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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
Dr. A, Advogado, interpôs recurso contencioso de anulação da deliberação do Conselho Superior de Advocacia, de 11 de Junho de 2007, que o puniu disciplinarmente com a pena de suspensão do exercício da profissão de advogado durante seis anos.
Por acórdão de 26 de Março de 2009, o Tribunal de Segunda Instância, (TSI) negou provimento ao recurso.
O Tribunal de Última Instância (TUI), por Acórdão de 13 de Janeiro de 2010, concedeu provimento ao recurso jurisdicional e anulou o acto recorrido.
O Conselho Superior de Advocacia, por deliberação de 26 de Fevereiro de 2010, em execução do Acórdão do TUI, renovou o acto punitivo, e puniu disciplinarmente Dr. A, agora com a pena de suspensão do exercício da profissão de advogado durante cinco anos.

Dr. A, interpõe agora recurso contencioso de anulação desta última deliberação do Conselho Superior de Advocacia, de 26 de Fevereiro de 2010.
Por acórdão de 5 de Julho de 2012, o TSI negou provimento ao recurso.
Inconformado, interpõe o mesmo Advogado recurso jurisdicional para o TUI, terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões úteis:
- A decisão recorrida encontra-se ferida de nulidade, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.° do Código de Processo Civil, porquanto a mesma omite pronúncia:
(i) Quanto à alegação de vício na decisão do CSA de erro nos pressupostos de facto por desconsideração indevida dos motivos da recusa da Dra. B em lavrar as escrituras;
   (ii) Quanto à alegação de vício na decisão do CSA de erro nos pressupostos de facto por desconsideração indevida das advertências feitas pelo Recorrente no texto das escrituras;
(iii) Quanto à alegação de vício na decisão do CSA de erro nos pressupostos de facto e de direito e contradição insanável entre aquela decisão e os factos provados, por errada consideração sobre os prejuízos resultantes da celebração das escrituras para a Associação Mandante;
(iv) Quanto à alegação de vício na decisão do CSA de erro nos pressupostos de facto ao dar como provado, em contradição e sem suporte na demais matéria de facto provada, que no dia em que a pública-forma foi elaborada a procuração estava depositada num cofre do [Banco (1)];
- O Acórdão do Tribunal de Última Instância constituiu o Conselho Superior da Advocacia no dever de "refazer a decisão anulada", procedendo à reavaliação da conduta do ora Recorrente à luz alteração da factualidade provada, em especial, do resultado que deriva da inexistência de prova de que o mesmo tenha actuado em conluio com outros, e à reponderação da configuração da sua conduta como ilícito disciplinar, a sua gravidade e o grau de culpa.
- Competia ao CSA proceder a uma efectiva reponderação de toda a decisão de condenação do Recorrente, em especial no que se refere à escolha e graduação da medida da pena disciplinar.
- A mera remoção da referência ao conluio do rol dos factos dados como provados e a diminuição da pena de suspensão aplicada ao ora Recorrente de 6 (seis) para 5 (cinco) anos não constitui cumprimento do dever de executar o Acórdão do TUI.
- A alteração da medida da pena de 6 (anos) para 5 (cinco) anos de suspensão é manifestamente contraditória com as razões que na decisão inicial do Conselho Superior da Advocacia foram consideradas preponderantes pelo Conselho para agravar a pena proposta pelo Exmo. Instrutor do processo disciplinar de 2 (anos) de suspensão para 6 anos.
- Na decisão inicial proferida em 1 de Novembro de 2006, o único fundamento que levou o Conselho a divergir da sanção proposta pelo Exmo. Instrutor, agravando-a a pena de suspensão do ora Recorrente de 2 (dois) anos para 6 (seis) anos, foi a ponderação adicional por si introduzida de que o arguido houvesse actuado em conluio com os demais arguidos.
- A nova decisão do CSA deveria, ao expurgar da decisão o facto que motivou o juízo agravatório anteriormente feito (de agravamento da punição de 2 para 6 anos), repor a situação que existiria se esse juízo agravatório nunca tivesse sido efectuado, e, pelo menos, reduzir a punição do ora Recorrente de 6 novamente para 2 anos (e não para 5 anos como efectivamente o fez!!).
- Ou se considera que a nova decisão do CSA não cumpre o disposto no artigo 174.º, n.º 3 do CPAC, não executando assim a decisão do TUI exactamente por não fazer a reponderação que se mostra necessária no caso concreto, caso em que a decisão do CSA é nula por violação do caso julgado, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 122.° do Código de Procedimento Administrativo.
- Ou se considera que a nova decisão do CSA cumpre o disposto no artigo 174.º, n.º 3 do CPAC, tendo efectivamente efectuado uma nova ponderação da factualidade junta aos autos de processo disciplinar, assim executando a decisão do Venerando Tribunal de Última Instância, caso em que, a aplicação de uma pena de suspensão de 5 anos padece de erro grosseiro e manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios da justiça e imparcialidade, pelo que, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 122.° do Código de Procedimento Administrativo, a decisão ora Recorrida é nula.
- A pena aplicada ao ora Recorrente pelo CSA constitui a imposição de uma limitação à liberdade de exercício da profissão por parte do ora Recorrente.
- A decisão recorrida procede a uma restrição de um direito fundamental do ora Recorrente, consagrado no artigo 35.° da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e, bem assim, no artigo 6.° do Pacto Internacional dos Direitos Económicos Sociais e Culturais.
- Atenta a natureza materialmente jurisdicional da decisão proferida pelo Conselho Superior da Advocacia, o âmbito do recurso é de jurisdição plena.
- A não consideração da decisão do Conselho Superior da Advocacia como uma decisão sobre matéria sujeita a um contencioso de jurisdição plena e a correspectiva insusceptibilidade de sindicância por uma autoridade jurisdicional, implica uma denegação do direito de acesso aos tribunais previsto na Lei Básica.
- Ainda que se entenda que o contencioso administrativo não é de plena jurisdição, o Tribunal a quo pode sindicar a medida concreta da pena nos casos de erro grosseiro e manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios da justiça e da imparcialidade.
- A sanção aplicável ao Recorrente mostra-se manifestamente desadequada, desnecessária, injusta e desproporcional.
- Não foram devidamente ponderadas, ou foram completamente omitidas na decisão a quo todas as circunstâncias que poderão ter influência quer na determinação do, eventual, quantum da pena a aplicar ao ora Recorrente, quer, do mesmo modo, no juízo sobre a adequação, necessidade e justeza da sanção concretamente aplicada.
- A decisão recorrida viola o princípio da proporcionalidade porque se não demonstra que qualquer outra medida realizaria cabalmente, e de certeza com maior eficácia, os fins que as normas de direito disciplinar visam neste caso concreto.
- A decisão recorrida não fundamenta devidamente a sua opção pela aplicação de medida disciplinar mais gravosa possível aplicável a um advogado no exercício das suas funções, uma vez que não faz o esforço, a que estava vinculado, de, por intermédio de juízos excludentes, justificar a não integração dos factos que considera provados, associados às circunstâncias que considerou determinantes para fundar o seu juízo de medida da pena, em qualquer uma das alíneas a) a e) do artigo 41.º do Código Disciplinar dos Advogados.
- Ao aplicar ao Recorrente a pena disciplinar de cinco anos de suspensão sem justificar a inadequação ou insuficiência das outras penas disciplinares a que podia lançar mão, a decisão recorrida violou, sem margem para dúvidas, o princípio da proporcionalidade na sua dimensão de exigibilidade ou necessidade.
- A aplicação de uma pena, com todas as suas implicações sociais e profissionais, quando inexistem quaisquer antecedentes ou indícios da propensão para a prossecução de uma qualquer conduta ilícita no futuro - bem pelo contrário - constitui uma violência intolerável, injusta e inaceitável e que não pode merecer a concordância de qualquer Tribunal, razão porque deve ser a mesma anulada.
- Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 576.° do Código de Processo Civil, aplicável, ex vi, do n.º 1 do artigo 1.° do Código de Processo Administrativo Contencioso, “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”.
- No recurso contencioso de anulação, o caso julgado é constituído pela decisão de anulação do acto recorrido ou pela decisão da sua nulidade e pelo vício que fundamenta a decisão
- O alcance objectivo do caso julgado no contencioso administrativo abrange apenas os actos que foram determinantes para a formulação do juízo anulatório, não abrangendo os factos constitutivos de causas de pedir de anulação da decisão inicial, mesmo que as mesmas tenham sido julgadas improcedentes.
- O caso julgado formado pelo Acórdão do TUI proferido pelo Tribunal de Última Instância lavrado no âmbito do processo 24/2009 abrange apenas o facto de que o ora Recorrente não haja actuado em conluio com os outros co-arguidos.
- A prova do facto de que o ora Recorrente tivesse conhecimento da falsidade da pública forma não constituiu motivo ou fundamento da anulação da decisão anterior do CSA, pelo que não está coberta pela força de caso julgado do Acórdão do TUI, podendo ser objecto de sindicância judicial nestes autos.
- A consequência jurídica dos actos praticados pelo ora Recorrente é a ineficácia, tal como foi confirmado pelo Acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido em 9 de Fevereiro de 2012 no âmbito do Processo n.º 616/2007, já transitada em julgado.
- Ao contrário do entendimento sufragado pelo Conselho Superior da Advocacia, a consequência jurídica dos actos praticados pelo ora Recorrente não é a nulidade.
- Os celebrados pelo ora Recorrente não produziram quaisquer danos ou prejuízos na esfera jurídica da Associação Mandante.
- A decisão do Conselho Superior da Advocacia padece de erro de direito (cfr artigo 261.° do Código Civil) e nos pressupostos de facto, por desconsideração do facto assente de que os negócios celebrados pelo ora Recorrente sejam meramente ineficazes e não hajam produzido qualquer prejuízo na esfera da Associação Mandante, razão pela qual deveria a mesma ter sido anulada pelo Acórdão ora recorrido.
- O Tribunal a quo fundamenta o seu juízo quando à ilicitude ou à impropriedade da conduta do ora Recorrente no facto de que ora Recorrente soubesse que os negócios jamais iam ser ratificados.
- Tal facto não consta da matéria de facto dada como provada pelo Exmo. Instrutor do processo administrativo, nem pela Decisão do Conselho Superior da Advocacia, tampouco o tendo sido pelo Acórdão ora recorrido (respectivo Capítulo II).
- O Acórdão Recorrido está neste trecho viciado de excesso de pronúncia ou, pelo menos, de contradição com a respectiva fundamentação de facto, razão por que deve o mesmo ser declarado nulo, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 571.° do Código de Processo Civil.
- Sendo a consequência da celebração das escrituras a da ineficácia desses actos, nos termos do artigo 16.° do Código do Notariado o ora Recorrente estava impedido de, na qualidade de Notário, se recusar a celebrar o acto, cabendo-lhe, outrossim, advertir os outorgantes da existência do vício e consagrar tal advertência no acto.
- O ora Recorrente procedeu à advertência às partes da ineficácia do negócio caso se viesse a mostrar revogada a procuração e fez constar das mesmas escrituras a menção de ter feito aquela mesma advertência.
- A actuação do ora Recorrente à luz das normas que pautam a sua conduta enquanto notário mostra-se perfeitamente lícita, como era devida, em face do conjugadamente disposto no artigo 261.° do Código Civil e do artigo 16.° do Código do Notariado, razão pela qual o Acórdão recorrido padece de vício de violação de lei.
- O Notário privado não pode, ao abrigo do artigo 17.º do Código do Notariado, recusar-se a celebrar um acto que, nos termos do artigo 16.º do Código do Notariado, tem o dever de o celebrar um Notário público.
- Se o Recorrente não praticou qualquer conduta ilícita como Notário, razão alguma subsiste para que lhe pudesse ser imputada qualquer violação genérica de deveres deontológicos cujo conteúdo se traduz no mero dever de respeito geral pela legalidade.
- A decisão recorrida incorre em violação de lei por erro nos pressupostos de Direito em que assenta o juízo de ilicitude da actuação do ora Recorrente como Notário, atento o conjugadamente disposto no artigo 261º do Código Civil e nos artigos 16º e 17º do Código do Notariado.
- O resultado pretendido pelos outorgantes não era a celebração das escrituras, mas, antes, a transmissão da titularidade dos direitos de propriedade sobre os imóveis visados transmitir, de que as escrituras em causa são mero instrumento de forma.
- Tal resultado não se produziu, por força da ineficácia, declarada com força de caso julgado, dos negócios celebrados.
- Ao advertir os outorgantes sobre a possível ineficácia dos actos, e ter disso feito menção no texto das escrituras, o ora Recorrente revelou interesse pelo resultado.
- A decisão recorrida padece de excesso de pronúncia ou, pelo menos, de errada aplicação de lei substantiva quanto à imputação da conduta ao Recorrente a título de dolo eventual, pelo que viola o artigo 13.º do Código Penal, aplicável ex vi do artigo 65.º do Código Disciplinar dos Advogados.
- A prova da revogação da procuração emitida pela Associação de Piedade e Beneficência a favor do Senhor C é conditio sine qua non da prova da falsidade da referida pública-forma.
- Resulta dos elementos probatórios juntos carreados para os autos que a procuração foi emitida no interesse de terceiro, a [Associação (1)];
- Não foi feita prova, aliás, fez-se prova do contrário, de que a Associação interessada tenha acordado na revogação da procuração.
- A prova de que a procuração não tenha sido validamente revogada preclude o juízo sobre a falsidade da pública-forma tomado com esse fundamento.
- O Tribunal a quo desconsiderou a prova produzida sobre tais factos, tendo procedido a uma errada aplicação de lei substantiva - o artigo 1096.° do Código Civil, em particular o respectivo n.º 3 - razão pela qual se requer, a respectiva revogação.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.



II - Os Factos
O Acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1 - O recorrente, por acórdão do Conselho Superior de Advocacia da Associação dos Advogados de Macau de 11/06/2007, foi punido disciplinarmente na pena de 6 anos de suspensão do exercício de funções de advogado, nos termos do art. 41º, al. e), do Código Disciplinar dos Advogados.
2- Tal acórdão viria a ser anulado pelo TUI em 13/01/2010, no processo nº 24/2009, em virtude de a decisão punitiva, aos factos que constavam do relatório do instrutor, ter acrescentado o seguinte:
“5. Apesar disso, todos os 3 (três) arguidos trabalharam em 2003 na obtenção dos documentos que o arguido Dr. A. precisava para instruir as escrituras que obtiveram e perante este usaram e forneceram em 2003 (não podendo pois, também por isso, proceder a alegada prescrição), a este ajudando a consumar a outorga em apenas 2 dias (23/6 e 25/6 de 2003) das escrituras de compra e venda dos diversos imóveis identificados nos autos, indiferente ao resultado”.
3- A respeito deste facto novo, o referido acórdão do TUI asseverou na sua fundamentação:
«Esta consideração contradiz os factos anteriores e não têm suporte nos factos provados. São admissíveis ilações extraídas a partir dos factos provados, mas a mencionada consideração não resulta dos factos, pelo que se resolve a contradição dando prevalência aos factos constantes do acervo dos factos considerados provados, considerando-se tal ilação como não escrita. O que implica, inexoravelmente, a anulação do acto recorrido, dado que tal fundamento pode ter influenciado a integração do ilícito disciplinar e a escolha e a medida da pena».
4- Em execução desse aresto, foi proferido novo acórdão do CSA de Macau, em 26/02/2010, com o seguinte teor:
«ACÓRDÃO
Os membros do Conselho Superior de Advocacia de Macau, em execução do (i) douto Acórdão proferido nos autos de recurso jurisdicional em matéria administrativa que, sob o nº 24/2009, correram termos pelo Tribunal de Segunda Instância, transitado em julgado em 28 de Janeiro de 2010 DELIBERAM, por unanimidade dos membros presentes…
I-
A Instrução dos Factos Denunciados
(….)
II
A ACUSAÇÃO
(…)

Existe em Macau uma Associação, devidamente registada na Direcção dos Serviços de Identificação de Macau sob o nº. 161, denominada “[Associação (1)], também conhecida como “[Associação (1a)]”.

A sua Direcção integra vários membros entre os quais o Sr. D.

Existe também uma outra Associação denominada “[Associação (1)]”.

São legais representantes desta última os Srs. E, aliás, C, F e G. Nenhum destes representantes integra a Direcção da “[Associação (1)]”.

Em 1993, o Sr. D, na altura Vice-Presidente da referida [Associação (1)], outorgou, em representação desta, no Cartório do Notário Privado Sr. Dr. H uma procuração a favor daquele Sr. E, aliás, C, conferindo-lhe vários poderes, entre eles o de celebrar contratos de venda tendo por objecto imóveis dos quais era proprietária (fls. 27 e 31).

No dia 14 de Fevereiro de 1995, após prévio acordo entre os representantes daquela Associação e o Sr. C, a procuração em causa foi revogada, revogação levada a efeito no Escritório do Exmº. Sr. Dr. H e em presença deste (fls. 27 a 31).

A revogação foi feita estando também presente aquele C (fls. 27 a 31).

A mesma revogação foi feita, apondo-se, na parte superior do rosto do original da procuração em causa, a respectiva declaração, na redacção da qual foram utilizados caracteres chineses - 本授權書即日取消作廢 14/2/95 - que significam o seguinte: “a presente procuração cancela-se a partir da presente data 14/02/95”.

Além disso, no texto da primeira página forem apostos dois riscos oblíquos e paralelos e no espaço entre os mesmos a expressão inglesa “cancelled”, e outros riscos em restantes páginas (fls. 27).
10º
A declaração em causa foi subscrita pelos legais representantes daquela Associação I e J e também pelos Srs. K e C (fls. 27).
11º
A mesma declaração revogatória foi confirmada pelo Sr. Dr. H o qual sob a mesma manuscreveu a seguinte frase: “Fui presente: 14/02/95” seguida da sua rubrica, apondo também o seu carimbo de Advogado (fls. 27).
12º
O original da procuração revogada foi então devolvido pelo Sr. C a um representante da mandante, sendo depois guardado num cofre de segurança do [Banco (1)] .
13º
Esse mesmo original ficou ali guardado e só foi retirado do cofre anos mais tarde, e isto mesmo por ordem judicial.
14º
No obstante o que fica referido, no dia 7 de Junho de 1995, o arguido Sr. Dr. L, na qualidade de Notário Privado, entendeu certificar que havia conferido uma fotocópia daquela procuração com o respectivo original e elaborar a respectiva conta a qual atribuiu o nº. 6.
15º
Em outras palavras, no dia 7 de Junho de 1995, o referido arguido Sr. Dr. L, na qualidade de Notário Privado, declarou ter extraído uma fotocópia do original daquela procuração e que a mesma estava em conformidade com este (fls. 35 a 40).
16.º
Ora a data em que essa pública-forma foi elaborada, o original da procuração, devidamente revogada e riscada nos termos anteriormente referidos, encontrava-se encerrado num cofre do [Banco (1)].
17º
Não dispunha, pois, o Sr. Dr. L de quaisquer elementos que lhe permitissem certificar a conformidade dessa fotocópia com o originai.
18º
Trata-se, pois, duma pública-forma inteiramente falsa, motivo por que dela não constam nem a declaração revogatória, nem os falados riscos, nem a menção “cancelled”, nem a confirmação feita pelo Sr. Dr. H (fls. 35 e 40), sendo também fictícia a conta referida no artigo 14 deste despacho já que a mesma não se mostra lançada no competente Livro de Registos de Contas Emolumentos e Selo do Cartório do arguido Dr. L.
19º
Uma pública-forma constitui uma cópia de teor total ou parcial extraída de documentos avulsos exibidos para esse efeito ao Notário e deve conter a declaração de conformidade com o original.
20º
Ora, era de todo impossível a alguém que não fosse legítimo representante daquela Associação exibir o originai da falada procuração ao referido Sr. Dr. L por o mesmo estar guardado num cofre do [Banco (1)].
21º
Consequentemente, jamais poderia o Sr. Dr. L extrair uma fotocópia desse original.
22º
Consequentemente, também não dispunha de quaisquer elementos que o habilitassem a emitir a declaração de conformidade do teor da fotocópia com o do original.
23º
Está, assim, plenamente justificada a afirmação de que essa pública-forma é falsa.
24º
Tanto o Sr. Dr. L como o Sr. Dr. M eram mandatários daqueles C e F.
25º
No dia 13 de Janeiro de 2003, o Sr. E, fazendo uso da referida pública-forma e depositando-a no Cartório Notarial da Ilhas, substabeleceu os poderes nela referidos nos Sr. F e G (fls. 537 a 547).
26º
No dia 28 de Janeiro de 2003, o referido E fazendo uso daquela pública-forma falsa, substabeleceu os poderes nela referidas na pessoa do Sr. Dr. M, seu Advogado (fls. 478 a 479).
27º
Os documentos referidos no artigo 25º ficaram os arquivados no Cartório Notarial das Ilhas, figurando nas respectivas senhas de apresentação como interessada a mencionada Associação e como representante desta o Sr. Dr. M (fls. 537 a 545).
28º
Ora, em data indeterminada de 2003, mas em princípios do mesmo ano, os arguidos Sr. Dr. L e M e os Srs. C e F planearam alienar mediante a utilização daquela pública-forma falsa e tendo plena consciência dessa falsidade, vários imóveis pertencentes ao património da [Associação (1)].
29º
A fim de concretizar os planos que haviam concebido e outorgar as competentes escrituras públicas o Sr. Dr. L requereu à Direcção dos Serviços de Identificação a passagem de dois certificados respeitantes à “[Associação (1)]”, certificados esses que foram emitido no dia 15 de Abril de 2003.
30º
Por sua vez, o Sr. Dr. M procurou marcar, sem sucesso, junto de alguns Cartórios Notariais de Macau, designadamente no da Notária Privada Sra. Dra. B data para a outorga dessas escrituras, entregado nesses Cartórios a documentação necessária para o efeito, designadamente a referida pública-forma falsa.
31º
O arguido Sr. Dr. M manifestou sistematicamente junto desses Cartórios Notariais, extrema urgência na celebração das mesmas escrituras.
32º
Além disso o Sr. Dr. M providenciou no sentido de através do seu Escritório de Advogado, ser liquidado o imposto de selo respeitante à compra e venda dos prédios descritos sob os nºs. XXXX, como resulta dos documentos de fls. 490 a 521, em alguns dos quais aparece indicado, para os efeitos de “envio dos avisos e conhecimentos”, o seguinte endereço: [Endereço (1)].
33º
Este endereço correspondia ao do Escritório do Sr. Dr. M.
34º
Perante a indisponibilidade desses Cartórios Notariais, foi então contactado o Cartório Notarial do Sr. Dr. A.
35º
Quem estabeleceu, para esse efeito, tal contacto foi o Sr. Dr. M que de igual modo aí procedeu à entrega de todos os documentos necessários para serem celebradas as escrituras públicas designadamente a pública forma atrás referida.
36º
Esse contacto, reforçado, mais tarde, por outros feitos pelo Sr. F e, por um secretário do Sr. E revelou-se altamente profícuo uma vez que nos dias 23 de Janeiro de 2003 e no dia 25 seguinte acabaram por ser outorgadas no Cartório Notarial do Sr. Dr. A e com a sua intervenção como Notário várias escrituras públicas tendo por objecto a compra, e venda de imóveis pertencentes à [Associação (1)].
37º
Assim no dia 23 de Junho de 2003, foi celebrada uma escritura Pública tendo por objecto a compra e venda dos prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial sob os nºs. XXXXX, XXXXX e XXXXX, conforme melhor resulta da cópia que constitui o documento junto de fls. 121 a 124 cujo teor se dá aqui por reproduzido.
38º
No dia 25 de Junho de 2003, foi celebrada uma Escritura Pública tendo por objecto a compra e venda das fracções autónomas A1 do primeiro andar A, A2 do segundo andar A, A3 do terceiro andar A, A4 do quarto andar A, A5 do quinto andar A, B1 do 1 º andar B, B2 do segundo andar B, B3 do terceiro andar B, B4 do quarto andar B, todas sitas na [Endereço (2)] desta cidade e descritas na Conservatória do Registo Predial sob o nº. XXXX, conforme resulta da fotocópia que constitui o documento junto de fls. 137 a 163.
39º
Também no dia 25 de Junho de 2003 foi celebrada uma escritura pública de compra e venda dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial sob o nºs. XXXXX, XXXXX, XXXXX e XXXXX.
40º
Ainda no dia 25 de Junho de 2003, foi celebrada uma escritura pública tendo por objecto a compra e venda das fracções autónomas A1, do primeiro andar A, A2 do segunda andar A, A3 do terceiro andar A, A4 do quarto andar A, A5 do quinto andar A, B1 do 1 º andar B, B2 do segundo andar B, B3 do terceiro andar B, B4 do quarto andar B, B5 do quinto andar B, C1 do primeiro andar C, C2 do segunda andar C, C3 do terceiro andar C, C4 do quarto andar C, C5 do quinto andar C, D1 do 1 º andar D, D2 do segundo andar D, D3 do terceiro andar D, D4 do quarto andar D, D5 do quinto andar D, E1 do primeiro andar E, E2 do segunda andar E, E3 do terceiro andar E, E4 do quarto andar E e E5 do quinto andar E, fracções estas descritas sob o n. XXXXX-I a fls. 16 do Livro XXX, conforme melhor resulta das fotocópias de fls. 199 a 209 cujo teor se dá aqui por reproduzido.
41º
O preço da venda de cada um dos imóveis referidos nos nºs. 24º e 25º e 26º deste Parecer foi de $100,000.00 patacas e de cada um dos referidos no nº. 27º o de $80,000.00 patacas.
42º
O comprador de todos aqueles imóveis foi o referido Sr. F, um dos representantes da Associação referida no artigo 3 deste despacho.
43º
Quem interveio em todas as escrituras atrás referidas em representação da Associação vendedora foi o já mencionado E aliás C.
44º
A qualidade do Sr. E, como Procurador da referida Associação, foi verificada com base numa certidão da pública-forma da procuração referida neste despacho.
45º
O arguido Sr. Dr. A sabia e tinha plena consciência de que a referida pública-forma era falsa por disso ter sido informado em data anterior à da celebração daquelas escrituras pelos Advogados Srs. Drs. N e O, os quais designadamente lhe explicaram as razões por que tal documento devia ser considerado como falso. Além disso, recebeu as comunicações e constituem os documentos de fls. 89 a 118 cujo teor se dá aqui por reproduzido.
46º
Não obstante ter plena consciência de falsidade da pública-forma em questão, o arguido Sr. Dr. A aceitou-a como boa, celebrando as referidas Escrituras.
47º
Assim, deu como verificada a qualidade de procurador da referida Associação de E numa altura em que lhe tinham sido retirados os poderes de representação.
48º
O arguido Sr. Dr. A ao celebrar aquelas escrituras verificou o registo e a denominação da citada Associação através dum certificado passado no dia 15 de Abril de 2003 pela Direcção dos serviços de Identificação de Macau.
49º
Como se disse, foi o arguido Sr. Dr. L quem requereu a passagem desse certificado sabendo que o mesmo se destinava a habilitar o arguido A a celebrar aquelas escrituras e sabendo também que a qualidade do Sr. E, seu cliente, como procurador da vendedora Associação seria verificada com base na mencionada pública-forma falsa.
50º
Com o comportamento descrito nos artigos que antecedem cada um dos arguidos violou frontalmente os deveres Impostos pelos artigos 1º, 12º, 14º alínea a) e c), e 25º nº. 1 do Código Deontológico, homologado por Despacho nº.121/GM/92 de 31 de Dezembro publicado no Boletim Oficial nº. 52, Suplemento de 31/12/92 conjugados com o artigo 2º do Código disciplinar dos Advogados homologado pelo Despacho nº. 53/GM/95 de 7 de Setembro publicado no B.O. nº. 37, 1ª. S. Suplemento de 11/9/95.
51º
Agrava a situação dos arguidos Srs. Drs. L e M a acumulação (Processos Disciplinares X/XX/CSA e XX/XX/CSA, respectivamente).
III
AS DEFESAS
Notificada a acusação aos arguidos, o Dr. M juntou procuração constituindo seu advogado o Dr. A e requerendo que todas as notificações passassem “doravante” a ser feitas na pessoa deste seu mandatário (fls.746747).
Notificado este na qualidade de procurador do Dr. M (fls. 754) mediante carta com AR expedida em 14.06.2005 (fls.757), não respondeu à notificação, embora a posta dada à denúncia no seu requerimento de 09.12.2003 (f1s.301-307) serem no sentido de negação de qualquer facto ilícito pois mostra ter consultado os autos e o matéria então existente neles, nomeadamente o anúncio de jornal em que o seu nome também é denunciado e as 2 participações da [Associação (1)] ou [Associação (1a)] apresentadas ao Exmo. Chefe do Executivo da RAEM, pelos factos acima resumidos, contra o Notário Privado Dr. A (fls. 73-82) e contra o Notário Privado Dr. L (fls. 83-88 e verso), mas, apesar disso, alega desconhecer a denúncia de quaisquer factos ilícitos contra si;
E os outros dois co-arguidos vieram defender-se com as respostas que constam de fls. 712-730 (o Dr. A); e fls-733-745 (Dr. L).
O Dr. A defende-se, alegando, em resumo:
- Que os factos que lhe são imputados pertencem à sua actividade funcional de Notário, ainda que de Notário Privado se trate, e, portanto, a competência disciplinar pertence à Direcção dos Serviços de Justiça, sendo a AAM incompetente;
- Que existe violação do princípio “ne bis idem” porque já existe processo disciplinar instaurado pela Direcção dos Serviços de Justiça para punição dos mesmos factos e, consequentemente, não pode ser responsabilizado também perante o CSA;
a) - Que não sabia que a procuração correspondente à pública-forma que utilizou nas escrituras tivesse sido cancelada quer por não serem nesse sentido os ofícios que a Direcção dos Serviços dirigiu ao Sr. Dr. M em resposta aos pedidos de esclarecimento que o Dr. M dirigiu àqueles Serviços;
b) - Quer porque, face às informações antagónicas do Dr. M (de um lado) e do Dr. N e Dr. O (do outro) entendeu analisar por si próprio com imparcialidade e independência tais informações opostas (art. 26 da defesa), tendo concluído que a procuração e pública-forma eram válidas:
b) - 1 - Porque a alegada revogação terá sido feita em escritório de advogado e não perante notário; que tal advogado manuscreveu “Fui presente” sem dizer presenciei, com data rasurada, rubrica e carimbo de advogado e, em seu entendimento, a revogação não podia ser feita por tal via mas sim perante notário nos termos dos artigos 5º e 84º do antigo C. Notariado e os arts. 5º, 6º e 87º nºs. 1 e 2, do C. Notariado actual, sendo pois nula a alegada revogação face ao art. 212º do C. Civil;
b) - 2 - Porque não se sabe desde que data é que a procuração foi posta e se manteve intocada no cofre do Banco de modo a poder saber-se se a falsidade está na revogação ou se está na pública-forma (se a pública forma foi efectivamente extraída na data de 07.Jun.1995 que dela consta perante o original ainda não cancelado, e posteriormente cancelando-se este com data falsa de 14.02.1995 e encerrando-o no Banco; ou se, pelo contrário, é o inverso: cancelamento efectivamente em 14.02.1995 e pública-forma feita usando uma cópia e não o original que o Notário certificou ter usado) e, face a tais elementos, as disposições legais sobre a força probatória plena dos documentos autênticos mandam, em seu entender, aceitar como verídica a pública forma do Notário e não o cancelamento e informações fornecidos pelo Dr. M, pelo Dr. N pelo Dr. O.
Concluindo: - alega que agira convencido de estar dentro da estrita legalidade, imparcialidade e independência face a interesses e palavras antagónicos.
Quanto ao Dr. L, veio com a sua defesa respondendo à acusação a fls.733-745, alegando, em resumo:
- A incompetência do CSA dado os factos que lhe vêm imputados terem sido praticados na qualidade de notário e não de advogado;
- Ter havido prescrição em 07.Junho.1998 por os factos que lhe vêm imputados datarem de 07.Junho.1995 e o prazo de prescrição ser de 3 anos;
- Serem nulas as provas dado terem sido ouvidos como testemunhas a Dra. P, Dr. N e Dr. O, todos amigos pessoais e advogados do mesmo escritório que patrocinava a Autora das 2 participações que o Dr. N forneceu aos autos e que a [Associação (1)] ou [Associação (1a) dirigiu ao Exmo. Chefe do Executivo da RAEM em 29.Julho.2003, contra o Notário Privado Dr. A (fls. 73-82) e contra o Notário Privado Dr. L (fls.83-88 e verso);
- E nulas também por o instrutor Dr. Q (do inquérito realizado pela Direcção da AMM e que constitui a participação desta ao Conselho Superior de Advocacia) ter tido com aqueles conversas e telefonemas de que resultaram os depoimentos daquelas testemunhas e a junção de vários documentos e porque “Por toque de mágica do Instrutor, Dr. Q, os participados transmutaram-se em testemunhas e os ofendidos transformaram-se em arguidos” (sic-art. 360 da sua defesa, numa referência implícita à carta datada de 19 de Julho de 2003, recebida na AAM a 21/7/2003, em que o Dr. L juntava cópia do anúncio que denunciava os factos objecto destes autos e pedia “abertura de um inquérito para total apuramento de eventual responsabilidade disciplinar, incluindo a eventual autoria moral ou material de associados na feitura do anúncio supra citado.” sic).
- E, embora não o diga ali muito claramente, da conjugação dessa peça com a peça que apresentou a fls. 848 e segs., vê-se que nega que a falsidade da pública forma, alegando que o original da procuração não se encontrava fechado no Banco à data em que emitiu a pública forma (fls. 848) mas sim terá, segundo aqui alega, estado sempre na posse do falecido presidente da Associação até pouco tempo antes da morte deste, ocorrida a 03.Julho.1999 (que “apenas terá depositado o original da procuração antes das 21 horas e 10 minutos do dia 3 de Julho de 1999 no [Banco (1)]” - sic sua alegação a fls. 848); e que o facto dos autos terem obtido resposta negativa da Direcção dos Serviços de Justiça quanto à existência da conta emolumentar e selos constante de tal pública-forma, resulta da existência de ofício erradamente datado mas, mesmo que tal conta não tivesse sido paga, apenas haveria uma irregularidade fiscal;
- Que é nulo o “cancelled” feito no escritório do advogado H (sem este intervir como notário), por não ter sido nem revogação notarial nem judicial (art. 49º da defesa);
- E quanto à acusação de que também terá participado na instrução dos documentos para o Dr. A celebrar as escrituras em 2003, o Dr. L pergunta “será que requerer 2 certificados aos Serviços de Identificação de Macau constituem ilícito disciplinar?” (sic).
Em resumo: - alega que a eventual prática de falsidade da pública-forma (que teria sido praticada em 07.Junho.1995) estaria prescrita mas que nem sequer praticara tal falsidade; e que, quanto a eventuais factos ainda dentro de prazo de sujeição a procedimento disciplinar por praticados há menos de 3 anos, confessa implicitamente a requisição dos 2 (dois) referidos certificados para a instrução das escrituras mas que tal não constitui ilícito disciplinar.
IV
O RELATÓRIO FINAL DO INSTRUTOR
Foi feita a prova requerida e juntos documentos, nos termos do despacho de fls.867 até fls.969 e despacho de fls. 970 e segs., findo o que o Exmo. Instrutor apresentou de fls.1024 a fls. 1048, o seu relatório final, nos termos seguintes:
“Exma. Senhora Presidente
e Exmºs Membros do Conselho Superior da Advocacia:
Finda a Instrução, cabe-nos apresentar o seguinte
Relatório Final:
__ X __
Propositadamente não vamos tecer quaisquer considerações ou formular qualquer juízo sobre o comportamento processual do arguido Sr. Dr. L, designadamente quando afirma a fls. 1022 que não houve recusa no recebimento da “carta dos correios” quando os próprios Serviços Oficiais confirmam essa mesma recusa (carimbos apostos nos cartas juntas a fls. 988V. e 997V.).
V. Excias. examinando todas as peças por ele produzidas não deixarão certamente de formular o juízo que se impõe.
__ X __
O Diário da expressão portuguesa “Macau Hoje” publicou na sua edição de 15 de Julho de 2002 uma notícia sob a forma dum anúncio judicial, que envolvia as pessoas dos arguidos num caso de falsificação.
Tal anúncio consta do documento fotocopiado a fls. 290.
Com base nesse anúncio, entendeu a Associação dos Advogados de Macau instaurar um Inquérito, tendo a final o respectivo instrutor emitido o seu parecer no sentido de os respectivos autos serem remetidos ao Conselho Superior da Advocacia, cuja Presidente mandou instaurar o presente processo disciplinar, decisão que veio a ser ratificada pelo Conselho Superior da Advocacia na sua reunião de 15 de Junho de 2004. (fls. 548).
Notificados da instauração do processo, responderam os Colegas arguidos Sr. Dr. M e Sr. Dr. L pela forma constante das suas respostas de fls. 301 a 307 e 313 a 315.
Após a ratificação atrás referida, procedeu-se a nova notificação dos arguidos para responderem querendo sobre à matéria dos Autos.
Oportunamente, foi emitido o parecer no sentido de existirem elementos para ser deduzida a acusação contra dois dos arguidos.
O Conselho Superior da Advocacia entendeu porém dever incluir os três arguidos no despacho acusatório o qual veio a ser proferido nos termos constantes de fls. 684 e seguintes.
Notificados da acusação, apresentaram os arguidos Sr. Dr. A e o Sr. Dr. L as suas defesas (fls. 714 a 730 e 734 a 745).
O Sr. Dr. M, que escolheu a pessoa do Sr. Dr. A para receber as notificações (fls. 747), nada disse ou requereu.
Sobre as diligências requeridas por aqueles dois Colegas recaiu o despacho de fls. 869 a 871, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
Foram juntos vários documentos quer por iniciativa do instrutor quer a requerimento do Sr. Dr. L.
__ X__
Suscita o Sr. Dr. A, na sua douta defesa, as seguintes questões:
1) A da incompetência da Associação dos Advogados de Macau para o punir disciplinarmente;
2) A violação do Princípio Ne Bis In Idem;
3) Questão prejudicial, por sobre a matéria estar a correr um processo crime.
A todas estas questões foi dada resposta por via dos nossos despachos de fls. 867 e seguintes e 970 e seguintes, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
__ X__
Alega o mesmo Colega que não aceitou como boa a procuração referida nos autos sem uma prévia averiguação e que tomou conhecimento através do Sr. Dr. M que a Direcção dos Serviços de Justiça entendia que o documento em causa não havia sido revogado.
Ora dos documentos juntos aos autos apenas resulta provado que aquela Direcção se pronunciou sobre a pública forma passada pelo Sr. Dr. L a qual como consta da acusação não contém referência ao “cancelamento”. (fls. 667 e 668).
Relativamente às respostas cujo teor se transcreve a fls. 718 e 718 V., não aparece nelas qualquer referência ao facto de a procuração não ter sido revogada.
Foi também colocada a questão da inobservância da forma exigida por lei para os efeitos da revogação dessa procuração, defendendo-se aí que esta deveria ter sido feita por instrumento notarial.
Só que o Tribunal da Última Instância da R.A.E.M. decidiu que a procuração em questão tinha sido validamente revogada (fls. 622 e seguintes).
__ X__
Diz também o ilustre Colega, cuja defesa estamos a apreciar, que a palavra dos Colegas Sr. Dr. N e O não vale mais do que a dos Colegas Sr. Dr. M e L.
Acontece, porém que perante a prova produzida, é forçoso concluir que o Sr. Dr. A tinha a consciência da falsidade da dita procuração uma vez que recebeu a comunicação e os documentos juntos de fls. 89 a 118. Não há, pois, que recorrer ao depoimento dos referidos Colegas para se dar como provado o facto que fica referido.
(…)
__X __
Pelo exposto não encontramos motivos para alterar o teor da acusação, devendo apenas e à cautela ignorar-se a referência feita aos Colegas Srs. Dr. N e O no artigo 45º da mesma peça.
Consequentemente damos como provado o seguinte:
Existe em Macau uma Associação, devidamente registada na Direcção dos Serviços de Identificação de Macau sob o no. XXX, denominada “[Associação (1)], também conhecida como “[Associação (1a)]”.
A sua Direcção integra vários membros entre os quais o Sr. D.
Existe também uma outra Associação denominada “[Associação (1)] .”
São legais representantes desta última os Srs. E, aliás, C, F e G.
Nenhum destes representantes integra a Direcção da “[Associação (1)]”.
Em 1993, o Sr. D, na altura Vice-Presidente da referida [Associação (1)], outorgou, em representação desta, no Cartório do Notário Privado do Sr. Dr. H uma procuração a favor daquele Sr. E, aliás, C, conferindo-lhe vários poderes, entre eles o de celebrar contratos de venda tendo por objecto imóveis dos quais era proprietária (fls. 27 e 31).
No dia 14 de Fevereiro de 1995, após prévio acordo entre os representantes daquela Associação e o Sr. C, a procuração em causa foi revogada, revogação levada a efeito no Escritório do Exmo. Sr. Dr. H e em presença deste (fls. 27 a 31).
A revogação foi feita estando também presente aquele C (fls. 27 a 31).
A mesma revogação foi feita, apondo-se, na parte superior do rosto do original da procuração em causa, a respectiva declaração, na redacção da qual foram utilizados caracteres chineses - 本授權書即日取消作廢 14/2/95 - que significam o seguinte: “e presente procuração cancela-se a partir da presente data 14/02/95”.
Além disso, no texto da primeira página forem apostos dois riscos oblíquos e paralelos e no espaço entre os mesmos a expressão inglesa “cancelled”, e outros riscos em restantes páginas (fls. 27).
A declaração em causa foi subscrita pelos legais representantes daquela Associação I e J e também pelos Srs. K e C (fls. 27).
A mesma declaração revogatória foi confirmada pelo Sr. Dr. H o qual sob a mesma manuscreveu a seguinte frase: “Fui presente: 14/02/95” seguida da sua rubrica, apondo também o seu carimbo de Advogado (fls. 27).
O original da procuração revogada foi então devolvido pelo Sr. C a um representante da mandante, sendo depois guardado num cofre de segurança do [Banco (1)].
Esse mesmo original ficou ali guardado e só foi retirado do cofre anos mais tarde, e isto mesmo por ordem judicial.
Não obstante o que fica retendo, no dia 7 de Junho de 1995, o arguido Sr. Dr. L, na qualidade de Notário Privado, entendeu certificar que havia conferido uma fotocópia daquela Procuração com o respectivo original e elaborar a respectiva conta a qual atribuiu o nº. 6.
Em outras palavras no dia 7 de Junho de 1995, o referido arguido Sr. Dr. L, na qualidade de Notário Privado, declarou ter extraído uma fotocópia do original daquela procuração e que a mesma estava em conformidade com este (fls. 35 a 40).
Ora a data em que essa pública-forma foi elaborada, o original da Procuração, devidamente revogada e riscada nos termos anteriormente referidos, encontrava-se encerrado num cofre do [Banco (1)].
Não dispunha, pois, o Sr. Dr. L de quaisquer elementos que lhe permitissem certificar a conformidade dessa fotocópia com o original.
Trata-se, pois, duma pública-forma inteiramente falsa, motivo por que dela não constam nem a declaração revogatória, nem os falados riscos, nem a menção “cancelled”, nem a confirmação feita pelo Sr. Dr. H (fls. 35 a 39), sendo também fictícia a conta atrás referida já que a mesma não se mostra lançada no competente Livro de Registos de Contas Emolumentos e Selo do Cartório do arguido Dr. L.
Uma pública-forma constitui uma cópia de teor total ou parcial extraída de documentos avulsos exibidos para esse efeito ao Notário e deve conter a declaração de conformidade com o original.
Ora, era de todo impossível alguém que não fosse legítimo representante daquela Associação exibir o original da falada procuração ao referido Sr. Dr. L por o mesmo estar guardado num cofre do [Banco (1)]. Consequentemente, jamais poderia o Sr. Dr. L extrair uma fotocópia desse original.
Consequentemente também não dispunha de quaisquer elementos que o habilitassem a emitir a declaração de conformidade do teor da fotocópia com o do original.
Está, assim, plenamente justificada a afirmação de que essa pública-forma é falsa.
Tanto o Sr. Dr. L como o Sr. Dr. M eram mandatários daqueles C e F.
No dia 13 de Janeiro de 2003, o Sr. E, fazendo uso da referida pública-forma e depositando-a no Cartório Notarial da Ilhas, substabeleceu os poderes nela referidos nos Sr. F e G (fls. 537 a 547).
No dia 28 de Janeiro de 2003, o referido E fazendo uso daquela pública-forma falsa, substabeleceu os poderes nela referidas na pessoa do Sr. Dr. M, seu Advogado (fls. 478 a 479).
Os documentos em questão ficaram arquivados no Cartório Notarial das Ilhas, figurando nas respectivas senhas de apresentação como interessada a mencionada Associação e como representante desta o Sr. Dr. M (fls. 537 a 545).
Ora, em data indeterminada de 2003, mas em princípios do mesmo ano, os arguidos Sr. Dr. L e M e os Srs. C e F planearam alienar mediante a utilização daquela pública-forma falsa e tendo plena consciência dessa falsidade, vários imóveis pertencentes ao património da [Associação (1)].
A fim de concretizar a plano que haviam concebido e outorgar as competentes escrituras públicas o Sr. Dr. L requereu à Direcção dos Serviços de Identificação a passagem de dois certificados respeitantes à “[Associação (1)]”, certificados esses que foram emitidos no dia 15 de Abril de 2003.
Por sua vez, o Sr. Dr. M procurou marcar, sem sucesso, junto de alguns Cartórios Notariais de Macau, designadamente no da Notária Privada Sra. Dra. B data para a outorga dessas escrituras, entregado nesses Cartórios a documentação necessária para o efeito, designadamente a referida pública-forma falsa.
O arguido Sr. Dr. M manifestou sistematicamente junto desses Cartórios Notariais, extrema urgência na celebração das mesmas escrituras.
Além disso o Sr. Dr. M providenciou no sentido de através do seu Escritório de Advogado, ser liquidado o imposto de selo respeitante à compra e venda dos prédios descritos sob os nºs. XXXX, como resulta dos documentos de fls. 490 a 521, em alguns dos quais aparece indicado, para os efeitos de “envio dos avisos e conhecimentos”, o seguinte endereço: [Endereço (1)]
Este endereço correspondia ao do Escritório do Sr. Dr. M.
Perante a indisponibilidade desses cartórios Notariais, foi então contactado o Cartório Notarial do Sr. Dr. A.
Quem estabeleceu, para esse efeito, tal contacto foi o Sr. Dr. M que de igual modo aí procedeu à entrega de todos os documentos necessários para serem celebradas as escrituras públicas designadamente a pública forma atrás referida.
Esse contacto, reforçado, mais tarde, por outros feitos pelo Sr. F e por um secretário do Sr. E revelou-se altamente profícuo uma vez que nos dias 23 de Janeiro de 2003 e no dia 25 seguinte acabaram por ser outorgadas no Cartório Notarial do Sr. Dr. A e com a sua intervenção como Notário várias escrituras públicas tendo por objecto a compra e venda de imóveis pertencentes à “[Associação (1)]”.
Assim no dia 23 de Junho de 2003, foi celebrada uma escritura Pública tendo por objecto a compra e venda dos prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial sob os nºs. XXXXX, XXXXX e XXXXX, conforme melhor resulta da cópia que constitui o documento junto de fls. 121 a 124 cujo teor se dá aqui por reproduzido.
No dia 25 de Junho de 2003, foi celebrada uma Escritura Pública tendo por objecto a compra e venda das fracções autónomas A1 do primeiro andar A, A2 do segundo andar A, A3 do terceiro andar A, A4 do quarto andar A, A5 do quinto andar A, B1 do 1º andar B, B2 do segundo andar B, B3 do terceiro andar B, B4 do quarto andar B, todas sitas na [Endereço (2)] desta cidade e descritas na Conservatória do Registo Predial sob o nº. XXXX, conforme resulta da fotocópia que constitui o documento junto de fls. 137 a 162.
Também no dia 25 de Junho de 2003 foi celebrada uma escritura pública de compra e venda dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial sob o nºs. XXXXX, XXXXX, XXXXX e XXXXX. (fls. 163 e 167).
Ainda no dia 25 de Junho de 2003, foi celebrada uma escritura pública tendo por objecto a compra e venda das fracções autónomas A1, do primeiro andar A, A2 do segunda andar A, A3 do terceiro andar A, A4 do quarto andar A, A5 do quinto andar A, B1 do 1º andar B, B2 do segundo andar B, B3 do terceiro andar B, B4 do quarto andar B, B5 do quinto andar B, C1 do primeiro andar C, C2 do segunda andar C, C3 do terceiro andar C, C4 do quarto andar C, C5 do quinto andar C, D1 do 1 º andar D, D2 do segundo andar D, D3 do terceiro andar D, D4 do quarto andar D, D5 do quinto andar D, E1 do primeiro andar E, E2 do segunda andar E, E3 do terceiro andar E, E4 do quarto andar E e E5 do quinto andar E, fracções estas descritas sob o n. XXXXX-I a fls. 16 do Livro XXX, conforme melhor resulta da fotocópias de fls. 199 a 209 cujo teor se dá aqui por reproduzido.
O preço da venda de cada um dos imóveis referidos nos documentos de fls. 121 a 124, de fls. 137 a 162 e de fls. 163 a 167 foi de $100,000.00 patacas e de cada um dos nos documentos de fls. 199 a 209 de $80,000.00 patacas.
O comprador de todos aqueles imóveis foi o referido Sr. F, um dos representantes da Associação dos Bonzos.
Quem interveio em todas as escrituras atrás referidas em representação da Associação vendedora foi o já mendonado E aliás C.
A qualidade do Sr. E, como Procurador da referida Associação, foi verificada com base numa certidão da pública-forma da procuração referida neste despacho.
O arguido Sr. Dr. A sabia e tinha plena consciência de que a referida pública-forma era falsa por ter recebido as comunicações que constituem os documentos de fls. 89 a 118 cujo teor se da aqui por reproduzido. Não obstante ter plena consciência da falsidade da pública-forma em questão, o arguido Sr. Dr. A aceitou-a como boa, celebrando as referidas escrituras.
Assim, deu como verificada a qualidade de Procurador da referida Associação de E numa altura em que lhe tinham sido retirados os poderes de representação.
O arguido Sr. Dr. A ao celebrar aquelas escrituras verificou o registo e a denominação da citada Associação através dum certificado passado no dia 15 de Abril de 2003 pela Direcção dos Serviços de Identificação de Macau. Como se disse foi o arguido Sr. Dr. L quem requereu a passagem desse certificado sabendo que o mesmo se destinava a habilitar o arguido A a celebrar aquelas escrituras e sabendo também que a qualidade do Sr. E, seu cliente, como Procurador da vendedora Associação seria verificada com base na mencionada pública-forma falsa.
__X __
Foi decisiva para a nossa convicção no que diz respeito a confirmação do despacho de acusação o teor dos documentos e dos depoimentos que a seguir se indica:
Documentos de fls. 27 a 283, fls. 288, fls. 338 e 339, fls. 348 a 362, fls. 372 a 459, 477 a 479, 487 a 521, 535 a 547, 621 a 645, 662 a 669, 677, 784, 819 a 844 e os depoimentos de fls. 334 e 335, 522 e 523, 524 e 525, 526 e 527, 552 e 553, 672 e 673 e 674 e 675.
São também elucidativos embora não decisivos os depoimentos dos colegas Srs. Drs. P, O e N se acaso se entender que os mesmos não estão feridos de nulidade.
O Direito
Os factos imputados a cada um dos arguidos integram a infracção prevista nos números 1 e 3 do artigo 1º, com referência ao artigo 12º, nº. 2 e 14º alínea c) do Código Deontológico homologado por despacho 121/GM/92 de 31 de Dezembro, conjugados com artigo 2º do Código Disciplinar dos Advogados.
Não se mostra verificada a falta prevista no seu artigo 25º.
O Sr. Dr. L produziu a pública forma falsa no longínquo ano de 1995.
Aguardou cerca de 10 anos para através dos factos levados à acusação fazer uso desse documento falso.
Com o comportamento atrás descrito o Sr. Dr. M contribuiu decisivamente para que essa pública forma, que sabia ser falsa viesse a ser utilizada quando da celebração das escrituras públicas lavradas no Cartório Notarial do co-arguido A e com activa intervenção deste.
A conduta dos arguidos, além duma infracção disciplinar, integra um ilícito criminal.
Trata-se dum comportamento antijurídico e eticamente reprovável a todos os títulos: os seus autores não serviram nem a justiça, nem o direito, devendo fazê-lo e não se mostraram dignos da honra e responsabilidade inerentes à qualidade de advogados, qualidade essa que deviam ter sempre presente.
Violaram o dever de probidade que um advogado, quer no exercício da profissão quer fora dela, deve sempre respeitar e fizeram uso de expedientes condenáveis porque integradores de ilícito penal. Assumiram em suma um comportamento, a um tempo, escandaloso - pela repercussão negativa e desprestigiante junto da comunidade -, desprimoroso aos olhos do público, desonroso para si próprios e lesivo da classe não só dos Advogados mas também dos Notários. Dispõe o artigo 42º do Código Disciplinar dos Advogados que:
Na aplicação das penas deve atender-se aos antecedentes profissionais e disciplinares do arguido, ao grau de culpabilidade, às consequências da infracção e a todas as circunstâncias agravantes ou atenuantes.
A doutrina e a Jurisprudência penais mais representativas de Portugal têm entendido que na individualização da pena deve tomar-se como ponto de partida a média entre os limites mínimo e máximo tomando-se depois em consideração as circunstâncias atenuantes e agravantes.
Porque este critério é um dos mais equilibrados dos que têm sido propostos quanto a essa matéria, entendemos observá-lo na tarefa da escolha e graduação da pena no caso presente.
Todos os arguidos agiram dolosamente. E bastante elevada a gravidade dos factos dados como provados e intenso o grau de culpabilidade dos seus autores, o que decorre das considerações atrás tecidas.
Como decorre dos factos dados como provados, devido à actuação dos arguidos a [Associação (1)] ficou privada de grande parte do seu valioso património.
Os prejuízos, pelo menos de natureza material, dai resultantes são óbvios.
Os arguidos exercem a sua profissão em Macau há longos anos.
Contra o Sr. Dr. A está pendente um outro processo disciplinar que não se acha ainda ultimado.
Trata-se dum Advogado competente no exercício da sua profissão, goza do conceito de pessoa honesta, imparcial, urbana, afável no trato e, além disso, portador duma estatura moral elevada.
É considerado como profissional muito cumpridor da ética e da deontologia profissional.
O Sr. Dr. L foi condenado na pena de 20.000 no âmbito do processo X/XX/CSA, tem outros processos disciplinares pendentes contra si e um processo de averiguações em ordem a apurar a sua eventual falta de idoneidade moral para o exercício da profissão.
O Sr. Dr. M foi condenado no âmbito de outros processos disciplinares na pena de 2 anos e 3 meses de suspensão com obrigação de restituir a quantia de 277.273,00 HKD. A respectiva deliberação não transitou ainda em julgado.
Encontram-se pendentes contra o mesmo mais processos disciplinares.
Tendo em atenção os critérios de individualização da pena atrás referidos, a elevada gravidade dos factos constantes da acusação, o elevado grau de culpabilidade, os antecedentes disciplinares e a consequência danosa atrás referida, afigura-se que aos arguidos Sr. Dr. L e Sr. Dr. M deve ser imposta a pena prevista no artigo 41º, f) do Código Disciplinar graduada em 8 anos de suspensão.
Relativamente ao Sr. Dr. A, atentos os mesmos critérios, o elevado grau de culpabilidade, a alta gravidade dos factos e a mesma consequência danosa, mas tomando em linha de conta o peso das atenuantes que ficaram apontadas, parece equilibrada a pena do artigo 41º, alínea e) do mesmo Código, graduada em 2 anos de suspensão.
Atenta a circunstância de o Sr. Dr. L ter sido condenado na pena de 20,000.00 patacas de multa no âmbito do Processo Disciplinar no. X/XX/CSA, há que efectuar o cúmulo desta pena com a agora proposta.
Sugere-se que em cúmulo lhe seja imposta a pena única de 8 anos de suspensão e 20,000.00 patacas de multa, com a nota de que esta já foi paga.
Quanto ao Sr. Dr. M, terá de se efectuar o cúmulo jurídico da pena proposta com a já imposta, aplicando-se-lhe uma pena única que se sugere seja a seguinte: pena de suspensão por 9 anos e 3 meses, com a obrigação da restituição da quantia de HKD277,273.00 (P.D. XX/XX/CSA; XX/XX/CSA; XX/XX/CSA; XX/XX/CSA e XX/XX/CSA)
Eis as penas cuja aplicação propomos.
V. Excias., porém, melhor resolverão.
Macau, ao 20 de Outubro de 2005.
O Instrutor, T.”
V
DECISÃO
A) Questão Prévia: o caso julgado e a execução do douto Acórdão do TUI:
1. Com o trânsito em julgado do referido Acórdão do Tribunal de Última Instância, mostra-se anulado, com efeitos retroactivos, o acórdão deste Conselho proferido, em 1 de Novembro de 2006, no processo disciplinar comum n.º XX/XX/CSA relativamente ao arguido e ali recorrente Dr. A, pelo qual lhe havia sido aplicada a “pena prevista no art. 41º, alínea f), do Código Disciplinar dos Advogados graduada em 6 (seis), suspensão da actividade de advogado”.
2. O fundamento da anulação do acórdão do Conselho é a Contradição na matéria de facto na parte em que o acto administrativo recorrido, acrescentando certos factos e considerações aos que constavam do Relatório do Instrutor, determinou que “todos os 3 (três) arguidos trabalharam em 2003 na obtenção dos documentos que o arguido Dr. A precisava para instruir as escrituras, que obtiveram e perante este usaram e forneceram em 2003 (não podendo pois, também por isto, Proceder a alegada prescrição), a este ajudando a consumar a outorga em apenas 2 dias (23/6 e 25/6 de 2003) das escrituras de compra e venda dos diversos imóveis Identificados nos autos, indiferente ao resultado […] ”, porquanto tal “consideração contradiz os factos anteriores e não tem suporte nos factos provados” relativamente ao arguido Dr. A – cfr. pág. 84 do Acórdão citado.
3. Isto porque dos factos provados “não resulta [que] o recorrente tenha participado no conluio para obtenção dos documentos necessários à celebração das escrituras. O que resulta é que foram os Drs. M e L a fazê-lo.” - cfr. pág. 83 do Acórdão citado.
4. Neste contexto, a anulação do acordão do Conselho não aproveita aos demais co-arguidos, i.e. o Dr. L e o Dr. M, até porque, sendo a responsabilidade disciplinar de natureza individual, “se o acto foi anulado com fundamento em razões que só se verificam no recorrente, a eficácia produz-se apenas inter partes”, no caso concreto entre este Conselho e o arguido/recorrente Dr. A - v. MARCELLO CAETANO, in Manual de Direito Administrativo, Vol. 2, págs. 1396 e 1397, citado por LINO JOSÉ B.R. RIBEIRO in Manual Elementar de Direito Processual Administrativo de Macau, Tomo I, edição do Centro de Formação de Magistrados de Macau, 1997, pág. 278.
5. Se bem que o “caso julgado [seja] válido e eficaz erga omnes, quer a sentença declare nulo o acto, quer rejeite o recurso [...] esta solução não se aplica aos actos plurais (em que há tantos efeitos e, por consequência, tantos actos únicos, quantas as esferas jurídica dos destinatários directamente modificadas), caso em que quem «não recorreu nem foi citado para contestar não fica abrangido pelo julgado» - v. RUI MACHETE, in Caso Julgado, Estudos de Direito Público e Ciência Política, págs. 179 e ss., citado por LINO JOSÉ B.R. RIBEIRO, ob. cito pág. 278.
6. Ou seja, tratando-se, como in casu, de acto plural - o que implica que possam existir vícios comuns a todos os actos simples e vícios autónomos, respeitantes apenas a um dos actos que integram o acto plural - e sendo este “anulado contenciosamente por razões respeitantes à situação específica de um dos seus destinatários, a Administração [leia-se, o Conselho Superior de Advocacia] não está obrigada a dar execução à decisão anulatória, relativamente a destinatários do acto relativamente aos quais não se verifica que se baseou a anulação” – v., a título de boa doutrina, o Acórdão do Supre-mo Tribunal Administrativo de Portugal de 4 de Julho de 2001, proferido no Processo n.º 03429, in www.dgsi.pt/jsta.
7. De resto, a mesma conclusão resulta, a contrario sensu, do artigo 77. º do Código do Processo Administrativo Contencioso.
8. Por conseguinte, o dever jurídico de executar o Acórdão anulatório do Tribunal de Última Instância, e que, nos termos do artigo 174.º do Código do Processo Administrativo Contencioso, consiste no dever de praticar todos os actos jurídicos e todas as operações materiais que sejam necessárias à reintegração efectiva da ordem jurídica violado, apenas se cinge à sanção disciplinar aplicada ao Dr. A, razão pela qual este Conselho deliberou, em reunião do dia 5 de Fevereiro de 2010, renovar o acto administrativo anulado, substituindo-o por outro válido, sobre o mesmo assunto mas apenas quanto a este arguido - o que ora se faz.
B) A Decisão: a renovação do acto administrativo anulado
Tudo analisado e ponderado, este Conselho Superior da Advocacia, em execução, nos termos e ao abrigo do artigo 174.º do Código do Processo Administrativo Contencioso, do douto Acórdão proferido nos supra referidos autos de recurso jurisdicional em matéria administrativa com o n.º 24/2009 do Tribunal de Última Instância de Macau, transitado em julgado em 28 de Janeiro de 2010, delibera dar por provada a acusação relativamente ao arguido Dr. A, aderindo, como seu e aqui integrante, ao Relatório do Exmo. Senhor Instrutor deste processo disciplinar, com os aditamentos seguintes:
1. Vê-se dos autos que o Dr. A cobrou a conta emolumentar de notário (que remeteu para os cofres públicos, destinatários das receitas da sua actividade notarial), mas que também cobrou e emitiu recibo de honorários de advogado (que reverteu para si, destinatário da receita da sua actividade de advogado). Por isso, e pelo já sustentado no relatório, não se diga pois que os factos são estranhos à advocacia e incompetente este CSA, ou haver repetição de procedimento disciplinar pelos factos, mesmos valores, mesma função e mesmo sujeito pois, repete-se, aqui está apenas em causa o comportamento do arguido Dr. A enquanto advogado, mesmo que tenha actuado também na qualidade de notário privado.
2. Ora, “sempre que o notário ultrapasse esta simples assistência e entre no campo da assessoria ou, o que é o mesmo, da consultadoria jurídica, sem limites estabelecidos, estará a agir com um verdadeiro advogado e então não é compreensível, nem aceitável a qualquer título, que não deva estar sujeito a todas as regras de deontologia próprias da profissão de advogado” - a título de boa doutrina, v. Parecer n.º E-1051/1995 da Ordem dos Advogados de Portugal, proferido em 30.06.1995, in www.jurisdata-oa.pt.
3. Acresce que, como se estipula no Decreto-Lei n.o 66/99/M, de 1 de Novembro, só podem ser nomeados notários privados os senhores advogados que se qualifiquem para o efeito, pelo que necessariamente a primeira qualidade é condição sine qua non para a verificação da segunda. Não existe aqui repetição de procedimento disciplinar porque não é a conduta do notário que está aqui em causa, mas sim a do Sr. Advogado que infringiu normas que disciplinam a sua actividade enquanto advogado e os seus deveres de advogado para com os seus clientes e a comunidade em geral.
4. Todos os arguidos sabiam que o mandato concedido pela procuração reproduzida pela pública-forma usada para a celebração das escrituras se encontrava cancelado ou revogado e que a pública forma atestava um mandato inexistente ou, pelo menos, como tal estava sendo reivindicado pelo mandante quer em juízo quer em informações chegadas a todos os três arguidos com a abundância que vem relatada e se vê dos autos, tanto a que foi especialmente dirigida ao Sr. Dr. A para se abster da celebração, tal como outros notários já se tinham abstido, como a informação de conhecimento geral, que os advogados de Macau costumam usar tipo pedido-circular, que foi distribuída por todos os notários privados de Macau pedindo-lhes para não celebrarem tais escrituras por o mandante estar a impugnar a autenticidade ou subsistência do mandato alegadamente em vigor.
5. Apesar disso, o arguido Dr. A, aceitando fazer uso dos documentos, obtidos e fornecidos pelos outros dois co-arguidos para instruir as escrituras, entre os quais a pública-forma que atestava um mandato inexistente, consumou a outorga em apenas dois dias (23/6 e 25/6 de 2003) das escrituras de compra e venda dos diversos imóveis identificados nos autos, indiferente ao resultado (o Dr. A - com dolo eventual bem esclarecido face ao grau de informações de que tinha conhecimento) que o Tribunal viesse a proferir quanto a tal procuração e sua pública-forma (que a julgou validamente revogada pelo referido acto de 14.Fev.1995), e manifesto intuito de antecipar-se ao próprio tribunal (os outros dois co-arguidos - com dolo directo);
6. Ora, na ponderação do grau de culpa, valor e influência que o comportamento dos arguidos terá tido na consumação do resultado (celebração das escrituras) pretendido pelo portador do mandato já não existente e pelos Dr. M e Dr. L, verifica-se que o Dr. A teve a abundante informação supra, nomeadamente a troca de correspondência entre o Dr. M e a Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça (DSAJ), fornecida pelo Dr. M ao Dr. A, e da qual se vê facilmente, face à prova conhecida destes autos, que, nessa troca de correspondência, o Dr. M simulou querer informação certa mas na verdade não quis, pois não informou a Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça, nem esta conhecia por outra via, a informação que os três arguidos tinham sobre a existência da disputa em juízo acerca da procuração. Se a consulta do Dr. M contivesse tal questão, certamente que a informação prestada pela Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça não seria a mesma e estoutra não serviria aos seus desígnios.
7. O Dr. A sabia daquela disputa e, portanto, face à correspondência, facilmente poderia ter visto que a consulta do Dr. M estava truncada com um segredo que a Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça desconhecia (pois só era conhecido dos arguidos e dos queixosos) e que, portanto, a informação da DSAJ não esclarecia nem podia esclarecer da real subsistência ou insubsistência do mandato nem da existência de quaisquer dúvidas ou disputas acerca dele. Além disso, também se verifica que outros notários solicitados para a celebração das escrituras recusaram a prática do acto apesar de menos alertados, enquanto que o Dr. A, apesar de mais alertado, optou por considerar em vigor o mandato e desprezar o resultado que o tribunal viesse a dar ao litígio.
8. Tanto basta para se concluir que o Dr. A também conhecia a falta de mandato ou, pelo menos, que o mesmo estava posto judicialmente em crise e que o mesmo podia vir a ser julgado em Tribunal como já não existente, tal como foi efectivamente julgado. E a sua opção foi decisiva na consumação dos desígnios dos co-arguidos e do mandatário-comprador, pois todos os outros notários contactados para o efeito se recusaram a praticar os actos notariais.
9. Assim, face à gravidade do seu comportamento, a pena de 2 anos de suspensão proposta para o Dr. A revela-se insuficiente, por desajustadamente inferior ao seu grau de culpa, decidindo este Conselho, enquadrando a sua pena também na alínea e) do artigo 41º do Código Disciplinar dos Advogados, fixá-la em 5 (cinco) anos de suspensão.
10. Assim, em conformidade com o relatório do Sr. Instrutor e com esta ponderação adicional, este Conselho julga a acusação procedente e decide aplicar ao arguido Dr. A a pena prevista no art. 41º, alínea e), do Código Disciplinar dos Advogados graduada em 5 (cinco) anos de suspensão da actividade de advogado, nos termos agravatórios ao relatório final do Sr. Instrutor que acima formulámos» (fls. 11001157 do p.a., vol. IV).
É este o acto administrativo recorrido.
5- A procuração em causa, outorgada em 30 de Setembro de 1993, no cartório notarial do Dr. H, apresenta manuscrita a palavra em língua inglesa “cancelled” aposta entre dois traços oblíquos paralelos na 1ª folha e acompanhada de um só traço nas restantes folhas (fls. 27 do apenso I do p.a.).
6- Dessa procuração resulta expressamente que D, na qualidade de vice-presidente da Associação de Piedade e de Beneficência constituiu procurador da mencionada Associação E, aliás, C para em nome da Associação, entre o mais, poder prometer comprar, comprar, prometer vender, vender ou de outra forma alienar, pelo preço e nas condições que entender, recebendo o sinal, seus reforços e o preço, hipotecar, arrendar, outorgar escrituras, praticar negócios consigo mesmo, substabelecer os poderes, etc. (doc. cit.)
7- Do referido documento ainda resulta expressamente que a procuração também era conferida no interesse do procurador, pelo que não poderia ser revogada sem o seu consentimento, ou o do substabelecido, no caso de ter havido substabelecimento sem reserva (doc. cit.).
8- Em 13/01/2003 aquele procurador C substabeleceu sem reserva os seus poderes em F (doc. fls. 50 do p.a., apenso I).
9- A Associação de Piedade e de Beneficência intentou uma providência cautelar não especificada no TJB em 24/06/2003 contra C, F e G, pedindo, entre outras coisas, que os requeridos fossem proibidos de vender ou de qualquer modo alienar ou onerar quaisquer bens da Associação e que fossem proibidos de usar a dita pública-forma da procuração (fls. 52, apenso I).
10- Da decisão que parcialmente deferiu o pedido, foi pela Associação de Beneficência interposto recurso jurisdicional para o TSI, que, no Proc. nº 8/2004,por acórdão de 4/03/2004, concedeu parcial provimento ao recurso e decretada a providência nos termos essenciais em que ela havia sido pedida (fls. 348 a 362 do apenso I).
11- Os requeridos recorreram para o TUI desse acórdão do TSI, vindo o recurso a ser julgado improcedente e os recorrentes condenados por litigância de má fé, por acórdão de 1/12/2004 (fls. 622 a 625 do p.a. apenso II).
12- No TJB, Proc. nº CAO-019-03-3, deu entrada em 30/07/2003 acção declarativa comum com processo ordinário movida pela Associação de Beneficência contra C, F e G pedindo a declaração de nulidade das vendas efectuadas através de cinco escrituras públicas lavradas no cartório notarial do Dr. A (fls. 413 a 433 do p.a. apenso I).
13- Por sentença do TJB foi declarada a ineficácia face à Associação dos negócios de compra e venda de imóveis titulados pelas cinco escrituras públicas referidas e ordenado o cancelamento dos registos efectuados com base nessas escrituras.
14- Interposto recurso dessa decisão para este TSI, nos autos a que coube o nº 616/2007 foi lavrado acórdão em 9/02/2012, que negou provimento ao recurso (fls. 887-928).
15- No TJB correu termos a Providência Cautelar Comum com o nº CV3-03-0013-CAO-A, cuja sentença, lavrada em 25/09/2001, determinou a comunicação ao [Banco (1)] para proceder à abertura forçada de três cofres de segurança em nome de R, e sua mulher S (fls. 823 a 828, do p.a. apenso III).
16- Num desses cofres estava guardada a procuração referida em 5 supra (verba nº2, da relação de bens constante do Termo de Abertura de Cofre, a fls. 829 a 831, apenso III).
17- Pende contra a testemunha F um processo-crime no TJB com o nº CR1-11-0078-PCC, estando marcado o julgamento para 3/07/2012 pela prática de cinco crimes de falsificação de documento e por um crime de burla.
Não se provou que:
C não tivesse ido ao cartório notarial do Dr. H no dia 14/02/1995, ou noutro dia qualquer, para apor a assinatura na revogação da procuração que tinha sido emitida em seu favor e no seu interesse no dia 30/09/1993.
C não tivesse informado o recorrente, Dr. A de não ter estado no dia 14/02/1995 para a revogação da referida procuração.

III – O Direito
1. As questões a apreciar
As questões a apreciar são, fundamentalmente, as de saber:
- Se o Acórdão recorrido enferma de nulidade por omissão ou excesso de pronúncia;
- Se o contencioso no caso é de plena jurisdição ou de mera legalidade;
- Se o Acórdão recorrido viola o caso julgado do Acórdão do TUI de 13 de Janeiro de 2010;
- Se o acto recorrido enferma de erro grosseiro e manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios de justiça e imparcialidade;
- Se o acto recorrido padece de erro de direito por ter considerado que a consequência jurídica dos actos praticados pelo recorrente é a nulidade e não a ineficácia;
- Se o acto recorrido padece de erro nos pressupostos de facto, por desconsideração de que os negócios celebrados pelo recorrente são meramente ineficazes e não produziram qualquer prejuízo na esfera da associação mandante;
- Se o acórdão recorrido padece de vício de violação de lei por não ter considerado que a conduta do recorrente foi lícita;
- Se o acórdão recorrido desconsiderou a prova produzida, tendo procedido a errada aplicação do disposto no artigo 1096.º do Código Civil.

2. Contencioso de anulação versus contencioso de plena jurisdição
Relativamente a esta matéria, reproduzimos o que dissemos no Acórdão de 13 de Janeiro de 2010, no Processo n.º 24/2009, em que foi recorrente o ora recorrente, por nada haver a alterar:
“Uma das questões que o recorrente suscita e defende, por várias vezes, é de que no recurso contencioso dos autos estamos perante um contencioso de plena jurisdição e não de mera anulação.
Para tal, entende que o Conselho Superior de Advocacia praticou um acto jurisdicional, porque atinge um direito fundamental do recorrente, o seu direito ao exercício da profissão. E, assim, à luz do princípio da tutela jurisdicional efectiva, tem de reconhecer-se que, no caso, se está perante um contencioso de plena jurisdição.
Defende, ainda, o recorrente, que a entender-se que a Lei Básica apenas comete a função judicial aos tribunais, teria de se reconhecer a incompetência do Conselho Superior de Advocacia para o exercício de uma função materialmente jurisdicional, o que acarretaria a respectiva ilegalidade por violação da Lei Básica.
Será esta a primeira questão a apreciar.
Os tribunais ora exercem poderes de plena jurisdição, ora o seu poder de cognição está limitado à mera anulação de actos jurídicos, maxime de actos administrativos.
No contencioso de plena jurisdição, os poderes dos tribunais são mais intensos, podendo condenar a parte passiva da relação processual a pagar uma quantia em dinheiro, a prestar (ou a não prestar) um facto ou a entregar uma coisa.
No contencioso de mera anulação o tribunal apenas anula o acto jurídico, sendo a Administração – no caso de se tratar de um acto administrativo - que executa a sentença, por via da reconstituição da situação que existiria, se o acto ilegal não tivesse sido praticado1.
O recurso contencioso de anulação é um recurso judicial de actos da Administração, de mera legalidade, “porque o tribunal limita-se a declarar a invalidade do acto impugnado, declarando-o nulo ou anulando-o, consoante a espécie de invalidade que se verifica, sem tirar quaisquer consequências da sua decisão, sendo à Administração que compete praticar, depois, os actos que forem necessários para a reintegração da legalidade violada. Contrapõem-se aos recursos de plena jurisdição em que o próprio tribunal procede à justa composição dos litígios que lhe são submetidos, contra a resistência dos litigantes”2.
No sistema judiciário da Região Administrativa Especial de Macau, a justiça administrativa é, basicamente, uma justiça de mera anulação (de actos administrativos), embora em alguns meios processuais, como as acções administrativas para efectivação da responsabilidade contratual ou extracontratual, o contencioso eleitoral ou quando o acto administrativo recusa praticar acto de conteúdo vinculado, exerça poderes de plena jurisdição (artigos 113.º, 116.º, 94.º e 103.º e 104.º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
Já a justiça penal e a justiça cível, são, como se sabe, de plena jurisdição.
Na verdade, de acordo com o artigo 20.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, “Excepto disposição em contrário, o recurso contencioso é de mera legalidade e tem por finalidade a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica”.
E não há disposição a prescrever que o recurso contencioso de actos de associações públicas, como a Associação dos Advogados de Macau, maxime de actos disciplinares punitivos, seja de plena jurisdição.
Por outro lado, mesmo quando o contencioso administrativo é de plena jurisdição, estando em causa o exercício de discricionariedade ou o preenchimento valorativo de conceitos indeterminados, a condenação da Administração na prática de acto expresso deve ser de forma a que esta disponha de margem de livre apreciação (artigo 104.º, n.º 3 do Código de Processo Administrativo Contencioso).
Como se sabe, em Portugal, a partir da Reforma que entrou em vigor em 2004, a jurisdição dos tribunais administrativos passou a ser fundamentalmente de plena jurisdição, abandonando o sistema da mera legalidade, que continua a vigorar em Macau. Não obstante, decidiu o recente Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, de 29 de Março de 2007, Processo n.º 0412/05 (por 15 votos contra 2), que em caso de infracção disciplinar, no que concerne à graduação da culpa e determinação concreta da medida da pena, a Administração goza de uma certa margem de liberdade, movendo-se a coberto da sindicância judicial, salvo se os critérios forem grosseiros ou ostensivamente inadmissíveis.
A Associação dos Advogados de Macau é, como se disse, uma associação pública.
As associações públicas são órgãos que exercem a função administrativa.
Os actos punitivos da Associação dos Advogados de Macau não são actos jurisdicionais. São actos administrativos.
Só os tribunais exercem a função judicial na Região Administrativa Especial de Macau (artigo 82.º da Lei Básica).
Por isso, para evitar confusões, quando doravante nos referirmos a Acórdão recorrido estamos a referir-nos ao Acórdão do TSI proferido nos autos.
À decisão do Conselho Superior de Advocacia designá-la-emos de acto administrativo recorrido, que é isso que é, efectivamente.
O recorrente confunde o privilégio da execução prévia com o acto jurisdicional.
A Administração pratica actos que são imediatamente executórios, podendo impor a sua execução pela força, sem necessidade de recorrer aos tribunais para tal (artigo 136.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo). Pode proceder, de acordo com o previsto na lei, a expropriações de bens, a despejos de casas, a demolições de imóveis; à desocupação de terrenos, à proibição de aeronaves de utilizarem o aeroporto, à demissão de funcionários, etc, etc. Tem o chamado privilégio da execução prévia.
Todos estes actos são administrativos e não judiciais e nunca se duvidou de tal.
A pessoa, singular ou colectiva, afectada por um acto administrativo tem de recorrer ao Tribunal para obter a anulação do acto administrativo e, se for caso disso, provisoriamente, a suspensão da sua eficácia.
Os actos punitivos da Associação dos Advogados de Macau, por intermédio do seu órgão próprio, têm a mesma natureza dos actos punitivos dos restantes órgãos administrativos, em sede de exercício do poder disciplinar. Nem mais, nem menos. Não é o facto de poder estar em causa o não exercício da profissão que é elemento distintivo, dado que relativamente aos trabalhadores da Administração também pode estar em causa tal direito. E também não é a circunstância de poderem ser afectados direitos fundamentais, que transformam actos administrativos em actos jurisdicionais. Para não ir mais longe, e a não ser assim, seria aberrante a alínea d) do n.º 2 do artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo que sanciona com a nulidade os actos administrativos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.
O acto administrativo recorrido não é, portanto, um acto jurisdicional.
Aliás, no Acórdão de 15 de Dezembro de 2006, no Processo n.º 8/2006, em que se discutia a sindicabilidade de pena disciplinar aplicada pelo Conselho Superior de Advocacia a um advogado, decidimos que a aplicação de penas disciplinares, dentro das espécies e molduras legais é, em princípio, insindicável contenciosamente, salvo nos caos de erro manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios da proporcionalidade, justiça e da imparcialidade, jurisprudência que é de manter.
O recurso de anulação dos autos é, assim, de mera legalidade”.

3. Questões relativas a omissão de pronúncia
O recorrente entende que o Acórdão recorrido enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, quanto às seguintes questões:
i) Quanto à alegação de vício na decisão do CSA, de erro nos pressupostos de facto, por desconsideração indevida dos motivos da recusa da Dra. B em lavrar as escrituras;
ii) Quanto à alegação de vício na decisão do CSA, de erro nos pressupostos de facto, por desconsideração indevida das advertências feitas pelo recorrente no texto das escrituras;
iii) Quanto à alegação de vício na decisão do CSA, de erro nos pressupostos de facto e de direito e contradição insanável entre aquela decisão e os factos provados, por errada consideração sobre os prejuízos resultantes da celebração das escrituras para a Associação mandante;
iv) Quanto à alegação de vício na decisão do CSA, de erro nos pressupostos de facto, ao dar como provado, em contradição e sem suporte na demais matéria de facto provada, que no dia em que a pública-forma foi elaborada a procuração estava depositada num cofre do [Banco (1)].
Quanto às questões i) (artigos 120.º e seguintes da petição), ii) (artigos 129.º e seguintes da petição), iii) (artigos 187.º e seguintes da petição), iv) (artigos 261.º e seguintes da petição), é exacto que o Acórdão recorrido não as abordou.
É certo que, relativamente a algumas delas, produz algumas considerações, mas não respeitantes aos vícios específicos agora em causa.
E devia das mesma ter conhecido, por expressamente suscitadas na petição inicial do recurso contencioso, sendo que não estavam prejudicadas pela solução dada a outras questões (artigo 563.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
A omissão gera nulidade, nos termos dos artigos 571.º, n.º 1, alínea d), primeira parte e 633.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis subsidiariamente, nos termos do artigo 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Parece que o lapso do Acórdão recorrido se terá ficado a dever a ter seguido a descrição dos vícios do acto, feita nas alegações a que se referem o artigo 68.º do CPAC e não, como se imporia, a mesma descrição constante da petição inicial, sendo, como é certo, que é na petição que é feita a descrição dos factos e das razões de direito que fundamentam o recurso, bem como a indicação das normas ou princípios violados [artigo 42.º, n.º 1, alíneas d) e e) do CPAC], ou seja, a causa de pedir do recurso, havendo que levar em conta, ainda, que aquelas alegações são meramente facultativas e que, só em especiais circunstâncias é que nelas pode o recorrente alegar novos vícios do acto, isto é, novos fundamentos do recurso. Ou seja, o recorrente não sofre qualquer ónus se não abordar nas alegações fundamentos do recurso invocados na petição. Logo, é na petição – e só nela – fora dos casos acima mencionados – que devem ser encontrados os vícios nos quais se fundamenta a impugnação do acto administrativo.

4. Excesso de pronúncia
O recorrente entende que o Acórdão recorrido enferma de nulidade, por excesso de pronúncia, na medida em que afirma que o recorrente conhecia o vício da falta de poderes, sabia que a pública-forma da procuração foi abusivamente obtida e tem conhecimento que o representado é contra a celebração do negócio, além de ter consciência de que o negócio jamais virá a ser ratificado (a negrito o que o recorrente considera ser excesso de pronúncia).
É certo que os factos provados na decisão punitiva não contêm este conhecimento por parte do arguido.
Mas não se considera haver qualquer excesso de pronúncia, por parte do Acórdão recorrido. Antes se trata de uma presunção judicial extraída a partir dos factos provados, para a qual o TSI tinha competência, atentos os seus poderes de cognição em matéria de facto.
Ainda que não fosse o caso, nenhuma consequência útil para o recorrente, já que se trata de mero obiter dictum.

5. Excesso de pronúncia
O recorrente entende que o Acórdão recorrido enferma de nulidade, por excesso de pronúncia, na medida em que afirma que o recorrente actuou com intenção pré-determinada e que actuou com vista a um resultado.
Nesta parte, o recorrente tem razão, pois este juízo não resulta dos factos provados.
O excesso de pronúncia não tem, no caso, nenhuma consequência útil para o recorrente, já que se trata de mero obiter dictum (argumentos acessórios, não fundamentais para a decisão) e não faz parte da chamada ratio decidendi.

6. Caso julgado, erro grosseiro e manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios de justiça e imparcialidade
Para o recorrente o acto recorrido viola o caso julgado ou, em alternativa, enferma de erro grosseiro e manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios de justiça e imparcialidade, pois que:
“4. O Acórdão do Tribunal de Última Instância constituiu o Conselho Superior da Advocacia no dever de "refazer a decisão anulada", procedendo à reavaliação da conduta do ora Recorrente à luz alteração da factualidade provada, em especial, do resultado que deriva da inexistência de prova de que o mesmo tenha actuado em conluio com outros, e à reponderação da configuração da sua conduta como ilícito disciplinar, a sua gravidade e o grau de culpa.
5. Competia ao CSA proceder a uma efectiva reponderação de toda a decisão de condenação do Recorrente, em especial no que se refere à escolha e graduação da medida da pena disciplinar.
6. A mera remoção da referência ao conluio do rol dos factos dados como provados e a diminuição da pena de suspensão aplicada ao ora Recorrente de 6 (seis) para 5 (cinco) anos não constitui cumprimento do dever de executar o Acórdão do TUI.
7. A alteração da medida da pena de 6 (anos) para 5 (cinco) anos de suspensão é manifestamente contraditória com as razões que na decisão inicial do Conselho Superior da Advocacia foram consideradas preponderantes pelo Conselho para agravar a pena proposta pelo Exmo. Instrutor do processo disciplinar de 2 (anos) de suspensão para 6 anos.
8. Na decisão inicial proferida em 1 de Novembro de 2006, o único fundamento que levou o Conselho a divergir da sanção proposta pelo Exmo. Instrutor, agravando-a a pena de suspensão do ora Recorrente de 2 (dois) anos para 6 (seis) anos, foi a ponderação adicional por si introduzida de que o arguido houvesse actuado em conluio com os demais arguidos.
9. A nova decisão do CSA deveria, ao expurgar da decisão o facto que motivou o juízo agravatório anteriormente feito (de agravamento da punição de 2 para 6 anos), repor a situação que existiria se esse juízo agravatório nunca tivesse sido efectuado, e, pelo menos, reduzir a punição do ora Recorrente de 6 novamente para 2 anos (e não para 5 anos como efectivamente o fez!!).
10. Ou se considera que a nova decisão do CSA não cumpre o disposto no artigo 174.º, n.º 3 do CPAC, não executando assim a decisão do TUI exactamente por não fazer a reponderação que se mostra necessária no caso concreto, caso em que a decisão do CSA é nula por violação do caso julgado, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 122.° do Código de Procedimento Administrativo.
11. Ou se considera que a nova decisão do CSA cumpre o disposto no artigo 174.º, n.º 3 do CPAC, tendo efectivamente efectuado uma nova ponderação da factualidade junta aos autos de processo disciplinar, assim executando a decisão do Venerando Tribunal de Última Instância, caso em que, a aplicação de uma pena de suspensão de 5 anos padece de erro grosseiro e manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios da justiça e imparcialidade, pelo que, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 122.° do Código de Procedimento Administrativo, a decisão ora Recorrida é nula”.
Não há qualquer violação do caso julgado.
Referiu, a propósito, o Acórdão recorrido3:
“… em execução de sentença a Administração deve praticar todos os actos jurídicos e operações materiais que se tornem necessários à reintegração da ordem jurídica, segundo o critério da reconstituição da situação actual hipotética (art. 174º, nº 3, do CPAC). E, por outro lado, deve abster-se de praticar um novo acto administrativo inquinado do vício ou vícios que determinaram a invalidação do acto recorrido.
Ou seja, tem, por força do dever de acatamento do julgado, de eliminar da ordem jurídica os efeitos positivos ou negativos que o acto ilegal tenha produzido e de reconstituir, na medida do possível, a situação que neste momento existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado e se, portanto, o curso dos acontecimentos no tempo que mediou entre a prática do acto e o momento da execução se tivesse apoiado sobre uma base legal.
Por outro lado, a eficácia do caso julgado limita-se aos vícios determinantes da anulação, ou seja, não impede a substituição do acto recorrido por um acto de idêntico conteúdo regulador da situação jurídica, desde que a substituição se faça sem a repetição dos vícios determinantes da anulação. Portanto, o limite objectivo do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos “seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que respeita ao efeito conformador do futuro exercício do poder administrativo, determina-se pelo vício que fundamenta a decisão”.
No processo de execução o tribunal só aprecia a actuação administrativa posterior à sentença exequenda quanto aos aspectos referentes à execução, isto é, quanto à observância do caso julgado; outros eventuais vícios dos novos actos com os quais a Administração pretenda ter dado execução ao julgado só poderão ser apreciados em recurso autónomo”.
E ainda:
“Ora, o que motivou a anulação foi a circunstância de o CSA ter dado por provado um facto que não constava no leque dos considerados provados pelo instrutor no seu relatório final: o “conluio” em que o recorrente teria participado no sentido da obtenção de documentos de que ele precisava para outorgar as escrituras de compra e venda.
Na execução desse acórdão anulatório, o que havia a fazer por parte do CSA, dado que nada mais do que isso estava em causa, era refazer a decisão punitiva, expurgando-a do vício de que anteriormente padecia. E se, neste caso, o vício se reportava à introdução indevida de um facto que não figurava no relatório do instrutor no âmbito dos factos provados, a reformulação do leque da factualidade provada mediante a eliminação daquele tornar-se-ia em escrupuloso cumprimento do referido acórdão anulatório e, consequentemente, em absoluto respeito pelo caso julgado. Nisso se traduziria o dever de execução.
A partir dessa redução no acervo factual, cumpriria, posteriormente, ao CSA sopesar os efeitos dessa alteração e, nesse sentido, determinar a moldura concreta da sanção disciplinar a aplicar ao recorrente.
E foi o que sucedeu. Conforme se pode constatar no ponto “B) Decisão: a renovação do acto administrativo anulado”, o CSA, deliberou “tudo analisado e ponderado…” dar por “…provada a acusação relativamente ao arguido Dr. A, aderindo, como seu e aqui integrante, ao Relatório do Ex.mo Senhor Instrutor deste processo disciplinar (…), na ponderação do grau de culpa, valor e influência que o comportamento dos arguidos terá tido na consumação do resultado (…). Assim, face à gravidade do seu comportamento, a pena de 2 anos de suspensão proposta para o Dr. A revela-se insuficiente, por desajustadamente inferior ao seu grau de culpa, decidindo este Conselho, enquadrando a sua pena também na alínea e) do artigo 41º do Código Disciplinar dos Advogados, fixá-la em 5 (cinco) anos de suspensão (…)”.
Por aqui se vê a falta de razão do recorrente no que ao vício em apreço concerne. O CSA alterou os factos, como se impunha, face ao acórdão anulatório; efectuou a sua reponderação; procedeu à reformulação da sanção de acordo com o acervo factual apurado, não acolhendo a punição proposta pelo instrutor (2 anos), mas reduzindo de seis (pena anulada) para cinco a nova pena de suspensão.
Nada mais era necessário fazer. Descer a maior minúcia de ponderação, como parece defender o recorrente, seria tautológico, segundo cremos, uma vez que a reflexão sobre a necessidade de punir estava já patente no acórdão anterior e porque, por outro lado, mais ampliada explicação para a graduação da pena se deve ter por dispensável em virtude de ela já decorrer implicitamente da redução de seis para cinco da suspensão, mas principalmente por a fundamentação necessária a esse efeito já explicitamente fluir dos pontos 6 a 9 do aludido ponto B).
Se o dito “conluio” introduzido nos factos no primeiro acórdão anulado foi desta vez eliminado e se agora, na reapreciação do caso, o mesmo CSA baixou a medida da sanção, relativamente à pena primitiva, mas aumentando-a em relação à proposta pelo instrutor, com referência ao enquadramento legal do art. 41º, al. e), do Código Disciplinar dos Advogados, então podemos seguramente dizer que, independentemente da quantidade das palavras usadas com esse fim, o acórdão foi bem executado”.
Concordamos inteiramente com estas passagens do acórdão recorrido, que subscrevemos, e contra a qual as alegações do recorrente nada adiantam.
De resto, a prova de que a entidade recorrida fez uma nova reponderação dos factos mostra a circunstância de ter diminuído a pena, sendo que a única alteração havida foi precisamente, omitir o facto que foi considerado exorbitante pelo acórdão do TUI.
Pois se não reponderou a pena, a que título é que alterou a pena, passando de 6 para 5 anos de suspensão?
Já se a decisão padece de erro grosseiro e manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios da justiça, imparcialidade e proporcionalidade, não podemos apreciar tais hipotéticos vícios, cabendo ao TSI a sua apreciação, após conhecer das questões omitidas, que se podem reflectir nessa apreciação.

7. Caso julgado por vício de acto julgado improcedente por tribunal, em acto administrativo renovado
Alegou o recorrente o seguinte:
“No recurso contencioso de anulação, o caso julgado é constituído pela decisão de anulação do acto recorrido ou pela decisão da sua nulidade e pelo vício que fundamenta a decisão”.
“O alcance objectivo do caso julgado no contencioso administrativo abrange apenas os actos que foram determinantes para a formulação do juízo anulatório, não abrangendo os factos constitutivos de causas de pedir de anulação da decisão inicial, mesmo que as mesmas tenham sido julgadas improcedentes”.
“A prova do facto de que o ora Recorrente tivesse conhecimento da falsidade da pública forma não constituiu motivo ou fundamento da anulação da decisão anterior do CSA, pelo que não está coberta pela força de caso julgado do Acórdão do TUI, podendo ser objecto de sindicância judicial nestes autos”.
Já para o acórdão recorrido tal facto encontra-se coberto pelo caso julgado formado pelo Acórdão deste TUI, de 13 de Janeiro de 2010.
Vejamos, em primeiro lugar, o que se disse em tal Acórdão do TUI:
  “Violação por parte do Acórdão recorrido de normas imperativas quanto à prova do conhecimento da falsidade da pública-forma
Afadiga-se o recorrente a tentar demonstrar que o conhecimento da falsidade da pública-forma da procuração, por parte do recorrente só poderia ter sido feita, se tivesse sido apresentado o original, o que não aconteceu, ou se um tribunal tivesse declarado a falsidade.
Invoca, para tal, o disposto nos artigos 365.º, 366.º e 380.º do Código Civil e 70.º do Código do Notariado.
Os artigos 365.º e 366.º do Código Civil referem-se à força probatória material dos documentos autênticos e ao modo de ilidir tal força probatória (por meio da demonstração da sua falsidade).
O artigo 380.º dispõe:
“Artigo 380.º
(Públicas-formas)
1. As cópias de teor, total ou parcial, expedidas por notário ou por oficial público autorizado e extraídas de documentos avulsos que lhe sejam apresentados para esse efeito têm a força probatória do respectivo original, se a parte contra a qual forem apresentadas não requerer a exibição desse original.
2. Requerida a exibição, a pública-forma não tem a força probatória do original, se este não for apresentado ou, sendo-o, se não mostrar conforme com ela”.
Desta norma não se retira que o conhecimento da falsidade só pode ter lugar por confronto da pública-forma com o original. Apenas que a pública-forma tem a força probatória do original, salvo se não for exibido o original – tendo sido pedido – ou tendo sido exibido não estiver aquela conforme com este.
O conhecimento da falsidade pode ter lugar por via indirecta, por alguém ter comunicado o facto ao recorrente, como no caso aconteceu.
A prova de que o recorrente conhecia a falsidade não requer nenhum meio de prova tarifada. Nenhuma norma o impõe. Está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova4, como se decidiu no Acórdão recorrido. Não estava provada a falsidade da pública-forma perante o recorrente, mas este sabia que ela era falsa.
Logo, tinha a estrita obrigação de pedir a exibição do original da procuração para poder celebrar escrituras com base na pública-forma.
Improcede o vício suscitado”.
A tese do recorrente é a que no contencioso administrativo, o caso julgado só se circunscreve aos factos determinantes da decisão de anulação.
  Ora, se é certo que, relativamente as sentenças de anulação, a melhor doutrina, como MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, 5entende que “O caso julgado da sentença de anulação não se limita, assim, a reconhecer a invalidade do acto sobre o qual recai, mas possui ainda o alcance de proceder ao accertamento negativo da posição consubstanciada no acto inválido, definindo se e em que medida o poder exercido com a prática do acto existia e podia ter sido exercido6.
  …
  Por isso se deve dar o salto, do acto para o poder que ele exprime, a admitir que o tribunal procede ao accertamento negativo do poder consubstanciado no acto anulado – como, nos termos expostos, também se deve entender que foi na negação, em maior ou menor extensão, desse poder que assentou a pretensão anulatória do recorrente. Cumpre, porém, reconhecer que esse accertamento negativo possui um âmbito limitado, na medida em que apenas se reporta aos concretos aspectos – os factos normativamente qualificados – em que o tribunal se baseou para considerar ilegítimo o exercício do poder e, por isso, proferir a anulação”.
Só que o recorrente esquece que também existem sentenças que não anulam o acto administrativo, que julgam improcedente o recurso contencioso.
Como é evidente, tais sentenças não são de anulação, mas também fazem caso julgado material, nos termos do artigo 574.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
O recorrente não pode repetir o recurso contencioso de um acto administrativo, com fundamento nos mesmos vícios invocados num primeiro recurso contencioso, depois de haver sentença a julgar improcedente o recurso.
O que o impede é a excepção de caso julgado, prevista no artigo 416.º do Código de Processo Civil.
Logo, a tese do recorrente não pode estar certa. Parafraseando um conhecido dito e adaptando-o ao nosso caso, há mais mundo que sentenças de anulação…
E esse mundo é constituído pelas sentenças de não anulação, bem como pelas sentenças de anulação, mas na parte em que não anulam o acto administrativo, na parte em que julgam improcedentes vícios suscitados pelo recorrente no recurso contencioso.
Ora, quanto a estas, já há muito que a jurisprudência e a doutrina convêm, como, por exemplo, o Acórdão do Pleno da 1.ª secção do Supremo Tribunal Administrativo português, de 19 de Janeiro de 1993, Processo n.º 287747, em que, anulado um acto administrativo que pode ser renovado, ficam definitivamente decididas as questões de ilegalidade em cuja não verificação o tribunal assentou; e que, renovado o acto nos mesmos termos, obsta em novo recurso, a uma segunda pronúncia sobre elas, por relativamente às mesmas se verificarem todos os requisitos do caso julgado, ou seja, identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.
  Anotando este Acórdão, escreve MÁRIO AROSO DE ALMEIDA8 que “O que se acaba de dizer tem um importante significado no que toca à configuração do objecto do recurso e, por conseguinte, à demarcação dos limites objectivos do caso julgado. É a esta questão que o acórdão anotado indirectamente se refere quando defende que o trânsito em julgado da sentença anulatória que não tiver julgado procedente a alegação de certos vícios impede o recorrente de os vir a invocar contra um eventual acto renovatório. Do mesmo modo, e pela mesma ordem de razões, também não poderá a Administração, no propósito de renovar o acto anulado, tentar fazer nova prova de factos que o tribunal já apreciou e decidiu quando, no recurso, julgou procedente um vício que impede a renovação do acto9. Ou seja: o juízo formulado sobre determinada questão apreciada a propósito da validade de um acto administrativo faz caso julgado em termos de impedir, por força do princípio segundo o qual o caso julgado implica a preclusão do deduzido e do dedutível, que ela volte a ser discutida a propósito de outro acto administrativo.
  Subjacente a esta afirmação está uma concepção inovadora do objecto do recurso que, demarcando-se claramente da perspectiva tradicional que apenas o identificava em função do acto cuja anulação se pede, tende a configurá-lo como uma acção que, a propósito do acto impugnado, se estende, em maior ou menor medida, à relação material que o envolve10. Ampliando assim claramente o objecto do recurso, esta concepção tem o mérito de estender os limites objectivos do caso julgado, reforçando a capacidade da sentença para definir com maior estabilidade a situação jurídica das partes. Mas por outro lado, e por isso mesmo, implica uma maior responsabilização das partes pela sua actuação no recurso, dado que amplia o leque de situações em que os interesses em jogo se poderão ver irremediavelmente prejudicados pelos efeitos preclusivos de uma sentença desfavorável11. É, por isso, natural que a esta concepção se venham a opor objecções apoiadas nas aparentes vantagens para as partes da construção tradicional.
  Pensamos, no entanto, que a concepção perfilhada pelo Acórdão anotado é a mais correcta e a única verdadeiramente adequada às exigências que hoje se impõem ao moderno contencioso administrativo, no plano da estabilidade e da segurança no desenvolvimento das relações jurídico-administrativas. Está, naturalmente, em jogo o princípio da tutela judicial efectiva, mas também o da eficiente prossecução do interesse público. De ambos decorre a necessidade de cada vez mais se conceber e configurar o recurso como um verdadeiro processo judicial entre partes e de se atribuir à correspondente sentença de anulação o grau máximo de eficácia, como verdadeira decisão jurisdicional capaz de introduzir uma definição tão estável quanto possível das situações jurídicas materiais subjacentes ao acto impugnado. A medida dessa definição será a exacta medida das questões jurídicas (consubstanciadas em vícios) que tiverem sido colocadas no recurso e que o tribunal tiver decidido com autoridade de caso julgado”.
Assim, sendo indiscutível que, quando o acto administrativo anulado é renovado com o mesmo sentido, o recorrente não pode voltar a colocar questões que o tribunal não sancionou, temos que a prova do conhecimento da falsidade da pública-forma da procuração, por parte do recorrente, poderia ter sido feita por qualquer meio de prova, por estar sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, como se decidiu no Acórdão do TSI de 26 de Março de 2009.
Improcede, deste modo, a imputação de violação de caso julgado ao Acórdão recorrido.

8. Nulidade. Ineficácia
O recorrente considera que:
i) O Conselho Superior da Advocacia entende que a consequência jurídica dos actos praticados pelo recorrente é a nulidade e não a ineficácia;
ii) O acto recorrido padece de erro nos pressupostos de facto, por desconsideração de que os negócios celebrados pelo recorrente são meramente ineficazes e não produziram qualquer prejuízo na esfera da associação mandante.
Quanto à primeira imputação o recorrente diz que ela resulta da contestação e das alegações facultativas.
Ora, o que releva é o acto recorrido, e não o que os órgãos administrativos pensam ou deixam de pensar sobre o assunto, pelo que esta alegação se aproxima perigosamente da litigância de má fé, por parecer deduzir pretensão cuja falta de fundamento não pode ignorar. Indefere-se, sem mais, o vício suscitado.
Quanto à segunda, está prejudicado o conhecimento do vício, face à decisão de omissão de pronúncia do acórdão recorrido sobre esta questão.

9. Ilicitude da conduta do recorrente
Cabe, agora, considerar se o acórdão recorrido padece de vício de violação de lei por não ter considerado que a conduta do recorrente foi lícita.
Sobre a questão, afirmou-se o seguinte no douto acórdão recorrido:
“A sanção aplicada ao ora recorrente não decorre fundamentalmente da função notarial que exerceu, mas sim da qualidade de advogado. Daí que a fonte da ilicitude tivesse sido a violação dos arts. 1º, nºs 1 e 3 e 12º, nº2 e 14º, al. c), do Código Deontológico homologado por despacho nº 121/GM/92, de 31 de Dezembro.
O recorrente, contudo, é que não está pelos ajustes. Quer dizer, para si, não podia ser imputada qualquer violação dos seus deveres deontológicos de advogado, cujo conteúdo se traduz no mero dever de respeito geral pela legalidade (art. 393º da p.i.; conclusão o), da p.i. e das alegações). Trata-se de uma maneira de dizer que, se não violou os deveres deontológicos, os artigos citados do Código Deontológico não se podem mostrar violados.
Vejamos.
A tónica da argumentação está na circunstância de não ter sido dada qualquer relevância ao juízo de licitude do comportamento do recorrente, enquanto notário. Depreende-se da arguição que, para si, a actuação censurada pelo acto punitivo não deveria merecer qualquer crítica, não só porque as vendas não foram feitas a non domino, mas também por nelas ter participado o Sr. C, em representação da Associação de Piedade e Beneficência. Quer com isto o recorrente dizer que a sanção para a representação sem poderes seria a ineficácia do negócio (art. 261º, nº1, do CC) e a impossibilidade de produção de efeitos, circunstância que não geraria prejuízo jurídico ou patrimonial para a esfera da representada. Ora, isso deveria levar a entidade sancionadora a valorar a ilicitude e a gravidade dos factos imputados ao recorrente. Além disso, os dados de facto assim expostos não poderiam levá-lo, diz, a recusar a prática dos actos solicitados, concitando em abono da sua posição os arts. 14º e 16º do Código do Notariado. Finalmente, aduz a circunstância de ter advertido os contratantes da ineficácia das escrituras perante terceiros caso a procuração tenha sido revogada ou cancelada. Tudo isto, portanto, na tentativa de demonstrar que a sua conduta foi lícita e sem violação de quaisquer deveres deontológicos.
Antes de mais nada, que a sanção para os negócios celebrados foi, efectivamente, a ineficácia dos negócios celebrados a coberto da referida pública-forma, isso resulta desde logo do acórdão lavrado neste TSI no Proc. nº 616/2007, em 9/02/2012, em sede de recurso da sentença da 1ª instância que havia decidido no mesmo sentido a questão derivada da representação sem poderes por parte do procurador C.
Ora, como se colhe directamente do Código do Notariado (C.N.), quando uma situação subjacente, não sendo caracterizada por um factor de nulidade (art. 87º, C.N.) dos actos notariais pretendidos realizar, mas antes subsumível a uma ambiência de ineficácia ou anulabilidade, o notário não tem o poder de se recusar a praticá-los, nos termos do art. 14º e 16º do CN, ainda que tenha que advertir os contratantes da existência do vício e fazer consignar no próprio instrumento a advertência que tivesse feito (art. 16º, nº2, do Cod. cit.). Advertência que no caso foi feita, conforme promana dos docs. de fls. 121 e sgs. do Vol. I, apenso.
A questão é: ao celebrar as escrituras, mesmo assim, teria o notário cometido algum ilícito ou, enfim, algum comportamento menos correcto ou adequado?
Numa interpretação puramente literal do preceito (art. 16º cit.), dir-se-ia que não. Importa, ainda assim, perder algum tempo na análise do artigo.
O caso é de representação voluntária, como se sabe. A Associação de Piedade e Beneficência emitiu procuração para a venda de bens, mas posteriormente revogou essa procuração. Isto quer dizer, portanto, que no momento em que o representante se arrogou com poderes para o acto, munido ainda de uma pública-forma que não correspondia ao original (o original estava já truncado graficamente para revelar a revogação e ainda possuía a palavra “cancelled”), já não dispunha desses poderes. Ou seja, o representante estava a agir sem poderes, com um título que sabia não ser fidedigno e com o conhecimento de que agia contra a vontade do representado. E o mesmo sabia o digno recorrente!
Ora, para efeito da tarefa de subsunção ao art. 16º citado, tem que entender-se haver alguma diferença entre um acto ineficaz, porque o instrumento não confere poderes para o acto (caso em que tem que ser ratificado pelo representado, como acontece com a gestão de negócios (art. 261º, nº1 e 465º do CC) e um acto ineficaz que o notário sabe ser baseado num documento “forjado” e celebrado contra a vontade do dono dos imóveis vendidos.
Além, o notário, embora detecte a falta dos necessários poderes, age sem constrangimento nem possibilidade de recusa, porque assim lho impõe o Código, ante uma situação que pode ser resolvida pela ratificação: ao notário basta admitir (nem precisa de presumir) que o representado poderá proceder a essa ratificação e, assim, não lhe cumpre qualquer adicional atitude, muito menos nenhum juízo a respeito da impossibilidade ou ausência de vontade do representado nesse acto ratificativo. É por isso que o Código impõe que o notário faça a advertência e a registe no instrumento celebrado.
No segundo caso, as coisas mudam de figura. O notário conhece o vício (falta de poderes), sabe que a pública-forma da procuração foi abusivamente obtida e alcançada por um processo ilícito e tem conhecimento que o representado é contra a celebração do negócio! Numa hipótese em que todos estes elementos se conjugam, só uma configuração muito restrita do fenómeno da representação sem poderes pode caber no âmbito da previsão do art. 16º do CN. Com efeito, haveria de parecer cinismo fazer uma advertência deste género “Adverti os outorgantes de que este acto é ineficaz em relação ao dono do negócio, enquanto por ele não for ratificado” se o notário à partida a faz apenas para cumprimento meramente formal do seu dever, já que conhece as vicissitudes do negócio, sabe da invalidade formal e substancial do título e toma ciência da real vontade das partes, alem de ter consciência de que o negócio jamais irá ser ratificado. Em boa verdade, achamos que um caso real com este desenho ultrapassa, ou deve ultrapassar, os poderes funcionais do notário.
O notário é, como se sabe, é um tabelião, um delegado do poder público e profissional do direito, que deve por isso mesmo contribuir para a segurança e eficácia dos actos jurídicos que pratica, devendo portanto analisar a vontade das partes, a licitude do negócio e os requisitos formais específicos. Deve proceder sempre sem deixar rasto de ilicitude; deve ser rigoroso e imparcial; deve apreciar a eficiência e valor do negócio projectado, “com vista a decidir se pode dar-lhe o seu assentimento”12. “Seria reconhecer uma limitação incompatível com a natureza da função circunscrever a acção notarial à aceitação da vontade privada, ainda que muito problemática ou de duvidosa legalidade”13. Deve, pois, entender-se que o notário deve adaptar a sua actividade concreta ao sistema jurídico vigente, varrendo os vícios que se lhe deparem e que possam vir a anular ou a tornar ineficaz futuramente o negócio, fazendo assim a pedagogia da prevenção de litígios, em especial se o caso tem contornos obscuros do ponto de vista da ilicitude. Neste sentido, não podem os olhos do notário radiografar o preceito em apreço pelo prisma de Pilatos, limitando-se à advertência e à consignação no instrumento da advertência, pois desse jeito pode estar a contribuir para a degradação da imagem pública da função notarial e para o atropelo à segurança do comércio jurídico.
É, aliás, neste ponto que confluem as linhas da deontologia (ramo da ética que trata dos deveres) e da diceologia (ramo da ética que trata dos direitos profissionais). Na ética profissional pontificam elementos psicológicos (como a aptidão e vocação), mas também integridade, que no caso dos notários, está associado aos deveres de veracidade e imparcialidade14 e espírito de serviço, associado à prioridade da função social e pública da profissão exercida.
Temos a impressão de que o Estatuto do Notariado em Macau deveria ter ido mais longe, como foram os de outras jurisdições, nomeadamente a portuguesa15 ou brasileira, que indelevelmente traçaram no seu articulado um conjunto de princípios que devem nortear a actividade notarial. Mas nem por isso se pode pensar que não há um lote de princípios não escritos, os quais se podem extrair das regras existentes no Código e no Estatuto, algumas vezes tornadas “deveres”, pelos quais o notário tem que orientar-se.
No plano da deontologia, e nesse sentido, não só valem os princípios subjacentes relacionados com os deveres plasmados no Estatuto dos Notários Privados (DL nº 66/99/M, de 1/11), como o de dignificação do cartório notarial (art. 8º), de sigilo (art. 9º), de imparcialidade (art. 10º), de deontologia (art. 11º), de concorrência leal (art. 11º), como todos os que relevam dos outros deveres, tanto os que são comuns aos funcionários públicos (art. 12º do Estatuto), como os que atentem contra a disciplina e sejam próprios de uma violação de valores de honestidade, integridade, lealdade, justiça (art. 18º do Estatuto). E não pode deixar de se considerar ainda outros princípios, igualmente não escritos, mas que emanam do próprio Código do Notariado (DL nº 62/99/M, de 25/10), como o da fé pública (art. 1º), imparcialidade (art. 9º), da legalidade (art. 14º e 15º), do dever de exercício (art. 16º), da responsabilidade (art. 18º e sgs.), da conservação (arts. 22º e sgs.).
E é nesta dimensão que se julga que o notário não pode “vender” a fé pública. A fé pública não deve ser comercializada e é mister do notário prestigiá-la perante a sociedade por meio da perfeição e da imparcialidade. Não estamos a dizer que o notário neste caso foi imparcial ou vendeu a fé pública pelos emolumentos que cobrou do serviço. Mas, como nos parece, não terá já prestigiado a função ao dar fé pública a um acto que sabia não merecê-la. O notário não é apenas, e tão-somente, um documentador que dá forma ao negócio jurídico, mas também um intérprete que tem o dever de saber o que é que as partes desejam, adequando a vontade delas ao direito e ao ordenamento jurídico em função da finalidade perseguida. O juízo acerca da legalidade impõe-lhe o dever de examinar os requisitos legais do acto em venha a intervir, negando autorização quando existam defeitos, faltas ou vícios graves.
Ora, assim sendo, ainda que pensasse que o art. 16º do CN lhe dava algum conforto jurídico, o que para tanto, mesmo assim, sempre carecia de uma interpretação puramente restrita e literal da norma, pensamos que este seria um caso nítido que deveria levar o ora recorrente a fazer uso do art. 17º do CN16.
Que fique bem claro: o TSI não está a apreciar a ilicitude da actuação do recorrente enquanto notário (não é esse o objecto do processo), mas sim a ponderar se, no quadro dos seus poderes, outro devesse ser o seu procedimento funcional. E isso, no âmbito da verificação do vício invocado, já o pode este tribunal fazer.
Evidentemente que a censura disciplinar que lhe dirigiu o Conselho Superior de Advocacia se inscreve no reduto da sua actividade como advogado. Mas é claro também que se a qualidade de advogado está antes da de notário, não parece que uma e outra se devam desligar em vista da resolução do caso. Se o notário fez o que fez sem o dever fazer, parece que o advogado a montante o devia ter impedido que fizesse. Ou seja, a liberdade de determinação do “advogado” foi decisiva e fundamental para a actuação do “notário”. Houve aqui assim, em suma, uma contaminação de qualidades funcionais, razão pela qual os deveres profissionais do advogado, naquilo em que são comuns aos do notário segundo o padrão da lisura comportamental e da observância de um exercício da profissão com dignidade, responsabilidade e sentido de justiça, como é costume e praxe acontecer entre os profissionais do foro, se mostram também violados”.
Subscrevemos as doutas considerações do acórdão recorrido, apenas com a precisão de que o artigo 16.º do Código do Notariado não era aplicável ao caso.
No caso, tratava-se de usar uma procuração falsa para celebrar negócios, havendo indícios da prática de crimes, no mínimo, de uso de documento de especial valor falso.
Ora, o notário não pode colaborar na prática de crimes, pelo que o artigo 16.º do Código do Notariado não era aplicável.
Improcede o vício suscitado.

10. Procuração conferida também no interesse do mandatário
Pretende o recorrente que o Tribunal considere que nos autos não se fez prova da revogação da procuração emitida pela Associação mandante e que se fez prova de que a mesma procuração foi conferida em benefício da Associação de Beneficência dos Bonzos do Templo.
Quanto à primeira questão, o acórdão recorrido é expresso no sentido da revogação.
Trata-se de matéria de facto para a qual o TUI não tem poder de cognição, pelo que improcede a questão suscitada.
Já quanto à segunda questão, o acórdão recorrido não se pronunciou se a procuração foi conferida também no interesse do mandatário e se este esteve de acordo com tal revogação, o que poderia relevar para efeitos do disposto no artigo 1096.º, n.º 2, do Código Civil, já que quando o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa.
Só que a questão só teria relevância para apurar da licitude da actuação do recorrente se este conhecesse tal eventual interesse do mandatário.
Se o notário não conhece tal interesse é totalmente irrelevante a questão, já que o que releva é que, para o notário, o mandante revogara validamente a procuração.
Ora, na defesa no processo disciplinar nunca o recorrente suscitou tal questão, podendo concluir-se, seguramente, que se tal interesse existia, ele nunca foi conhecido do recorrente, pelo que o acto recorrido não poderia conhecer da questão.
Improcede, pois, a questão suscitada.
Em consequência, improcede o vício relativo à violação do disposto no artigo 1096.º do Código Civil.

11. Consequências da declaração de nulidade do Acórdão recorrido
Impõe-se que o Tribunal recorrido conheça das questões relativamente às quais se decide ter havido omissão de pronúncia (artigo 159.º, n.º 2, do CPAC) e que, seguidamente, conheça novamente dos vícios de erro grosseiro e manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios da justiça e imparcialidade.

IV – Decisão
Face ao expendido, dão parcial provimento ao recurso e:
A) Julgam nulo o Acórdão recorrido, por omissão de pronúncia quanto aos vícios mencionados em III – 3, nulidade que acarreta a anulação do Acórdão na parte em que conhece dos vícios de erro grosseiro e manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios da justiça e imparcialidade.
B) Julgam nulo o Acórdão recorrido, por excesso de pronúncia quanto ao juízo referido em III – 5;
C) No mais, julgam improcedente o recurso.
Custas do recorrente pelo parcial decaimento, fixando a taxa de justiça em 10 UC no TUI e 20 UC no TSI.
Macau, 9 de Janeiro de 2013.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho

1 MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Almedina, Coimbra, 9.ª ed, Tomo II, p. 1215.
2 FERNANDO BRANDÃO FERREIRA PINTO e GUILHERME DA FONSECA, Direito Processual Administrativo Contencioso, Elcla Editora, Porto, 1991, p. 29.
     3 Suprimimos notas de rodapé.
4 MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, Almedina, Coimbra, 2.ª ed., 1997, p. 421.
     5 MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 201 e 202. No mesmo sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Sobre a Autoridade do Caso Julgado das Sentenças de Anulação de Actos Administrativos, Coimbra, Almedina, 1994, p.138.
     6 Cfr. Böttichier, Besinnung.., pp. 59-63
     7 Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 0, Novembro/Dezembro 1996, pp. 21 a 23.
     8 MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Para uma Maior Responsabilização das Partes no Recurso, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 0, Novembro/Dezembro 1996, pp. 23 e 24.
   9 Neste último sentido se orienta o Acórdão do STA (Pleno) de 21/3/1991: "Anulado um acto de atribuição de reserva de 70.000 pontos por não se provar o facto, condicionante da atribuição da reserva com essa pontuação, da exploração directa, a Administração viola o caso julgado se renovar o acto com base nesse mesmo facto, por entender que ele se verifica em face de prova complementar". Cfr. Acórdãos Doutrinais n.o 370 e, a propósito, Sobre a autoridade ... cit., especialmente a pp. 91 e nota 47, e 169 e nota 261.
10 Cfr. Sobre a autoridade ... cit., especialmente a pp. 155 e 162 esegs.
11 Com efeito, o particular que tiver visto improceder a alegação de certos vícios vê limitadas as suas possibilidades de recurso contra o eventual acto renovatório; e, em contrapartida, a Administração que tiver visto proceder a alegação de certos vícios substantivos pode ver definitivamente precludida a possibilidade de renovar o acto anulado (cfr. nota anterior).
     12 Fernando Neto Ferreirinha e Zulmira Neto Lino da Silva, in Manual de Direito Notarial, 4ª ed., pag. 1095.
     13 Aut., ob. e loc. cits.,
     14 Cfr. art. 10º do DL nº 66/99/M, de 1/11/1999 (Estatuto do dos Notários Privados)
     15 Ver DL nº 26/2004, de 4/02: princípios da legalidade (art. 11º), da autonomia (art. 12º), da imparcialidade (art. 13º), da exclusividade (art. 15º), da livre escolham (art. 16º).
     16 Até em virtude das implicações que do contrato celebrado podem advir para os terceiros de boa fé: sobre o assunto, ver Pedro Nuno Rodrigues, in Direito Notarial e Direito Registral, Almedina, pag.145 e sgs.
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Processo n.º 80/2012