada pelo Tribunal Judicial de Base, a título de indemnização por danos morais sofridos pela vítima enquanto vivo;
- MOP$500,000.00, a título de indemnização por danos morais para cada um dos progenitores da vítima.
E agora com a alteração desta última parte para MOP$300,000.00 a cada um dos progenitores, a quantia indemnizatória passa a ser MOP$1,900,000.00.
Atendendo a que o arguido condutor do veículo pesado foi responsável pelo acidente de viação em 85%, a sua seguradora A deve suportar MOP$1,615,000.00.

4. Decisão
Face ao expendido, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela A, condenando esta a pagar aos demandantes civis o montante de MOP$1,615,000.00 (um milhão seiscentas e quinze mil patacas), bem como juros legais, nos termos do Acórdão deste Tribunal de Última Instância, de 2 de Março de 2011, no Processo n.º 69/2010.

Custas pela recorrente e pelos recorridos, na proporção do seu decaimento.

Macau, 21 de Novembro de 2012

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  1 Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, de 10 de Julho de 2010, Proc. n.º 839/07.6TBPFR.P1.S1.
  2 Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almeida, 10.ª edição, revista e actualizada, vol. I, p. 600 e seguintes.
  3 Cfr. Acórdão deste Tribunal de Última Instância, de 17 de Dezembro de 2009, Proc. n.º 32/2009.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




22
Processo n.º 60/2012