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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A, interpôs recurso contencioso de anulação do acto tácito de indeferimento imputado ao Secretário para os Transportes e Obras Públicas, no âmbito de recurso hierárquico de mapa classificativo de execução de empreitada.
Por acórdão de 25 de Outubro de 2012, o Tribunal de Segunda Instância (TSI) rejeitou o recurso por irrecorribilidade contenciosa do acto administrativo.
Inconformada, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões úteis:
  - Contrariamente ao sustentado no acórdão recorrido, o acto impugnado não esgotou a sua eficácia no interior da administração. Com a elaboração do mapa da classificação e as avaliações da obra pública pela Administração, serve e serviu para uma determinação pela Administração, e com tal resultado da avaliação, (a) perde o ora Recorrente a preferência em participar em qualquer concurso público, sendo obrigado a suspender a sua qualificação por um prazo de um ano a contar de 30 de Março de 2012 e ainda, (b) O empreiteiro, ora Recorrente cuja qualificação foi suspensa, caso pretenda recuperar a sua qualificação, terá por iniciativa própria, após o termo do prazo de suspensão, apresentar o pedido da autorização para início a partir da classe C.
  - O Douto acórdão recorrido viola o disposto artigo 110.° do CPA e o artigo 28.º do CPAC.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer em que se pronuncia pela procedência do recurso.

II - Os Factos
O Acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
Por despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas datado de 09FEV2009, foi determinada a abertura do concurso público para a Empreitada de Concepção e Construção de Passagem Superior Pedonal na Avenida do Oceano;
Por despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas datado de 29MAIO2009, a empreitada foi adjudicada à A, ora recorrente;
Concluída a execução da obra e na vistoria para o efeito de recepção provisória, foi realizada a avaliação da obra por uma comissão constituída por dois engenheiros do GDI, que acompanharam a obra, por um responsável do Centro de Investigação e Ensaio em Engenharia, que controlou a qualidade de execução da obra e por um representante da empresa B, encarregada da fiscalização da execução da obra, procedeu-se à avaliação da obra;
Avaliação essa que foi reduzida a um documento que se denomina, ou seja, mapa das classificações da qualidade da obra executada pela empreiteiro, ora constante do processo administrativo;
O mapa foi assinado por todos os elementos da acima referida comissão;
A classificação final atribuída no mapa é 3,94;
Em 26ABR2011 a empreiteira, ora recorrente, tomou conhecimento do mapa e ao assinar formulou a declaração da não concordância com o resultado das classificações e de reservar o direito de impugnação;
Mediante o requerimento datado de 26MAIO2011, que se dirigiu ao Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, a recorrente expôs as razões que a levaram a sua não concordância com o mapa de classificação e pediu que fossem revogadas as classificações dadas e atribuída à ora recorrente uma pontuação final não inferior a 7.12;
Sobre o requerimento foi elaborada uma proposta pelo GDI, e submetido à apreciação do Senhor Secretário;
A recorrente interpôs o presente recurso contencioso em 23SET2011, com fundamento no alegado indeferimento tácito;
Em 21 OUT2011, mediante o despacho lançado sobre a proposta do GDI, o Senhor Secretário determinou que fosse devolvido para o GDI todo o expediente relacionado com o requerimento.

III – O Direito
1. A questão a apreciar
Trata-se de saber se o acto impugnado é meramente interno, não produzindo efeitos externos, lesivos da recorrente e, como tal, contenciosamente irrecorrível.

2. Factos novos
A recorrente impugnou perante o Secretário das Obras Públicas e Transportes um mapa elaborado por uma comissão de quatro pessoas, que classificou e avaliou a obra por si efectuada em regime de empreitada de obras públicas.
Na falta de decisão do Secretário, recorreu contenciosamente do acto tácito de indeferimento, que imputa àquele Membro do Governo.
A entidade recorrida do recurso contencioso, o mencionado Secretário, contestou o recurso contencioso e nesta contestação arguiu a irrecorribilidade contenciosa do acto recorrido – que qualificou como excepção peremptória – com fundamento em que o mapa de classificação é interno, servindo meramente de orientação para o serviço, não lesivo para a recorrente nem susceptível de se repercutir na sua esfera jurídica, pelo que não se formou acto de indeferimento tácito.
A recorrente respondeu à excepção dizendo que o acto não é interno, até porque foi notificado à recorrente e é prejudicial porque a classificação da obra não deixará de influenciar as futuras decisões administrativas, pedindo se julgasse improcedente a excepção peremptória.
O Acórdão recorrido considerou procedente a questão suscitada pela entidade recorrida e decidiu que o mapa de classificação é meramente interno e, por isso, insusceptível de ser impugnado contenciosamente.
No presente recurso jurisdicional, a recorrente mantém que o mapa de classificação da obra não é meramente interno, mas veio, nos artigos 18.º e seguintes da sua alegação, invocar factos novos, que podia e devia ter suscitado na sua resposta à excepção, no âmbito do recurso contencioso e que, por isso, o Acórdão recorrido não conheceu.
Tais factos respeitam a um alegado Regime para a Sistematização do Processo de Consulta das Empreitadas de Obras Públicas, que alega ser composto por base central de dados dos empreiteiros que aderiram ao processo de consulta das empreitadas de obras públicas, por regras de sorteio das classes e de mecanismo de avaliação no final do ano da qualidade da obra e de reclassificação das qualificações, bem como de comissão para a apreciação da qualificação dos empreiteiros que aderiram ao processo de consulta das empreitadas de obras públicas.
Mais alega a recorrente que, de acordo com tal Regime, todas as obras estão sujeitas a avaliação de qualidade, havendo três classes atinentes ao preço estimado das obas e que o empreiteiro desce na categoria de obras, para uma classe imediatamente inferior se a sua notação, relativamente às obras executadas no ano anterior, for inferior a 6, sendo que a sua categoria for a mais baixa, a C, ele será suspenso durante um ano.
O TUI só conhece de matéria de direito, no recurso jurisdicional administrativo (artigo 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso), pelo que não lhe cabe apreciar esta matéria de facto, que não foi oportunamente alegada e que, por isso, não foi conhecida pelo Acórdão recorrido.
Não se conhecerá, assim, da matéria referida.

3. O Acórdão recorrido. Acto interno.
O Acórdão recorrido discorreu assim:
  “Coloca-se perante nós uma questão da impugnabilidade contenciosa de um acto.
  A este respeito diz o art.º 28.º/1 do CPAC que são actos administrativos contenciosamente recorríveis os que, produzindo efeitos externos, não se encontram sujeitos a impugnação administrativa necessária.
  Está em causa in casu um acto que consiste na classificação de uma obra pública já executada levada a cabo por um grupo de elementos de diversas entidades que se encarregaram de fiscalizar e controlar a qualidade da obra ao longo da sua execução.
  Trata-se a obra em causa de objecto de uma empreitada adjudicada à recorrente mediante concurso público, aberto e regulado pelo D. L. nº 74/99/M de 08NOV.
  Se é verdade que o citado diploma prevê a vistoria da obra com vista à recepção provisória, no mesmo decreto nada foi prescrito em relação a tal mapa da classificação da qualidade da obra executada.
  Não se sabe portanto quais são os efeitos externos que este mapa pode produzir na esfera jurídica da recorrente nem para quê finalidade se serve.
  E de acordo com os elementos constantes dos autos, incluindo o alegado na petição inicial do recurso, o concurso público foi realizado e o contrato administrativo que tem por objecto a empreitada foi concluído e pontualmente cumprido.
  O que significa que o acto em causa é um acto posterior e autónomo em relação quer à adjudicação quer ao contrato de empreitada, pois não está inserido no procedimento de adjudicação da obra nem na formação do contrato de empreitada, nem noutro procedimento administrativo conexo já desencadeado.
  Comportando o acto em si o conteúdo de certo tipo de avaliações e relatório de uma obra pública já concluída, não se vê como e quais os direitos e interesses legalmente protegidos da recorrente podem ser directamente atingidos por tais avaliações.
  Mesmo que tivesse sido levada ao conhecimento da recorrente, a tal classificação não produz efectivamente quaisquer efeitos externos uma vez que o seu conteúdo é meramente avaliações dos vários aspectos de uma obra já executada, de per si não seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.
  Não sabendo com certeza para que finalidade foi levada a cabo uma tal classificação da qualidade da obra já executada, o certo é que com a elaboração do mapa da classificação, a Administração não pretende constituir ou modificar imediatamente relações intersubjectivas, entre a Administração e a recorrente, ou afectar a situação jurídica duma coisa, nomeadamente, as condições e os termos do contrato que tem por objecto a adjudicação da empreitada.
  Admitimos embora a utilidade da classificação no futuro em determinado procedimento administrativo, dada a riqueza e multiplicidade das situações da vida, não temos a capacidade de prever as mais diversas oportunidades ou momentos no futuro em que poderá ser utilizada a classificação em causa, ou para que finalidade se poderá servir.
  Todavia, com alguns esforços da imaginação, cremos, talvez, que a tal classificação possa afectar a ora recorrente no futuro, se ela vier candidatar-se a um concurso público para a adjudicação de obra pública, desde o próprio caderno de encargos ou o programa do concurso preveja o curriculum dos concorrentes como factor de ponderação na avaliação das suas propostas.
  Portanto a classificação não deixará de ter certa dose da instrumentalidade.
  Só que mesmo com essa instrumentalidade, a classificação não se destina a instruir um acto cujo procedimento já desencadeado, mas sim um acto meramente eventual, longínquo, incerto e hipotético.
  O que quer dizer a possibilidade de a classificação produzir efeitos jurídicos externos ou repercutir-se na esfera jurídica da recorrente fica condicionada ao desencadeamento de um procedimento administrativo de realização meramente eventual.
  Então, dada a sua instrumentalidade incerta, mediata e longínqua, por mais errada ou injusta que seja, a classificação em causa só tem a virtualidade meramente hipotética de afectar a ora recorrente através da prática no futuro de um acto administrativo que a aproveita.
  Contudo, mesmo que isso venha a acontecer, a recorrente não fica desamparada, dado que quaisquer vícios de que padece a classificação só se tornam dos direitos e interesses da recorrente se vierem a ser efectivamente aproveitados em desfavor da recorrente na prática do acto administrativo que, como se sabe é sempre passível de impugnação nos termos gerais.
  Não tendo, por razões que vimos, efeitos jurídicos externos, o mapa da classificação em causa não pode deixar de ser um acto meramente interno sem eficácia externa, consequentemente insusceptível de impugnação contenciosa”.
A qualificação do acto como interno merece o nosso inteiro aplauso.
Como explica ESTEVES DE OLIVEIRA1 são actos internos “… aqueles actos que produzem todos os seus efeitos no seio da instituição administrativa e não se projectam na esfera de outros sujeitos de direito não definem situações jurídicas da Administração e de particulares, pelo que não se consideram definitivos para efeitos de recurso contencioso”.
O mapa em causa não afectou quaisquer direitos ou interesses legalmente protegidos da recorrente. É uma peça informativa interna, isto é, destinada a produzir efeitos nas relações interorgânicas da Administração. Foi produzido no fim da execução da empreitada e a recorrente em nada foi prejudicada pela elaboração de tal mapa, que classificou a execução do contrato.
Não é, portanto, um acto externo, no sentido de que não produz efeitos externos, pelo que o silêncio do superior hierárquico não conduziu à formação de acto contenciosamente recorrível.
Recorde-se que, de acordo com o disposto no artigo 28.º, n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso, “[S]ão actos administrativos contenciosamente recorríveis os que, produzindo efeitos externos, não se encontram sujeitos a impugnação administrativa necessária”.


4. Futuro acto preparatório
Admite-se, no entanto, que, no futuro, a Administração possa vir a utilizar o mapa para classificar determinados parâmetros, no caso, por exemplo, de a recorrente se vir a apresentar a um novo concurso público ou, na escolha de concorrente, no caso de concurso limitado. Tais ocorrências são eventuais. Não sabemos se a recorrente virá a ser opositora a qualquer concurso público futuro. Mas, se vier, e se tal mapa classificativo vier a ser utilizado, o mesmo transforma-se em acto preparatório do acto definitivo que então será produzido. E como acto preparatório, a sua legalidade ou regularidade pode ser discutida, mesmo contenciosamente, a propósito da impugnação do acto definitivo. Como ensina MARCELLO CAETANO2 “ … importa não esquecer que a ilegalidade do acto definitivo e executório pode resultar da preterição de formalidades na formação da vontade manifestada, isto é, da ilegalidade de actos preparatórios que não possa ser discutida contenciosamente senão a propósito da resolução final”.
Também com fundamento em princípios de economia processual só faz sentido discutir a legalidade ou a justeza do mapa se este for utilizado contra a recorrente. Não, neste momento, em que isso ainda não ocorreu.
Tratando-se de acto interno é irrecorrível contenciosamente.
Improcede, assim, o recurso.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso jurisdicional.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UC.
Macau, 27 de Fevereiro de 2013.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho

     1 ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Coimbra, Almedina, Volume I, 1980, p. 413.
     2 MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Coimbra, Almedina, Volume II, 9.ª edição (reimpressão), 1980, p. 1329.
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1
Processo n.º 6/2013