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Processo nº 300/2011
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 27 de Outubro de 2011
Descritores: -Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios
- Reconvenção
SUMÁRIO:
I- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
II- Na medida em que as gorjetas façam parte do salário, não pode proceder o pedido reconvencional feito pela ré no sentido da devolução do dinheiro das gorjetas pago ao trabalhador.
III- Na vigência do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).
IV- Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).
V- Na vigência do DL 24/89/M, terá o trabalhador a auferir, durante os dias de serviço prestado em dias de descanso anual, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n. 101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber também um dia de salário (salário médio diário x1).






Proc. N. 300/2011

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I- Relatório

A, com os demais sinais dos autos, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento da indemnização no valor de Mop$ 380.260,80, correspondente aos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais e licença de maternidade não gozados desde o início da relação laboral até ao seu termo.
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Na contestação, a ré suscitou a excepção de prescrição, defendeu-se por impugnação e deduziu reconvenção contra a autora.
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No despacho saneador, o tribunal de 1ª instância julgou prescritos os créditos anteriores a 11/11/1989, declarou verificada a excepção dilatória de falta de interesse em agir por parte da reconvinte quanto à parte declarativa do pedido (declaração de validade do contrato celebrado) e, por fim, decidiu pela improcedência do pedido reconvencional.
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Deste despacho saneador foi interposto recurso pela STDM, em cujas alegações foram apresentadas as seguintes conclusões:
1- Sem prejuízo de melhor entendimento e Juízo, deve proceder a Reconvenção deduzida pela Ré e Recorrente,
2- Conhecendo-se dos dois pedidos ínsitos na mesma Reconvenção, nos artigos 193 o e seguintes da Contestação e Reconvenção.
3- Pelo que, salvo melhor entendimento, deverá improceder o douto Despacho Saneador na parte em que absolveu da instância o Autor e aqui Recorrido do pedido da ora Reconvinte, de declaração de validade do contrato por alegada falta de interesse em agir.
4- Na verdade, não existe falta de interesse processual, nem falta de interesse em agir por parte da Ré e aqui Recorrente,
5- Tendo em vista o peticionado nos artigos acima referidos e tendo em vista o valor da Reconvenção (MOP $1,027,886.9),
6- Bem como o prejuízo objectivo e grave que sobre a Recorrente impende com a presente acção judicial laboral em que são exigidos pelo Autor/Reconvindo e aqui Recorrido, a quantia pecuniária peticionada nos autos, que é de MOP $380,260.80, acrescidas de juros de mora legais vencidos e vincendos a contar da data do termo da relação contratual.
7- Pelo que, não existe fundamento para, quanto segundo ao pedido Reconvencional, absolver-se o A./Reconvindo da instância, por falta do pressuposto processual (interesse em agir) previsto nos artigos 72º e 73º, ambos do CPC, aqui aplicável por remissão legal expressa do CPT,
8- Tendo sido deduzida a presente Reconvenção no presente litígio justamente, em ordem à celeridade, oportunidade e rapidez processuais do processo laboral,
9- Escusando a Ré e Recorrente de instaurar novo pleito judicial para reaver o montante das gratificações ou gorjetas recebidas pelo Autor e ora Recorrido, dos terceiros/clientes dos casinos que a Ré explorou até final de Março de 2002,
10- Levando em linha de conta o expendido na Contestação / Reconvenção, para requerer a V. Exas do douto Tribunal ad quem que revoguem o douto Despacho recorrido, desde logo, na parte em que absolveu o aqui Recorrido da instância por alegada falta de “situação objectiva e grave” e por falta ou inexistência de uma “situação de carência que justifique o recurso às vias judiciais”, como ficou expresso no referido Despacho que aqui se recorre interlocutoriamente.
11- Sobre o “outro” pedido Reconvencional, decidido na segunda parte do douto Despacho ora em crise e em recurso, o locupletamento sem causa do Reconvindo à custa da Ré e Recorrente, em MOP $1,027,886.9, tal quantia monetária traduz o valor das luvas ou gorjetas que recebeu e que,
12- De uma forma repetida e excessiva, procura agora no presente pleito, enriquecer-se novamente à custa da Ré e aqui Recorrente, ao peticionar MOP $380,260.80 por alegada falta de descansos semanais, anuais e feriados obrigatórios,
13- Descurando-se o facto essencial de ter auferido um elevadíssimo rendimento ao longo dos anos em que prestou serviço e foi funcionário ou empregado ou prestador de serviços da Ré e Recorrente,
14- Desde logo, por mor das luvas, gratificações ou gorjetas prestadas pelos Clientes e distribuídas pela Ré e aqui a Recorrente.
15- O Mmo. Juiz a quo considerou não estarem preenchidos os fundamentos do instituto enriquecimento sem causa.
16- Porém, a causa para o enriquecimento do A. e aqui Recorrido assentava na sua renúncia expressa à remuneração em dias de descanso (semanal, anual e feriados obrigatórios).
17- Apenas por ter aceitado não ser remunerado (além do seu salário diário, exposto na Contestação) durante a relação laboral, a R., ora Recorrente, permitiu ao A., ora Recorrido, participar no esquema das gratificações, luvas, prémios irregulares ou “gorjetas”, entregues pelos terceiros, os Clientes da Recorrente nos casinos explorados até 31 de Março de 2002,
18- Verdadeiras liberalidades ou doações remuneratórias, e não salário nem obrigação legal ou factual da ora Recorrente,
19- Isto é, a causa deixou de existir no momento em que a acção foi intentada, passando, no entendimento da Recorrente, o A./Recorrido a estar obrigado a restituir o indevidamente recebido a título de gorjetas.
20- Ao receber parte das gorjetas, cuja causa para o seu recebimento era o não ser remunerado nos seus dias de descanso, parece forçoso concluir que o Recorrido enriqueceu à custa do empobrecimento da Ré, ora Recorrente, quando intentou a presente acção.
21- Não é só quando não há nenhuma causa para as deslocações pecuniárias que o instituto do enriquecimento sem causa poderá ser invocado, como parece inferir-se daquilo que doutamente refere o despacho recorrido, mas, ao invés, também quando a causa para essa deslocação deixa de existir.
22- Em conclusão, requer-se a V. Exas o conhecimento da Reconvenção e dos dois pedidos nela ínsitos.
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A autora contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
A. A Ré pretende que se declare válido o contrato que diz ter celebrado com a Autora.
B. Mas na Contestação não foi alegado qual o estado de incerteza real e objectivo a que se refere o disposto no art.º 73.º, n.º 1 do CPCM, em relação ao qual a Ré pretendia reagir e sem o qual não existe interesse em agir, pelo que, nos termos do disposto nos art.º 412º, nº 2, 413º, alínea h), 414º, 72º e 73º, n.º 1, todos do CPCM, verifica-se a excepção dilatória de falta de interesse em agir da Ré quanto à reconvenção declarativa de simples apreciação positiva.
C. Nas suas alegações de recurso veio a Ré insurgir-se contra a decisão do Tribunal a quo julgou improcedente o pedido reconvencional na parte relativa ao enriquecimento sem causa.
D. Mas na Contestação, não foi alegado que as gorjetas se deslocaram da esfera patrimonial da Ré para a da Autora, ou seja, não foi alegado, antes infirmado pela própria Ré, que as gorjetas tivessem anteriormente entrado na sua esfera patrimonial antes de serem distribuídas à Autora.
E. Se a Ré defende nos artigos 70.º e 80.º da Contestação que as gorjetas que a Autora tinha direito a partilhar consistiam numa mera liberalidade de terceiros, tal significa, na economia da sua própria tese, que tais gorjetas nunca lhe pertenceram, sendo, pois, contraditório vir a Ré pedir o que diz que nunca lhe pertenceu!
F. Por outro lado, para que possa existir a obrigação de restituir com fundamento no enriquecimento sem causa, exige-se a verificação simultânea dos seguintes requisitos: a) existência de um enriquecimento; b) falta de causa que o justifique; c) que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem pretende a restituição; d) que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa daquele que se arroga o direito à restituição - que não haja de permeio, entre o acto gerador do prejuízo dele e a vantagem alcançada pelo enriquecido um outro acto jurídico - e e) que não exista outro meio jurídico para se obter a indemnização de vida.
G. Nenhum dos referidos requisitos se verifica no caso ora em apreço, pelo que nada há a censurar à decisão recorrida.
H. Se assim não se entender, e prevenindo-se a necessidade de apreciar os fundamentos em que a Autora decaiu, o que subsidiariamente se requer ao abrigo do disposto no art.º 590.º, n.º 1 do CPCM, sempre deveria a reconvenção ter sido rejeitada, conforme alegado nos artigos 3.º a 14.º, ou 15.º a 21.º da “resposta à contestação” de fls. 91 a 100. Senão vejamos:
I. O Tribunal a quo admitiu a reconvenção por esta respeitar os legais pressupostos de compatibilidade processual e substantiva (cfr. art. 17.º do CPT).
J. Ora, salvo melhor opinião, este entendimento não se afigura de acordo com os requisitos de admissibilidade da reconvenção definidos nos parágrafos 1) e 3) do número 1 do artigo 17.º do CPT.
K. Isto porque o pedido reconvencional da Ré não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção, nem entre esse pedido e a relação material subjacente à acção existe acessoriedade, complementaridade ou dependência.
L. N a presente acção, a causa de pedir consiste no não pagamento do trabalho prestado pela Autora nos períodos de descanso remunerado, enquanto o pedido consiste na condenação da Ré no pagamento da correspondente indemnização.
M. Na reconvenção deduzida nos artigos 193.º a 213.º da Contestação, a Ré vem pedir à Autora que, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, esta lhe restitua a quota-parte das gorjetas que recebeu dos clientes ao longo da relação laboral.
N. Isto porque, conforme vem explicado nos artigos 198.º e 199.º da Contestação, a Ré nunca teria distribuído essas gorjetas à Autora se soubesse que, passados anos, esta lhe vinha exigir em juízo a remuneração dos dias de descanso previstos na lei, a que supostamente renunciara aquando da contratação.
O. Daí que o pedido reconvencional não emirja do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à acção, isto é, o não pagamento do trabalho prestado nos períodos de descanso remunerado - mas sim do facto de a Autora ter agora proposto a presente acção.
P. Se assim não fosse, o direito invocado pela Ré à restituição por enriquecimento sem causa já teria prescrito, nos termos do disposto no artigo 476.º do CCM, o que, subsidiariamente, se invoca, com as legais consequências.
Q. Por outro lado, não existe acessoriedade entre o pedido da Ré e a relação material subjacente à acção por a causa subordinada não ser objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal.
R. Como também não existe complementaridade entre o pedido da Ré e a relação material subjacente à acção por não se poder afirmar que, sendo ambas relações autónomas pelo seu objecto, uma delas teria sido convertida, por vontade das partes, em complemento da outra.
S. Nem dependência entre elas, dado que o nexo entre ambas não é de ordem a que a relação dependente não possa viver desligada da relação principal.
T. Daí que do confronto dos pedidos formulados na acção (indemnização pelo trabalho prestado nos períodos de descanso remunerado) e na reconvenção (restituição, por enriquecimento sem causa, das liberalidades de terceiros distribuídas pela Ré à Autora), e respectivas causas de pedir, resulte que entre eles não existe o laço substantivo de conexão nem o nexo ou ligação de acessoriedade, complementaridade ou dependência exigidos nos parágrafos 1) e 3), do número 1 do artigo 17.º do CPT.
U. Há, assim, que concluir pela inadmissibilidade da reconvenção, nos termos do disposto no artigo 17.º do CPT.
V. Se assim não se entender, sempre deveria a reconvenção ter sido rejeitada, conforme alegado nos artigos 15.º a 21.º da resposta à Contestação de fls. 91 a 100.
W. Senão vejamos: o Tribunal a quo decidiu que não se verifica contradição entre o pedido reconvencional e a respectiva causa de pedir. Mas, salvo melhor opinião, este entendimento não se afigura exacto.
X. Isto porque a contradição entre o pedido e a causa de pedir pressupõe a ocorrência de uma negação recíproca, ou seja, de uma conclusão que pressupõe a premissa oposta àquela de que se partiu.
Y. Se as gratificações em causa fossem pagas ao Autor pela Ré - e não fossem liberalidades dos clientes desta, como esta alega na sua defesa - como tinham carácter regular, sem dúvida que constituíam remuneração do trabalhador.
Z. Essas gratificações, assim pagas pela empresa, seguramente que integrariam a retribuição do Autor, sendo uma das suas partes componentes.
AA. Mas, no caso “sub judice”, a Ré parte justamente da premissa oposta, ou seja, de que as gratificações em causa - porque pagas por terceiros e não pela entidade patronal – não são da responsabilidade desta pelo que não podem ser consideradas como retribuição (cfr. artigos 60.º, 66.º, 70.º, 80.º e 195.º da Contestação), para concluir, a final, que tem direito a exigir a sua restituição!
BB. Ora, se a Ré defende nos artigos 70.º e 80.º da Contestação que a quota - parte do valor das gorjetas que a Autora tinha direito a partilhar consiste numa mera liberalidade de terceiros, possivelmente agradados com o trabalho prestado, não pode, ao mesmo tempo, exigir a restituição de quantias que (alegadamente) nunca lhe pertenceram, por tal conclusão pressupor uma premissa oposta àquela de que partiu para se defender.
CC. Assim, ainda que procedesse a argumentação da Ré, e não procede, sempre se verificaria contradição entre o pedido reconvencional e a respectiva causa de pedir, e, por conseguinte, a inviabilidade da reconvenção, com as legais consequências.
   NESTES TERMOS e com o mais que V. Exas., muito doutamente, não deixarão de suprir, deve ser negado provimento ao recurso interposto, com as legais consequências.
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O processo prosseguiu, entretanto, os seus normais trâmites e, a final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia de HK$ 6.960,00 acrescida de juros legais.
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É dessa sentença que a autora interpôs o presente recurso, tendo concluído do seguinte modo as suas alegações:
A. Com interesse para a caracterização da parte variável da remuneração como salário da A. ficaram provados os factos indicados nas alíneas B) a L) dos Factos Assentes.
B. A quase totalidade da remuneração da A. era paga pela Ré a título de rendimento variável (cfr. alíneas B) a L) dos Factos Assentes), o qual integra o salário.
C. Ao contrário do que sucede noutros ordenamentos jurídicos, o legislador de Macau recortou o conceito técnico jurídico de salário nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.º, n.º 2 do RJRL.
D. É o salário tal como se encontra definido nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.º, n.º 2 do RJRL que serve de base ao cálculo de inúmeros direitos dos trabalhadores, designadamente do acréscimo salarial devido pelo trabalho prestado nos períodos de descanso obrigatório.
E. A interpretação destas normas não deverá conduzir a um resultado que derrogue, por completo, a sua finalidade, a qual consiste em fixar, de forma imperativa, a base de cálculo dos direitos dos trabalhadores.
F. A doutrina portuguesa invocada na douta sentença recorrida não serve de referência no caso “sub judice” por ter subjacente diplomas (inexistentes em Macau) que estabelecem o salário mínimo, e definem as regras de distribuição pelos empregados das salas de jogos tradicionais dos casinos das gorjetas recebidas dos clientes.
G. Em Portugal quem paga as gorjetas aos trabalhadores dos casinos que a elas têm direito não é a própria Concessionária, que nunca tem a disponibilidade do valor percebido a título de gorjetas, mas as Comissões de distribuição das gratificações (CDG), as quais, sendo distintas e autónomas da empresa concessionária são moldadas como entidades equiparáveis a pessoas colectivas, sujeitas a registo, com sede em cada um dos casinos.1
H. Ao contrário, em Macau, quem paga aos trabalhadores a quota-parte a que eles têm direito sobre o valor das gorjetas é a própria concessionária que o faz seu, e não a comissão responsável pela sua recolha e contabilização.
I. O primitivo carácter de liberalidade das gorjetas diluiu-se no momento e na medida em que as gorjetas dadas pelos clientes não revertiam directamente para os trabalhadores mas, ao invés, eram reunidas, contabilizadas e distribuídas pela Ré, segundo um critério por ela fixado (distribuição essa, sublinhe-se, que, como ficou provado, era feita por todos os trabalhadores da Ré e não apenas por aqueles que contactavam com os clientes).
J. No caso dos autos, as gorjetas que se discutem não pertencem aos trabalhadores a quem são entregues pelos clientes dos casinos (alíneas B) a L) dos Factos Assentes).
K. Estas gorjetas pertencem à Ré que com elas faz o que entende, nomeadamente o especificado nas alíneas B) a L) dos Factos Assentes.
L. A Ré tinha o dever jurídico de pagar à A. quer a parte fixa, quer a parte variável da remuneração do trabalho (nas alíneas B) a L) dos Factos Assentes).
M. O pagamento da parte variável da retribuição da A. - que corresponde à quase totalidade da contrapartida do seu trabalho - traduziu-se numa prestação regular, periódica, não arbitrária e que sempre concorreu durante todo o período da relação laboral para o orçamento pessoal e familiar do trabalhador.
N. Assim, nos termos do disposto nos artigos 7.º, b) e 25.º, n.º 1 e 2 do RJRL, a parte variável da retribuição da A. deverá considerar-se como salário para efeitos do cômputo da indemnização pelo trabalho prestado nos períodos de dispensa e descanso obrigatório.
O. As gorjetas dos trabalhadores dos Casinos e, em especial as auferidas pela A. durante todo o período da sua relação laboral com a Ré, em ultima ratio devem ser vistas como «rendimentos do trabalho», porquanto devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não necessariamente como correspectivo dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, sendo que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que, na sua base, é um salário insuficiente para prover às necessidades básicas resultantes do próprio trabalho.
P. Acaso se entenda que o salário da A. não era composto por duas partes: uma fixa e uma variável, então o mesmo será manifestamente injusto - porque intoleravelmente reduzido ou diminuto - e, em caso algum, preenche ou respeita os condicionalismos mínimos fixados no Regime Jurídico das Relações Laborais da RAEM, designadamente nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.º, n.º 2 desse diploma.
Q. De tudo quanto se expôs resulta que, a douta Sentença do Tribunal de Primeira Instância, na parte em que não aceita que a quantia variável auferida pela A. durante toda a relação de trabalho com a Ré seja considerada como sendo parte variável do salário da A., terá feito uma interpretação incorrecta do disposto nos artigos 5.º; 27.º; 28.º; 29 n.º 2, 36.º todos do Decreto-lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto e, bem assim, uma interpretação incorrecta do consagrado nos artigos 5.º; 7.º, n.º 1, al. b); 25.º; 26.º e n.º do art. 27.º todos do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
R. Nesta parte, a douta sentença deve ser alterada com as legais consequências, designadamente no que respeita ao cômputo da indemnização pelo trabalho prestado nos períodos de descanso e feriados obrigatórios.
S. Termos em que a decisão relativa à fórmula (salário médio diário X 1) de cálculo do montante da compensação por descanso semanal deverá ser revogada por violação do disposto no art.º 17.º, n.os 4 e 6, a) do RJRL, fixando-se esse valor em MOP$272.804,80, por aplicação da fórmula (salário médio diário X 2).
T. Os croupiers dos casinos não são remunerados em função do volume de apostas realizadas na mesa de jogo, nem são eles que fixam o seu período e horário de trabalho, sendo-lhes vedado trabalhar quando e quanto lhes convém, conforme resulta também na alínea M) dos Factos Assentes e das respostas aos quesitos 2.º,3.º,5.º e 6.º da Base Instrutória.
U. O salário diário destina-se a remunerar os trabalhadores nas situações em que não é fácil, nem viável, prever, com rigor, o termo do trabalho a realizar, como sucede, e.g., nas actividades sazonais, irregulares, ocasionais e/ou excepcionais, bem como na execução de trabalho determinado, precisamente definido e não duradouro, ou na execução de uma obra, projecto ou outra actividade definida e temporária.
V. O salário diário é, pois, próprio dos contratos de trabalho onde a prestação do trabalho não assume carácter duradouro, o que não sucede com o desempenho da actividade de croupier, que consiste num trabalho continuado e duradouro, a que, automaticamente, corresponde o estatuto de trabalhador permanente no termo do primeiro ano de trabalho consecutivo.
W. O entendimento de que a remuneração dos croupiers da Ré, e o da A. em particular, consiste num salário diário, não ficou provado por se tratar de matéria de direito, nem se coaduna com este tipo de funções, nem com as condições de trabalho, nem com estatuto de trabalhador permanente definido no artigo 2.º, f) do RJRL), o qual pressupõe o exercício de uma determinada função dentro da empresa, de forma continuada e duradoura no tempo.
X. Assim, face ao disposto nos art.os 7.º, n.º 1, al. b); 25.º, n.º 2; e 27.º, n.º 2, todos do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, o montante da compensação por descanso semanal deverá ser calculado também com base na parte variável da remuneração, cifrando-se, por conseguinte em MOP $272.804,80 por aplicação da fórmula (salário médio diário X 2).
Y. O montante da compensação por descanso anual de período de 11/10/1992 a 30/08/1998 deverá ser fixado em MOP$47.309,12, por aplicação da fórmula (salário médio diário X 3), conforme o disposto nos art.º 24.º, do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
Z. O mesmo sucedendo quanto ao montante da compensação pelos feriados obrigatórios, o qual deverá ser fixado em MOP$15.749,21, por aplicação da fórmula (salário médio diário X 1), conforme o disposto nos art.º 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
AA. Isto porque esses feriados, gozados ou não, não eram remunerados, como resulta da alínea M) dos Factos Assentes.
BB. Sempre devia, pois, o Tribunal a quo ter subsumido os factos provados nas respostas dos quesitos 2.º, 3.º, 5.º e 6.º da Base Instrutória nas hipóteses dos artigos 17.º, n.º 1 e 6, 19.º, n.º 3 e 20.º, n.º 1 e 21.º, n.º 1 e 24.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril e, por conseguinte, condenado a Ré no pagamento do valor de MOP$335.863,13.
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A STDM apresentou também recurso subordinado que, tendo sido admitido, foi alegado e concluído do seguinte modo:
1. As gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário.
2. A retribuição ou salário, em sentido jurídico (laboral), encerra quatro elementos essenciais e cumulativos:
i. É uma prestação regular e periódica;
ii. Em dinheiro ou em espécie;
iii. A que o trabalhador tem direito por título contratual e normativo e que corresponde a um dever jurídico da entidade patronal;
iv. Como contrapartida pelo seu trabalho.
3. No caso dos autos, estando em causa gorjetas comprovadamente oferecidas por clientes de casino, dependendo o seu recebimento do espírito de animus donandi de terceiros, estranhos à relação jurídicolaboral, nunca poderia a trabalhadora ter exigido à sua entidade empregadora o seu pagamento inexistindo aquela oferta por parte dos clientes.
4. Se, por hipótese, em determinado mês, não existissem quaisquer gorjetas entregues pelos clientes da Recorrida a distribuir pelo A., ora Recorrente, e restantes trabalhadores, nenhum dever jurídico impendia sobre a Recorrida no sentido de suprir aquela falta e nenhum direito de crédito podiam os seus trabalhadores exigir a este respeito.
5. Com efeito, é sabido que em anos em que o montante das gorjetas era inferior ao do ano anterior (variação que poderá ser facilmente constatada pela análise dos rendimentos da ora Recorrente), nunca a Recorrente reclamou da ora Recorrida o seu pagamento.
6. A Recorrente sabia que a parte do rendimento respeitante às gorjetas dependia exclusivamente das liberalidades dos clientes de casino, nada podendo exigir à ora Recorrida a esse título caso essa parte do seu rendimento fosse zero.
7. Dispõe o artigo 25º, n.º 1 do RJRT que “Pela prestação dos seus serviços ou actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo.”.
8. Salvo o devido respeito por opinião contrária, analisando a certidão de rendimentos da Recorrente, não se pode dizer que ao A. não foi proporcionado um rendimento justo, maxime porque os rendimentos globais auferidos eram claramente superiores à média do rendimento I remuneração auferida por cidadãos de Macau com formação académica e profissional equivalente às suas que não trabalhassem em casino, os quais eram mais que bastantes para prover a uma vida digna e decente da Recorrente e sua família.
9. A decisão recorrida não viola o princípio da igualdade, pois cada “sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.” - cfr. artigo 576º n.º 1 do C.P.C ..
10. Deste modo, na esteira do entendimento do mais Alto Tribunal da RAEM, do douto tribunal Recorrido e, bem assim, da doutrina maioritária, entendemos que “As gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário.”.
11. Admitindo a Recorrida, apenas por cautela e por hipótese, que de forma alguma se concede, a obrigação de indemnizar o Recorrente tendo em conta o valor das gorjetas oferecidas pelos clientes de casino, devem ser as seguintes as fórmulas aplicáveis para aferir das compensações adicionais devidas:
i. Trabalho prestado em dias de descanso semanal:
1. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi pago).
ii. Trabalho prestado em dias de descanso anual:
2. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi pago e a R. não impediu ao A. de gozar quaisquer dias de descanso).
iii. Trabalho prestado em dias de feriado obrigatório:
3. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x1 (e não x2 porque uma parcela já foi pago).
12. Caso se entenda que as fórmulas supra expostas não são adequadas para o cálculo de uma indemnização eventualmente devida ao Recorrente, remete-se para as fórmulas adoptadas nos já referidos acórdãos do Tribunal de Última Instância, proferidos no âmbito dos Processos n.ºs 28/2007, 29/2007 e 58/2007, datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, respectivamente.
Por outro lado, recorre-se também subordinadamente com os seguintes fundamentos:
13. Os factos dados como provados diferem daqueles que o Mmo. Juiz considerou em sede de Fundamentação de fls. 12 e 13;
14. Na verdade, não tendo sido acolhido como facto provado, o Tribunal a quo não podia fundamentar a decisão indicando, a fls 12 e 13, que “Provou-se que a autora nunca gozou qualquer dia de descanso semanal nem anual durante o tempo em que trabalhou para a ré. E provou-se que a ré não lhe pagou qualquer compensação por não ter gozado tais dias de descanso. Procede, pois, integralmente a pretensão da autora no que diz respeito ao descanso semanal e anual.”
15. Ora, pelo exposto, é notório que, salvo o devido respeito, a Fundamentação da Douta Sentença veio da dar e considerar como provados factos que não foram dados como provados na sede própria.
16. Ou seja, com a devida vénia e respeito, o Mmo. Juiz não podia decidir com base em factos que não foram dados como provados.
17. Por outro lado, não tendo ficado provado que a A., Recorrente principal, nunca gozou qualquer feriado, não podia o Mmo. Juiz a quo condenar a Recorrida, ora Recorrente Subordinada, nessa parte, nem sequer em singelo.
18. Pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 571º do CPC, a Sentença recorrida enferma de nulidade, na medida em que os fundamentos estão em oposição com a decisão ( alínea c) do número 1 do referido artigo) e o Mmo. Juiz conheceu de questão que não podia tomar conhecimento (alínea d) do número 1 in fine), pugnando-se pela revogação da mesma, absolvendo-se a R da totalidade do pedido.
19. Caso não se considere, como já tem sido entendido pelo Tribunal ad quem que há lugar a recurso subordinado, requer-se a V. Exas. se dignem considerar as alegações ora oferecidas ao abrigo do artigo 590º do CPC, ampliando o âmbito do recurso, conhecendo da questão suscitada e absolvendo, a final, a R, Recorrida e Recorrente Subordinada, da totalidade do pedido.
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis que V. Exas. doutamente suprirão, deve o recurso apresentado pela Recorrente ser julgado improcedente, devendo proceder o presente recurso subordinado, deste modo fazendo V. Exas. a habitual e costumada Justiça.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença impugnada deu por provada a seguinte factualidade:
1. Durante o período compreendido entre 11/10/1986 e 31/1/1997, a Autora manteve uma relação laboral com a Ré.
2. A Autora recebia da Ré uma quantia fixa e outra variável.
3. A quantia variável dependia, por um lado, do valor global do dinheiro recebido dos clientes de casinos vulgarmente designado por “gorjetas” e, por outro, das regras e critérios de gestão internos da Ré em vigor a cada momento na empresa.
4. A parte variável ultrapassava em mais de 30 vezes o valor da parte fixa (HKD$10,00) por dia a partir de 1/07/1989.
5. A distribuição das “gorjetas” cabia à Ré.
6. Era ainda a Ré que decidia como iriam ser distribuídas as ditas “gorjetas” pelos seus empregados de acordo com regras e critérios internas.
7. As ditas “gorjetas” não se destinavam, em exclusivo, aos trabalhadores que lidavam directamente com os clientes de casinos, mas também a outros trabalhadores, nomeadamente gerentes administrativos e pessoal da área de informática.
8. A Autora não podia ficar com quaisquer “gorjetas”, que lhe fossem entregues pelos clientes do casino.
9. A Ré incluiu sempre a quantia paga a título de “gorjetas” nos montantes que participou à Direcção de Serviços de Finanças para efeitos de liquidação e cobrança do imposto profissional dos seus empregados.
10. Até 31/01/1997, a Ré depositou, aproximadamente de dez em dez dias, as referidas quantias fixa e variável na conta 01-10-10-925849, que a Autora dispunha para o efeito no Banco da China.
11. Em Janeiro do ano 1997, a Ré depositou, aproximadamente de dez em dez dias e por 3 vezes, as quantias fixa e variável da Autora na conta 01-10-10-925849, que fez o total de HKD$11,499.30 (MOP$11,844.28) que esta dispunha para o efeito no Banco da China.
12. A Autora recebeu da Ré as quantias abaixo discriminadas:
a)1986: MOP$ 7.373,00;
b)1987: MOP$ 39.444,00;
c)1988: MOP$ 59.198,00;
d)1989: MOP$ 77.207,00;
e)1990: MOP$ 114.062,00;
t)1991: MOP$ 122.078,00;
g)1992: MOP$ 124.329,00;
h)1993: MOP$ 78.470,00;
i)1994: MOP$ 121.963,00;
j)1995: MOP$ 156.459,00;
k)1996: MOP$ 161.762,00.
13. A Autora nunca gozou nenhum dia de descanso remunerado enquanto trabalhou para a Ré.
14. A filha da Autora, Leong Ho Tong, nasceu em 16/10/1993.
15. Durante o período em que trabalhou para a ré, a Autora não gozou quaisquer dos dias de descanso anual.
16. A Autora nunca gozou quaisquer dos dias de descanso semanal.
17. Durante o período de duração da relação de trabalho subordinado com a Ré, esta nunca fixou à Autora o período de descanso semanal.
18. A Ré nunca lhe fixou o período ou períodos de descanso anual.
19. As “gorjetas” recebidas pelos empregados eram obrigatoriamente colocadas, por ordem da Ré, numa caixa destinada exclusivamente para esse efeito, e eram contadas diariamente por funcionários, a fim de serem distribuídas de 10 em 10 dias aos diversos empregados (incluindo os da área administrativa e informática) consoante uma dada percentagem anteriormente fixada.
20. A Autora, se não recebesse a sua quota-parte no valor das “gorjetas” que lhe era entregue pela Ré, não teria celebrado qualquer contrato de trabalho com a STDM.
21. Enquanto durou a relação laboral, a A. recebeu da R. como contrapartida da actividade prestada, unicamente, o seguinte salário diário, determinado e entregue em função do período de trabalho efectivamente prestado:
i) Do início da relação laboral a 30 de Junho de 1989 - MOP$ 4.10;
ii) De 1 de Julho de 1989 a 30 de Abril de 1995 - HKD$ 10.00;
iii) De 1 de Maio de 1995 até ao termo do contrato com a ora Ré, em 31 de Janeiro de 1997 - HKD$ 15.00.
22. As gorjetas eram colocadas numa caixa e eram contadas diariamente.
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III- O Direito
1- Recurso do despacho saneador
No despacho saneador, o M.mo Juiz, a respeito da reconvenção, decidiu duas coisas distintas:
a) Julgou procedente a excepção dilatória de falta de interesse em agir relativamente à parte da reconvenção em que a ré pedia a declaração de validade do contrato celebrado com a autora, absolvendo esta da instância reconvencional;
b) Julgou improcedente a parte restante da reconvenção.
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Apreciemos a primeira parte.
O saneador afirmou que não estavam reunidos os requisitos do interesse em agir, tal como definido nos arts. 72º e 73º, nº1, conjugados com o art. 11º, nº2, al. a), do CPC.
Está em questão a matéria que, alegadamente, diria respeito às condições da própria contratação: que o salário seria pago à razão diária e apenas pelos dias de trabalho efectivamente prestado e que os dias de descanso, que podiam ser realmente gozados, quando pedidos, não seriam remunerados.
Ora, esta matéria, se bem a entendemos, é ligada à substância da acção e constitui, em vez de matéria reconvencional, um feixe de questões que representam facticidade que à excepcionante cumpria demonstrar. E tanto assim é que foi levada à base instrutória (quesito 28), mas que a ré/recorrente não conseguiu provar, dada a resposta negativa que mereceu. Ou seja, esses factos, que não foram relevados no âmbito da reconvenção, acabaram por merecer um tratamento de relevo substantivo no quadro da acção/defesa e que só não foi no sentido da reconvinte porque esta não foi capaz de provar o que alegava. E essa falta de prova tanto atinge a matéria de excepção invocada pela ré, como acaba por dar resposta à questão da reconvenção tal como gizada pela interessada STDM, mas que o tribunal “a quo” não sufragou da mesma maneira. Isto é, a absolvição da instância da autora do pedido reconvencional não impediu o tribunal de tratar a matéria como fundo da acção na perspectiva exceptiva da ré.
E, como se vê, se o assunto foi levado ao “questionário” e discutido em sede própria com o inêxito que já conhecemos para quem o invocou, patente se torna que eventual provimento do recurso seria totalmente inócuo, improfícuo e, portanto, inútil.
Razão para, nos termos do art. 279º, al. e), do CPC, se julgar a final extinta a instância do recurso por inutilidade superveniente da lide.
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2- Mas o saneador também logo decretou a absolvição da autora/reconvinda do pedido reconvencional, o qual consistia na devolução das quantias que a STDM havia dado à autora a título de gorjetas. A recorrente STDM entendia que a manutenção das gorjetas na esfera do trabalhador constituiria um enriquecimento ilícito (art. 467º do CC) por parte deste.
Quanto a nós, os argumentos da reconvinte/recorrente falecem totalmente, face àquela que tem sido a jurisprudência deste tribunal em matéria de composição do salário dos trabalhadores do casino em inúmeros processos contra a mesma recorrente, STDM.
Esta questão apenas mereceria outra mais detalhada análise, porventura em diferente perspectiva, se o problema substantivo tivesse outros contornos e se o TSI, estudando-os, não tivesse já feito um permanente trilho no mesmo sentido: o de que o salário daqueles trabalhadores envolve uma parte fixa e outra variável (as gorjetas).
Lembremos, por exemplo, o que dissemos no Ac. proferido no Proc, nº 128/2009, de 7/07/2011:
“…tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do aresto lavrado no Ac. de 19/03/2009, Proc. nº 690/2007:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
É para nós, portanto, questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Mas, o certo é que, para estes casos, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
“…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
Neste sentido, entre os mais recentes, vejam-se os acórdãos proferidos nos Processos nºs 780/2007, de 31/03/2011, 423/2008, de 23/06, por exemplo”.
Quer dizer, a causa para a percepção daqueles valores a título de gorjeta foi encontrada! A entrega daquele dinheiro aos trabalhadores do casino não foi feita a pretexto de mera liberalidade ou inerte generosidade do ponto de vista jurídico, é o que asseveramos. Mas mesmo que fosse (mas não é, insiste-se), não pareceria ser mais do venire contra factum proprium a atitude da STDM em aparecer subitamente em reconvenção a pedir a devolução de uma importância em dinheiro de que a STDM livremente abrira mão.
A verdade é que se não fosse salário, também pensamos que em caso algum a STDM poderia vir pedir a devolução de algo que lhe não foi dado pelos jogadores afortunados, e portanto não era coisa sua, mas que, em vez disso, foi dado para ser distribuído pelos trabalhadores. Quer dizer, até nesta óptica, sempre seriam importâncias que pertenceriam aos trabalhadores, pelo que nunca pela via reconvencional poderiam integrar a esfera da STDM.
É a posição que mantemos e que, por isso, torna impossível o preenchimento dos requisitos do enriquecimento sem causa.
Assim, improcedem as conclusões do recurso nesta parte.
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3- Recurso da sentença

Recorreu a autora, por considerar que o salário não era só composto pela parte fixa, mas também da variável (gorjetas) e por entender que as fórmulas de cálculo da indemnização para os créditos referentes aos dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios não foram correctamente apurados.
Recorreu, igualmente, a ré STDM, subordinadamente, na parte que lhe é desfavorável e também com o argumento da contradição entre os “factos provados” e “fundamentação”, o que, para si, constituiria nulidade nos termos do art. 571º do CPC.
3.1- Manda a lógica que por este recurso se comece, dado o eventual alcance e repercussão de prejudicialidade sobre o primeiro.
Haverá aquela invocada contradição e, portanto, estaremos perante a nulidade da sentença?
Vejamos.
Efectivamente, de acordo com os factos provados, a autora/trabalhadora nunca gozou nenhum dia de descanso semanal e anual (factos 15 e 16; também 17 e 18). Partindo destes factos, a recorrente acha que nada está provado acerca do não pagamento desses dias de descanso não gozados. E assim sendo, a afirmação da sentença segundo a qual “…provou-se que a ré não lhe pagou qualquer compensação por não ter gozado tais dias de descanso” está em conflito com a matéria assente.
Realmente, não há um facto da matéria provada que responda directamente e em exclusivo ao pagamento destes dias específicos de descanso. No entanto, há um outro que genericamente a todos dá resposta. É o que consta do ponto 21, onde é dito que a autora recebeu da ré o salário diário ali quantificado, “…determinado e entregue em função do período de trabalho efectivamente prestado” (sic). Está aqui a resposta à inquietude da recorrente STDM: na medida em que o tribunal afirmou que ela apenas pagou o salário diário naqueles valores singelos pelo serviço efectivamente prestado, é obvio que não pagou qualquer compensação por esses dias, pois de outro modo o valor seria sempre inquestionavelmente superior.
Quanto aos feriados, é claro que o “quesito” 4º (perguntava-se se a autora nunca gozou quaisquer dias de feriado obrigatório) obteve resposta negativa. Neste sentido, porque era seu o ónus probatório, à falta de prova de que a autora nunca tivesse gozado dias de descanso nos feriados obrigatórios poderia dizer-se que à situação haveria de corresponder uma improcedência do pedido nessa parte. Contudo, a sentença acabaria por reconhecer-lhe e atribuir-lhe o direito aos créditos reportados a esses dias de feriados obrigatórios. E o raciocínio para o fazer foi este:
Se a autora não provou que tivesse trabalhado nesses dias, mas se a ré afirmou que se ela trabalhou, recebeu em singelo, então haveria que concluir:
- “ou a autora trabalhou e recebeu sem qualquer acréscimo, tendo direito ao acréscimo legal que não lhe foi pago (dobro);
- ou a autora não trabalhou e nada recebeu, tendo direito a ser remunerada (singelo), pois tinha direito a descansar sem perda de remuneração”.
Este laborioso percurso mental pode até ter assento, em parte, na matéria do já citado ponto 21 da matéria de facto: se efectivamente prestou serviço nos dias feriados, ao menos só terá recebido pelo “…trabalho efectivamente prestado”, ou seja em singelo. E será que, ainda assim, peca por contradição, na medida em que o tribunal “a quo”, mesmo sem saber se a autora trabalhou nesses dias e quantos dias o terá feito, pagou um dia por cada um que era devido dentro do período entre 11/11/1989 e 31/07/1997?
Nós dizemos: embora, essa não seja forma correcta de responder – podendo até levar a um entendimento igual àquele que agora é defendido no recurso - a verdade é que a alínea M) da matéria de facto do “despacho de condensação”, a que corresponde o ponto 13 dos factos provados, elimina dúvidas: nenhum dia de descanso que haveria de ser remunerado a autora gozou, o que necessariamente inclui os dias de descanso relativos aos feriados obrigatórios remunerados. Neste sentido, a resposta ao quesito 4º passa a ter uma dimensão diferente, podendo ser interpretado no sentido de que abrangia todos os feriados obrigatórios, remunerados e não remunerados, sendo certo que o ponto 13 apenas se refere a todos os dias de descanso, incluindo os feriados, remunerados. Sendo assim, já faz sentido a matéria provada e a fundamentação, havendo entre uma e outra a necessária coerência com vista à decisão tomada.
Improcede, portanto, o recurso na parte referente à invocada nulidade.
*
Na restante parte desfavorável da sentença de que a STDM também recorre, os fundamentos do recurso serão tratados em conjunto com o recurso da autora, por ser a mesma a matéria a decidir.
*
3.1- Quanto ao recurso da autora, o seu objecto concentra a polémica em redor do cômputo salarial, tanto pelas partes que compõem o salário no caso concreto, como pelas fórmulas de cálculo que a sentença erigiu para apuramento do valor indemnizatório.
Quanto à primeira parte, damos por terminada a vexata quaestio, tal como acima fizemos com a transcrição feita a partir do Ac. deste TSI de 7/07/2011, no Proc. nº 128/2009. Aí dissemos, e aqui reiteramos, que do salário fazem parte a remuneração-base e ainda o valor das gorjetas. Não falemos mais nisso. Está resolvido o litígio nessa parte!
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3.1. 1- Quanto ao valor indemnizatório?
Lembremos que já só estão em apreciação os créditos subjugados à disciplina do DL nº 24/89/M, uma vez que os restantes estão incluídos no âmbito temporal da prescrição declarada no saneador sem que dele, nessa parte, tivesse havido recurso.
A sentença aplicou o factor 1 aos descansos semanais, 3 ao descanso anual e 1 aos feriados obrigatórios. A autora pugna por que sejam 2, 3 e 1 respectivamente. A STDM, por seu turno, defende no seu recurso subordinado que devam ser 0,1 e 1, respectivamente.
Vejamos.

a) Descanso semanal
Na vigência do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda:
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2, tal como o defende a trabalhadora autora no seu recurso, e não 1, como o concluiu a sentença recorrida.
Nesta conformidade, e porque o mapa de fls. 26 das alegações de A dos autos se mostra acertado quanto aos dias e quanto aos valores a considerar em cada um, a indemnização a atribuir sob este capítulo monta a Mop. 272.804,80.
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b) Descanso anual
Na vigência do DL n. 24/89/M
São seis os dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1). Se a duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do n.2.
No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar “ (bold nosso).
O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e o facto que mais se aproximava desse desiderato era o do art. 20º da base instrutória, que mereceu resposta negativa.
Como compensar o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?
A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.
Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Assim, valem aqui mutatis mutandis, as considerações que se podem tecer relativamente ao modo de compensar o trabalhador que preste trabalho nos dias de descanso anual ao abrigo do diploma de 1984. Sendo elas também prestáveis à interpretação do DL 24/89/M, somos a concluir: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1. Todavia, a sentença fixou o factor 3, o que a autora aceitou nas suas alegações de recurso, mas a que a recorrente STDM contrapôs o factor 1. Por isso, é de proceder o recurso da STDM nesta parte.
A indemnização a atribuir, uma vez mais com base no mesmo mapa de fls. 26 das alegações da recorrente trabalhadora, ascende a Mop$15.769,70 .
*
c) Feriados obrigatórios
Na vigência do DL n. 24/89/M
Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3.
A sentença recorrida, porém, utilizou o factor 1 na fórmula de cálculo, que não foi objecto de censura no recurso, dado que tanto a recorrente trabalhadora, como a STDM o aceitam expressamente.
Assim, o valor do quadro que vimos utilizando mostra-se inviolável, correspondendo a indemnização a atribuir ao valo de Mop$ 15.749,21.
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Assim, a indemnização global soma a quantia de Mop$. 304.323,71.
A esta importância haverá que acrescer a quantia de Mop$ 12.899,25 pelos dias de licença de maternidade, tudo perfazendo a quantia global de Mop$ 317.222,96.
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Neste sentido, é de proceder parcialmente o recurso da autora e da ré (no que à ré se refere, porém, a procedência incide apenas no tocante ao factor a utilizar no cálculo indemnizatório relativo à indemnização pela prestação de serviço nos dias de descanso anual.

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IV- Decidindo

Face ao exposto, acordam em:

A- Quanto ao recurso do saneador

1- Julgar extinta a instância do recurso do saneador interposto pela STDM por inutilidade superveniente da lide, relativamente à parte em que absolveu a autora da instância por falta de interesse em agir quanto ao pedido de declaração da validade do contrato;
2- Negar provimento ao recurso do saneador interposto pela STDM relativamente à parte em que absolveu a autora do pedido reconvencional.

Custas pela recorrente STDM.

B- Quanto aos recursos da sentença

1- Conceder parcial provimento ao recurso independente interposto da sentença pela autora A e
2- Conceder parcial provimento ao recurso subordinado da sentença interposto pela STDM, nos termos acima mencionados.

C- Em consequência, revoga-se a sentença em igual medida, condenando-se a STDM a pagar à trabalhadora a quantia de Mop$ 317.222,96, acrescida dos juros legais, calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010.

Custas pelas partes em ambas as instâncias na proporção do decaimento.

TSI, 27 / 10 / 2011.

José Cândido de Pinho
Choi Mou Pan
Lai Kin Hong (com declaração de voto)





Processo nº 300/2011
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.

RAEM, 27OUT2011

O juiz adjunto


Lai Kin Hong


1 Despacho Normativo n.º 24/89 que revogou o Despacho Normativo n.º 82/85, de 28 de Agosto junto à Contestação.
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