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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Chefe do Executivo, de 1 de Março de 2011, e do Director dos Serviços de Obras Públicas e Transportes, que determinaram a demolição de um prédio e a desocupação do terreno contíguo ao mesmo prédio, no Caminho da Povoação de Ká Hó, em Coloane.
Por Acórdão de 19 de Julho de 2012, o Tribunal de Segunda Instância (TSI) negou provimento ao recurso, mantendo os actos impugnados.
Inconformado, interpõe o mesmo recorrente recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões:
1. O acórdão recorrido indeferiu o recurso contencioso interposto pelo recorrente do despacho proferido em 1 de Março de 2011 pelo Chefe do Executivo na Informação n.º XXXX/XXXXXX/XXXX da DSSOPT.
2. O despacho de “mandar a desocupação do terreno e a demolição da construção ilegal” proferido pelo Chefe do Executivo baseia-se nos fundamentos de facto e de direito constantes do processo n.º XX/XX/XXXX/X e da Informação n.º XXXX/XXXXXX/XXXX.
3. Porém, este processo e a informação padecem dos vícios de “erro no reconhecimento de facto” e de “insuficiência para a decisão de facto provado”;
4. O recorrente possui provas documentais, e de acordo com o “papel da seda” do terreno em causa e o “título de pagamento dos impostos” da construção no referido terreno, o recorrente tem o “direito de propriedade” do terreno, ou pelo menos tem o “direito de uso” ou o “direito de posse”.
5. Assim se verifica que o teor do “processo” e da “informação” acima referidos revela-se inverídico e desviado do facto.
6. Em consequência, são afectados os valores fundamentais do despacho do Chefe do Executivo, tais como a legalidade, a justiça e a equidade.
7. O acórdão recorrido confirmou uma decisão administrativa que padece dos vícios de “erro no reconhecimento de facto” e de “insuficiência para a decisão de facto provado”, pelo que também padece dos mesmos vícios.
8. Por isso, deve-se julgar procedente o recurso, declarar nulo o acórdão recorrido e reenviá-lo para novo julgamento.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.

II - Os Factos
O Acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1- Em 18/08/2010 foi ordenado o embargo de obra que estava a ser levada a cabo no terreno contíguo ao prédio junto ao poste de iluminação nº XXXXXX do Caminho da Povoação de Ká Hó (fls. 29 do P.A.).
2- Veio o recorrente dirigir-se à Direcção de Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, em 21/12/2010, nos seguintes termos (fls. 32):
A (甲), portador do BIRM no. XXXXXXX(X), residente na Povoação de Ká Hó, nº XX, tendo tido conhecimento de notificação através do edital publicado no Jornal Ou Mun do dia 18 de Dezembro de 2010 com o no. XXX/X/XXXX e XX/XX/XXXX/X, vem prestar os seguintes esclarecimentos:
a) O signatário é natural e morador na Povoação de Ká Hó;
b) A casa com o nº XX da Povoação de Ká Hó, é uma casa com dezenas de anos de construção e é pertença dos seus antepassados, o que pode ser comprovado pela Associação;
c) Acontece porém, com a idade da casa e dado á sua construção antiga, começou a ter infiltrações de água nos dias chuvosos, tanto pelo telhado como pelas paredes, e o pior ainda é durante os tufões tropicais, pelo que há de toda a necessidade de se efectuar à sua reparação urgente;
d) O signatário dirigiu-se a esses Serviços, precisamente na secretaria da DSSOPT, localizada no rés-do-chão do Edifício da CEM, para se saber das formalidades para a obtenção de licença de obras de reparação.
Foi-lhe dito para se dirigir à Associação de Moradores; Dirigindo-se à dita Associação, a mesma respondeu-lhe que não era da sua competência mas sim da DSSOPT. Regressando à DSSOPT, foi-lhe dito outra vez para se dirigir à Associação dos Moradores;
e) Nunca foi intenção de se efectuar obras ilegais, mas não restando outra alternativa, o signatário efectuou à reparação urgente da sua casa;
f) Começando com as obras de reparação, verificou que as vigas de madeira que seguram o telhado, muitas delas foram carcomidas por formiga branca, a única solução foi substituir a cobertura do telhado (doc 1 e 2);
g) Verificou também que umas paredes são de tijolo e outras de saibro, pelo que substituiu as paredes por outras de tijolo, (doc 3 e 4).
Conforme esclareceu, a acima mencionada casa, já existia, a sua numeração policial foi atribuída pela antiga Administração do Concelho Coloane, também se pode observar pela planta topográfica da DSCC e pela factura de electricidade que a casa já existia (doc 5 e 6).
Nunca foi intenção do requerente construir um prédio novo em terreno livre, mas apenas à reparação urgente da sua casa. Não tendo por isso efectuado nenhuma terraplanagem. Nem tendo aumentado a sua área, e a sua altura.
Face ao acima exposto, pede a V.Exa. a máxima compreensão, e a oportunidade de se continuar a viver ali com os seus pais.
Pede deferimento.
3- Em 28/01/2011 foi elaborada a Informação nº XXXX/XXXXXX/XXXX nos seguintes termos:
Assunto: Relatório sobre a ocupação de terreno da RAEM

Informação/Proposta n.ºXXXX/XXXXXX/XXXX Data: 28/1/2011
(Proc. n.º XX/XX/XXXX/X)
Local do terreno em causa: Terreno contíguo ao prédio junto ao poste de iluminação n.ºXXXXXX do Caminho da Povoação de Ká Hó na Ilha de Coloane
(1) O pessoal da DSSOPT, no exercício dos poderes de fiscalização conferidos pela alínea b) do n.º3 do art.º 8 do Decreto-Lei n.º29/97/M, de 7 de Julho, verificou em 12/7/2010 que, num terreno contíguo ao prédio junto ao poste de iluminação n.ºXXXXXX do Caminho da Povoação de Ká Hó na Ilha de Coloane, foi executada uma construção composta por paredes em alvenaria de tijolo sem que tenha sido emitida pela DSSOPT a licença de obra, bem como ao ocupante também não foi-lhe atribuída a licença de ocupação temporária nos termos dos art.ºs 69º a 75º da Lei n.º6/80/M, de 5 de Julho (Lei de Terras). Por isso, nos termos do Regulamento Administrativo n.º24/2009 de 3 de Agosto, e do art.º 52º, nºs 1 e 2 do D.L n.º79/85/M, de 21 de Agosto, alterado pela Lei n.º6/99/M, de 17 de Dezembro, pelo pessoal da DSSOPT, foi emitida de imediato a ordem de suspensão das obras, ao terreno em epígrafe, bem como no mesmo dia, foi elaborado o auto de notícia e instaurado o procedimento administrativo n.ºXX/XX/XXXX/X, a fim de apurar se o terreno em causa envolve ou não em situação de ocupação ilegal. (vd. anexo 1)
(2) No dia 12 de Julho de 2010, o interessado A compareceu nestes Serviços, a fim de procurar saber sobre o assunto de emissão da ordem de suspensão das obras, tendo o mesmo, na conferência, se comprometido a apresentar posteriormente o plano de reconstrução nos termos da lei. (vd. anexo 2)
(3) Segundo o despacho do Director destes Serviços, de 18 de Agosto de 2010, exarado sobre a Informação n.ºXXXX/XXXXXX/XXXX, foi emitida ao local em causa a ordem de embargo de obras, tendo a mesma ordem sido afixada em 19 de Agosto de 2010 no local. (vd. anexo 3)
(4) Mais tarde, foram feitas no local em causa as vistorias pelo pessoal de fiscalização destes Serviços, respectivamente, nos dias 20 de Julho, 10, 18, 24, 31 de Agosto e 2 de Setembro de 2010, tendo se verificado que as obras ilegais não paravam mas sim há indício de deterioração. Dado que o infractor, para além de ter demolido o prédio ali existente e reconstruído um prédio de um piso, ainda executou junto ao terreno contíguo as obras ilegais de ampliação de prédio e de construção de um muro de suporte de talude.
(5) Por despacho do Director destes Serviços, de 22 de Setembro de 2010, exarado sobre a Informação n.º XXXX/XXXXXX/XXXX, de 9 de Setembro, foi aprovada a proposta feita pelo Departamento de Urbanização, respeitante à nomeação de pessoal para investigar o caso em causa. (vd. anexo 4)
(6) Nos termos do art.º 72º, n.º l do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º57/99/M, de 11 de Outubro, tendo sido realizada, no seguimento de notificação por edital, assinado pelo Director destes Serviços e publicado nos jornais em línguas chinesa e portuguesa de 18/12/2010 (Macau Daily News e Jornal Tribuna de Macau), a audiência escrita do ocupante A e demais ocupantes, a fim de que os mesmos pudessem, dentro do prazo de 10 dias contado a partir da publicação do edital, apresentar as suas opiniões por escrito, face às questões que constituem objecto do procedimento. (vd. anexo 5)
(7) Dentro do prazo, no dia 21 de Dezembro de 2010, foi recebida por estes Serviços a audiência escrita apresentada pelo ocupante A (Refi. n.º XXXXXX/XXXX). Segundo o ocupante, tendo o mesmo declarado que o local em causa é um local onde viviam os seus antepassados e seus pais por várias dezenas de anos. Quanto a ele, também nasceu ali e vivia por muitos anos. Apresentou assim as antigas facturas de electricidade para servir de prova. Segundo o ocupante, tendo o mesmo referido que o prédio original tinha grave problema de infiltração, em particular quando ocorrem chuvas e tufões, razão pela qual realizou obras urgentes para reparar o prédio. Mais disse que durante as obras, verificou que as vigas e pilares do prédio em madeira, já tinham sido carcomidos pelos bichos e, por isso, foram reconstruídos o topo e as paredes. Além disso, segundo o ocupante, ele não ampliou a área útil e a altura do prédio, pelo que pede a estes Serviços que lhe seja autorizado continuar a morar no local em causa. (anexo 6)
(8) Após ter consultado os documentos constantes dos autos, o presente grupo de investigação fez a seguinte análise:
Matéria de facto:
(9) De acordo com a Nota Interna n.º XXX/XXXXXX/XXXX, emitida em 17/11/2010 pela Divisão de Apoio Técnico (DATSEA), tendo respondido à solicitação do caso que não há respectivos dados sobre o terreno indicado em epígrafe. (vd. anexo 7)
(10) De acordo com a Nota Interna n.ºXXX/XXXXXX/XXXX, emitida em 17/11/2010 pelo Departamento de Gestão de Solos, tendo respondido à solicitação do presente caso que não há respectivos dados da concessão ou autorização sobre a ocupação. (vd. anexo 8)
(11) De acordo com a certidão da Conservatória do Registo Predial, de 13/12/2010 sobre o terreno indicado em epígrafe, não se encontra registado a favor de particular (pessoa singular ou pessoa colectiva), direito de propriedade ou qualquer outro direito real, nomeadamente concessão, por aforamento ou por arrendamento. (vd. anexo 9)
(12) No dia 6 de Dezembro de 2010, o pessoal de fiscalização destes Serviços, mais uma vez deslocou-se ao local, tendo verificado que as obras da construção em causa já terminaram e dentro da construção estava posta mobília e se encontrava em estado de uso (vd. anexo 10)
Matéria de direito:
(13) Nos termos do art.º 7º da Lei Básica da REAM, “Os solos e o recurso naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedades do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau. O Governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento, bem como pelo seu arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento. Os rendimentos daí resultantes ficam exclusivamente à disposição do Governo da Região Administrativa Especial de Macau.”
(14) De acordo com a certidão da Conservatória do Registo Predial, sobre o terreno indicado em epígrafe, não se encontra registado a favor de particular, direito de propriedade, nem existe a concessão, por aforamento ou por arrendamento. Pelo que, nos termos do art.º 7º da Lei Básica, o terreno em causa considera-se propriedade do Estado.
(15) Ao ocupante não foi atribuída a licença de ocupação temporária nos termos dos art.ºs 690 a 750 da Lei n.º6/80/M, de 5 de Julho (Lei de Terras), nem respectivo contrato de concessão para provar a sua ocupação do terreno do governo, pelo que, deve o mesmo proceder à desocupação e restituição do terreno à posse da RAEM.
(16) Quando pessoa singular ou pessoa colectiva não disponha de título legal válido (contrato de concessão ou licença de ocupação temporária) para provar a sua ocupação do terreno do governo que lhe seja autorizada, deve proceder à desocupação e restituição do terreno à posse da RAEM. Nos termos do art.º 7º da Lei Básica, o governo da RAEM é responsável pela gestão, uso e desenvolvimento dos solos e dos recursos naturais na RAEM e, de acordo com o art.º 41º, al. o) da Lei de Terras (Lei n.º6/80/M, de 5 de Julho), cabe ao Chefe do Executivo proferir o acto administrativo de desocupação e restituição do terreno.
Análise sobre a contestação escrita do ocupante
(17) Declarou o ocupante que o terreno em causa é um local onde viviam os seus antepassados e seus pais por várias dezenas de anos, e ele também nasceu ali e vivia por muitos anos, tendo por isso apresentado as facturas de electricidade para servir de prova. Contudo, segundo os dados constantes dos autos, antes de ser detectada em 12/7/2010 pelo pessoal de fiscalização destes Serviços, a realização de obras no local, existiu efectivamente no local um prédio velho, mas só isso e mais nada; Porém, o ocupante não consegue provar que o referido prédio pertença a ele, e por outro lado, segundo consta das facturas de electricidade, o apelido de utente é de B (乙) mas o nome de ocupante é A e este também não consegue provar qual a relação entre ele e o senhor B. Além do mais, segundo consta das facturas de electricidade, no período de um ano entre Abril de 2009 e Abril de 2010, a despesa relativa ao consumo de electricidade é de zero, dai pode-se deduzir que a partir desse momento, o referido prédio já deixou de ser moradia de pessoas. Contudo, não podemos ter a certeza se o referido prédio já estava abandonado por muito tempo ou se havia pessoa que vivia ali. Pelo que, achamos que não se pode confirmar a pretensão do ocupante quanto à sua alegação de que sempre vivia naquele prédio.
(18) Além disso, em relação à alegação feita pelo ocupante de que o prédio original tinha grave problema de infiltração de água de chuva e razão pela qual realizou obras urgentes para reparar o prédio, bem como as obras só tinham a ver com o topo e paredes do prédio e não foi ampliada a área útil e a altura do prédio. Contudo, achamos que a justificação do ocupante não tem razão, visto que de acordo com a lei, não se pode realizar obras de reparação sem que tenha sido obtida a autorização e licença de realização de obras emitidas pelos serviços competentes. Mas declarou o ocupante que ele só tomou conhecimento dessa legislação após feita a realização das obras. Contudo, mesmo assim, logo após a realização das obras, não tendo o ocupante feito requerimento junto dos serviços competentes, mas veio a executar, junto do terreno contíguo, uma construção composta por paredes em alvenaria de tijolos e o nivelamento da encosta ali existente. Sendo assim, evidentemente o ocupante não observou as ordens feitas pela autoridade administrativa. De facto, após a emissão da ordem de embargo de obras feita por estes Serviços, o ocupante não só não suspendeu as obras, mas continuou a realização das obras, a fim de criar um facto definido no sentido de ameaçar a autoridade administrativa para autorizar e legalizar as obras em causa. (vd. anexo 11)
(19) É de salientar que o terreno ocupado é propriedade do Estado, e mesmo que fosse pertencente ao ocupante o prédio velho, era necessária ainda a autorização dos serviços competentes, para a realização de obras de reparação urgentes. Pelo que, face aos factos e fundamentos expostos na contestação do ocupante, achamos que não há prova suficiente para provar que o ocupante possa obter qualquer direito sobre o terreno incluindo o direito de propriedade e os bens relativos ao mesmo terreno. Assim sendo, entendemos que não procede a pretensão do ocupante.
(20) Pelo acima exposto, a nossa conclusão é a seguinte:
(20.1) A ocupação do terreno da REAM pelo ocupante A não tem justificação razoável e fundamento jurídico e, face à sua contestação escrita, não se verificam argumentos de facto e de direito que possam conduzia à alteração do sentido da decisão de ordenar a desocupação do aludido terreno.
(20.2) De acordo com a certidão da Conservatória do Registo Predial, sobre o terreno indicado em epígrafe, não se encontra registado a favor de particular, direito de propriedade ou qualquer outro direito real, nomeadamente concessão, por aforamento ou por arrendamento, pelo que, nos termos do art.º 7º da Lei Básica da REAM, o terreno em causa considera-se propriedade do Estado;
(20.3) Quando pessoa singular ou pessoa colectiva não disponha de título legal válido (contrato de concessão ou licença de ocupação temporária) para provar a sua ocupação do terreno do governo que lhe seja autorizada, deve proceder à desocupação e restituição do terreno à posse da RAEM
(20.4) De acordo com o art.º 41º, al. o) da Lei de Terras, cabe ao Chefe do Executivo proferir o acto administrativo de desocupação e restituição do terreno.
(21). Proposta
(21.1) Propõe-se que não se admite o argumento exposto na contestação escrita apresentada pelo ocupante A.
(21.2) Nos termos do art.º 41º, al. o) da Lei de Terras (Lei n.º6/80/M, de 5 de Julho), cabe ao Chefe do Executivo proferir o acto administrativo de desocupação e restituição do terreno.
(21.3) Ordenar A e demais ocupantes ilegais desconhecidos que procedam, no prazo de 30 dias a contar a partir da data de publicação do edital, à desocupação do identificado terreno, demolição e desocupação da construção ilegal, removendo os objectos, materiais e equipamentos nele depositados, bem como procedam à entrega do terreno ao governo da RAEM, sem direito de indemnização.
(21.4) Por haver eventualmente outros interessados, propõe-se que, para além de notificação directa dos ocupantes, ao abrigo do art.º 72º, n.º l do Código do Procedimento Administrativo (CPA), sejam notificados o ocupante A e demais ocupantes ilegais do terreno em causa, por via de notificação por edital publicado nos jornais mais lidos em Macau, em língua chinesa e portuguesa, a fim de que os mesmos possam ser notificados da decisão final do presente caso, nos termos do n.º2 do mesmo artigo do CPA. Além disso, deve ser fixado no local o referido edital. (vd. anexo 12)
(21.5) Caso o ocupante A e demais ocupantes ilegais, dentro do prazo, não venham a cumprir a supracitada ordem de desocupação, nos termos do art.º 139º do CPA, requer-se ao Chefe do Executivo para que sejam autorizados os seguintes procedimentos:
(21.5.1) Cabe aos presentes Serviços proceder ao trabalho de desocupação do terreno, contratar empreite ira para fornecer os recursos humanos e equipamentos para remoção, no sentido de pôr em prática a desocupação e eliminação de todos os objectos, materiais e eventuais construções existentes no terreno (incluindo prédio informal não autorizado por estes Serviços), ficando a cargo dos ocupantes as despesas de desocupação, de eliminação e de remoção. Caso os mesmos não venham a pagar as despesas, proceder-se-á a cobrança coerciva (ao abrigo do art.º 144º, n.º2 da CPA);
(21.5.2) Deve o Corpo da Polícia de Segurança pública enviar polícias ao local para prestar auxílio, no sentido de remover todos os indivíduos presentes no local com impedimento ao pessoal da Administração para executar o trabalho, bem como proteger todo o pessoal administrativo responsável pelo trabalho até que o terreno seja totalmente desocupado. Quanto à divisão do trabalho, procede-se de acordo com as disposições fixadas por estes Serviços;
(21.5.3) Devem os ocupantes, antes de executar as obras de demolição indicadas na ordem de desocupação, apresentar a estes Serviços, as declarações de responsabilidade prestadas pela empreiteira responsável pela demolição e documentos originais de seguro quanto à prevenção de acidente industrial e de doenças profissionais (designado vulgarmente por seguro de trabalho). Uma vez concluído o trabalho de desocupação acima referido, devem comunicar a estes Serviços para efeitos de exame;
(21.5.4) Sem prejuízos de os ocupantes/interessados, para além de pagarem as respectivas despesas de desocupação e demolição, sujeitos à multa prevista no art.º 191º da Lei de Terras;
(21.5.5) Quanto à disposição dos objectos e materiais existentes no local, uma vez que a Lei de Terras não regula os procedimentos de desocupação, segundo o disposto no art.º 30º e seguintes do D.L n.º6/93/M, de 15 de Fevereiro, deve a DSSOPT preparar previamente local para depositar os objectos e materiais abandonados, ficando os quais à custódia do fiel depositário.
(21.5.6) Se findo o prazo, não forem levantados por seu dono, os objectos e materiais serão considerados como objectos abandonados, revertendo a favor do governo da RAEM.
(21.6) Cabe ao Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais proceder à arborização e plantação no terreno em causa, com a finalidade de que o terreno, após desocupado, não se encontrará livre e também para harmonizar o dito terreno com o ambiente arborizado à sua volta, bem como evitar a nova ocupação e colocação de materiais nele por outras pessoas desconhecidas após a desocupação feita por estes Serviços.
(21.7) Dado que há indício que os ocupantes violaram o disposto no art.º191º da Lei de Terras, propõe-se ao Director destes Serviços que seja instruído o processo de infracção administrativa e nomeado instrutor, a fim de aplicar multa aos respectivos infractores.
À consideração superior.
Aos 28 de Janeiro de 2011
Membro do Grupo de Investigação:
Ass.) C, Técnico Superior do Departamento Jurídico
D, Técnico Divisão de Fiscalização, do Departamento de Urbanização (fls. 146 a 153 do P.A).
4- O Ex.mo Secretário para os Transportes e Obras públicas despachou em 21/02/2011:
“Ao Ex.mo Chefe do Executivo.
Concordo com a proposta indicada nos pontos 21.1 a 21.6 da Informação/Proposta, submetendo à consideração de Vª Ex.ª”
5- O Ex.mo Chefe do Executivo, por despacho de 1/03/2011, determinou:
“Em princípio, CONCORDO com a conclusão”
“Concordo com os pontos 21.1 a 21.6 da proposta do senhor secretário E” (fls. 146 do P.A.).
6- Seguiu-se o edital nº XX/X/XXXX, em 8/03/2011, do Director de Serviços, com o seguinte teor:
Edital. n.º: XX/X/XXXX
Processo n.º: XX/XX/XXXX/X
Assunto: Determinação da desocupação do terreno e demolição da construção ilegal
Local: Terreno contíguo ao prédio junto ao poste de iluminação n.º XXXXXX do Caminho da Povoação de Ká Hó na ilha de Coloane
F, Director da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), faz saber por este meio ao ocupante - Sr. A e demais ocupantes ilegais desconhecidos do terreno indicado em epígrafe, o seguinte:
(1) A DSSOPT, no exercício dos poderes de fiscalização conferidos pela alínea b) do n.º 3 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 29/97/M, de 7 de Julho, verificou em 12/07/2010 que foi executada uma construção composta por paredes em alvenaria de tijolo sem que tenha sida emitida pela DSSOPT a licença de obra, bem como a encosta foi nivelada e demolido o prédio junto ao local acima referido sem que tenha sido atribuída ao(s) ocupante(s) licença de ocupação temporária nos termos dos artigos 69.º a 75.º da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de Terras). Por isso, foi instaurado o procedimento administrativo n.º XX/XX/XXXX/X, de desocupação e restituição do terreno à posse da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM).
(2) De acordo com a certidão da Conservatória do Registo Predial (CRP), de 13/12/2010, sobre o terreno indicado em epígrafe não se encontra registado a favor de particular (pessoa singular ou pessoa colectiva), direito de propriedade ou qualquer outro direito real, nomeadamente concessão, por aforamento ou por arrendamento, pelo que o mesmo considera-se propriedade do Estado, nos termos do artigo 7.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM).
(3) Com efeito, a ocupação de propriedade do Estado por ocupantes que não disponham de contrato de concessão ou licença de ocupação temporária prevista na Lei de Terras que autorize a sua posse determina que o mesmo (terreno) seja entregue, livre e desocupado, ao Governo da RAEM, órgão responsável pela gestão, uso e desenvolvimento dos solos e recursos naturais, nos termos do artigo 7º da Lei Básica da RAEM, cabendo ao Chefe do Executivo praticar o respectivo acto, ordem de desocupação e restituição do terreno, ao abrigo do disposto na alínea o) do artigo 41.º da Lei de Terras.
(4) Tendo sido realizada, no seguimento de notificação por edital, assinado pelo Director da DSSOPT, e publicado nos jornais em línguas chinesa e portuguesa de 18/12/2010, a audiência escrita dos interessados, prevista nos artigos 93.º e 94.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro, não foram carreados para o procedimento elementos ou argumentos 4e facto e de direito que pudessem conduzir à alteração do sentido da decisão de ordenar a desocupação do aludido terreno.
(5) Assim, ficam os interessados notificados de S. Ex.ª o Chefe do Executivo, por despacho de 01/03/2011 exarado sobre a informação n.º XXXX/XXXXXX/XXXX, de 28/01/2011, constante do processo n.º XX/XX/XXXX/X, foi ordenado que o 'ocupante - Sr. A e demais ocupantes ilegais desconhecidos procedam, no prazo de 30 (trinta) dias a contar a partir da data de publicação do presente edital, à desocupação do identificado terreno, demolição e desocupação da construção ilegal, removendo os objectos, materiais e equipamentos nele depositados, bem com procedam à entrega do terreno ao Governo da RAEM, sem direito de indemnização.
(6) Antes de execução da obra de demolição referida no ponto anterior, os ocupantes deverão apresentar previamente nestes Serviços a declaração de responsabilidade do construtor incumbido da obra de demolição e a apólice de seguro contra acidentes de trabalho e doenças profissionais. Após a conclusão da desocupação, os ocupantes deverão comunicar por escrito tal facto à DSSOPT para efeitos de vistoria.
(7) Nos termos do artigo 139.º do CPA, notifica-se ainda que se findo o prazo acima referido não derem cumprimento à ordem indicada no ponto 5, a DSSOPT, em conjunto com outros serviços públicos e com a colaboração do Corpo de Polícia de Segurança Pública, procederá, a partir do termo do respectivo prazo (30 dias), à execução dos trabalhos de desocupação e demolição, a expensas dos interessados, sem prejuízo de aplicação de multa prevista no artigo 191.º da Lei de Terras.
(8) Os objectos, materiais e equipamentos eventualmente deixados no terreno serão depositados no local indicado, à guarda de um depositário a nomear pela Administração.
(9) Findo o prazo de 15 (quinze) dias, a contar a partir da data do depósito e caso os bens não tenham sido reclamados, consideram-se os mesmos abandonados e perdidos a favor' do Governo da RAEM, por força da aplicação analógica do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 6/93/M, de 15 de Fevereiro.
(10) Nos termos dos artigos 145.º e 149.º do Código do Procedimento Administrativo, os interessados podem apresentar reclamação ao Chefe do Executivo no prazo de 15 (quinze) dias, a contar a partir da data de publicação do presente edital.
(11) Do despacho do Chefe do Executivo referido no ponto 5, de 01/03/2011 cabe recurso contencioso a interpor no prazo de 30 (trinta) dias, a contar a partir da data de publicação do presente edital, para o Tribunal de Segunda Instância da RAEM nos termos da alínea a) do n.º2 do artigo 25.º do Código do Processo Administrativo Contencioso, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro, e da subalínea (1) da alínea 8), do artigo 36.º da Lei n.º 9/1999, republicada no Boletim Oficial da RAEM, n.º 44, I Série, de 1 de Novembro de 2004.
RAEM, aos 08 de Março de 2011.
O Director dos Serviços
F
7- O recorrente foi notificado do ofício nº XXXXX/XXXXXX/XXXX, de 31/03/2011 na mesma data (fls. 251 e 252 do P.A.).
8- O recorrente vive no local da construção desde que nasceu, tendo sido na casa que ali existia há perto de 100 anos que os seus pais e avós viveram (da prova em audiência), adquirida ao abrigo do “papel de seda” “Sai Chi Kai”, actualmente na posse da Associação dos Moradores de Ká Hó (doc. requisitado pelo tribunal em audiência e junto aos autos por cópia a fls. 97 e 98).
9- A casa tinha dois números, nºs XX e XX, correspondentes a outras tantas fracções, tendo as obras levadas a cabo pelo recorrente no nº XX, devido ao seu estado geral de degradação e de infiltração de águas (da prova em audiência).
10- Com as obras, a casa ficou com a mesma área, mas com outras divisões interiores (da prova em audiência).
11- O recorrente chegou a requerer as obras de reparação à DSOPT, mas não lhe foi concedida licença.
12- O recorrente ou os seus ascendentes nunca procederam ao registo da casa.


III – O Direito
1. As questões a apreciar
O acto recorrido determinou a demolição da construção dos autos e a desocupação do respectivo terreno.
O recorrente entende que o Acórdão recorrido enferma de erro no reconhecimento de facto porque a Direcção de Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes não se esforçou por verificar a condição de direito sobre a construção no terreno em causa e fez juízo errado de não existir qualquer titular. Bem como entende que os respectivos factos e provas não foram indicados no anterior recurso contencioso, mas esses factos e provas documentais podem descobrir a verdade.
Por outro lado, considera o recorrente que os papéis de seda são suficientes para comprovar a propriedade do terreno e que mesmo que não tivesse direito de propriedade do terreno tem o direito de propriedade da construção existente no terreno.
É o que importa examinar, já que o Acórdão recorrido decidiu que o artigo 7.º da Lei Básica impede a aquisição do direito de propriedade do terreno por usucapião.

2. Questão nova. Questão de facto.
Relativamente à primeira questão, designada por erro no reconhecimento de facto, por parte do recorrente, este TUI não pode apreciá-la, por duas ordens de razões.
Em primeiro lugar, a questão não foi suscitada no recurso contencioso.
Ora, o recurso jurisdicional, salvo excepções que agora não relevam, não conhece de questões novas (artigos 598.º, 599.º e 616.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso e artigos 68.º, n.º 3, a contrario e 152.º deste último diploma,). Apenas aprecia o bem ou mal fundado da decisão objecto de recurso, no caso, o Acórdão do TSI.
Ora, se o TSI não apreciou a questão, por não lhe ter sido colocada pelo recorrente, não pode, pela natureza das coisas, o TUI apreciar se o TSI decidiu bem ou mal.
Em segundo lugar, a questão em causa é de facto. Ora, o TUI apenas aprecia matéria de direito no recurso jurisdicional, no âmbito do contencioso administrativo (artigos 47.º, n.º 1 da Lei de Bases da Organização Judiciária e 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso).

3. O regime das terras em Macau e a jurisprudência do TUI
Entende o recorrente que os papéis de seda são suficientes para comprovar a propriedade do terreno e que mesmo que não tivesse direito de propriedade do terreno tem o direito de propriedade da construção existente no terreno.
Vejamos. Dissemos o seguinte no Acórdão de 16 de Fevereiro de 2011, no Processo n.º 71/2010:
Na situação versada no Acórdão de 5 de Julho de 2006, no Processo n.º 32/2005, estava em causa a pretensão de um particular em ver reconhecida a propriedade de imóvel, de que não tinha um título de aquisição nem o mesmo estava registado na Conservatória do Registo Predial, com fundamento na usucapião. Subsidiariamente, o autor pedia o reconhecimento da titularidade do domínio útil, nos termos do n.º 4 do artigo 5.º da Lei de Terras.
A autora dessa acção tinha a posse sobre tal prédio, por si e pelos seus antecessores há mais de 450 anos, mas a posse não estava registada.
O Tribunal decidiu que o artigo 7.º da Lei Básica impede o reconhecimento do direito de propriedade de imóvel não reconhecido como propriedade privada antes do estabelecimento da Região, mesmo que a acção tivesse sido intentada antes deste estabelecimento (até 19 de Dezembro de 1999), desde que não houvesse sentença transitada em julgado antes desta data, a reconhecer tal direito.
O mesmo Acórdão decidiu que a mesma norma (artigo 7.º da Lei Básica) não permite, igualmente, o reconhecimento do domínio útil de imóvel, a menos que este domínio já tivesse sido reconhecido, antes do estabelecimento da Região, como integrando a esfera de particulares.
Por sua vez, e complementando a pronúncia feita no parágrafo antecedente, no Acórdão de 16 de Janeiro de 2008, deste TUI, no Processo n.º 41/2007, decidiu-se o seguinte:
O artigo 7.º da Lei Básica não obsta a que o domínio útil de terreno concedido por aforamento pelo Território de Macau a particulares, por escritura pública e registado na Conservatória do Registo Predial, possa ser adquirido por usucapião, ainda que o titular do domínio directo seja actualmente a Região Administrativa Especial de Macau.
O disposto no n.º 4 do artigo 5.º da Lei de Terras (Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho) e no artigo 2.º da Lei n.º 2/94/M, de 4 de Julho, não se aplica aos prédios em que existe título formal de aquisição e registo deste.
No Acórdão de 22 de Outubro de 2008, no Processo n.º 34/2008, decidiu-se que o artigo 7.º da Lei Básica impede o reconhecimento do direito de propriedade de prédios possuídos em nome próprio por congregações religiosas católicas - entretanto integradas na Diocese de Macau – com fundamento no artigo 56.º do Estatuto Missionário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31207, de 5 de Abril de 1941, publicado no Boletim Oficial de Macau, de 28 de Junho de 1952, de que não tinha um título de aquisição, nem o prédio estava registado na Conservatória do Registo Predial, se a acção judicial - tendente a demonstrar aquela posse à data da publicação, em Macau, daquele Estatuto e a pedir o reconhecimento do referido direito - foi intentada após o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau.
A autora dessa acção tinha a posse sobre tal prédio desde 1940, mas esta não estava registada.
No Acórdão de 20 de Maio de 2010, no Processo n.º 17/2010, entendeu-se que o artigo 7.º da Lei Básica impede o reconhecimento do direito de propriedade de prédios na posse de particulares se, à data do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, ainda não tinha decorrido o prazo de usucapião, ainda que a posse estivesse registada antes daquela data (neste caso o autor obtivera sentença transitada em julgado a declarar a posse sobre o terreno, que foi levada ao registo predial).
A situação dos autos integra-se na categoria da situação versada no primeiro dos arestos citados, dado que os ora recorrentes pretendem ter adquirido o terreno dos autos, que detêm há umas dezenas de anos, com fundamento na usucapião, sendo que não têm um título formal de aquisição do terreno, nem o mesmo está registado na Conservatória do Registo Predial.
Dão-se aqui por reproduzidas as considerações vertidas no mencionado Acórdão de 5 de Julho de 2006. Aí se disse, designadamente:
“Prescreve o art.º 7.º desta Lei1:
“Os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau. O Governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento, bem como pelo seu arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento. Os rendimentos daí resultantes ficam exclusivamente à disposição do Governo da Região Administrativa Especial de Macau.”
Desta norma resulta que foi estabelecido pela Lei Básica o princípio de que a propriedade e a gestão dos solos e recursos naturais no âmbito da Região cabem respectivamente ao Estado e ao Governo da Região. No entanto, a fim de respeitar e proteger os poucos terrenos da propriedade privada já existentes em Macau, é admitida excepção a este princípio, isto é, continuar a reconhecer os direitos de propriedade privada de terrenos anteriormente existentes.
Há um requisito para a excepção, que consiste em que os terrenos de propriedade privada devem ser “reconhecidos, de acordo com a lei, antes do estabelecimento da RAEM.”
Uma vez que após o estabelecimento da Região, todos os terrenos situados no âmbito territorial da Região são de propriedade do Estado, excepto os que foram reconhecidos como propriedade privada nos termos da lei antes do estabelecimento da Região. Em consequência, não é possível constituir nova propriedade privada de terrenos depois da criação da Região, sob pena de violar a disposição do art.º 7.º da Lei Básica.
Se a acção de reconhecimento do direito de propriedade sobre terrenos fosse proposta por interessados apenas depois do estabelecimento da Região, os seus pedidos estariam manifestamente em desconformidade com o art.º 7.º da Lei Básica por que todos os terrenos não reconhecidos como de propriedade privada até ao estabelecimento da Região passam, a partir deste, a integrar na propriedade do Estado.
Mesmo que a acção fosse instaurada antes do estabelecimento da Região, tal como acontece com o presente processo, os referidos pedidos também não podem proceder se não houver sentença transitada até ao momento do estabelecimento da Região, o que equivale à falta de reconhecimento nos termos da lei e os pedidos de interessados violam a disposição do art.º 7.º da Lei Básica.
É a mesma a razão de fundo das duas situações. Desde que não fosse confirmada legalmente a natureza privada da propriedade de terrenos antes do estabelecimento da Região, jamais pode obter a confirmação depois da criação da Região, independentemente da qualificação doutrinal deste tipo de acção como constitutiva ou declarativa, sob pena de violação do princípio consagrado no art.º 7.º da Lei Básica, segundo o qual a propriedade dos terrenos na Região cabe ao Estado. Os tribunais não podem proferir sentença de reconhecimento do direito de propriedade privada sobre os terrenos, em desobediência ao disposto na referida norma, após o estabelecimento da Região, ou seja, a partir da entrada em vigor da Lei Básica”>.

4. Papel de seda
O facto de a pretensa aquisição da casa estar documentada num papel de seda não altera nada o que se disse. A Lei Básica não estabelece qualquer princípio atinente ao reconhecimento de terrenos como propriedade privada, se a aquisição constasse de tais documentos. O que bem se compreende, já que nada garantia que o direito existisse na esfera jurídica do cedente.

5. Propriedade da construção
A pretensão do recorrente em ver reconhecida a propriedade da construção não tem qualquer viabilidade.
Como se sabe, nos Direitos Reais vigoram os princípios da tipicidade e do numerus cluasus, o que significa que só os direitos reais previstos por lei são admissíveis (artigo 1230.º do Código Civil).
Não é possível ser-se titular da propriedade de uma construção implantada num terreno, desligada da titularidade do direito de propriedade sobre o terreno, para além das excepções expressamente previstas na lei. Ora, como não se pode adquirir por acessão industrial imobiliária um terreno que não é de propriedade privada, nem sendo possível adquirir um direito de superfície em terreno não privado (artigo 7.º da Lei Básica), não se vislumbra a que título é que o recorrente pretende ver reconhecida a propriedade da construção implantada no terreno da RAEM.
Por outro lado, no Acórdão de 20 de Maio de 2010, no Processo n.º 17/2010, atrás mencionado, dissemos o seguinte:
À querela jurisprudencial e doutrinal foi posto termo pelo Assento de 18 de Outubro de 1995 (Processo n.º 295), do Tribunal Superior de Justiça, publicado na I Série do Boletim Oficial, de 3 de Junho de 1996, aresto este que continua a constituir jurisprudência obrigatória para os tribunais da RAEM, nos termos do artigo 2.º, n.º 6, alínea b) do Decreto-Lei n.º 55/99/M, de 8 de Outubro, e que decidiu: “Nas acções de reconhecimento do direito de propriedade privada sobre terrenos, intentada contra o Território de Macau, incumbe ao autor provar a existência de título formal de aquisição”.
Que foi complementado com o Assento do mesmo Tribunal, de 23 de Abril de 1997 (Processo n.º 614) (I Série do Boletim Oficial, de 14 de Setembro de 1998), segundo o qual “Nas acções de reconhecimento do direito de propriedade privada sobre terrenos, ainda que neles tenham sido constituídos prédios urbanos, incumbe ao autor provar a existência de título formal de aquisição”>.
Ora, também este Assento constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais da RAEM.
Em conclusão, desde que até ao estabelecimento da RAEM o recorrente não viu reconhecida a propriedade sobre o prédio dos autos, o artigo 7.º da Lei Básica impede agora tal reconhecimento visto o mesmo ser considerado propriedade do Estado.
O recurso não merece, portanto, provimento.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
Macau, 6 de Fevereiro de 2013.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai


O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho
1 Refere-se à Lei Básica.
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Processo n.º 2/2013