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Processo n.º 16/2001. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para a Segurança.
Assunto: Prazo para o recurso contencioso. Residente de Macau (Lei n.º 8/1999). Residência em Macau (art. 25.º, n.º 2 do CPAC).
Data da Sessão: 6 de Fevereiro de 2002
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.

SUMÁRIO:
I - Quando a Lei n.º 8/1999 qualifica uma pessoa como residente de Macau e outra como não residente, está apenas a significar que o primeiro tem direito de residência em Macau, embora possa acontecer nem aqui residir, e que o segundo não tem direito de residência em Macau, embora possa suceder que aqui resida efectivamente.
II – Se o recorrente tiver a sua residência habitual em Macau, e aqui esteja autorizado a permanecer, ainda que não tenha o direito de residência em Macau, nos termos da Lei n.º 8/1999, o prazo para a interposição de recurso contencioso de actos administrativos anuláveis é de 30 dias, nos termos do art. 25.º, n.º 2, alínea a), do CPAC.
III - É ao Tribunal que cabe apreciar os factos e respectivas qualificações jurídicas relativas a pressupostos processuais do recurso contencioso de actos administrativos e em particular da tempestividade do recurso contencioso de anulação [arts. 46.º, n.º 2, em especial a alínea h), 61.º e 74.º, n.º 1 do CPAC].

O Relator
Viriato Manuel Pinheiro de Lima


ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório

A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Segurança, de 19 de Março de 2001, que indeferiu o pedido do recorrente, de fixação de residência em Macau.
Por acórdão de 19 de Julho de 2001, do Tribunal de Segunda Instância, foi mantido o despacho do Relator, que rejeitara liminarmente o recurso por intempestividade, por ter considerado que o prazo para o recurso contencioso era de 30 dias e não de 60 dias [art. 25.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Administrativo Contencioso1], já que recorrente residia habitualmente em Macau, apesar de não ser residente para efeitos da Lei n.º 8/1999.
É deste acórdão que vem interposto o presente recurso jurisdicional, terminando o recorrente a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões:
«I - O recorrente não é residente habitual da RAEM nos termos do disposto no parágrafo 3.º do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999, de 20 de Dezembro.
II - O recorrente está apenas autorizado a permanecer em Macau nos termos do disposto no artigo 11.º do D.L. n.º 55/95/M, de 31 de Outubro, o qual, mais uma vez, expressamente distingue entre a simples titularidade de uma autorização de permanência e a autorização efectiva de residência em Macau.
III - Se a vontade do legislador fosse no sentido de utilizar, ao invés do conceito jurídico, o conceito de facto de residente, teria o mesmo, com toda a certeza, empregue o termo residência habitual, pois apenas a utilização da expressão habitual poderá, de certa forma, ser contraposta à definição estritamente legal de residência.
IV - Ainda que a interpretação defendida pelo Acórdão recorrido estivesse correcta, que não está, persiste ainda a questão de saber a quem competirá, afinal, determinar se os recorrentes ou eventuais recorrentes seriam ou não residentes de facto de Macau.
V - Quando a Administração informa os interessados que estes dispõem de um prazo de sessenta dias para apresentar recurso contencioso está obviamente a determinar que os sujeitos em causa residem no exterior de Macau, razão pela qual é aquele prazo aplicado.
VI - Determinação essa que até agora não foi revogada por nenhum acto posterior.
VII - No caso, o Secretário para a Segurança da RAEM entendeu que o recorrente seria residente no exterior de Macau e por essa razão o informou de que este dispunha de um prazo de sessenta dias para apresentar recurso contencioso.
VIII - Caso se venha a entender que o recurso interposto foi, efectivamente, extemporâneo, o que de forma alguma se aceita, não podemos deixar, então, de entender que o uso tardio do mesmo ocorreu por culpa exclusiva da Administração que informou o recorrente de que este dispunha de um prazo superior ao real.
IX - Ora, a perda do recurso irá causar danos na esfera do recorrente, os quais serão certamente imputáveis à Administração, ficando esta colocada na obrigação de os indemnizar».
A entidade recorrida deu por reproduzida a resposta apresentada no recurso contencioso no qual defendera que o recorrente mantinha residência em Macau, embora legalmente não pudesse ser considerado residente, pelo que o recurso contencioso deveria ser considerado intempestivo.
A Ex.ma Procuradora-Adjunta emitiu o seguinte parecer:
«Inconformando com o douto acórdão do Tribunal de Segunda Instância no sentido de manter o despacho de rejeitar liminarmente, por ser extemporâneo, o seu recurso interposto do despacho do Senhor Secretário para a Segurança que indeferiu o seu pedido de fixação de residência em Macau, veio A interpor recurso para o Tribunal de Última Instância.
Não suscita dúvidas sobre a conclusão tirada no douto acórdão recorrido que considera anulável, e não nulo, o acto impugnado praticado por Senhor Secretário para a Segurança, conformando assim com a decisão, nesta parte.

A primeira questão colocada pelo recorrente “consiste precisamente na interpretação dos preceitos constantes das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 25.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, mais precisamente no que respeita ao conceito de residente neles utilizado”.
No entendimento do recorrente, a interpretação, feita pelo Tribunal de Segunda Instância no sentido de considerar as normas em causa se reportarem a situação de facto e não ao conceito técnico-jurídico de residência, “para além de não assentar em qualquer base legal, nunca poderá, em termos de justiça material, prevalecer”.
Ora, o referido n.º 2 do art. 25.º fixa, para efeito de recurso de actos anuláveis, 30 dias para aquele que “resida em Macau” e 60 dias para o recorrente que “resida no exterior de Macau”. (sublinhado nosso)
O art. 8.º do Código Civil (sobre a interpretação da lei) prevê o seguinte:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstruir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

Sobre esta disposição, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela no seu Código Civil:
“O facto de o artigo afirmar que a reconstituição do pensamento legislativo deve fazer-se a partir dos textos, não significa, de modo nenhum, que o intérprete não possa ou não deva socorrer-se de outros elementos para o efeito, nomeadamente do espírito da lei (mens legis).
Resumindo, embora sem grande rigor, o pensamento geral desta disposição, pode-se dizer que o sentido definitivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.”

   Voltamos ao nosso caso concreto.
É verdade que, face às disposições contidas na Lei n.º 8/1999, o recorrente não detém a qualidade de residente permanente ou não permanente da RAEM nem de residente habitual da RAEM.
Repare-se que no n.º 2 do art. 25.º do CPAC, o legislador não utiliza, a propósito a nosso ver, a expressão “(ser) residente de Macau” ou “ter residência habitual em Macau”, por exemplo, mas sim “residir em Macau”, inclinando-se mais a reportar-se a uma situação de facto do que um conceito técnico-jurídico de residência /residente.
Apesar de que no n.º 2 do art. 4.º da Lei n.º 8/1999 se refere também a indivíduos que não são considerados residir em Macau, certo é que tal disposto está interligado ao n.º 1 do mesmo artigo, ou seja, tal disposição serve para apurar/determinar o conceito de “residência habitual” ou para distinguir, entre aqueles que residam em Macau, os que não são considerados, para os efeitos legais (sobretudo respeitantes ao direito de residência), ter residência habitual em Macau. (sublinhado nosso)
O que equivale a dizer que nem todos os que residam, de facto, em Macau têm o direito de residência no sentido de ser considerado como ter aqui a residência habitual (e muito menos como residente permanente ou não permanente), distinguindo-se assim aqueles que apenas residam de facto em Macau dos que são residente de Macau.
Nesse entendimento pode-se encontrar o apoio no n.º 1 do citado art. 4.º da Lei n.º 8/1999, que prevê, para um indivíduo ser considerado residente habitual de Macau, duas condições: residir legalmente em Macau e ter aqui residência habitual.

Por outro lado, há que ter em conta a razão e a justificação que levam o legislador a fixar um prazo mais longo para aqueles que residam no exterior de Macau.
A razão é muito simples: quando não residir em Macau, precisa de mais tempo para trabalhos preparatórios (preparar documentos ou tomar diligências) com vista a interpor o recurso.
O que se releva aqui é o facto de, sobretudo durante o período previsto na lei para o recurso, se encontrar a residir em Macau ou não, não importando a que título.
A mesma justificação também se encontra no art. 75.º do Código do Procedimento Administrativo, que regula a matéria de dilação e prevê os diferentes prazos consoante se os interessados residirem ou se encontrarem em outras regiões da Repúblico Popular da China, noutros país asiático ou em país fora da Ásia (alíneas a), b) e c), respectivamente).

No caso em apreço, sendo titular de bilhete de identidade de Hong Kong, o recorrente pode permanecer em Macau pelo período de 1 ano (art. 11.º n.º 1 do DL n.º 55/95/M, com a redacção dada pelo Regulamento Administrativo n.º 27/2000).
Repare-se que neste diploma, sendo o diploma próprio que regula a matéria de entrada, permanência e fixação de residência no território de Macau, o conceito de residência é utilizada no sentido estritamente técnico-jurídico.

Como consta dos autos, no período contido entre Agosto de 2000 e Maio de 2001, o recorrente esteve na maioria do seu tempo em Macau, estando ausente por muito pouco tempo, sobretudo no período imediatamente posterior à notificação do despacho do Senhor Secretário para a Segurança, com ida e volta no mesmo dia ou, no máximo, nos dois dias (cfr. listagem de movimentos fronteiriços de fls. 30 dos autos).

Concluindo, é de crer que o conceito contido no n.º 2 do art. 25.º do CPAC não tem o mesmo alcance que o previsto na Lei n.º 8/1999 ou no DL n.º 55/95/M, reportando-se a uma situação de residir de facto e não ao conceito técnico-jurídico de residência.
Residindo em Macau, o recorrente teve apenas 30 dias para interpor o recurso, prazo este que está já passado quando o recorrente interpôs o recurso.

O recorrente suscita depois “a questão de saber a quem competirá, afinal, determinar se os recorrentes ou eventuais recorrentes seria ou não residentes de facto de Macau”.
Não nos parece tratar-se de uma questão com pertinência para resolver o problema em causa.
Antes de mais, não estando em causa um conceito de residência estritamente técnico-jurídico, seguramente não é a mesma coisa de que se falam, por exemplo, o art. 5.º n.º 2 da Lei n.º 8/1999 (competência do director dos Serviços de Identificação em determinar a residência habitual) ou as disposições contidas no DL n.º 55/95/M.

Ao mesmo tempo, na apreciação e decisão de uma questão concretamente colocada dentro da sua competência, o tribunal não está vinculado ao entendimento ou posição da Administração, quer relativo ao facto de o recorrente residir ou não em Macau quer respeitante à indicação de uma prazo superior ao legal, sob pena de pôr em causa a sua independência.

Por fim, e como têm entendido a doutrina e a jurisprudência, os prazos fixados nas diferentes alíneas do n.º 2 do no art. 25.º do CPAC são de natureza substantiva ou de caducidade, e não adjectiva ou processual, uma vez que ainda não há processo. Hoje em dia, o recurso contencioso de anulação passou a ter uma função eminentemente subjectiva de tutela e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos e composição de litígios decorrentes das relações jurídico-administrativas.
Bem decidiu o Tribunal de Segunda Instância no douto acórdão recorrido, quando considerou que “tratando-se de um prazo de natureza substantiva, a indicação de uma prazo superior ao legal não tem qualquer efeito como teria se se tratasse de prazo processual e o funcionário, por lapso, o tivesse referido erradamente”.

Pelo exposto, deve-se negar provimento ao recurso interposto».


II – Os factos

Os factos com interesse para a decisão são os seguintes:
O recorrente A, que é titular de «Hong Kong Identity Card», mas com residência habitual em Macau, requereu a fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau.
O pedido foi indeferido por despacho de 19 de Março de 2001, do Secretário para a Segurança.
Na notificação do referido acto, feita em 27 de Março de 2001, a PSP notificou o ora recorrente “que poderá apresentar no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data de tomada de conhecimento deste, o recurso contencioso junto do Tribunal de Segunda Instância”.
O recurso contencioso foi interposto no dia 25 de Maio de 2001.

III – O Direito
Delimitação do objecto do recurso

1. Trata-se de saber se o recurso contencioso de anulação foi apresentado em tempo.
O prazo para o recurso dos actos anuláveis2 é de 30 dias “quando o recorrente resida em Macau” [art. 25.º, n.º 1, alínea a) do CPAC]. E é de 60 dias “quando o recorrente resida no exterior de Macau” [art. 25.º, n.º 1, alínea b) do CPAC].
O recorrente, que é titular de «Hong Kong Identity Card», mas com residência habitual em Macau, requereu a fixação de residência em Macau.
Para o acórdão recorrido o prazo de interposição do recurso é de 30 dias, porque o recorrente reside em Macau.
Para o recorrente o prazo é de 60 dias, porque ele não é residente da RAEM, nos termos da alínea 3) do n.º 2, do art. 4.º da Lei n.º 8/1999, uma vez que apenas está autorizado a permanecer em Macau, nos termos do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 55/95/M.
É apenas esta a questão a resolver.
Ficam, assim, de fora outras questões relacionadas com a tempestividade do recurso contencioso, mas que o recorrente não invocou como fundamento do recurso e que, por isso, o Tribunal não pode conhecer.
Quer isto dizer que o Tribunal não irá apreciar a questão de saber se o facto de a PSP ter notificado o ora recorrente “que poderá apresentar no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data de tomada de conhecimento deste, o recurso contencioso junto do Tribunal de Segunda Instância”, poderia ter como consequência que o prazo para o recurso fosse o indicado, mesmo que se viesse a entender que, legalmente, o prazo correcto seria o de 30 dias.

Autorização de permanência em Macau

2. O recorrente é titular de «Hong Kong Identity Card» e requereu a fixação de residência em Macau. Tem residência habitual em Macau.
Este Tribunal não pode sindicar este último facto, pois que, como se sabe, no presente recurso jurisdicional não conhece de matéria de facto (art. 152.º do CPAC).
O acórdão recorrido considerou que o art. 25.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPAC, quando menciona a residência do recorrente se refere a situações de facto e não ao conceito jurídico de residência, embora admita que o recorrente não reside em Macau, em face do disposto no art. 4.º, n. 2, alínea 3) da Lei n.º 8/1999.
Já para o recorrente, se o legislador tivesse pretendido utilizar o conceito de facto de residente teria empregue o termo “residência habitual”, o que não fez. Assim, no art. 25.º do CPAC, ainda segundo o recorrente, pretendeu-se referir ao conceito legal de residência da Lei n. 8/1999.
Vejamos.
O Decreto-Lei n.º 55/95/M, de 31.10, regula a entrada, permanência e fixação de residência em Macau.
Este diploma distingue a situação de mera permanência, da residência em Macau. A autorização de permanência em Macau pode ter lugar para fins de estudo, de reagrupamento familiar ou em caso de pedido de fixação de residência (art. 10.º, n.º 1).
Os residentes de Hong Kong, designadamente os titulares de «Hong Kong Identity Card», como o recorrente, podem permanecer em Macau por determinado período (art. 11.º, n.º 1).
Nos arts. 16.º e segs. do mesmo diploma, regula-se a autorização de residência, que começa por um pedido de fixação de residência.
Concluindo, para efeitos do diploma que se tem vindo a mencionar, Decreto-Lei n.º 55/95/M, o recorrente estava autorizado a permanecer em Macau e tinha requerido a fixação de residência em Macau, que foi indeferida pelo acto recorrido. E, na prática, residia efectivamente em Macau.

Conceitos de residente permanente, residente não permanente e não residente em Macau, na Lei Básica e na Lei n.º 8/1999

3. A Lei Básica da RAEM atribui direitos e impõe deveres aos residentes de Macau (Capítulo II). Nos residentes de Macau faz uma distinção entre os residentes permanentes e os residentes não permanentes. Os primeiros são determinadas pessoas enumeradas no art. 24.º da Lei Básica, que têm direito à residência na RAEM e à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM. Os residentes não permanentes são aqueles que têm direito à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente de Macau, mas que não têm direito à residência (art. 24.º).
Basicamente, os residentes permanentes e os residentes não permanentes usufruem dos mesmos direitos, mas os residentes permanentes são titulares de certos direitos políticos, que os residentes não permanentes não têm.
A Lei n.º 8/1999, de 19 de Dezembro, veio estatuir sobre os conceitos de residente permanente e residente não permanente da RAEM e regulamentar o acesso a estes estatutos jurídicos.
No art. 1.º dispõe-se sobre quem são os residentes permanentes, da seguinte forma:
«Artigo 1.º
Residentes permanentes

  1. São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente designada por RAEM:
  1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
  2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM;
  3) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 1) e 2), de nacionalidade chinesa e nascidos fora de Macau, se à data do seu nascimento o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos na alíneas 1) ou 2);
  4) Os indivíduos nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da RAEM, de ascendência chinesa e portuguesa, que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
  5) Os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
  6) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 4) e 5), de nacionalidade chinesa ou que ainda não tenham feito opção de nacionalidade, nascidos fora de Macau e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, satisfazia os critérios previstos nas alíneas 4) ou 5);
  7) Os portugueses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe já residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
  8) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
  9) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
  10) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 9), nascidos em Macau, de idade inferior a dezoito anos, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos na alínea 9).
  2. O nascimento em Macau prova-se por registo de nascimento emitido pela conservatória competente de Macau».

No art. 2.º diz-se quais são os direitos dos residentes permanentes, no que toca à entrada, saída e permanência em Macau.
No art. 3.º esclarece-se quem são os residentes não permanentes.
O art. 4.º é do seguinte teor:
«Artigo 4.º
Residência habitual

1. Um indivíduo reside habitualmente em Macau, nos termos da presente lei, quando reside legalmente em Macau e tem aqui a sua residência habitual, salvo o previsto no n.º 2 deste artigo.
2. Considera-se que um indivíduo não reside em Macau numa das seguintes situações:
1) Se entrou em Macau ilegalmente;
2) Se permanece em Macau ilegalmente;
3) Se apenas tem autorização de permanência;
4) Se permanece em Macau na qualidade de refugiado;
5) Se permanece em Macau na qualidade de trabalhador não residente;
6) Se é membro de posto consular recrutado não localmente;
7) Se, após a entrada em vigor da presente lei, for sujeito a prisão por sentença condenatória transitada em julgado ou a prisão preventiva, salvo posterior absolvição;
8) Outros casos previstos em diplomas legais.
  3. Para os efeitos do estatuto de residente permanente referido nas alíneas 2), 5), 8) e 9) do n.º 1 do artigo 1.º e da perda do direito de residência referida no n.º 2 do artigo 2.º, a ausência temporária de Macau não determina que se tenha deixado de residir habitualmente em Macau.
  4.Para a determinação da residência habitual do ausente, relevam as circunstâncias pessoais e da ausência, nomeadamente:
....
  5. ...».
Do acervo das normas citadas resulta que o recorrente, enquanto titular do direito de residência em Hong Kong, está autorizado a permanecer em Macau por determinado período de tempo.
E para a Lei n.º 8/1999, que estabelece o regime jurídico do direito de residência em Macau, o recorrente não reside habitualmente em Macau, pois não reside legalmente em Macau, nem sequer reside em Macau, pois apenas tem autorização de permanência [art. 4.º, n. os 1 e 2 alínea 3)].
Apesar disso, face aos factos provados no presente recurso, o recorrente tem residência habitual em Macau.
Por outro lado, de acordo com o art. 83.º, n.º 1, do Código Civil “A pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual...”.
Atendendo a que o prazo para interposição de recurso contencioso é fixado tendo em atenção o facto de o recorrente residir em Macau ou no exterior, teremos de considerar, como pretende o recorrente, a qualificação que resulta da Lei n.º 8/1999, para efeitos do art. 25.º do CPAC?
A resposta é negativa.

4. Sob pena de se cair num insuportável conceitualismo,3 a tarefa do intérprete terá de ser a de procurar apurar em relação a cada norma legal a razão para o emprego de determinada expressão, sendo certo que nem sempre os diplomas normativos empregam a mesma designação para caracterizar a mesma realidade.
Quando a Lei n.º 8/1999 qualifica uma pessoa como residente de Macau e outra como não residente, não está a significar necessariamente que o primeiro resida em Macau e que o segundo não resida em Macau.
Isto porque, por um lado, há residentes permanentes que podem não residir habitualmente em Macau, nem sequer nunca aqui terem residido ou mesmo nunca terem estado em Macau (arts. 1.º e 2.º, n.º 2); e, por outro, há indivíduos que têm em Macau a sua residência habitual e, mais do que isso, permanente4 e a lei não os considera como residindo em Macau, como pode acontecer com pessoas com mera autorização de permanência, com refugiados, com trabalhadores não residentes ou com membros de postos consulares recrutados não localmente [art. 4.º, n.º 2, alíneas 3), 4), 5) e 6)].
Na verdade, quando a Lei n.º 8/1999 qualifica uma pessoa como residente de Macau e outra como não residente, está apenas a significar que o primeiro tem direito de residência em Macau, embora possa acontecer nem aqui residir, e que o segundo não tem direito de residência em Macau, embora possa suceder que aqui resida efectivamente.
Já daqui se vê que as qualificações de residente, residente permanente e não residente em Macau, da Lei n.º 8/1999, não podem servir para todos os efeitos, como é intuitivo.
Atente-se no seguinte exemplo: no Regime do Arrendamento Urbano (Lei n.º 12/95/M, de 14.8), já revogado, a falta de residência permanente do arrendatário era causa de resolução do contrato de arrendamento nos prédios destinados a habitação [art. 67.º, n.º 1, alínea i)]. Certamente que não seria possível ao senhorio ter êxito na acção para resolução do contrato, alegando que o arrendatário era trabalhador não residente [e, por isso, face ao art. 4.º, n.º 2, alínea 5) da Lei n.º 8/1999, não residia em Macau], se se provasse na acção que ele residia no arrendado e, portanto, em Macau.

O conceito de residência do recorrente para efeitos do prazo de interposição do recurso contencioso de anulação de actos administrativos

5. O direito de recurso de actos administrativos anuláveis caduca no prazo de 30 dias, quando o recorrente resida em Macau e no prazo de 60 dias, quando o recorrente resida no exterior de Macau (art. 25.º, n.º 2, do CPAC).
Para se saber que conceito de residência utilizou o legislador nesta norma, basta atentar nas razões subjacentes à diversidade de prazos. Na verdade, no primeiro caso a lei considerou ser suficiente um prazo curto de 30 dias. No segundo, entendeu ser conveniente um prazo mais longo, de 60 dias. É claro que o legislador ponderou o facto de o interessado residir efectivamente ou não em Macau, ter aqui a sua residência ou não ter. É que, quando o recorrente tem em Macau a sua residência habitual, é mais fácil preparar o processo judicial que terá de mover, designadamente, coligir os documentos relevantes e constituir advogado que o represente. Pelo contrário, se o recorrente residir no exterior de Macau tem, provavelmente, de se deslocar a Macau para tratar das formalidades e fazer os contactos necessários à propositura de acção judicial. Mesmo que não tenha de se deslocar a Macau, terá sempre necessidade de um prazo superior àquele que resida em Macau. Necessita, por conseguinte, em média, mais tempo que uma pessoa que esteja em Macau.
Ora, assim sendo, é manifesto que, para os efeitos deste art. 25.º do CPAC, o que releva é a residência habitual do recorrente, que é a acolhida no Código Civil, sendo totalmente irrelevante se aquele tem direito de residência em Macau, se é residente ou não residente, para os efeitos da Lei n.º 8/1999.
Efectivamente, um indivíduo que seja residente de Macau, nos termos da Lei n.º 8/1999, mas que aqui não tenha a sua residência, que esteja radicado no exterior de Macau, necessita de um prazo mais alargado para preparar a interposição de uma acção, do que um indivíduo que não seja residente, para os efeitos da Lei n.º 8/1999, mas que resida efectivamente em Macau.
Logo, se o recorrente tiver a sua residência habitual em Macau, e aqui estiver autorizado a permanecer,5 ainda que não tenha o direito de residência em Macau, nos termos da Lei n.º 8/1999, o prazo para a interposição de recurso contencioso de actos administrativos anuláveis é de 30 dias6.
A quem cabe a apreciação dos factos e respectivas qualificações jurídicas, relativos a pressupostos processuais do recurso contencioso de actos administrativos

6. Defende, por último, o recorrente que quando a Administração o notificou que tinha o prazo de 60 dias, o estava a qualificar como não residente, como residindo no exterior e que esta qualificação se impõe ao Tribunal (recorrido).
Repare-se que o recorrente não está a defender que deveria ter o prazo de 60 dias para recorrer por ter sido o prazo indicado pela Administração. Expressamente, o recorrente alegou que o Tribunal não está vinculado à indicação de um prazo superior ao legal (art. 34.º da alegação de recurso jurisdicional), matéria de que não se conhece por não constituir fundamento do recurso. O que o recorrente defende é que o Tribunal está vinculado ao entendimento da Administração de que ele reside no exterior, para os efeitos do art. 25.º, n.º 2 do CPAC.
Salvo o devido respeito, esta alegação não tem o mínimo sentido. É ao Tribunal que cabe apreciar os factos e respectivas qualificações jurídicas relativas a pressupostos processuais7 do recurso contencioso de actos administrativos, e em particular da tempestividade do recurso contencioso de anulação, sendo totalmente irrelevante a apreciação que dos mesmos façam outras entidades, como resulta claramente do disposto nos arts. 46.º, n.º 2, em particular da sua alínea h), 61.º e 74.º, n.º 1 do CPAC.

III – Decisão

Face ao expendido, negam provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC e a procuradoria em 1,5 UC.
Macau, 6.2.2002
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
                       Chu Kin
Fui presente
Song Man Lei
       1 Doravante designado apenas por CPAC.
       2 O recorrente apenas invocou vícios do acto administrativo cuja sanção é a anulabilidade. Se tivesse suscitado vícios a que coubesse a nulidade ou a inexistência jurídica já o recurso poderia ter sido interposto a todo o tempo (art. 25.º, n.º 1 do CPAC).
3 Para uma crítica à utilização de construções artificiais, à limitação à lógica formal e ao desinteresse pelo controlo dos resultados na interpretação da lei, por parte da escola de metodologia jurídica conhecida por “jurisprudência dos conceitos”, cfr. J. OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Uma Perspectiva Luso-Brasileira, Almedina, 10.ª ed., 1999, p. 473 a 475.
4 Para efeitos civis tem-se entendido que a residência permanente é aquela onde o indivíduo tem centrada e organizada a sua vida familiar e doméstica.
5 Se o recorrente fosse, por exemplo, um imigrante ilegal, a conclusão poderia ser diversa. Mas não é este o caso que nos ocupa.
6 O art. 25.º, n.º 2 do CPAC, não esclarece qual o prazo para o recurso, se 30 ou 60 dias, se o recorrente tiver residência habitual em Macau e no exterior (cfr. o art. 83.º, n.º 1 do Código Civil). Mas, como não se provou ser este o caso dos autos, embora o recorrente tenha direito de residência em Hong Kong, não apreciaremos a questão.
7 A qualificação como pressuposto processual da tempestividade do recurso contencioso de anulação não é pacífica. Em sentido afirmativo, cfr. J. C. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2.ª ed., 1999, p. 221 e LINO RIBEIRO, Manual Elementar de Direito Processual Administrativo de Macau, 1997, Tomo I, p. 104. Em sentido negativo, cfr. F. B. FERRREIRA PINTO e GUILHERME DA FONSECA, Direito Processual Administrativo Contencioso, Elcla Editora, Porto, 1991, p. 83. Mas a qualificação em nada altera os dados do problema.
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Proc. n.º 16/2001