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Processo nº 731/2009
(Recurso Contencioso)

Data: 27/Outubro/2011

Assuntos:
   - Notificação; sua regularidade
   - Falta de fundamentação;
   - Audiência do interessado; consequências da sua falta;
    - Violação de lei; erro nos pressupostos de facto e de direito em que se baseou o acto recorrido;
    - Nulidade do acto;
    - Crime; alcance do cometimento de um crime no procedimento administrativo do acto declarado nulo
     - Acto absolutamente vinculado e dispensabilidade da audiência
   
   SUMÁRIO:

Se os recorrentes negociaram com o Governo uma permuta de terrenos, permuta que foi aprovada e decidida em seu benefício, não pode eles ser surpreendidos, sem previamente ser ouvidos, com uma declaração de nulidade desse acto, na sequência da homologação de um parecer da Comissão de Terras, apenas publicada no BO, não obstante ter sido cometido um crime durante o procedimento que conduziu àquela permuta, nos termos do qual um membro do governo foi condenado por decisão transitada por corrupção passiva, decisão essa que não lhes é oponível e na certeza de que os interessado ainda não se mostram definitivamente julgados e condenados por tais factos.

O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira


Processo n.º 731/2009
(Recurso Contencioso)

Data : 27 de Outubro de 2011

Recorrentes: A (XX)
B (XXX)

Entidade Recorrida: Chefe do Executivo da RAEM
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A e B, tendo tomado conhecimento através do Boletim Oficial, do Despacho n.º 38/2009 do Exmo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, publicado em 5 de Agosto de 2009, que torna pública a declaração de nulidade, datada de 28 de Maio de 2009, do acto de homologação do Chefe do Executivo do parecer da Comissão de Terras n.º 59/2006, de 15 de Junho, assim como da minuta de contrato a ele anexo, vieram interpor RECURSO CONTENCIOSO, alegando fundamentalmente e em síntese:
    1 - Tomou a ora Recorrente conhecimento do Despacho do Chefe do Executivo de 28 de Maio de 2009, que declara nulo o parecer da Comissão de Terras n.º 59/2006, assim como a minuta de contrato a ele anexa apenas por leitura do mesmo no Boletim Oficial.
    2 - Por o referido despacho de nulidade enfermar de vícios graves e estruturantes, veio a mesma interpor Recurso Contencioso do mesmo.
    3 - De facto, verifica-se que o referido Despacho carece de fundamentação, chegando mesmo a ser contraditória e errónea, violando o disposto nos arts. 114º e 115º do C.P.A., nos termos acima expostos, visto que a fundamentação cinge-se à remissão para um Acórdão respeitante ao Processo n.º 53/2008, cujas conclusões não permitem a extracção de qualquer vício do acto homologatório do Chefe do Executivo, datado de 28 de Maio de 2009, que declara nulo o parecer da Comissão de Terras n.º 59/2006, assim como o minuta de contrato a ele anexa.
    4 - Acarretando tal falta de fundamentação a anulabilidade do acto administrativo ora impugnado, nos termos do art. 124º do mesmo diploma legal.
    5 - Para além disso, verificou-se igualmente que a adopção do acto administrativo não foi precedida de audição prévia dos interessados, mais especificamente da ora Recorrente, nos termos do art. 93º e ss. do C.P.A ..
    6 - Pondo em causa o seu direito à informação e ao exercício do contraditório, bem como obstando à prossecução do princípio da participação, constante do art. 10º do mesmo diploma legal.
    7 - Sendo essa mesma omissão sancionada, mais uma vez, com o vício da anulabilidade, nos termos do art. 124º do referido diploma legal.
    8 - De facto, a Administração não fez qualquer prova da tentativa de notificação aos ora Recorrentes, conforme lhe competia e tendo sido inclusivamente alvo de um Requerimento apresentado pelos mesmos, nos termos dos arts. 68.º alínea c), 70.º e 72.º n.º 1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo.
    9 - Violando, caso tal tentativa não se comprove, dessa forma a lei, sendo tal falta sancionada com a anulabilidade do acto, por via do art. 124.º do Código de Procedimento Administrativo.
    10 - Acresce a tais factos, que o acto homologatório do Parecer da Comissão de Terras n.º 59/2006, de 15 de Junho, assim como a minuta do contrato a ele anexa, declarado nulo pelo Chefe do Executivo, foi praticado ao abrigo da lei, tendo sido respeitados os trâmites legais exigidos e não foi objecto de condenação no processo 53/2008.
    11 - O facto de alguns alegados procedimentos no processo de concessão, por troca, destes terrenos, poderem ter recaído sobre a alçada da lei penal, tal não determina que o acto final realizado pelo órgão competente e nos termos da lei, seja ilícito à luz do Direito Administrativo.
    12 - E à luz do direito Administrativo o acto declarado nulo é um acto lícito e válido. Logo deve prevalecer na ordem jurídica administrativa, anulando-se o acto que o declarou nulo.
    Nestes termos, requerem se :
    a) Declare a anulabilidade do Despacho do Chefe do Executivo de 28 de Maio 2009, por violação de lei, nomeadamente dos Arts., 68º, 93.º, 114º, 115º, 122º e 124º do CPA, nos termos expostos e com as inerentes consequências legais;
    b) Para tanto, requerem a citação da Entidade Administrativa, nos termos e para os efeitos do art. 52º do CPAC, seguindo-se os demais termos da lei até final.
    c) Mais requerem ainda se mande notificar a Entidade Administrativa para juntar aos Autos o respectivo Processo Instrutor, conforme disposto no art. 55º do CPAC;
    d) Por último, e nos termos do art. 9º do Decreto-lei 101/99/M, de 13 de Dezembro, que neste processo a língua portuguesa seja utilizada em todos os actos processuais.
    O Exmo Senhor Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, veio apresentar a sua contestação, o que fez, em síntese conclusiva:
    1.ª - O objecto do presente recurso contencioso é o despacho do Chefe do Executivo, de 28 de Maio de 2009, exarado na informação n.º 088/DSODEP/2009, de 7 de Maio de 2009, que assenta nos pareceres nela plasmados, de cujo teor e fundamentação se apropriou, e tomado público através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.° 38/2009, publicado no Boletim Oficial n.º 31, II Série, de 5 de Agosto de 2009.
    2.ª - O acto impugnado não enferma de vício de violação de lei, nem mesmo de vício de forma, porquanto não existe o dever de notificação, visto tratar-se de um acto de publicação obrigatória por força da aplicação conjugada do disposto nos artigos 120.° e 132.° do CPA e no n.º 2 do artigo 125.° da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de Terras).
    3.ª - Por outro lado, a notificação não interfere com a validade do acto, constituindo um mero requisito de eficácia ou oponibilidade.
    4.ª - O acto também não padece do invocado vício de falta de fundamentação por que as razões de facto e de direito em que se baseou a decisão encontram-se externadas de forma acessível e coerente no Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicos n.º 38/2009, que tomou pública a declaração de nulidade.
    5.ª - Com efeito, desse Despacho resulta claramente que a decisão de declarar a nulidade do despacho de homologação do parecer da Comissão de Terras n.º 59/2006, se ficou a dever ao facto de ter ficado provado no acórdão n.º 53/2008, do Tribunal de Última Instância, que o procedimento de troca dos terrenos em causa envolveu a prática de um crime de corrupção passiva por acto ilícito, por parte do então Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
    6.ª - Sendo que, " ... a fundamentação de um acto administrativo é uma exigência flexível e necessariamente adaptável às circunstâncias do acto em causa, nomeadamente ao tipo e natureza do acto em causa".
    7.ª - Por outro lado, são completamente inconsistentes os argumentos trazidos à liça pelos Recorrentes para sustentar a tese ardilosa de que o acto final do Chefe do Executivo é válido por não ter sido objecto de qualquer crime.
    8.ª - Pois que ainda que aquela decisão em abstracto fosse adequada, por prosseguir os interesses da Administração, a mesma sempre seria irremediavelmente ilegal, já que a invalidade por vício absoluto de um acto preparatório não pode deixar de se projectar no acto final.
    9.ª - A não ser assim, estar-se-ia a pôr em crise os próprios fundamentos do sistema jurídico, o que representaria uma entorse intolerável na estrutura normativa da RAEM.
    10.ª - Propugnam ainda os Recorrentes que em processo administrativo não se podem retirar efeitos de um acórdão judicial de índole penal.
    11.ª - Seria profundamente chocante aceitar que um acto criminoso pudesse tomar-se num acto administrativo válido pela simples circunstância de o tribunal não ter emitido nenhum juízo de ilicitude administrativa ou pelo facto de a ilicitude penal não extravasar para o âmbito administrativo.
    12.ª - Se assim fosse, dificilmente poderia um órgão administrativo aplicar a parte final da alínea c) do n.º 2 do artigo 122.° do CPA.
    13.ª - Quanto ao invocado vício de preterição da audiência prévia, tratando-se de um acto de declaração de nulidade de um acto anterior, o poder exercido pela Administração tem natureza estritamente vinculada, sendo que o acto in casu em situação alguma poderia ter outro conteúdo decisório.
    14.ª - Pelo que, os factos, motivos e razões que os Recorrentes poderiam trazer ao processo, em sede de audiência prévia, não iriam em nada alterar a decisão tomada, que era a única concretamente possível.
    15.ª - De qualquer modo, sempre se dirá que a falta de audiência dos Recorrentes, nos termos do artigo 93.º do CPA, se mostra irrelevante uma vez que o acto administrativo que declara a nulidade de um acto é vinculado, assente que está essa nulidade, não podendo em caso algum essa audiência alterar o sentido desse acto.
    16.ª - Além disso não faria qualquer sentido anular um acto que declara a nulidade de outro, por falta de cumprimento do disposto no artigo 93.º e segs. do CPA, quando esse acto é efectivamente nulo, impondo-se essa nulidade a todos, mesmo sem qualquer declaração expressa nesse sentido.
    17.ª - Neste caso, como em muitos outros, essa formalidade degrada-se em não essencial.
    Nestes termos, entende, deve o presente recurso ser considerado improcedente, por não verificação de qualquer dos alegados vícios, mantendo-se a decisão recorrida, nos seus precisos termos.
 
    O Digno Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer:
    Vêem A e B impugnar o despacho do Chefe do Executivo de 28/5/09 que declarou a nulidade do seu acto de 6/7/06 que homologou o parecer da Comissão de Terras n.º 59/2006 de 15/6, bem como as condições de minuta do contrato a ele anexa, parecer esse favorável ao deferimento do pedido de troca efectuada pelos recorrentes, publicado no BO, 49, II série de 6/12, por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 210/2006, assacando-lhe vícios de "faltas", seja de notificação, de fundamentação, ou de audiência prévia.
    Mas, sem qualquer razão
    Desde logo, como é sabido, a notificação, porque exterior ao acto, não contende com a validade deste, mas tão só, quando muito, com a respectiva eficácia. O acto, sendo válido, não é por falta ou irregularidade da notificação que deixará de sê-lo.
    No caso, sendo certo encontrar-nos perante acto de publicação obrigatória (art°s 120° e 132° CPA e 125°, 2 da Lei de Terras), o que sucedeu, já que foi o mesmo publicado no BO n° 31, II Série, de 5/8/09, não é menos verdade que, causando prejuízos, ou, pelo menos, diminuindo interesses legalmente protegidos dos recorrentes, se deveria, de todo o modo, ter procedido à notificação respectiva, nos termos do art° 68°, CPA.
    Seja como for, os próprios recorrentes reconhecem ter tido atempado conhecimento do acto, por forma a impugnarem-no, como impugnaram, razão por que se não descortina como validamente esgrimir com eventual falta de oponibilidade a tal propósito.
    Depois, no que tange à audiência prévia, tal diligência só faz sentido se puder traduzir-se numa efectiva e real possibilidade de apresentação de factos, razões ou motivos susceptíveis de poderem, por qualquer forma constituir uma espécie de "cooperação", "alerta", ou qualquer outra forma de contribuição válida para a formação das decisões a tomar pela Administração.
    Ora, no caso, tratando-se de acto de declaração de nulidade de acto anterior, a Administração encontrava-se vinculada a essa declaração, pelo que os eventuais factos, motivos ou razões a apresentar na sede pretendida se mostrariam irrelevantes e inócuos, nunca passíveis de alterar o sentido desse acto, pelo que aquela formalidade se mostraria degradada, não se devendo a Administração prestar, como é óbvio, à prática de actos inúteis.
    Finalmente, as razões de facto e de direito em que se fundou a decisão encontram-se externadas nos pareceres a que anuiu o despacho em crise, razões essas de que dá conta o despacho 38/2009 do STOP, de onde, clara, suficiente e congruentemente se retira ter-se ficado a dever aquela declaração de nulidade ao facto de, no âmbito do acórdão, n.º 53/2008 do TUI se ter provado que o procedimento de troca de terrenos em questão envolveu a prática de um crime de corrupção por acto ilícito, por parte do então STOP, impondo-se, pois, tal declaração, à luz do preceituado na al. c) do n° 2 do art° 122° e n.º 2 do art° 123°, ambos do CPA, ficando, pois, um cidadão médio em perfeitas condições de apreender todo o itinerário cognoscitivo e valorativo da entidade decidente, o que não deixou de acontecer com os recorrentes, a avaliar até pelo conteúdo da respectiva alegação.
    E, não se esgrima com o facto de o acto declarado nulo, da autoria do C.E. ser intrinsecamente válido e não objecto de qualquer crime : conquanto quer os pressupostos, quer os actos preparatórios (como é o caso) envolvam a prática de crime, a nulidade configurar-se-à.
    Como inócua se revela também a argumentação relativa ao facto de, em domínio administrativo, se retirarem efeitos de acórdão de índole penal. A ser assim, como bem acentua a recorrida, perderia todo o sentido útil a disposição legal em que assenta a decisão questionada, ou seja, a al. c) do n.º 2 do art° 122°, CPA, nunca se podendo questionar, por essa via, todos os actos para cuja formação tivesse contribuído, de forma decisiva, actividade criminosa, o que, pura e simplesmente, se revelaria bizarro!
    Termos em que, por não ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, somos a pugnar pelo não provimento do presente recurso.
    Foram colhidos os vistos legais.
    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
     Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
 
III - FACTOS
    
    Com pertinência, tem-se por assente a factualidade seguinte:
    1. No Boletim Oficial n.º 31/2009 - II Série, do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 38/2009, publicado em 5 de Agosto de 2009, no qual consta o seguinte:
    "Considerando que ficou provado no âmbito do processo comum colectivo n.º 53/2008 do Tribunal de Última Instância, que o procedimento de cedência à Região Administrativa Especial de Macau da propriedade dos terrenos com as áreas de 63 m2 e de 236 m2, situados na península de Macau, onde se encontram implementados os prédios urbanos n.s 2 da Calçada do Lilau, e n.º X do Beco do Lilau e n.º X da Calçada do Lilau, por troca no regime de concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 669 m2, situado na península de Macau, junto à Estrada da Penha, envolveu a prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, por parte do então Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
    (...)
    1) 1. Tornar público que por despacho do chefe do executivo, de 28 de Maio de 2009, foi declarada a nulidade, nos termos das disposições da alínea c) do n.º 2 do artigo 122.º e do n.º 2 do artigo 123.º, ambos do Código do Procedimento Administrativo, do acto da mesma entidade, de 6 de Julho de 2006, que homologou o parecer da Comissão de Terras n.º 59/2006, de 15 de Junho, bem como as condições da minuta do contrato a ele anexa, parecer esse favorável ao deferimento do pedido de troca, e que foi publicado no Boletim Oficial n.º 49, II Série, de 6 de Dezembro de 2006, por Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 210/2006.”,

2. É do seguinte teor o requerimento para a troca do aludido terreno:
   COMPANHIA DE CONSTRUÇÃO E INVESTIMENTO XXX, LIMITADA
   
   Endereço: Rua Pequim n.º XXX, Edifício XXX P.Q. R/C, Macau, Tel.: (853) XXXXXX, Fax: (853) XXXXXX
   
   Ao Exm.º Sr.º
   Secretário para os Transportes e Obras Públicas de Macau
   Ao Man Long (歐文龍):
   
   Eu, A (XX) e cônjuge B (XXX) comprámos um edifício, situado no n.º X do Beco do Lilau da Colina da Penha, em Julho de 1991 (anexo 1: certidão do prédio) destinado a desenvolvimento e reconstrução (anexo 2: planta da D.S.C.C.). Depois de um ano e meio da compra deste terreno, o terreno supracitado é qualificado como “conjunto classificado” pelo D.L. n.º 83/92/M publicado em 31 de Dezembro, fazendo com que a função do desenvolvimento e reconstrução do terreno em causa fique limitada.
    Entendo plenamente a política da defesa do património cultural da Administração. De facto, o património cultural tem não só valor artístico, mas também valor histórico, a defesa do património cultural é protecção da memória da cidade e a defesa das características da cidade é um passo importante para protecção da personalidade da cidade. As características arquitectónicas de uma cidade não só se limitam à própria cidade, mas também contêm os enquadramentos e história desta cidade, bem como o resultado de desenvolvimento da construção com esforço dos cidadãos da cidade. A defesa do património cultural é a melhor evidência histórica para que as futuras gerações conheçam a história da cidade.
    O trabalho e esforço significativo do antigo e actual governo de Macau no aspecto da defesa do património cultural são sempre reconhecidos e elogiados por público. Já que o edifício acima referido tem valor da conservação como património cultural, solicito à Administração que autoriza a troca dos aludidos terrenos por um terreno vago na mesma zona (Anexo 3: planta de localização do terreno requerido e as respectivas fotos) através de concessão directa. Vou construir vivendas destinadas a habilitação no terreno concedido. Uma vez que a contrapartida calculada posteriormente seja superior à valorização anterior, queria pagar o prémio adicional nos termos do regulamento administrativo.
    Espero que seja autorizado este requerimento pelo Exm.º Sr.º Secretário.
   Com os melhores cumprimentos.
   Ass.: vide o original
   A e B
   Aos 28 de Outubro de 2003
   (Carimbo aposto, vide o original)
   
3. Os ineressados insistiram nos seguintes termos:
    Ao Exm.º Sr.º
    Secretário para os Transportes e Obras Públicas de Macau
    Ao Man Long (歐文龍):
    
    A e B, com domicílio profissional na Rua de Pequim, n.ºs XXX, R/C- P e Q, NAPE, Macau, são titulares dos terrenos situados na Calçada do Lilau, n.º X e Beco do Lilau, n.º X, com a área de 236 m2 conforme o cadastro. Em 28 de Outubro de 2003, solicitámos junto da presente Direcção, na qualidade de proprietário, a troca dos aludidos terrenos por um terreno situado junto à Estrada da Penha, com a área de 209,44m2 para construir a moradia unifamiliar. Também requeremos junto desta Direcção que autoriza, ao mesmo tempo, o direito de uso do terreno junto à terra acima mencionada, com área de 460,56 m2, para finalidade de desenvolvimento de zona verde. Queríamos pagar o prémio adicional no caso de valores dos respectivos terrenos ser diferentes. Com esta finalidade, apresentámos os seguintes documentos:
    
    - Cadastro da Calçada do Lilau n.º X e Beco do Lilau n.º X
     - Declaração de responsabilidade de técnico
    - Documento explicativo da construção das respectivas propostas (MDJ)
     - Ficha técnica
     - Anteprojecto de arquitectura da respectiva proposta à escala 1:100
    
     No total das páginas que se servem dos dados suplementares dos presentes autos. Anexa-se com três cópias.
    
    Macau, aos 06 de Fevereiro de 2004
    Aguardamos pela vossa resposta.
    
    Ass.: vide o original
    (Carimbo aposto, vide o original)
    4. Resultam ainda do processo instrutor conducente à referida permuta a seguinte documentação que esteve na base do deferimento de tal pretensão:


“Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes

Parecer (vide o original):
Exm.º Sr.º Secretário:
  Face ao exposto na presente informação relativa à situação actual, e considerando a abertura do Instituto Cultural no sentido de admitir o aproveitamento do terreno na Estrada de Penha, e sendo esta troca o 1º passo na tentativa de reconstrução dos edifícios classificados na Calçada e Beco do Lilau, concordo com o proposto na informação no ponto #19.2 e #19.3 e dar o seguimento conforme o ponto #19.4.
À consideração superior.

Ass.: vide o original
10/01/2005

Exm.º Sr.º Director (vide o original):
Face aos antecedentes deste processo, ao parecer do IC constante do seu ofício n.º 817/DPC/96 de 17/03/2004, em anexo 10, no respeitante à aquisição possível dos prédios da zona de Lilau, e aos processos de troca daquela zona, submete-se à consideração superior a presente informação, solicitando orientações superiores sobre os pontos 19.1 a 19.4 desta informação.
À consideração superior.
Ass.: vide o original
10/01/2005

Despacho (vide o original):
Concordo, proceda-se conforme proposta pelo director da DSSOPT.

Ass.: vide original
12/01/2005


À Dr.ª Teresa (ilegível, vide original) p/ comunicar o despacho e solicitar ao DPU a emissão de PAO.

Ass.: vide original
14/01/2005


Assunto: Pedido, efectuado pelo A, de troca de um terreno situado em Macau, na Calçada do Lilau n.º X e no Beco do Lilau n.º X, com 236 m2, por outro terreno também sito em Macau, na Estrada de Penha com 670m2.
(Proc. N.º 853.02)

Informação n.º: 009/DSODEP/2005
Data: 10/01/2005



   “Ao Exmº Senhor
   Director da DSSOPT da
   RAEM:
   A e B, com domicílio profissional no R/C, «P» e «Q», Rua de Pequim, n.ºs XXX, NAPE, Macau. Solicitamos ao Exm.º Sr.º, na qualidade de proprietário, a autorização do respectivo anteprojecto de arquitectura. A localização das obras situa-se junto à Estrada da Penha. Para essa finalidade, apresentamos os seguintes documentos:
   - Cadastro e planta de alinhamento oficial (PAO)
    - Declaração de responsabilidade de técnico
    - Documento explicativo da construção (MDJ)
    - Ficha técnica
    - Anteprojecto de arquitectura à escala 1:100
   
    No total das páginas que se servem dos dados suplementares dos presentes autos. Anexa-se com quatro cópias.
   
   Macau, aos 28 de Agosto de 2005
   Pedimos deferimento.
   Ass.: vide o original”


   “Governo da Região Administrativa Especial de Macau
   Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes
   
   Cc: Sr.º arguitecto Mok XX
   Rua de XXX, n.º 15, 17º-andar-H, Macau
   Cc: Instituto Cultural
   Ao Sr.º A e à Sr.ª B
   R/C, «P» e «Q», Rua de Pequim, n.ºs XXX, NAPE
   Macau
   
   Sua referência: T-5447 Sua comunicação de: 01/09/2005 Nossa referência: -16789/DURDEP/2005 C. Postal 467 - Macau
   
   Assunto: Requerimento da aprovação do anteprojecto de arquitectura do terreno, junto à Estrada da Penha
   Processo n.º 568/2005/L
   
   Usando da faculdade conferida pelo despacho n.º 6/SOTDIR/2000, publicado no Boletim Oficial da RAEM em 15 de Novembro de 2000 e nos termos do despacho proferido pelo subdirector desta Direcção, vem notificar ao Exm.º Sr.º que, o projecto referido acima deve ser alterado de acordo com as alterações seguintes:
   1. Parecer do IC n.º 024471.1.1695/DPC/357.
   2. Parecer da CEM n.º 013640,05DDI.
   3. A regra da planta de alinhamento, mantém as árvores existentes, e apresenta documentos comprovativos da propriedade.
   
   Com os melhores cumprimentos.
   
   Director (Chefe do Departamento de Urbanização, substituto)
   Ass.: vide o original
   
   Arquitecto XXX
   Aos 06 de Dezembro de 2005”

    
   “Ao Exmº Senhor
   Director da DSSOPT da
   RAEM:
   
   A e B, com domicílio profissional no R/C, «P» e «Q», Rua de Pequim, n.ºs XXX, Nape, Macau. Solicitamos, na qualidade de proprietário, a autorização do respectivo anteprojecto de arquitectura. A localização das obras situa-se junto à Estrada da Penha. O número do processo é 568/2005/L. Essa alteração foi provocada pelo parecer emitido no ofício n.º 16789/DURDEP/2005 em 6 de Dezembro de 2005 pela presente Direcção. Para essa finalidade, apresentamos os seguintes documentos:
   
    - Documento explicativo da construção (MDJ)
    - Ficha técnica
    - Anteprojecto de arquitectura à escala 1:100
   
    No total das páginas que se servem dos dados suplementares dos presentes autos. Anexa-se com três cópias.
   
   Macau, aos 28 de Dezembro de 2005
   Pedimos deferimento.
   
   Ass.: vide o original”


“Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes

Cc: Sr.º arguitecto Mok XX
Rua de XXX, n.º 15, 17º-andar-H, Macau
Cc: Instituto Cultural

Ao Sr.º A e Sr.ª B
R/C, «P» e «Q», Rua de Pequim, n.ºs XXX, Nape
Macau

Sua referência: T-7963 Sua comunicação de: 28/12/2005 Nossa referência: 2478/DURDEP/2006 C. Postal 467 - Macau

Assunto: Requerimento da aprovação do anteprojecto de arquitectura do terreno, junto à Estrada da Penha
    Processo n.º 568/2005/L

  Usando da faculdade conferida pelo despacho n.º 6/SOTDIR/2000, publicado no Boletim Oficial da RAEM em 15 de Novembro de 2000 e nos termos do despacho proferido pelo subdirector desta Direcção, vem notificar ao Sr.º que seja aprovado o projecto acima referido com seguintes condições:

1. Parecer do IC n.º 024471.1.1695/DPC/357.
2. Parecer da CEM n.º 013640,05DDI.
3. Apresenta documentos comprovativos da propriedade junto da presente Direcção.

  Ao mesmo tempo, notifique o Exm.º Sr.º que pode ir à Secção de Atendimentos e Expediente Geral da DSSOPT (sita no Edifício CEM, R/C), nos dias úteis, das 9h00 às 12h00 de manhã ou das 14h00 às 17h00 à tarde para levantar uma cópia de projecto supracitado, na qual fica aposto carimbo.
  Com os melhores cumprimentos.
  
Director (Chefe do Departamento de Urbanização, substituto)
Ass.: vide o original

Arquitecto XXX
Aos 22 de Fevereiro de 2006”

   5. E relativamente ao procedimento conducente à declaração de nulidade consta:

“Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Gabinete do Chefe do Executivo

Ao Exm.º Sr.º
Chefe do Gabinete do Secretário para os Transportes e Obras Públicas

Sua referência: 0771/SOPT/2009 Sua comunicação de: 20/05/2009 Nossa referência: 4103/GCE/2009 C. Postal - Macau

Assunto: Declaração da nulidade do despacho em relação à troca dos terrenos situados no n.º X do Beco do Lilau e n.º X da Calçada do Lilau, e situado no n.º X da Calçada do Lilau, com as áreas globais de 236m2 e 63m2 respectivamente, por terreno situado junto à Estrada da Penha, com a área global de 669m2. (vide processo n.º 853.01)
  Junto se remete a informação (n.º 088/DSODEP/2009) que o Chefe do Executivo apreciou e autorizou o assunto em epígrafe da DSSOPT.
  Com os melhores cumprimentos.

  Chefe do Gabinete do Chefe do Executivo
  Ass.: vide o original
  Ho Veng On (何永安)
  Aos 29 de Maio de 2009”
    
  
  “Governo da Região Administrativa Especial de Macau
  Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes
  
Parecer:
Ao Exm.º Sr.º
Secretário para os Transportes e Obras Públicas de
Macau
  Concordo com o conteúdo referido na informação e proponho que declara a nulidade do despacho que aprova a troca dos terrenos conforme o ponto 9.1 da presente informação, a nulidade do acto administrativo aprovado em relação ao projecto das obras e ao plano de aproveitamento do terreno conforme o ponto 9.2, bem como acompanha as tramitações do respectivo procedimento de acordo com os pontos 9.3 a 9.5.
  À consideração superior.
  
  Ass.: vide o original
  Aos 18/05/2009
  
  
  Ao Exm.º Sr.º Director:
  Concordo com a informação, propondo que declara a nulidade do despacho e acompanhando o procedimento conforme os pontos 9.1) a 9.5).
  À consideração superior.
  
  Ass.: vide o original
  Aos 07/05/2009
  
  Ao Exm.º Sr.º Sub-director:
  Com base na decisão proferida pelo Tribunal de Última Instância, concordo com as propostas dos pontos 9.1) a 9.5) da informação.
  À consideração superior.
  
  Ass.: vide o original
  Aos 07/05/2009

Despacho:
  
  Concordo com o parecer do Exm.º Sr.º Lau Si Io (劉仕堯) e as propostas da informação.
  
  Ass.: vide o original
  Aos 28/05/09
  
Exm.º Sr.º Chefe do Executivo:
  Concordo com parecer e propostas da presente informação, à consideração do Exm.º Sr.º Chefe do Executivo.
  
  Secretário para os Transportes e Obras Públicas
  Lau Si Io
  Ass.: vide o original
  Aos 19/05/2009

Assunto: Declaração de nulidade do despacho de troca dos terrenos situados no n.º X do Beco do Lilau e n.º X da Calçada do Lilau, e no n.º X da Calçada do Lilau, com as áreas globais de 236m2 e 63m2 respectivamente, por terreno situado junto à Estrada da Penha de Macau, com a área global de 669m2 (vide o processo n.º 853.01)
  Informação
  n.º 088/DSODEP/2009
  
  Data: 07/05/2009
  


“Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicos e Transportes

1. Por despacho n.º 210/2006 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, A e B, titulares dos terrenos situados no n.º X do Beco do Lilau e no n.º X da Calçada do Lilau, e no n.º X da mesma Calçada, com áreas de 236m2 e 63m2 respectivamente, em regime de propriedade perfeita, cederam os aludidos terrenos à Região Administrativa Especial de Macau, e em troca, foram concedidos, por arrendamento e sem concurso público, o terreno com a área de 669m2, junto à Estrada da Penha. (Anexo 1)
2. Antes de ser publicado o despacho supracitado no Boletim Oficial da RAEM, o prémio no valor de 608.397,00 já foi liquidado. (Anexo 2)
3. Conforme a decisão do processo n.º 53/2008 do Tribunal de Última Instância, verifica-se que o procedimento de troca dos terrenos acima referido relaciona com o acto ilícito da corrupção do ex-director Ao Man Long. Como os actos cujo objecto constitua um crime são designadamente actos nulos nos termos do art.º 122.º n.º 2 al. c) do Código do Procedimento Administrativo, é nula a autorização de troca dos aludidos terrenos proferida pelo Chefe do Executivo em 6 de Julho de 2006, conforme o parecer da Comissão de Terras n.º 59/2006 e as condições da minuta do contrato a ele anexa. Ao abrigo do art.º 123.º n.º 2 do mesmo Código, o Exm.º Sr.º Chefe do Executivo pode declarar a nulidade deste acto administrativo. (Anexo 3)
4. Nos termos do art.º 125.º n.º 2 da Lei de Terras e do art.º 120.º n.º 3 do Código do Procedimento Administrativo, o acto de autorização supracitado implica a sua eficácia depois de ser publicado no Boletim Oficial da RAEM, pelo que, o acto de declaração da sua nulidade também deve ser publicado no Boletim Oficial da RAEM. (Anexo 4)
5. Nos termos do art.º 172.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, os contratos administrativos são nulos ou anuláveis, nos termos do presente Código, quando forem nulos ou anuláveis os actos administrativos de que haja dependido a sua celebração. Pelo que, o contrato de troca dos terrenos supracitado (isto é, o contrato de troca dos terrenos disposto no DESSTOP n.º 210/2006) também ficou nulo. (Anexo 5)
6. O acto de autorização de troca dos terrenos supracitado ficou nulo, em seguida, o acto subsequente também ficou nulo, nomeadamente, o acto de projecto das obras e plano de aproveitamento dos terrenos supra mencionados.
7. Ora, nos termos da lei vigente, o acto de autorização de troca dos terrenos supracitado ficou nulo, A e B ainda eram proprietário e detentor legal dos dois terrenos situados na Calçada do Lilau. De facto, os respectivos terrenos mantêm-se registados em nome das mesmas pessoas, o governo da RAEM também pode evitar a questão de responsabilidade jurídica em relação à manutenção e reparação dos respectivos edifícios.
8. Por outro lado, quanto ao assunto da restituição de prédio adicional já pago ao governo da RAEM pelo concessionário, com base no parecer do Departamento Jurídico desta Direcção face ao mesmo tipo de processo, o governo da RAEM pode exigir ao concessionário os eventuais prejuízos sofridos causados pela nulidade desta concessão por causa dos respectivos actos ilícitos, incluindo as indemnizações pelos danos morais, pelo que, propõe que não será restituído provisoriamente o prédio adicional no valor de MOP$ 608.397,00 já pago para que o governo da RAEM analise no futuro durante o procedimento de exigência da indemnização. (Anexo 6)
9. Face ao exposto, submete-se esta informação à consideração superior, para que:
1) O Chefe do Executivo declara a nulidade do acto da confirmação do requerimento da troca dos aludidos terrenos feita em 6 de Julho de 2006 conforme o parecer favorável da Comissão de Terras n.º 59/2006 e as condições da minuta do contrato a ele anexa. Este contrato era disposto no Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas publicado no Boletim Oficial da RAEM, n.º 49, II série, de 6 de Dezembro de 2006; os dois terrenos que pertenciam anteriormente a A e B, em regime de propriedade perfeita, mantêm registados em nome dessas duas pessoas;
2) Declara a nulidade do despacho aprovado relacionado com todos os projectos, incluindo plano de aproveitamento dos terrenos e projecto das obras nos terrenos situados junto à Estrada da Penha de Macau;
3) Autoriza que não será restituído provisoriamente o prédio adicional no valor de MOP$ 608.397,00 já pago, para que a RAEM analise sinteticamente durante o procedimento da exigência da indemnização no futuro.
4) Remete o processo ao Departamento Jurídico para o acompanhamento dos procedimentos subsequentes.
5) Notifique o despacho superior à Direcção dos Serviços de Finanças, e com conhecimento ao Departamento de Urbanização, ao Departamento de Planeamento Urbanístico e à Comissão de Terras.
Técnico
XXX
(XXX)”
    IV - FUNDAMENTOS
   
   1. O objecto do presente recurso - se o despacho do então Exmo. Senhor Chefe do Executivo, de 28 de Maio de 2009, que declarou a nulidade, nos termos das disposições da alínea c) do n.º 2 do artigo 122.º e do n.º 2 do artigo 123.º, ambos do Código do Procedimento Administrativo, do acto da mesma entidade, de 6 de Julho de 2006, que homologou o parecer da Comissão de Terras n.º 59/2006, de 15 de Junho, bem como as condições da minuta do contrato a ele anexa, parecer esse favorável ao deferimento do pedido de troca, e que foi publicado no Boletim Oficial n.º 49, II Série, de 6 de Dezembro de 2006, por despacho do Exmo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 210/2006" - deve ser anulado, por padecer dos alegados vícios, passa pela análise das seguintes questões:
   
   - Omissão do dever de notificação;
   - Falta de fundamentação;
   - Falta de audiência do interessado.
    -Violação de lei; erro nos pressupostos de facto e de direito em que se baseou o acto recorrido.
*
     Tendo por finalidade a anulação do acto recorrido, perante o elenco dos assacados vícios ao acto praticado, importará fazer uma referência, ainda que sumária, à ordem de conhecimento dos vícios alegados.
    
    Nos termos do n.º 2 do artigo 74º do CPAC, “... O tribunal conhece prioritariamente dos fundamentos que conduzem à declaração de nulidade ou de inexistência ao acto recorrido e, depois, dos que determinem a sua anulação”.
    
Os vícios invocados conduzem à mera anulação do acto, o que resulta do disposto nos artigos 114º e 116º do CPA (Código de Procedimento Administrativo) e serão conhecidos pela ordem indicada no artigo 74º, nº 2 e 3 do CPAC.
Assim, conhecer-se-á do vício de violação de lei e vício de forma, no entendimento preconizado por certa jurisprudência1 de que, ressalvando sempre situações específicas – v.g. situações que possam dar lugar à renovação do processo administrativo – a regra é a de que deve ser apreciado prioritariamente o vício de violação de lei de fundo, em relação ao vício de forma, na medida em que a invocada falta de fundamentação, neste caso, não determina o esclarecimento quanto ao erro, seja dos pressupostos de facto, seja dos pressupostos de direito.2
Quanto à pretensa falta de audiência do interessado, tratando-se de vício procedimental, podendo condicionar a própria decisão, emanente do disposto no artigos 8º e 93° do CPA, sendo susceptível de sanação por cumprimento de formalidade preterida, impõe-se o seu conhecimento prévio em relação aos demais vícios, assim se garantindo uma mais estável e eficaz defesa dos direitos e interesses dos recorrentes.
    
    2. Da notificação
    2.1. Alegam os recorrentes que, tendo tomado conhecimento do acto acima transcrito apenas por publicação no Boletim Oficial, os ora recorrentes requereram fosse emitida certidão da documentação tida como necessária para o efectivo e integral conhecimento do acto e dos seus pressupostos, nos termos e para os efeitos do art. 70º alínea a) do Código de Procedimento Administrativo, mais requerendo que fosse emitida certidão demonstrando a sua efectiva tentativa de notificação.
     Em resposta a esse requerimento entendeu o Senhor Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes da RAEM (Região Administrativa Especial de Macau) que não haveria lugar a notificação, visto a declaração de nulidade ter sido declarada por órgão administrativo, no âmbito de procedimento administrativo.
    Defendem assim os recorrentes a inexistência de uma regular notificação, donde dever ser o acto ora impugnado anulado, por vício de violação de lei, consoante a cominação legal presente no art. 124.º do Código de Procedimento Administrativo.
    Atentemos no regime normativo pertinente:
    
"Artigo 68º
(Dever de notificar)
    Devem ser notificados aos interessados os actos administrativos que:
    a) Decidam sobre quaisquer pretensões por ele formuladas;
    b) Imponham deveres, sujeições ou sanções, ou causem prejuízos;
    c) Criem, extingam, aumentem ou diminuam direitos ou interesses legalmente prategidos, ou afectem as condições do seu exercício."
    

"Artigo 72º
(Forma das notificações)
    1. As notificações devem ser feitas pessoalmente ou por ofício, telegrama, telex, telefax, ou por telefone, consoante as possibilidades e as conveniências.
    2. Se qualquer das referidas formas de notificação pessoal se revelar impossível ou ainda se os interessados a notificar forem desconhecidos ou em número tal que inviabilize essas formas de notificação, é feita notificação edital, afixando-se editais nos locais de estilo e publicando-se anúncios em dois dos jornais mais lidos do Território, um em língua portuguesa, outro em língua chinesa;
    3 .... "
    
    Na verdade, o acto ora recorrido foi publicado no Boletim Oficial n.º 31, II Série, de 5 de Agosto de 2009, por força da aplicação conjugada do disposto nos artigos 120.° e 132.° do CPA e no n.º 2 do artigo 125.° da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de Terras.
    Ainda que se reconheça que este acto devia ter sido notificado, nos termos do art° 68° do CPA, enquanto teve por efeitos a supressão de direitos ou diminuindo interesses legalmente protegidos dos recorrentes e que lhes haviam sido concedidos, ainda que por acto nulo, o certo é que a notificação constitui um mero requisito de eficácia ou oponibilidade do acto administrativo, não interferindo com a sua validade.
    Pelo que a falta de notificação de um acto não faz dele um acto enfermo de vício de forma e muito menos de vício de violação de lei. Mesmo admitindo que tal notificação não tivesse sido recebida pelos recorrentes e/ou concluindo-se que a mesma não obedeceu aos requisitos legais do CPA, sempre a consequência dessa omissão não seria a nulidade ou mesmo a anulabilidade do acto, mas antes tendo por consequência, por se tratar de um elemento exterior ao acto, a inoponibilidade do acto ao seu destinatário (e não a sua invalidade), ou seja, trata-se de um mero requisito de eficácia do acto que não tem a virtualidade de alterar a natureza ou as características desse mesmo acto, apenas podendo relevar para efeitos de contagem dos prazos de impugnação ou operar no plano da responsabilidade civil extracontratual da Administração.

A este respeito, atentemos na voz autorizada de Mário Esteves de Oliveira3:
"Consequência da falta de notificação do acto administrativo a ela sujeito, é a da sua ineficácia.
    Se lhe falta, porém, algum elemento não essencial, a consequência em relação a ela, será a da sua mera inoponibilidade - o que pode redundar, por exemplo, caso a notificação seja defeituosa ou omissa no que se refere à indicação do órgão competente para conhecer do recurso administrativo necessário, na inexistência do dever de sua impugnação (da que for devida) ou na supribilidade de uma impugnação mal deduzida.
    Pouco importante é, ainda distinguir a ilegalidade da notificação da ilegalidade do acto notificado. Aquela gera "apenas" a ineficácia ou inoponibilidade só havendo invalidade do acto no caso de se tratar de ilegalidade que o afecte a ele mesmo - mesmo que tal ilegalidade também venha revelada ou tenha repercussão na própria notificação."
    
Nesse mesmo sentido, em termos de Jurisprudência comparada,4 pode ler-se no sumário do Acórdão do STA, proc. 087/03: “A notificação do acto administrativo deve conter obrigatoriamente os elementos essenciais apontados no art. 68º do CPA, sob pena de se ter por inverificado o requisito de eficácia subjectiva relativamente ao acto em causa que, deste modo, não será oponível ao interessado, não operando a caducidade do efeito impugnatório enquanto tais elementos não forem levados ao seu conhecimento”
    Acresce que a falta de notificação em nada prejudicou o direito de recurso dos recorrentes, que não deixaram de, tempestivamente, interpor o competente recurso contencioso.
    Encontramo-nos perante acto de publicação obrigatória (art°s 120° e 132° CPA e 125°, 2 da Lei de Terras), tendo o mesmo sido publicado no BO n° 31, II Série, de 5/8/09 e dele tiveram conhecimento os recorrentes que não o deixaram de impugnar, não vindo invocada qualquer diminuição do direito de defesa dos seus interesses pela irregularidade cometida.
    Ineficácia ou inoponibilidade (subjectiva) são, como se disse, as consequências irremediáveis da falta de notificação do acto administrativo, de qualquer acto administrativo, desfavorável ou favorável que deva ser notificado.5 Mas estas consequências - para já não falar noutras6, que não vêm ao caso - não podem deixar de ceder perante duas realidades: uma que foi o facto de os interessados não deixarem de ter tido conhecimento do acto através da publicação no jornal oficial; outra, de ordem jurídica que é o facto de uma nulidade poder deixar de o ser pelo facto de o acto que a declarou não ter sido pessoalmente notificado (o que não deixa de contrariar a própria natureza de nulidade).
    Acresce que os recorrentes o que pedem, sobre esse apontado vício que dizem ser o de violação de lei, é a anulabilidade do acto o que não se encaixa, com acima se viu, naquela irregularidade ou falta.
     Improcede assim esta linha argumentativa.
    
    2.2. Aspecto diverso e que o recorrente parece confundir com o que vimos de analisar prende-se com a fundamentação da decisão e conhecimento do seu conteúdo.
     Na verdade, a referida notificação não contem o texto da decisão em recurso e não foi acompanhada com cópia da mesma nem com cópia da informação de serviço e do parecer jurídico que fundamentou a declaração de nulidade o indeferimento de anterior decisão. Ainda assim o ofício que notificou o recorrente do indeferimento foi seguido de certidão, emitida a pedido do recorrente, onde consta o teor integral da decisão e da informação de serviço sobre que aquela recaiu.
Ora bem, cabe perguntar se com esta notificação os recorrentes tomaram conhecimento da fundamentação da decisão proferida e que decidiu no sentido da apontada nulidade do primeiro acto, percebendo qual foi o iter lógico do autor do acto para, perante a situação concreta do procedimento, tomar aquela decisão.
     Entendemos que sim.
    No que acompanhamos o Ac do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.11.1994, processo n° 22.706, em que se sustentou que se deve concluir pela existência da fundamentação exigida, «quando o destinatário normal, suposto na posição do interessado em concreto, atentas as suas habilitações literárias e os seus conhecimentos profissionais, o tipo legal de acto, os seus termos e as circunstâncias que rodearam a sua prolação, não tenha dúvidas acerca das razões que motivaram a decisão».

    E não deixamos de concluir no sentido de que a decisão recorrida (que não se confunde com a sua notificação) se mostra minimamente fundamentada, como adiante melhor se verá.
    
    3. Da apontada falta de fundamentação do acto
    
    No que à forma respeita, é bem certo que a lei impõe no presente caso o dever de se fundamentar a decisão, o que decorre expressamente do disposto no nº 1, al. a) e f)) do artigo 114º do CPA.
    Constata-se que as razões factuais externadas pelo acto são perfeitamente compreensíveis e assimiláveis por qualquer cidadão médio, ficando-se a saber que os recorrentes dele tiveram conhecimento, pois que são eles próprios que transcrevem o seu teor, tal como vertido na publicação oficial, publicação no Boletim Oficial n.º 31/2009 - II Série, do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 38/2009, publicado em 5 de Agosto de 2009, no qual consta o seguinte:
    "Considerando que ficou provado no âmbito do processo comum colectivo n.º 53/2008 do Tribunal de Última Instância, que o procedimento de cedência à Região Administrativa Especial de Macau da propriedade dos terrenos com as áreas de 63 m2 e de 236 m2, situados na península de Macau, onde se encontram implementados os prédios urbanos n.s X da Calçada do Lilau, e n.º X do Beco do Lilau e n.º X da Calçada do Lilau, por troca no regime de concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 669 m2, situado na península de Macau, junto à Estrada da Penha, envolveu a prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, por parte do então Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
    (...)
    1) 1. Tornar público que por despacho do Chefe do Executivo, de 28 de Maio de 2009, foi declarada a nulidade, nos termos das disposições da alínea c) do n.º 2 do artigo 122.º e do n.º 2 do artigo 123.º, ambos do Código do Procedimento Administrativo, do acto da mesma entidade, de 6 de Julho de 2006, que homologou o parecer da Comissão de Terras n.º 59/2006, de 15 de Junho, bem como as condições da minuta do contrato a ele anexa, parecer esse favorável ao deferimento do pedido de troca, e que foi publicado no Boletim Oficial n.º 49, II Série, de 6 de Dezembro de 2006, por Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 210/2006."
    Fica-se assim a saber, qualquer leitor se apercebe que o despacho anterior que autorizara a troca de terrenos é nulo porquanto ficou comprovado que esse acto envolveu a prática de um crime de corrupção passiva do ex-Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
    Se essa fundamentação é bastante para justificar a nulidade do acto essa é outra questão que não importa agora dissecar.
    
    Nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 114º do C.P.A., aprovado pelo D.L. n.º 57/99/M, de 11.10, “Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente, neguem, extingam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções”.
    
    Para não falar já sequer na previsão da al. f) do citado preceito ao falar numa revogação, modificação ou suspensão de acto anterior, pois que a declaração de nulidade do acto anterior fulmina-o de todo, o que não deixa de significar uma modificação jurídica do mesmo.
    
    Relativamente aos requisitos da fundamentação, impõe o artigo 115º C.P.A., no seu n.º1, que a “fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituirão, neste caso, parte integrante do respectivo acto” e nos termos do n.º2 do mesmo artigo 115º “equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto”.
    Quando a lei exige que o acto seja fundamentado, nos termos dos artigos 114.° e 115.° do CPA, é porque entende deverem ser conhecidas as razões de facto e de direito em que se baseou a decisão nele tomada.
    
    Pode-se entender que a referência a um envolvimento num crime não é suficiente para decretar a nulidade e teria sido útil externar todos os pareceres que estiveram na base daquele acto anulatório, mas, aí, a questão já se transfere para eventual vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e erro de direito, a apreciar em sede de conformidade de tal declaração com os respectivos pressupostos.
    
    Acresce que a indicação da norma ao abrigo da qual se proferiu tal declaração de nulidade ajuda a compreender as razões do acto, ou seja, aquilo que o vulgo apreende é que a autorização da troca de terrenos envolveu um crime de corrupção passiva para acto ilícito e por isso tal acto não pode produzir quaisquer efeitos.
    Também não é verdade que "a suposta fundamentação se limita a remeter para o acórdão n.º 53/2008".
    Assim se conclui no sentido de se perceber quais as razões por que o acto de homologação proferido pelo ex- Exmo Senhor Chefe do Executivo, enquanto acto final de todo um procedimento administrativo que envolveu a prática de um crime, foi declarado nulo, nos termos das disposições da alínea c) do n.º 2 do artigo 122.° e do n.º 2 do artigo 123.°, ambos do CPA, considerando-se que o mesmo não padece de falta de fundamentação.
    Donde, como já afirmado, se ter o acto por suficientemente fundamentado.
    
    4. Dos pressupostos da nulidade.
    Defendem ainda os recorrentes a tese de que o acto praticado pelo Exmo Senhor ex-Chefe do Executivo não constitui nem tem ligação com qualquer crime, pelo que não faz sentido considerar este acto nulo.
    Ou seja, tendo o crime incidido sobre um mero acto trâmite do procedimento de troca de terrenos, da autoria do então Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, o acto final do Senhor ex-Chefe do Executivo, objecto do presente ataque contencioso, resultaria inexoravelmente incólume.
    Contrapõe a Administração no sentido de que, ainda que em abstracto a decisão primitiva e declarada nula fosse a adequada e correcta (na medida em que constituía um meio de a Administração adquirir prédios situados num "conjunto classificado"), a mesma sempre seria irremediavelmente ilegal, pois a invalidade por vício absoluto de um acto preparatório não pode deixar de se projectar no acto final.
    Não cabe agora apreciar dos fundamentos da declaração de nulidade ou da falta deles.

Temos, porém, presente a anotação de Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho7, ,de que devem incluir-se no âmbito da alínea c) do n.º 2 do artigo 122.° do CPA "todos os actos que envolvam a prática de um crime, mesmo que o seu objecto não gere responsabilidade criminal. Assim, são nulos os actos que assentam em pressupostos ou motivos criminosos ou cuja finalidade constitua um crime (v.g. actos praticados por corrupção)", entendimento partilhado por Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco de Amorim,8 , ao considerarem abrangido "na parte final desta alínea c) - mesmo se parece estranho o facto do legislador se referir apenas ao "objecto" do acto administrativo - também aqueles que, não sendo crime por esse lado, o são pela sua motivação ou finalidade, quando esta seja relevante para a respectiva prática. Diríamos, portanto, serem nulos não apenas os actos cujo objecto (cujo conteúdo) constitua um crime, mas também aqueles cuja prática envolva a prática de um crime. Estão nessas circunstâncias, por exemplo, (...) os actos que sejam praticados mediante suborno ou por corrupção".
    Não deixamos também de ter presente a autonomia da Administração e a preservação e prossecução do interesse público nas suas decisões.
    Mas também temos presente o disposto no artigo 578º do CPC que dispõe que a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção.
    Isto apenas para acentuar que não podemos passar adiante sem que se respeitem as regras procedimentais devidas de forma a integrar todo o processo com todos os subsídios para a tomada de posição mais adequada que pode muito bem ser até aquela que foi tomada.
    E assim se entra na análise de que adiante se curará.
    
    5. Da preterição do direito de audiência prévia dos interessados
    5.1. Suscitam os recorrentes uma ilegalidade no âmbito do processo que culminou com o despacho ora impugnado, concretizada no facto de não terem sido previamente ouvidos.
    Terão visto, ao abrigo do disposto nos arts. 93º e seguintes do C.P.A., o seu direito de audição prévia ser totalmente desrespeitado,
    Estando em causa não só o seu direito de informação, como também a possibilidade de exercer de forma efectiva e conveniente o seu direito ao contraditório.
    E isto, uma vez que esta inexistência de audiência dos interessados não se verificou sob a égide protectora do art. 96º do C.P.A., que regula taxativamente quais as situações em que tal dispensa pode ocorrer,
    Donde defenderem a anulabilidade do acto por preterida uma formalidade essencial no que ao andamento do procedimento administrativo concerne, face ao disposto nos artigos 10º e 124º do C.P.A.
    
    5.2. Basicamente defende a entidade recorrida que tratando-se de acto de declaração de nulidade de acto anterior, a Administração encontrava-se vinculada a essa declaração, pelo que os eventuais factos, motivos ou razões a apresentar na sede pretendida se mostrariam irrelevantes e inócuos, nunca passíveis de alterar o sentido desse acto, pelo que aquela formalidade se mostraria degradada, não se devendo a Administração prestar, como é óbvio, à prática de actos inúteis e que só faria sentido ouvir os recorrentes se estes pudessem contribuir para uma outra decisão através de uma efectiva e real possibilidade de apresentação de factos, razões ou motivos susceptíveis de poderem inverter essa declaração de nulidade.
    A Administração encontrar-se-ia vinculada a essa declaração, pelo que os eventuais factos, motivos ou razões a apresentar na sede pretendida se mostrariam irrelevantes e inócuos, nunca passíveis de alterar o sentido desse acto, pelo que aquela formalidade se mostraria degradada, não se devendo a Administração prestar, como é óbvio, à prática de actos inúteis.
    
    5.3. Vejamos.
    Subjacente à posição da Administração relevaria o princípio do aproveitamento dos actos administrativos.
    Em termos simples, como acto seria vinculado, a declaração de nulidade seria inelutável, para quê ouvir os interessados.
    Tal como a própria entidade recorrida reconhece, o fim legal dessa formalidade, autonomizada na estrutura do procedimento pelos artigos 93.º e segs. do CPA, é o de proporcionar aos interessados a possibilidade de se pronunciarem sobre o objecto do procedimento, chamando a atenção do órgão competente para a decisão para a relevância de certos interesses ou pontos de vista adquiridos no procedimento.
    Este direito de audiência prévia só é assegurado se se traduzir numa possibilidade real e efectiva de apresentar factos, motivos, argumentação e razões susceptíveis de constituir, tanto uma cooperação para a decisão, como também elementos de um controlo preventivo por parte do particular em relação à Administração.9 O direito a ser ouvido tem uma dimensão funcional que se traduz na contribuição do particular para o apuramento dos factos relevantes mas tem também uma dimensão garantística 10.
    Na primeira valoriza-se o facto de os particulares carrearem para o procedimento as informações necessárias à decisão com vista à sua instrução completa, através de um procedimento dialogante, favorecendo-se igualmente a legitimação das decisões. Na última concretiza--se a participação dos interessados enquanto indivíduos portadores de interesses próprios que importa salvaguardar no procedimento, permitindo-lhes que transmitam o seu ponto de vista sobre o caso em apreço, de modo a não os reduzir a meros objectos da actividade administrativa.
    Em qualquer das suas dimensões trata-se de um meio de que os particulares dispõem para desde logo controlar e influenciar a actividade da Administração comunitária numa fase em que a decisão ainda não está tomada.
Encerra uma ideia de pacificação social, evitando uma conflitualidade judicial11, não só pela maior aceitabilidade da decisão que proporciona12, mas porque permite igualmente um auto e hetero-controle, fazendo ponderar interesses que contrapostos no procedimento poderiam levar a outra decisão e que de outro modo não chegariam ao conhecimento da Administração. Esta intervenção permite que os particulares possam defender o seu ponto de vista “podendo moldar, afinal, o conteúdo da decisão que os vai afectar”13 limitando-se assim a margem de livre apreciação do órgão decisório. De facto a participação dos interessados não cumpre, por si só, o objectivo que se pretende porquanto deve ser igualmente obrigatória a ponderação do seu resultado pela entidade decisora. Como o próprio nome indica a audiência deve ser prévia a uma tomada de decisão e depois de se terem reunido os elementos necessários que irão servir de base à decisão.
    Limita-se assim a discricionariedade administrativa quer quanto ao tipo de actos instrutórios a levar a cabo quer ao conjunto de interesses a ponderar. A crescente “porosidade” legislativa ao permitir ampla margem de apreciação ao órgão decisor deve exigir também uma crescente participação procedimental de modo a obter-se um completo apuramento formal dos interesses a prosseguir e consequentemente uma decisão materialmente correcta.

5.4. Estamos assim em condições de afirmar a necessidade da audiência prévia dos interessados neste procedimento.
    Argumenta-se no sentido de que, tratando-se de um acto de declaração de nulidade de um acto anterior, o poder exercido pela Administração tem natureza estritamente vinculada, sendo que o acto em situação alguma poderia ter outro conteúdo decisório.
    Parte-se assim do pressuposto de sendo o acto efectivamente nulo apenas haveria que constatar essa nulidade, que como é sabido se impõe a todos independentemente de declaração expressa nesse sentido, pelo que a falta de audiência dos recorrentes se mostrava irrelevante visto não poder em caso algum alterar o sentido do acto, degradando-se esta formalidade, neste caso, em não essencial.
    Esta posição, reconhece-se, não deixa de ter até apoio nalguma Jurisprudência comparada.14
    Mas será assim?
    Desde logo em sede de actos vinculados aquele entendimento não é pacífico, contrapondo àquela decisão da Jurisprudência comparada, outras que vão em sentido contrário.
    Assim, “não basta, para concluir pelo carácter não invalidante da omissão de audiência imposta pelo art. 100º do CPA (audiência prévia) que o acto tenha sido proferido no exercício de poder vinculado.”15
    Em termos meramente comparados, é esta a posição do Pleno da secção do CA da STA.
    Não estando sós no entendimento da necessidade de audiência prévia na situação presente, a questão que, independentemente do mais, desde logo se coloca, é se estamos perante um caso de decisão absolutamente vinculada.
    Na certeza de que mesma a Jurisprudência que vai naquele sentido é clara enquanto afirma a inevitabilidade jurídica do acto impugnado.16
    Não se acompanha a posição que vai no sentido de considerar sequer que haja uma inevitabilidade no caso em apreço.
    Ainda antes disso, entendemos que a previsão da al. c) do n.º 1 do art. 122º do CPA já citado não abarca a situação sub judice.
    São nulos os actos cujo objecto constitua um crime.
    Qual é o acto? O do Exmo Senhor ex-Chefe do Executivo.
    Qual é o crime? Foi o da corrupção passiva de um ex Secretário que a montante recebeu dinheiro no âmbito do procedimento que conduziu à troca do terreno.
    Ora, é manifesto que o crime praticado está fora do objecto do acto impugnado.
    Que está relacionado, sem dúvida, mas este relacionamento parece ir para além da previsão normativa, mesmo na asserção mais ampla da doutrina já acima citada que atende a um envolvimento entre o autor do acto e o crime praticado.17
    Torna-se necessário que o que se decide em si constitua um crime, ou num entendimento mais amplo que esse envolvimento implique uma viciação do acto.
    Quoad est demonstrandum.
    Desde logo, importa ter presente que os recorrentes não foram julgados no processo do TUI e que a decisão aí proferida não faz caso julgado em relação a eles.
    Não é certo que os factos, motivos e razões que os recorrentes poderiam trazer ao processo em circunstância alguma fariam inflectir a Administração.
    Não se pode fazer esse juízo ou pelo menos o legislador não permite que o façamos.
    Defende até a entidade recorrida que essa factualidade e argumentação é a trazida agora ao processo e como se vê nada adianta quanto à dita declaração de nulidade.
    Não estamos certos desta asserção em termos abstractos.
    A ter como bom este argumento então seria o Tribunal que estaria a reconhecer a justeza da declaração de nulidade e o que se pretende é fazer ver à Administração que essa declaração não devia ser eventualmente tomada.
    Estar o Tribunal a precipitar agora um juízo de certeza quanto à questão de fundo, isto é que a declaração de nulidade seria inexoravelmente tomada, afigura-se um desacerto em termos lógicos e cronológicos.
    É que se defende a validade do contributo dos interessados para essa tomada de posição só depois dessa intervenção e perante a posição tomada se pode emitir um juízo sobre a bondade da decisão tomada.
    Enquanto esse procedimento se não mostrar regularizado afigura-se que se está a precipitar um juízo que deve levar em linha de conta uma decisão tomada avaliando todos os elementos, onde se inclui a posição da parte.
    É verdade que se trata de uma declaração de nulidade e que a existir não deve deixar de produzir efeitos ex tunc e a declarar oficiosamente.
    Só que essa declaração de nulidade pode deixar de se verificar se porventura houver outro entendimento.
    E não deixamos de salientar que a declaração de nulidade não deve ser proferida levianamente, não é uma evidência e dar a qualquer entidade ou a qualquer Tribunal a competência para declarar erga omnes a nulidade de um acto pode pôr a ordem jurídica em grave risco...18
     O Tribunal não se pode substituir à Administração, pois que o acto impugnado é o da Administração e só a ela lhe cabe proferir decisão, respeitando as formalidades que se reputam essenciais e não se mostram degradadas.
    Imaginemos uma acção em Tribunal em que o A. pede a declaração de nulidade de um determinado contrato. Tal pedido ou apreciação, se oficiosa, poderá ser tomada sem mais, sem ouvir a parte interessada na sua não declaração. É evidente que não. E se assim é para o Tribunal não se vê razão para que o não seja para a Administração.
    Donde termos no caso presente esta formalidade como essencial.
    
    6. Do conhecimento da nulidade
    6.1. Retomemos esta questão já acima abordada, tendo tomado já posição quanto à não pronúncia sobre a existência ou não da nulidade do primeiro acto, de forma a justificar eventual possibilidade de se prescindir de tal formalidade.
    O que assentaria na inevitabilidade da nulidade do acto que se evidenciaria como absolutamente vinculado.
    Poder-se-ia até anuir a um entendimento que à partida fosse no sentido da nulidade visto o tal envolvimento da troca de terrenos no crime de corrupção julgado no TUI.
     Mas isto é para o que aponta a apreciação substantiva com os elementos disponíveis.
     Pensemos noutra perspectiva, na de se deverem ponderar outros elementos ainda não aduzidos ou outros que desde já se evidenciam como o facto de os agentes activos do aludido crime de corrupção passiva não terem sido ouvidos no processo, no facto de correr ainda o processo em que se julgam os corruptores, em tese abstracta na possibilidade de um desfecho contrário ao que comprovado foi naquele processo, que o mencionado envolvimento ou conexão assume contornos diferentes daqueles que ficaram expressos no despacho recorrido, nomeadamente que a referência a esse envolvimento se preenche de forma diferente, sendo certo que nele não se encontram externadas as razões vertidas nos pareceres a que anuiu o despacho em crise.
    Como já se disse a Administração não estaria vinculada às regras do caso julgado para se pronunciar como se pronunciou. Mas essa é outra questão; o que parece é que não se pode suprimir uma etapa fundamental do procedimento, não pode deixar de dar a palavra ao interessado, sob pena de violação de um direito legalmente consagrado.
    Teve porventura o interessado hipótese de ilidir aquela presunção de culpa, de responsabilidade, de lesão do interesse público?
    Para não já falar na configuração de um resultado absolutório em relação no processo em que responda como corruptor activo, o que por si só também não seria definitivo em termos de exclusão da nulidade assacada ao primitivo acto.
    
    6.2. Invoca-se ainda um argumento que à primeira vista parece impressionar. É que, seguindo o entendimento dos recorrentes, jamais seria possível anular um acto nulo, por falta de cumprimento do artigo 93.º do CPA.
    Mas tudo se resolve se atentarmos que se trata de objectos diferentes: o objecto da nulidade é o primeiro acto e o da anulabilidade o segundo acto. Nada choca se considerarmos que se o segundo acto for anulado por razões de forma, o primeiro acto se mantenha erecto até que definitivamente declarado nulo, se o tiver de ser. Imaginemos, por absurdo que o despacho recorrido dizia simplesmente que o primeiro acto era nulo. Flagrante se evidenciaria uma falta absoluta de fundamentação. Só por esse fundamento não podia ser anulado? É óbvio que não.
    7. Estamos, pois, em condições de julgar o presente recurso contencioso, no sentido da sua procedência por falta de preterição de uma formalidade essencial, qual seja a da audiência prévia do interessado, devendo essa formalidade ser assumida e efectivada no procedimento, só assim se estando em condições de apreciar da questão de fundo, ou seja da efectiva verificação da nulidade do acto.
    Presumir que numa situação como na presente a posição da parte de nada serve, nada conta, parece muito perigoso e pode-se dar um sinal errado conducente à supressão de uma das garantias fundamentais dos administrados perante a Administração e que se traduz no direito a serem ouvidos sempre que esse direito não se mostre excluído.
    Mesmo não se prevendo uma situação expressa de exclusão da audiência prévia no caso sub judice admite-se que tal fosse dispensável perante uma situação de inevitabilidade, de decisão absolutamente vinculada. Só que não parece ser essa a situação presente.
    Este argumento também vertido na Jurisprudência comparada, enquanto se reconhece que o legislador não previu os casos absolutamente vinculados como causa de exclusão da audiência prévia.. “Tomar posição antecipada seria julgar também por antecipação, que a audiência, nos casos considerados pela Administração como de exercício de poderes estritamente vinculados podia ser dispensada ou que a ela não havia lugar. Mas essas situações não se encaixam em nenhuma das previsões do artigo 103º do CPA.” 19Mutatis mutandis, art.º 96º do nosso CPA.
    E mesmo noutras situações em que se possa estender uma dispensa de audiência por analogia, não encontramos uma situação justificativa dessa dispensa no caso sub judice.20
    Pelas apontadas razões eximir-nos-emos a conhecer da questão relativa à nulidade do primeiro acto e assim ao vício de violação de lei referente aos respectivos pressupostos de facto e de direito, por se entender que o procedimento em falta é necessariamente prévio a tal conhecimento.
    V - DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, acordam em conceder provimento ao presente recurso contencioso, anulando o acto recorrido por preterição da audiência prévia dos interessados, ao abrigo do disposto nos artigos 93º e 124º do CPA.
Sem custas por delas estar isenta a entidade recorrida.
                 Macau, 27 de Outubro de 2011
  João A. G. Gil de Oliveira
  Ho Wai Neng (com declaração de voto vencido)
  José Cândido de Pinho (acompanho a fundamentação e decisão do acórdão, mas apresento declaração de voto em anexo)


Proc. nº 731/2009
(Declaração de Voto)

O que me impressionou decisivamente nestes autos foi o facto de os ora recorrentes - embora tenham sido considerados autores activos de um crime de corrupção pelo qual um outro réu (corruptor passivo) foi condenado – poderem vir a ser absolvidos no processo-crime que contra eles por ora pende pelos mesmos factos e pelo quais ainda haverão de responder. O princípio “in dubio pro reo” impede que se conclua, de momento, terem sido agentes activos do crime, sendo até de admitir a possibilidade que dele venham a ser absolvidos.
Se tivessem sido condenados com trânsito em julgado no referido processo-crime, concedemos (com uma muito pequena margem de dúvida) que não houvesse necessidade de os ouvir no âmbito do procedimento administrativo, já que poderia tratar-se de uma diligência que não traria qualquer utilidade à decisão que viesse a ser tomada, se fosse de entender que o acto declarado nulo padecesse, sem margem para qualquer dúvida, dessa invalidade. Mas tal não parece ser o caso!
Na verdade, o acto que homologou o parecer da Comissão de terras não é imperiosamente nulo, pelo menos com base no art. 122º, nº2, al. c), do CPA invocado para o efeito. Na verdade, o que aquele dispositivo legal tem por muito clara expressão é a determinação da nulidade do acto administrativo que vise a prática de um crime ou cujo objecto em si mesmo constitua um crime. Mas nada disso podemos entrever na situação dos autos. E assim, a nulidade com fundamento naquele normativo não podia constituir razão para se omitir a audiência prévia dos recorrentes (o caso não era de actuação vinculada da Administração no decretamento da referida nulidade).
Eis os motivos principais pelos quais me afasto da posição que tomei ao subscrever o acórdão proferido no Proc. nº 663/2009 (processo que, apesar de tudo, pesem embora os pontos comuns, apresentava algumas diferenças factuais relativamente à dos presentes autos, nomeadamente no plano da autoria do ilícito subjacente).
TSI, 27 de Outubro de 2011
José Cândido de Pinho



DECLARAÇÃO DE VOTO

   Salvo o devido respeito, entendo que o presente recurso contencioso não merece provimento, devendo confirmar a decisão recorrida por razões já expostas no Proc. nº 663/2009 deste Tribunal.
   Por outro lado, o acto declarado nulo pela entidade recorrida, ainda que não seja nulo nos termos da al. c) do nº 2 do artº 122º do CPA, é nulo nos termos do seu nº 1, por falta de elementos essenciais do acto.
   Em homenagem do estado do Direito Comparado, transcreve-se o conceito de “elementos essenciais” definido pelo Supremo Tribunal Administrativo de Portugal (Ac. de 17/02/2004, Proc. nº 17/02/2004):
“Nos termos do disposto no art. 133º nº 1 do CPA “são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade”
Cumpre ao intérprete densificar o conceito de “elementos essenciais”.
Na doutrina, há alguma divergência.
Para Freitas do Amaral in “Curso de Direito Administrativo”, II, p. 411, os elementos essenciais do acto administrativo, para os efeitos do disposto no art. 133º, nº 1 do CPA, são, “os absolutamente indispensáveis para que se possa constituir um acto administrativo, incluindo os que caracterizam cada espécie concreta”.
Nesta linha, se pronunciara já Vieira de Andrade [Validade (do acto administrativo) - in DJAP, VII, p. 587], nos seguintes termos:
“(…) Os elementos essenciais são os indispensáveis para que se constitua qualquer acto administrativo, incluindo os que caracterizam cada espécie concreta.
Assim, não pode valer como acto administrativo, uma decisão sem autor, sem destinatário, sem fim público, sem conteúdo, sem forma, ou com vícios graves equiparáveis a tais carências absolutas, em função do tipo de acto administrativo – por exemplo, numa verificação constitutiva, enquanto acto certificativo, deve ter-se por elemento essencial a veracidade dos factos certificados, sendo a falsidade equiparável à carência de objecto ou de conteúdo; do mesmo modo, num acto sancionatório, o procedimento tem de incluir necessariamente a oportunidade de defesa do destinatário.
De resto, as hipóteses exemplificativas que constam do nº 2 do art. 133º do CPA e que correspondem praticamente aos casos que a jurisprudência, a doutrina e a lei – esta apenas no que toca à administração local, desde o Código Administrativo (art. 363º) (…) – foram formulando, revelam, por si, esta ideia de essencialidade estrutural ou funcional, de tal modo que há uma relativa coincidência entre as nulidades por natureza e as nulidades por determinação legal expressa, servindo esta determinação sobretudo para afastar dúvidas ou para estender o regime mais radical a casos que, no entender do legislador, merecem uma reacção mais rigorosa da ordem jurídica, seja por razões estratégicas ou históricas (como acontece no próprio CPA), seja por razões conjunturais (assim tem acontecido, por exemplo, em leis avulsas relativamente a nomeações de funcionários ou a actos contrários a planos urbanísticos)”.
Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, dizem a, propósito, (in “Código do Procedimento Administrativo”, Comentado, 3ª ed., pp 641-642):
(…) Adoptou-se aqui uma solução semelhante à que ficou consagrada na lei alemã, onde se estabelece que “é nulo o acto administrativo afectado por um vício especialmente grave, desde que isso resulte evidente de uma avaliação razoável das circunstâncias a tomar em consideração”, embora o Código pareça afastar-se da lei alemã, quanto à fixação do critério densificador das nulidades por natureza, que já não é o “vício grave”, mas a “falta de elementos essenciais”.
A cláusula da nossa lei coloca, portanto, a questão da densificação do conceito “elementos essenciais”
(…) é claro que “elementos essenciais” do acto administrativo não podem ser os elementos da respectiva noção contidos no art. 120º, que, aí, o que se trata é de uma situação de inexistência de acto administrativo.
(…) Podem considerar-se, contudo, serem nulos os actos administrativos que careçam de elementos, que, no caso concreto, devam considerar-se essenciais, em função do tipo de acto em causa ou da gravidade do vício que o afecta, podendo encontrar-se assim casos de nulidades similares àqueles que a cláusula geral da lei de procedimental alemã potencia.
(…) “Elementos essenciais”, no sentido do nº 1 do art. 133º do Código – cuja falta determina a nulidade do acto administrativo – seriam, pois, todos aqueles que se ligam a momentos ou aspectos legalmente decisivos e graves dos actos administrativos, além daqueles a que se refere já o seu nº 2. E, como dispomos do elenco exemplificativo ou concretizador dessa norma, nem será muito difícil apurar, por paralelismo (entre a qualidade e a quantidade de interesses públicos ou privados envolvidos em cada hipótese), outros casos de nulidade derivada da falta de elementos essenciais da sua prática”.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal já referiu os “elementos essenciais”aos aspectos que integram o conceito de acto administrativo contido no art. 120º do CPA (Acórdão STA de 2000.03.23- recº nº 44 374), isto é os sujeitos, a vontade, o objecto e o fim público (acórdão do Pleno de 1998.02.18 – recº nº 35 752) e/ou aos “momentos ou aspectos logicamente decisivos e graves destes” (acórdãos de 2002.05.14- recº nº 47 825 e de 2003.06.17 – recº nº 666/03).
Ora, à margem do problema de saber se, na patologia jurídica do acto administrativo, depois da publicação do CPA, ainda faz sentido a figura autónoma da inexistência jurídica (vide, a propósito, Marcelo Rebelo de Sousa, “Regime do Acto Administrativo” in “Direito e Justiça”, VI, p. 37 e segs e Paulo Otero, in “Legalidade e Administração Pública – O sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade”, p. 1033), que não interessa à economia da presente decisão, o que não é defensável é que não ocorra uma situação de improdutividade de quaisquer efeitos jurídicos quando faltar um dos elementos do conceito do acto administrativo contido no CPA.
A mais disso, na integração da indeterminação conceitual, a nossa preferência vai para a interpretação que abre a cláusula geral até aos vícios graves e decisivos equiparáveis à falta dos elementos que caracterizam o género e/ou cada tipo específico de acto administrativo. Está mais próxima da letra da lei, uma vez que esta alude a essencialidade, isto é ao que define, fazendo com que “o ente seja aquilo que é” (cf. José Ferrater Mora, in “Dicionário de Filosofia”, p. 135).
De todo o modo, com maior ou menor abertura, a nulidade haverá sempre de reportar-se a um desvalor da actividade administrativa com o qual o princípio da legalidade não pode conviver, mesmo em nome da segurança e da estabilidade como acontece no regime-regra da anulabilidade”.
No nosso caso em apreço, o acto declarado nulo pela entidade recorrida é fruto do crime de corrupção, facto esse já comprovado pelo Ac. transitado em julgado do TUI.
Ora, o vício em causa é grave e não deixa de ser equiparado como uma “falta de elemento essencial”.
Nesta conformidade, a intervenção dos recorrentes no procedimento da declaração da nulidade é inútil, uma vez que independentemente da sua intervenção e das posições que os mesmos pudessem tomar, a decisão da Administração só pudesse ser aquela que foi tomada.

RAEM, aos 27 de Outubro de 2011.
O Juíz Adjunto

Ho Wai Neng

1 - Ac. TSI de 16/3/2000, in Ac. Do TSI, 2000, 106
- Ac STA de 13/12/86, in AD, 317, 565
2 - Ac. STA de 8/7/93, in AD 385,8
3 - in Código do Procedimento Administrativo, 2.ª edição, em anotação ao art.º 68°
4 - Acórdão do STA, proc. 087/03
5 - Esteves de Oliveira e outros, CPA Anotado, 2ª ed. 349
6 - Esteves de Oliveira e outros, ob. cit., 349
7 - in Código do Procedimento Administrativo de Macau Anotado e Comentado, pág. 710
8 in Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª Edição, pág. 645
9 - Vamos enquadrar este direito dos administrados à luz do estudo de Carla Vicente, Gabinete de Documentação e Direito Comparado da Procuradoria-Geral da República, no âmbito do Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Comunitárias que decorreu na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, no ano de 1999/2000
10 -. Sérvulo Correia , “O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação da decisão administrativa”, in Cadernos de Ciência de Legislação n.º 9/10, INA, 1994, 151

11 - David Duarte, Procedimentalização, participação e fundamentação: para uma concretização do princípio da imparcialidade administrativa como parâmetro decisório, Almedina, Coimbra, 1996,. 41 e 168.
12 - Paulo Otero faz, no entanto, notar certas opiniões que vão no sentido oposto: a informação prévia da decisão origina a dealização de uma decisão por parte do administrado a qual como nem sempre coincidirá com a decisão final pode fomentar a discórdia e resistência à decisão, cit., p. 268.
13 - Jorge Miranda, “O Direito de informação dos administrados”, in O Direito n.º III/IV, 1988, 459.

14 - Proc. 046825, sdo STA, de 1/2/2001
15 - Ac. STA de 09/02/1999, proc. 039379 e no mesmo sentido o Ac. do STA, proc. 041191, de 27/09/2000
16 - Ac. do STA, proc. 0974/08, de 25/02/2009
17 - cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, ob. e lugar citados
18 - Esteves de Oliveira e outros, ob. cit., 634
19 - Ac. STA 0787/10, de 6/9/2011
20 - Pedro Machete, Audiência dos Interessados no Procedimento Administrativo, Universidade Católica, 1996, 476 e segs
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731/2009 62/62