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(Tradução)

Vício de insuficiência da matéria de facto
Tráfico de droga
Facto constitutivo de crime
Medida da pena
“Drogas leves”
Confisco do instrumento do crime
Perigosidade do instrumento do crime

Sumário
   
I - Só existe o tal vício de insuficiência da matéria de facto quando o Tribunal não deu como provados todos os factos pertinentes à aplicação da lei e à subsunção no preceito penal incriminador por falta de apuramento de matéria, ou seja quando se verifica uma lacuna no apuramento dessa matéria que impede a decisão de direito; no decurso do julgamento, o Tribunal tem de averiguar estes factos, no âmbito delimitado no objecto do caso processual penal, incluindo a acusação ou o depoimento de defesa.
II - Para determinar se a conduta do arguido constituiu ou não o crime de tráfico de droga previsto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, o Tribunal não tem necessariamente de comprovar os factos susceptíveis da derrogação de artigos fora do 8.º, mas apenas comprovar os factos necessários para a aplicação do artigo 8.º.
III - As características leve, pesada e extremamente pesada da droga, por si só, não podem ter um efeito determinante na escolha do tipo de pena e na sua determinação. Também não se pode haver uma atenuação especial da pena por causa da leveza, mas pode tê-la em conta na medida da pena dentro da moldura penal que o Tribunal tem de considerar.
IV - Na apreensão e confisco de objectos relacionados com o tráfico de droga, não é preciso considerar os factores de que estes objectos, por sua natureza ou nas circunstâncias concretas, poderiam ser perigosos para serem reutilizados na prática de crime ou ser prejudiciais à sociedade.
V - Se os factos provados manifestam que, pelo facto de ter recolhida a droga guardada no carro do arguido, pode reconhecer o carro como um instrumento do crime, o Tribunal tem de determinar o seu confisco.

Acórdão de 13 de Junho de 2002
Processo n.º 60/2002
Relator: Choi Mou Pan

  O TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA CONSTITUIU O COLECTIVO SOBRE O RECURSO DO (A) CONTRA A SENTENÇA DA PRIMEIRA INSTÂNCIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DE BASE, ACORDANDO O SEGUINTE:
  
No inquérito n.º 3509/2001, o Ministério Público da Região Administrativa Especial de Macau acusou o arguido (A) pelo crime seguinte:
O arguido (A), por aquisição e detenção ilícitas de droga não para consumo pessoal, em autoria material e na forma consumada constituiu um crime de tráfico de droga p. e p. pelo n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M. Ao mesmo tempo, a conduta do arguido correspondeu às circunstâncias agravantes previstas na alínea d) do artigo 10.º do mesmo Decreto-Lei.
Tendo recebido a acusação, o arguido requereu, através do seu defensor, a abertura da instrução ao Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base.
O juiz de instrução criminal autorizou o requerimento e abriu a instrução.
Depois da audiência, tendo realizado um debate instrutório, o juiz de instrução criminal fez um despacho de pronúncia, mantendo o facto e tipo de crime acusado pelo MP e remetendo os autos ao Tribunal Judicial de Base para julgamento.
O TJB aceitou os autos e registou o número PCC-096-01-1 ao processo. Foi constituído um Colectivo que conheceu o arguido em processo comum, com base nos factos constantes na pronúncia.
Após o julgamento, o Colectivo fez finalmente a sentença seguinte:
1. Tendo a conduta do arguido (A) constituído um crime qualificado de tráfico de droga previsto no n.º 1 do artigo 8.º e na alínea d) do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, condenou o arguido na pena de prisão de 10 anos e 6 meses e numa multa de 100,000 patacas, ou 66 dias de pena de prisão.
2. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, são confiscados os seguintes objectos apreendidos: a droga, o automóvel da matrícula MG-XX-XX, um par de sapatos, um par de botas de chuva, calculador, faca e cachimbo, destruindo a droga oportunamente.
Inconformado com o decidido referido, o arguido (A) recorreu para este TSI através do seu defensor. Motivou para concluir que:
1. A incriminação do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M depende da confirmação prévia da possibilidade de derrogação do artigo 23.º e dos factos dos artigos 9.º e 11.º;
2. Quando se verifica apenas o facto de detenção ilícita (pelo arguido) de droga, e se chega à conclusão de que não é para consumo do próprio arguido, o Tribunal “a quo” não verificou o facto para a aplicação com certeza da lei.
3. Na determinação (duma forma negativa) do facto de que a droga não era para o consumo do próprio arguido, o Tribunal não indicou um facto concreto como fundamento, misturando a conclusão e o facto e provocando o prejuízo grave ao recorrente.
4. A sentença não comprovou os factos relativos ao grau de ilicitude da conduta do arguido, à forma da actividade ilícita e ao âmbito do resultado do dano, sofrendo assim o vício da insuficiência da matéria de facto e erro no julgamento.
5. Apesar da escrita de comprovação do facto ser sucinta, é indispensável o apuramento da conduta concreta do arguido. Isto revela que a sentença não respeitou o princípio da proporcionalidade, o qual exige uma determinação a mais rigorosa possível da conduta concreta do arguido.
6. O Tribunal também não considerou que a droga detida pelo arguido tinha menor perigosidade relativamente a outras drogas.
7. Além disso, a decisão de confisco do automóvel não respeitou ao pressuposto legal, uma vez que o facto de ter encontrado a droga no automóvel não é suficiente para considerá-lo como um instrumento do crime. Além do disposto no artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, a decisão depende também do preenchimento doutros pressupostos de aplicação previstos no artigo 101.º do Código Penal.
8. Por isso, a sentença recorrida violou as disposições dos artigos 8.º e 22.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M. Violou o artigo 8.º porque não determinou as disposições legais concretas que possam derrogar outras disposições indispensáveis para aplicar o referido artigo; violou o artigo 22.º porque tinha de mostrar que o automóvel tivesse servido realmente para a prática do crime, além do disposto no mesmo artigo e doutros pressupostos previstos no artigo 101.º do Código Penal.
Respondeu o MP pugnando pela confirmação do decidido.
No processo de julgamento do presente recurso, o digno Procurador-Adjunto junto deste T.S.I. deu o seu parecer jurídico, manteve a sua pretensão na resposta ao recurso e propôs também a improcedência do recurso.
Relativamente ao recurso do (A), este TSI constituiu o Colectivo e procedeu o conhecimento nos termos legais.
Tendo os juízes-adjuntos dado visto ao processo e o acórdão convocado em conferência e feito votação, acordam o seguinte:
1. Dos Factos
No dia 19 de Abril de 2001, pelas 18H35, o arguido (A) conduziu o automóvel da matrícula MG-XX-XX (pertencido ao arguido (A)) e parou-o perto do restaurante XXX sito na Avenida Horta e Costa.
Os agentes da PJ acharam o arguido (A) suspeito e fez-lhe uma inspecção.
Depois, os agentes da PJ conduziram o automóvel do arguido (A) à PJ para uma inspecção mais profunda.
Na PJ, os agentes da PJ encontraram no porta-pagagem do automóvel cinco sacos plásticos suspeitos de conter canabis.
Após o exame laboratorial, verificou-se que as substâncias embrulhadas pelos sacos plásticos acima referidos contêm o canabis compreendido na tabela I-C anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M, com o peso líquido de 71.104 gramas.
A droga supramencionada, que o arguido (A) adquiriu junto de um indivíduo não identificado, não foi destinada ao consumo próprio.
O arguido (A) agiu com dolo, de forma consciente, livre e voluntária.
Bem sabendo a natureza e características da referida droga.
Não sendo permitida a sua conduta pela lei.
Tendo perfeito conhecimento de que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Quando praticou o referido acto, o arguido era guarda da Polícia Marítima e Fiscal.
O canabis apreendido foram encontrados num sapato e numa bota de chuva do arguido.
No automóvel também foram encontrados calculador, faca e cachimbo.
O arguido não confessou ao facto imputado.
O arguido completou o curso secundário, não tinha registo criminal e o vencimento mensal dele era cerca de 14.000 patacas. Teve ao seu cargo dois filhos menores.
Factos não provados:
O canabis que se encontrou no automóvel pertencia a uma pessoa chamada (B).
Os factos alegados na contestação e todos os outros factos diversos dos anteriores.
Quanto à sua convicção, consignou o Tribunal “a quo” que: A convicção do Tribunal baseou-se na prova constante dos autos, nas declarações do arguido, no depoimento das testemunhas e na análise crítica dos últimos dois pontos.
Com base nos argumentos apresentados pelo recorrente, as questões principais a resolver são:
Primeiro, suficiência da matéria de facto para a decisão
Segundo, factores a considerar para a medida da pena
Terceiro, confisco do automóvel
Então vamos analisar a primeira questão:
O fundamento principal do recorrente para esta questão era de que a condenação do arguido ao crime de tráfico da droga (previsto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M) depende da confirmação prévia da possibilidade de derrogação de outros artigos daquele Decreto-Lei, nomeadamente o artigo 23.º e os factos dos artigos 9.º e 11.º; senão incorria um vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão.
Obviamente, os argumentos do recorrente são improcedentes.
Dizemos sempre que existe o tal vício de insuficiência da matéria de facto quando o Tribunal não deu como provados todos os factos pertinentes à aplicação da lei e à subsunção no preceito penal incriminador por falta de apuramento de matéria, ou seja quando se verifica uma lacuna no apuramento dessa matéria que impede a decisão de direito; no processo do julgamento, o Tribunal tem que averiguar os factos, no âmbito delimitado pelos objectos da causa processual penal, incluindo a acusação ou a contestação.1
No presente caso, o arguido foi acusado pela prática do crime de tráfico de droga previsto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M. O tráfico de droga aqui é um conceito em sentido lato, abrangendo todos os actos referidos neste artigo. No presente caso, trata-se dum dos actos previstos – a detenção ilícita. Além de comprovar todos os factos alegados na pronúncia, o Tribunal também apreciou os actos alegados na discussão da causa, incluindo os na contestação. Só basta vermos sinteticamente os factos reconhecidos pelo Tribunal, é fácil descobrir que permitem absolutamente uma aplicação legal, uma vez que existe por um lado o facto dum elemento constitutivo objectivo – a detenção ilícita de 71.104 gramas de canabis, existe por outro lado o facto do elemento constitutivo subjectivo – sabia bem a natureza e características da droga, praticou com dolo mesmo que soubesse bem que a sua conduta era proibida pela lei. Além disso, através do conteúdo destes factos provados, não nos é difícil chegar à conclusão de que o Tribunal “a quo” fez uma qualificação jurídica correcta.
Por outro lado, a própria tipificação criminal pelo Tribunal “a quo” demonstra que nos factos provados não existe nenhum facto concreto que permite a aplicação doutras disposições jurídicas. Incumbe apenas ao Tribunal provar os factos necessários para a aplicação do artigo 8.º e não a impossibilidade de aplicação dos factos não abrangidos pelo artigo 8.º. Isto é o que se trata da suficiência da matéria de facto. De facto, o Tribunal não reconheceu os factos aos quais se possam aplicar artigos fora do artigo 8.º. Vejamos o seguinte:
Primeiro, destes factos não existe um facto que demonstra que o arguido era um tóxico-dependente, nem o facto de que a droga era o consumo exclusivo dele. Só comprovou que “A droga supramencionada, que o arguido adquiriu junto de um indivíduo não identificado, não foi destinada ao consumo próprio.” Pelo que, não se pode aplicar os artigos 23.º e 11.º.
Segundo, de acordo com as jurisprudências estabelecidas2 e o âmbito abrangido pelo n.º 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, 8 gramas de canabis já constituem o limite máximo da quantidade mínima de droga. Os 71.104 gramas de canabis no presente caso ultrapassam em grande extensão o limite máximo para a quantidade mínima. Assim, exclui-se naturalmente a aplicação do artigo 9.º.
Pelo exposto, além dos factos reconhecidos no acórdão do Tribunal “a quo” serem suficientes, as disposições legais aplicadas também são correctas.
A segunda questão apresentada no recurso era sobre a medida da pena. A medida da pena refere-se ao percurso em que o Tribunal, depois da tipificação criminal, atende todas as circunstâncias da causa, nomeadamente aquelas descritas no artigo 65.º do Código Penal, incluindo as circunstâncias de atenuação especial enumeradas no artigo 66.º do Código Penal e no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, bem como naturalmente as circunstâncias de agravação previstas legalmente (artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M).
O recorrente referiu primeiro que o Tribunal não considerou, para a determinação da medida da pena, a diferença do grau de perigosidade da droga, nomeadamente no presente processo, sendo o canabis uma droga “leve”, a pena devia ser atenuada em comparação com outros tipos de droga.
É de referir, nas jurisprudências estabelecidas, as características da droga leve, pesada e extremamente pesada, por si só, não podem ter um efeito determinante na escolha do tipo de pena e na sua determinação. Também não se pode haver uma atenuação especial da pena por causa da leveza.3 Pode-se apenas, na determinação da medida da pena dentro da moldura penal, considerá-las, que o Tribunal deve tê-las em consideração.4
Na determinação da medida da pena, o acórdão do Tribunal “a quo” considerou em forma global nos factores previstos no artigo 65.º, incluindo o grau de ilicitude, a gravidade das consequências, etc. Embora não houvesse uma descrição concreta sobre o facto de ter considerado a natureza da droga, desde que a pena condenada ficasse dentro da moldura penal, não podemos afirmar por causa disto que o Tribunal “a quo” não considerou este factor na medida da pena. A razão é que a lei não impõe ao Tribunal fixar concretamente a pena correspondente a cada circunstância, mas só exige ao Tribunal que, na medida da pena, atenda em forma global todas as circunstâncias necessárias e determinar uma pena adequada dentro da moldura penal.
Na nossa opinião, tendo em conta o grau de ilicitude da detenção ilícita de 71.104 gramas de canabis e todas as circunstâncias do caso, a pena de prisão de 11 anos relativa à moldura penal de 10 a 15 anos é muito justa, não havendo nada a pôr em dúvida.
É de referir, com base na menção da pronúncia “Quando praticou o referido acto, o arguido era funcionário público”, o Tribunal “a quo” reconheceu o facto de que “Quando praticou o referido acto, o arguido era guarda da Polícia Marítima e Fiscal.” Embora esta alteração do facto não resultasse numa alteração substancial, tinha um efeito determinante na decisão e fazia com que se condenasse ao crime qualificado de tráfico de droga previsto no artigo 8.º conjugado com o disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M. Em princípio, antes de reconhecer estes factos, o Tribunal devia comunicá-los às duas partes conforme o previsto no artigo 339.º do CPP. No entanto, os elementos fornecidos na presente causa revelam que o Tribunal não o fez. Assim, a sentença seria nula por “condenar por factos não descritos na pronúncia” previsto na alínea b) do artigo 360.º do CPP. Esta nulidade depende porém da arguição do interessado ou do MP (artigo 107.º do CPP) e está fora do âmbito da decisão oficiosa do Tribunal.
A terceira questão é o Tribunal poder ou não decidir o confisco do automóvel como o instrumento do crime.
Nos termos do artigo 101.º do Código Penal:
“1. São declarados perdidos a favor do Território os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas ou a moral ou ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
2. O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa possa ser punida pelo facto.
3. Se a lei não fixar destino especial aos objectos declarados perdidos nos termos dos números anteriores, pode o juiz ordenar que sejam total ou parcialmente destruídos ou postos fora do comércio.”
Leal Henriques e Simas Santos entendem que a perda dos objectos ilícitos deve preencher os seguintes requisitos:
Primeiro, deve existir um facto antijurídico, sendo suficiente a tentativa;
Segundo, os objectos devem ser produto de um crime (produta sceleris) ou tenham sido utilizados ou estejam destinados à sua comissão (instrumenta sceleris);
Terceiro, os objectos devem, pela sua natureza ou pelas circunstâncias, oferecer sérios riscos de serem utilizados para a prática de crimes ou pôr em perigo a comunidade.5
No entanto, o artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M (“Decreto-Lei de Droga”) tem uma disposição especial sobre esta questão:
“1. A condenação por qualquer dos crimes previstos nos artigos 8.º, 9.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º e 17.º determina a perda a favor do Território das substâncias e preparados que sirvam ou se destinavam à prática do crime, bem como dos instrumentos utilizados, neste caso, sem prejuízo dos direitos de terceiros de boa fé.
2. Serão igualmente declarados perdidos a favor do Território todos os objectos, direitos, vantagens ou quaisquer bens de fortuna que, através do crime, hajam sido adquiridos ou entrado na posse dos seus agentes, nomeadamente móveis aeronaves, barcos, veículos, depósitos bancários ou de valores, sem prejuízo dos direitos de terceiros de boa fé.”
Primeiro, é de referir que o recorrente transcreveu um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal para defender a sua pretensão de que a perda do objecto depende da consideração da sua perigosidade. De facto, o acórdão transcrito foi feito no âmbito do Decreto-Lei n.º 15/93, cujo artigo 35.º prevê expressamente que na declaração da perda dos objectos, tem de considerar estes objectos, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes, ou puserem em perigo a segurança da ordem pública. Em Macau, pelo contrário, conforme o artigo 22.º da supramencionada “Decreto-Lei de Droga”, na declaração da perda dos objectos não é necessário considerar a sua perigosidade.6
Então, para resolver a questão de poder ou não confiscar ou declarar a perda do automóvel envolvido na presente causa, é fulcral a verificação do segundo requisito previsto no artigo 22.º do “Decreto-Lei de Droga”, ou seja, a sua “A condenação por... crimes previstos nos artigos 8.º,... dos instrumentos utilizados...”
Dos factos provados, podemos verificar que o arguido detinha no seu automóvel 71.104 gramas de canabis, calculador, cachimbo e faca, sendo a sua conduta imputada pelo crime de tráfico de droga previsto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M (embora em sentido lato). No fundo, o arguido aproveitou o automóvel para guardar e transportar droga, o que nos convence de que o automóvel é o “instrumento do crime” previsto no artigo 22.º.
Assim, a decisão do Tribunal “a quo” de confiscar o automóvel não tem nada a pôr em causa e deve ser mantida.
Face ao exposto, acordam nesta instância em rejeitar o recurso do arguido (A) por manifesta improcedência, mantendo a decisão do Tribunal “a quo”.
Custas pelo recorrente com a taxa de justiça fixada em 4UC.

Choi Mou Pan (Relator – com declaração de voto) – José Maria Dias Azedo –Lai Kin Hong (com declaração de voto)

  Declaração de voto
  
Embora fosse o relator desta causa e redigi o presente acórdão, não concordo com a decisão da maioria deste Colectivo em considerar o automóvel apreendido na causa como instrumento do crime e seu confisco. Por isso faço a seguinte declaração de voto:
Sabemos que, para considerar o automóvel como um instrumento do crime, tem que provar a essencialidade do uso da viatura para a prática do crime de tráfico de estupefacientes por que condenado.77
Pelo facto exposto na causa, o Tribunal só reconheceu que o arguido guardou no seu automóvel 71.104 gramas de canabis, calculador, cachimbo e faca. Apesar da conduta do arguido poder ser imputada pelo crime de tráfico de droga previsto no artigo 8.º (em sentido lato) do Decreto-Lei n.º 5/91/M, não há matéria de facto nem circunstâncias suficientes na causa (especialmente o acto de utilizar o automóvel para o tráfico de droga (em sentido restrito) ou o facto de utilizar o automóvel para transportar a droga ao destino) que resultem na convicção da gente de que o automóvel do arguido utilizado simplesmente para guardar a droga era um instrumento essencial para praticar o crime, e não um mero “estabelecimento” ou “local” para guardar a droga.
Parece que não existe distinção entre este meio de guardar a droga e a guarda da droga em casa ou noutros espaços fixos. Geralmente na segunda situação não iríamos declarar a perda do seu domicílio para o Território.
Em suma, a matéria de facto da presente causa não é suficiente para determinar o confisco do automóvel. Esta decisão recorrida deve ser alterada.
Assim, deve revogar-se a decisão do Tribunal “a quo” do confisco do automóvel e devolver o automóvel apreendido.

Choi Mou Pan (O Relator)

Declaração de voto do Recurso n.º 60/2002

O objecto de apreciação do Tribunal “a quo” limita-se à questão concreta apresentada pelo recorrente, sendo o seu âmbito também limitado às conclusões da motivação do recurso (ver os acórdãos do TSI n.º 63/2001 de 17 de Maio de 2001, n.º 18/2001 de 3 de Maio de 2001, n.º 130/2000 de 7 de Dezembro de 2000, n.º 1220/2000 de 27 de Janeiro de 2000.)
No entanto, este acórdão refere que o Tribunal “a quo” baseou-se na menção da pronúncia “Quando praticou o referido acto, o arguido era funcionário público” para reconhecer o facto de que “Quando praticou o referido acto, o arguido era guarda da Polícia Marítima e Fiscal...” e determina que esta alteração devia ser comunicada às duas partes nos termos do artigo 339.º do CPP mas o Tribunal não o fez. Assim, constitui-se a nulidade da sentença prevista na alínea b) do artigo 360.º do CPP.
Este acórdão, porém, baseia no facto de que esta nulidade não foi arguida pelo interessado e entende que está fora dos limites da decisão oficiosa do Tribunal de recurso.
Na realidade, não concordo nem compreendo porque o presente acórdão admite por um lado que este Tribunal de recurso não pode reconhecer oficiosamente esta nulidade no presente recurso, mas por outro lado reconheceu e determinou que se constituiu a “nulidade” prevista no artigo 107.º do CPP.
No meu entender, além de não se constituir objecto do recurso, a inserção deste parágrafo (primeiro reconhece uma questão não apresentada pelo recorrente e determina-a como uma “nulidade”, depois declara que não se pode decidir oficiosamente) no presente acórdão é um acto contraditório.
Por isso, esta parte não constitui absolutamente uma questão do âmbito do objecto recorrido e o presente Tribunal de recurso não devia reconhecê-la. Pelo que não assino esta parte do acórdão (a parte compreendida entre a última sexta linha da página 7 e a quinta linha da página 8, ou seja, de “É de referir...” até “está fora do âmbito da decisão oficiosa do Tribunal.”)
  
Aos 13 de Junho de 2002
Lai Kin Hong
1 Por exemplo, um acórdão recente do Tribunal de Última Instância, recurso n.º 3/2002, de 20 de Março de 2002.
2 Por exemplo, o acórdão de 19 de Maio de 1999 do antigo Tribunal Superior de Justiça, recurso n.º 1068; os acórdãos de 3 de Maio e 13 de Dezembro de 2001, recursos n.º 16/2001 e n.º 213/2001.
3 Ver o acórdão de 26 de Setembro de 2001 de Tribunal de Última Instância, recurso n.º 14/2001.
4 Por exemplo, os acórdãos de 14 de Setembro de 2000 (recurso n.º 137/2000) e de 8 de Fevereiro de 2001 (recurso n.º 24/2001).
5 No seu Código Penal de Macau: Anotações, 1997 (em português), página 247.
6 No acórdão de 11 de Novembro de 1998 do antigo Tribunal Superior de Justiça, recurso n.º 934-A, jurisprudência sobre a não necessidade de considerar a perigosidade relativa ao previsto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 9/96/M. Do mesmo modo, existindo o disposto na lei especial, não é necessário invocar o previsto no artigo 101.º do Código Penal.
7 Ver a decisão do STJ de Portugal, num acórdão de 2 de Junho de 1999, in www.dgsi.pt: “Assim, estando provado, apenas, que o arguido M. utilizava, “nas suas deambulações de aquisição e venda de haxixe”, o automóvel X - onde foram apreendidos cerca de 324 gramas daquele produto -, e que o arguido F. utilizava o seu veículo Y, na “actividade de venda de haxixe”, não pode concluir-se pela essencialidade do uso de qualquer das viaturas para a prática do crime de tráfico de estupefacientes por que ambos foram condenados e, consequentemente, não devem aquelas ser declaradas perdidas para o Estado.”
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