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Processo n.º 17/2002. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A1
Recorrido: Secretário para a Segurança.
Assunto: Vício de incompetência. Anulabilidade. Questão nova. Prova testemunhal.
Data da Sessão: 6 de Dezembro de 2002.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.

SUMÁRIO:
   I – O acto administrativo que enferme do vício de incompetência, em virtude de ter sido praticado por Director de Serviço, não personalizado, dependente do Secretário para a Segurança, quando o mesmo devia ter sido praticado por Director de Serviço, não personalizado, dependente da Secretária para a Administração e Justiça – é anulável e não nulo.
II – Este vício não é de conhecimento oficioso, pelo que se o mesmo não foi suscitado no recurso contencioso, não pode ser conhecido no recurso jurisdicional interposto do Acórdão proferido naquele recurso contencioso, por se tratar de questão nova.
   III – Tendo o recorrente requerido a produção de prova testemunhal e sendo ela indeferida por despacho do relator e não tendo aquele reclamado para a conferência deste despacho, formou-se caso julgado formal.
   IV – Se o Acórdão que conheceu do mérito da causa, não dá como provados factos relacionados com os factos que o recorrente pretendia provar com a produção de prova testemunhal, não cometeu qualquer ilegalidade atinente à não audição da testemunha arrolada pelo recorrente.
   V – A ilegalidade mencionada na conclusão anterior– a existir – foi cometida pelo despacho do relator – não impugnado – e não pelo Acórdão recorrido do Tribunal.

O Relator

Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A, aliás, A1, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Segurança, de 14 de Dezembro de 2001, que negou provimento ao recurso hierárquico do acto que lhe atribuíra a classificação de serviço de 6.4 valores, correspondente à menção de «regular».
Por acórdão de 27 de Junho de 2002, do Tribunal de Segunda Instância, foi negado provimento ao recurso.
É deste acórdão que vem interposto o presente recurso jurisdicional, terminando o recorrente, a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões:
A. O acto administrativo que atribui a classificação de "Regular" ao ora Recorrente padece de incompetência absoluta - al. b) do n.º 1 do art.º 122.° do CPA;
B. O acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos (cfr. art.º 123.º do CPA);
   C. A nulidade pode ser declarada por qualquer Tribunal ( n.º 2 do art.º 123.º do CPA), é de conhecimento oficioso (art.º 279.º do CC) e pode ser invocada a todo o tempo - o mesmo é dizer que é insanável - art.º 123, n.º 2 do CPA ;
   D. A incompetência absoluta é também uma questão, porque de Direito, de conhecimento oficioso;
   E. Face ao exposto, o facto de o Tribunal a quo não se ter pronunciado acerca da questão incompetência absoluta para a prática do acto, geradora em si de nulidade substantiva e insanável, enferma o douto acórdão do vício de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da al. d), do n.º 1 do art.º 571.º do Código de Processo Civil.
   Se assim não se entender o que não se concede e apenas se admite por mera cautela de patrocínio sempre se dirá que
   F. A classificação de serviço é um acto essencialmente discricionário, mas não totalmente discricionário.
   G. A classificação de serviço é feita com base em parâmetros pré- definidos.
   H. No tocante aos parâmetros da classificação de serviço, há os subjectivos e os objectivos.
   I. Os parâmetros objectivos são sindicáveis.
   J. A pontualidade é um parâmetro objectivo e assim, sindicável.
   K. A pontualidade em si não tem meio termo, ou se é pontual ou não se é pontual.
   L. É errada a classificação de 8 valores de um funcionário que chega sempre à hora certa, tanto da parte da manhã, como da parte da tarde.
   M. A classificação a atribuir a um tal trabalhador deverá ser de 10 valores.
   N. Não impondo nenhuma nem declarando a classificação anulável no que concerne à pontualidade, incorreu o acórdão em erro de julgamento.
   O. Ao recusar, extemporaneamente, o requerimento de produção de prova testemunhal, violou o acto recorrido o disposto nos art.ºs 63.º n.º 1 e 65.º, ambos do CPAC.
   
   A Ex.ma Procuradora-Adjunta emitiu o seguinte parecer:
“Inconformando com o douto acórdão do Tribunal de Segunda Instância no sentido de negar provimento ao seu recurso interposto, vem A aliás, A1 interpor recurso para o Tribunal de Última Instância.
Nos termos do art.º 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), é permitido o recurso dos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância que tem por fundamento a violação ou a errada aplicação de lei substantiva ou processual ou a nulidade da decisão impugnada.
O recorrente assaca ao acórdão recorrido o vício de nulidade por omissão de pronúncia e a violação ou errada aplicação de lei.
1. A invocação da nulidade por omissão de pronúncia tem com fundamento a incompetência do órgão que praticou o acto classificado, que é, no entendimento do recorrente, absoluta e de conhecimento oficioso.
Com o documento ora junto aos autos, o recorrente demonstra que, em 1 de Agosto de 2000, ele foi transferida da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça para o Estabelecimento Prisional de Macau e alega que durante o ano de 2000 a que se reporta a classificação de serviço em causa, o recorrente trabalhou mais tempo no primeiro serviço do que no segundo, pelo que o recorrente devia ser classificado na Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça nos termos do art.º 168.º n.º 4 do ETAPM, mas não o foi.
Então a atribuição de classificação de serviço pelo Estabelecimento Prisional de Macau implica a incompetência absoluta do órgão, como o recorrente alegou?
Não nos parece que sim, salvo o devido respeito e a melhor opinião.
A incompetência é definido como "o vício que consiste na prática, por um órgão da Administração, de um acto incluído nas atribuições ou na competência de um outro órgão da Administração", podendo classificar-se em incompetência absoluta e incompetência relativa consoante se o acto é praticado por um órgão fora das atribuições de pessoa colectiva a que pertence ou fora da sua competência e com a invasão da competência pertencente a um outro órgão da mesma pessoa colectiva (cfr. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, III volume, pág. 298 e 299).
Ora, a incompetência absoluta é ligada a atribuições do órgão para praticar o acto.
É verdade que são diferentes as atribuições da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça e do Estabelecimento Prisional de Macau.
No entanto, como está em causa a classificação de serviço de um funcionário, não nos parece que a prática de tal acto pelo Estabelecimento Prisional está fora das suas atribuições definidas no art.º 2.º do Regulamento Administrativo n.º 25/2000 nem afecta as atribuições da Direcção dos Serviços dos Assuntos de Justiça previstas nas várias alíneas do art.º 2.º do Regulamento Administrativo n.º 36/2000.
Como se sabe, todas as entidades administrativas, incluindo os dois serviços em causa, têm a competência para gerir o seu pessoal, estando todos os funcionários, com excepção legal, sujeitos à classificação de serviço, atribuída por um notador e homologado pelo dirigente do respectivo serviço.
No que se reporta à classificação do recorrente no ano de 2000, há duas hipóteses, ou é atribuída pela Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça ou pelo Estabelecimento prisional, sendo certo que, em abstracto, ambos dispõem competência para assegurar a gestão do pessoal que lhe pertence e avaliar capacidade de trabalho e comportamento do seu funcionário.
Pode-se pensar, quanto muito, que ao praticar o acto que atribui a classificação do recorrente no ano de 2000, o Estabelecimento Prisional invadiu na competência da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça, à qual competia classificar o recorrente ao abrigo do art.º 168.º n.º 4 do ETAPM.
A nosso ver, a incompetência do Estabelecimento Prisional, a entender assim, seria relativa, e nunca absoluta.
Em consequência, não se trata dum acto de conhecimento oficioso do tribunal nem se pode invocar a todo o tempo, sujeitando-se ao regime de anulabilidade que tem de ser impugnado no prazo fixado na lei, sob pena de converter-se num acto válido (art.º 125.º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo).
É o que acontece no nosso caso.
Uma vez que não foi invocada no prazo legal a invalidade do acto impugnado, não se pode imputar ao douto acórdão ora recorrido o vício de nulidade pela omissão de pronúncia sobre a questão de incompetência.
2. Como se sabe, a classificação de serviço é um acto que a Administração faz avaliação de conhecimentos, competência, desempenho e perfil profissional dos seus funcionários.
E é pacífico o entendimento, quer doutrinal quer na jurisprudência, de que, ao atribuir uma classificação de serviço, a Administração actua no âmbito de poderes discricionários, na modalidade de discricionariedade imprópria.
A notação de funcionários públicos pelos respectivos superiores hierárquicos (poder de dar notas, de classificar os subalternos) é visto como um dos casos que se reconduzem a noção de justiça administrativa - uma das modalidades da figura de discricionariedade imprópria - em que "a Administração Pública, no desempenho da função administrativa (e não no desempenho da função jurisdicional), toma decisões essencialmente baseadas em critério de justiça material".
"Em todos estes casos - e supondo que hão se trata de matéria a resolver por decisão vinculada, supondo portanto que estamos fora do domínio da vinculação legal - os órgãos competentes da Administração Pública tomam uma decisão cujo critério não pode ser impugnado em tribunais", que só podem eventualmente vir a pronunciar-se sobre ilegalidades cometidos, como incompetência do órgão, vício de forma, desvio de poder, etc., todas relacionadas com os aspectos em que foi ofendida a vinculação legal.
"fora dessa vinculação legal, e no domínio estrito do conteúdo da decisão tomada, nenhum tribunal se poderá pronunciar" (cfr. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, II volume, pág. 181 a 184).
Vê-se assim a impossibilidade de o tribunal vir a apreciar questões que têm a ver apenas com a convicção do notador sobre a capacidade e comportamento do trabalhador, seguindo os critérios determinados pela Administração para avaliar os elementos que tem, questionando a conclusão tirada pelo órgão sobre o mérito profissional do trabalhador, desde que tal avaliação não ofende qualquer aspecto vinculado.
E como sustenta pelo Magistrado do MP no parecer dado no Tribunal de Segunda Instância, "uma incursão neste domínio só seria admitida em caso de erro grosseiro ou manifesto, inadmissibilidade ostensiva dos critérios utilizados, adopção de critérios manifestamente desadequados ou inaceitáveis, ou com referência a aspectos vinculados", o que não se verifica no caso em apreço.
Em relação à produção da prova requerida pelo recorrente, constata-se nos autos que, por despacho proferido em 6-6-2002, o Mmo. Juiz relator do processo não a autorizou, por considerar irrelevante o depoimento da testemunha arrolada (cfr. fls. 73).
Nos termos do art.º 65.º n.º 3 do CPAC, "o juiz ou o relator devem limitar a produção de prova aos factos que considerem relevantes para a decisão da causa e sejam susceptíveis de prova pelos meios requeridos".
Notificado de tal despacho, o recorrente não veio dizer nada, o que significa que conformou com a mesma decisão.
Não se pode agora voltar a levantar a questão.
Pelo exposto, deve-se negar provimento ao recurso”.
   
II – Os factos
   Os factos considerados provados no Acórdão recorrido são os seguintes:
   - A1 é Técnico Superior de Informática, de 2.ª classe, do Estabelecimento Prisional de Macau;
   - Por despacho de 26 de Setembro de 2001, o Director do Estabelecimento Prisional homologou a classificação de "Regular" atribuída ao recorrente, referente ao ano 2000;
   - O recorrente impugnou o despacho em recurso hierárquico para o Senhor Secretário para a Segurança;
   - Que assim decidiu:
   "Despacho n.º 66/SS/2001
   Assunto: Recorrente do recurso hierárquico
   Recorrente: A1 - Técnico Superior de Informática do Estabelecimento Prisional de Macau
   Acto recorrido: Classificação de serviço geral do ano de 2000 atribuída pelo Director do Estabelecimento Prisional de Macau ao recorrente
   Em referência à competência atribuída ao dirigente do respectivo serviço ao abrigo do artigo 167.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, a classificação de serviço atribuída pelo Director do Estabelecimento Prisional de Macau ao recorrente constitui-se um próprio poder discricionário desse Director. Na realidade, a classificação não só possui os efeitos importantes que implicam a progressão e o acesso dos funcionários públicos da nomeação definitiva, como também visa a efectuar avaliação profissional dos conhecimento, qualidade e contribuição de trabalho dos funcionários públicos prestados no desempenho de função - vide as indicações da guia de pontuação constante do Boletim de Classificação de Serviço, aprovado pelo estatuto supra referida.
   Na avaliação da nova apreciação geral atribuída pelo Director do Estabelecimento Prisional de Macau, o recorrente comprovou que ele tinha frequentado, no ano de 2000, na totalidade de 5 cursos de formação profissionais relacionados com as suas áreas de actividade, contudo, tais provas não se podem justificar de forma completa que se habilitações obtidas na frequência dos cursos profissionais implicam a melhoria proporcionada e absoluta da sua iniciativa e criatividade do trabalho. Aliás, já se explica claramente no Boletim de Classificação de Serviço a acepção da iniciativa e criatividade - Avaliar a capacidade de, com autonomia, procurar e propor novas soluções. Assim, quando ao "aperfeiçoamento" e à "iniciativa e criatividade", o Director do Estabelecimento Prisional de Macau já atribuiu ao recorrente um valor não inferior a 7 pontos, mesmo que o recorrente não tivesse obtido qualquer resultado concreto no trabalho.
   Aliás, como o que já foi referido, a classificação é atribuída de acordo com as indicações da guia de pontuação constantes do Boletim de Classificação de Serviço aprovado pelo ETAPM, nas quais a avaliação da "iniciativa e criatividade" aplica-se, sem exclusão, a todos os funcionários públicos, pelo que, não é adequada a presunção de que a criatividade não é um elemento caracterizador do conteúdo funcional da carreira de técnico superior de informática nos termos do Mapa 2 do Anexo I do Decreto-Lei n.º 86/89/M.
   Assim sendo, dado que a referida classificação geral não existe qualquer ilegalidade ou vício impróprio, nomeadamente a classificação atribuída pelo notador já foi fundamentada, decidi rejeitar o recurso hierárquico nos termos das competências conferidas pelo artigo 4.º do ETAPM, pela alínea 6) do anexo 4 do n.º 2 do artigo 4.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, com as alterações do Regulamento Administrativo n.º 25/2000, e pela Ordem Executiva n.º 13/2000.
   Notifique o recorrente que deste despacho cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância no prazo de 30 dias.
   Região Administrativa Especial de Macau, aos 14 de Dezembro de 2001.
    Secretário para a Segurança
    Cheong Kuok Va"
   Este é o acto recorrido.
   
   - O recorrente frequentou, com aproveitamento, no ano 2000 os seguintes cursos:
   - "Rede Windows NT (em cantonense)" ministrado pelo Serviço de Administração e Função Pública de Macau, realizado entre 10-07-2000 a 20-07-2000, na sequência de inscrição feita com autorização do Director do Estabelecimento Prisional e selecção por parte dos SAFP;
   - "Gestão de Internet (em cantonense)" ministrado pelo Serviço de Administração e Função Pública de Macau, realizado entre 28-08-2000 a 04-09-2000, na sequência de inscrição feita com autorização do Director do Estabelecimento Prisional e selecção por parte dos SAFP;
   - "Programação em JAVA (em cantonense)" ministrado pelo Serviço de Administração e Função Pública de Macau, realizado entre 24-11-2000 a 06-12-2000, na sequência de inscrição feita com autorização do Director do Estabelecimento Prisional e selecção por parte dos SAFP;
   - "Microsoft Certified Professional" organizado pela empresa de programas Microsoft, tendo obtido certificado de excelência;
   - "Microsoft System Engineer" organizado pela empresa de programas Microsoft, tendo obtido certificado de excelência;
   - "Windows NT System Administration" organizado pela Universidade de Macau - Centre for Continuing Education and Special Programs, tendo obtido certificado de excelência;
   - "Internet Management" organizado pela Universidade de Macau - Centre for Continuing Education and Special Programs, tendo obtido certificado de excelência;
   - "Fundamental of Java Programming" organizado pela Universidade de Macau - Centre for Continuing Education and Special Programs, tendo obtido certificado de excelência.
   
   III – O Direito
   
   As questões a resolver
1. São três as questões suscitadas pelo recorrente:
   - Nulidade do Acórdão recorrido, por não ter conhecido oficiosamente do vício da incompetência absoluta do acto administrativo recorrido, a que caberia a sanção da nulidade, em virtude de a classificação lhe ter sido atribuída pelo Director do Estabelecimento Prisional – dependente do Secretário para a Segurança – quando a mesma lhe devia ter sido atribuída pelo Director dos Serviços de Justiça – dependente da Secretária para a Administração e Justiça – pois que o recorrente foi transferido de serviço durante o ano em causa – 2000 – e não chegou a fazer seis meses de serviço no Estabelecimento Prisional;
   - A pontualidade ao serviço é um parâmetro objectivo e, assim, sindicável, pelo que é errada a classificação de 8 valores a um funcionário que chega sempre à hora certa, devendo o recorrente ter sido classificado com a classificação de 10 valores;
   - Violação dos arts. 63.º, n.º 1 e 65.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (doravante designado por CPAC), em virtude de o Acórdão recorrido ter recusado a produção de prova testemunhal para prova do facto articulado no art. 23.º da petição de recurso contencioso.
   São estas as questões a resolver, se for caso disso.
   
   Questões novas
   2. As duas primeiras questões são novas, isto é, o recorrente não as suscitou no recurso contencioso e o Acórdão recorrido não se pronunciou sobre elas.
   Como é sabido, é pacífico que os recursos jurisdicionais “visam a impugnação das decisões da 1.ª instância e não obter nova decisão sobre a questão suscitada – por isso, em princípio, não pode conhecer-se no recurso matéria que não tenha sido alegada na primeira instância”.1
   Porém, esta regra tem uma excepção: “o tribunal de recurso pode sempre apreciar ex novo questões de conhecimento oficioso”.2
   Em processo de recurso jurisdicional em matéria administrativa, este Tribunal de Última Instância já se pronunciou neste sentido no Acórdão de 27 de Novembro de 2002, Processo n.º 12/2002.
   Trata-se, portanto, de saber, se tais questões são de conhecimento oficioso.
   
   Relativamente à primeira questão a tese do recorrente é a seguinte:
    - O acto administrativo recorrido enferma do vício da incompetência absoluta do acto, a que cabe a sanção da nulidade, em virtude de a classificação lhe ter sido atribuída pelo Director do Estabelecimento Prisional – dependente do Secretário para a Segurança – quando a mesma lhe devia ter sido atribuída pelo Director dos Serviços de Justiça – dependente da Secretária para a Administração e Justiça – pois que o recorrente foi transferido de serviço durante o ano em causa – 2000 – e não chegou a fazer seis meses de serviço no Estabelecimento Prisional;
- Os vícios a que cabe a sanção da nulidade são de conhecimento oficioso do tribunal.
   Ora, se é certo que ao vício da incompetência absoluta do acto cabe a sanção da nulidade, nos termos do art. 122.º, n.º 2, alínea b) do Código de Procedimento Administrativo, doravante designado por CPA, tal vício apenas se configura quando se trate de “actos estranhos às atribuições da pessoa colectiva em que o seu autor se integre”.
Ora, tanto o Director do Estabelecimento Prisional como o Director dos Serviços de Justiça se integram na mesma pessoa colectiva pública, que é a Região Administrativa Especial de Macau, pelo que a prática por um, de acto da competência do outro, não é acto nulo, mas simplesmente anulável, nos termos do art. 124.º do CPA.
Nem se invoque o regime do CPA português, pois neste o acto é nulo, não só quando se trate de actos estranhos às atribuições da pessoa colectiva em que o seu autor se integre (regime de Macau), mas também quando estão em causa “actos estranhos às atribuições dos ministérios ... em que o seu autor se insere” [art. 133.º, n.º 2, alínea b].
Mas no Código de Macau, o regime é diverso, pelo que não colhe a argumentação do recorrente.
   Por outro lado, os vícios do acto administrativo a que corresponde a sanção da anulabilidade não são de conhecimento oficioso, visto que a invocação de vícios integra a causa de pedir e o juiz não pode conhecer de causas de pedir não alegadas pelo autor ou recorrente (art. 5.º do Código de Processo Civil).3

   Em resumo:
   Cabendo ao vício alegado pelo recorrente, a sanção da anulabilidade e não o da nulidade, como aquele entende,
   Sendo evidente que os vícios do acto administrativo a que corresponde a sanção da anulabilidade não são de conhecimento oficioso,
   Tratando-se de questão nova, isto é, não suscitada no recurso contencioso, nem conhecida pelo Acórdão recorrido,
   Dela não pode conhecer este Tribunal, como não conhece.
   
   3. Relativamente à segunda questão, (de que a pontualidade ao serviço é um parâmetro objectivo e, assim, sindicável, pelo que é errada a classificação de 8 valores a um funcionário que chega sempre à hora certa, devendo o recorrente ter sido classificado com a classificação de 10 valores) a solução é idêntica. Na verdade, não tendo a questão sido suscitada no recurso contencioso e não sendo de conhecimento oficioso (dado que integraria o vício de violação de lei, a que cabe a sanção da anulabilidade), não pode ser conhecida no recurso jurisdicional.
   
   Se foi o Acórdão recorrido que impediu a produção de prova requerida pelo recorrente
   4. Resta a terceira questão para apreciar.
   De acordo com o recorrente há violação dos arts. 63.º, n.º 1 e 65.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (doravante designado por CPAC), em virtude de o Acórdão recorrido ter recusado a produção de prova testemunhal para prova do facto articulado no art. 23.º da petição de recurso contencioso.
   Este artigo da petição diz o seguinte:
“Artigo 23.º
   Ora, a qualidade do trabalho do recorrente não revelou ao longo daquele ano quaisquer erros relevantes ou defeitos graves”.
   Por outro lado, embora o recorrente não o alegue, na notação em causa, e relativamente ao parâmetro da “Qualidade de trabalho”, numa escala de pontuação de 4 a 10, foi-lhe atribuída a nota mínima (4), correspondente à menção “Mau”, referindo-se a “Erros e defeitos graves. O trabalho não merece confiança”.
   Por conseguinte, o facto alegado pelo recorrente, no art. 23.º da petição era relevante.
   Apreciemos, então, esta questão processual, nas suas várias vertentes, começando por uma que pode comprometer o êxito da pretensão.
   
   5. O recorrente, na petição de recurso contencioso, alegou vários factos, entre eles o mencionado no art. 23.º e terminou por arrolar como testemunha determinado indivíduo, cujo depoimento disse destinar-se a provar todos os factos alegados.
   Após contestação da entidade recorrida e vista ao Ministério Público, nos termos do art. 58.º do CPAC, o Ex.mo Relator do processo proferiu despacho determinando a notificação das partes para alegações facultativas, nos termos do disposto nos arts. 63.º e 68.º do CPAC (fls.49 v.).
   Notificadas as partes deste despacho, veio o recorrente dizer que havia requerido a produção de prova testemunhal, pelo que as alegações apenas deveriam ter lugar após a produção da prova e requereu se procedesse à produção de tal prova (fls. 54).
   Sobre esta matéria, proferiu o Ex.mo Relator o seguinte despacho, em 6 de Junho de 2002:
“Na petição de recurso, o recorrente arrolou, para depor sobre “todos os factos” alegados, a testemunha B.
Considero, contudo, irrelevante tal depoimento já que, da matéria alegada, só ressalta um facto (artigo 23.º) demasiado vago e abrangente para que o testemunho releve. O outro (artigo 27.º) está documentalmente provado. Os artigos 24.º a 30.º contêm raciocínios meramente conclusivos.
Ademais, e face às possíveis decisões do recurso, o depoimento requerido não parece importar.
Daí que não determine a sua produção.
Notifique”.
   Notificado deste despacho, nada disse ou requereu o recorrente.
   Teve, então, lugar o visto final do Ministério Público e o Acórdão ora recorrido.
   Descrita a situação factual, vejamos se o recorrente andou bem.
   E não andou. De facto, não foi o Acórdão recorrido que afectou a posição jurídica do recorrente, no que concerne à não audição de testemunha, cujo depoimento requereu. O Acórdão é totalmente omisso em tal questão e, por outro lado, nos factos que considerou provados, em nada afectou o recorrente.
   A decisão que afectou o recorrente, indeferindo a audição da testemunha, foi o ora transcrito despacho de 6 de Junho de 2002, do Relator do processo, que expressamente indeferiu o requerimento do recorrente.
   Ora, o recorrente não impugnou tal despacho e podia tê-lo feito, reclamando para a conferência, nos termos do disposto no art. 15.º, n.º 2 do CPAC e, se continuasse inconformado, poderia recorrer da conferência do Tribunal de Segunda Instância para este Tribunal de Última Instância, nos termos gerais.
   Contudo, o recorrente não impugnou o referido despacho, pelo que se formou caso julgado formal sobre o indeferimento mencionado.
   Note-se que a presente situação é totalmente diferente da tratada no recente Acórdão deste Tribunal, de 27 de Novembro de 2002, no Processo n.º 12/2002. Neste Acórdão, foi revogado o Acórdão recorrido, do Tribunal de Segunda Instância, em virtude de o Acórdão ter considerado provados factos controvertidos e relevantes, sem ter procedido à produção de prova requerida pelo interessado. A ilegalidade fora cometida pelo próprio acórdão que conheceu do mérito da causa.
   Nos presentes autos, a ilegalidade – a existir – foi cometida pelo despacho do Relator – não impugnado – e não pelo Acórdão recorrido do Tribunal, que não se pronunciou sobre a questão agora suscitada, nem deu como provados os factos contrários à alegação do recorrente, certamente porque os não teve como relevantes.
   Diversa seria a situação se o recorrente atacasse o Acórdão recorrido, por este não ter considerado relevante o facto que ele pretendia provar. Se se entendesse que o facto era relevante, nada obstaria a que este Tribunal de Última Instância anulasse a decisão recorrida,4 nos termos do art. 650.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do art. 1.º do CPAC, para que o facto fosse considerado, se necessário com recurso a produção de prova adicional, apesar do aludido despacho do Ex.mo Relator.
   Embora a decisão de ampliação da decisão de facto possa ser tomada oficiosamente pelo Tribunal de Última Instância, ela tem de situar-se nos limites da invocação de fundamentos de recurso por parte do recorrente, ou seja, dentro do objecto do recurso, atento o princípio dispositivo. E não tendo o recorrente invocado como fundamento de recurso a questão acima referida, não pode este Tribunal dela conhecer.
   Em conclusão, o recorrente não sindica o Acórdão pela forma indicada, limitando a impugnação à não audição de testemunha, cuja responsabilidade foi do Ex.mo Relator e não do Acórdão recorrido.
   Logo, ao recorrer do Acórdão final e não do mencionado despacho, errou o recorrente o alvo.
   Não é possível, pois, conhecer da questão de fundo, interessantíssima, aliás, que era a de saber se o funcionário objecto de notação de serviço, pode produzir prova tendente a demonstrar que a notação foi errada.
   
   IV - Decisão
   Face ao expendido, negam provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
   Custas pelo ora recorrido, com taxa de justiça que se fixa em 3 UC, e a procuradoria em 1 UC.
   Macau, 6 de Dezembro de 2002
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
Chu Kin
   Fui presente
   Song Man Lei
      1 J. C. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, Coimbra, 2.ª ed., 1999, p. 197.
      2 A. RIBEIRO MENDES, Os Recursos no Código de Processo Civil Revisto, Lex, Lisboa, 1998, p. 55. No mesmo sentido, cfr. J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, Vol. III, Recursos e Acção Executiva, AAFDL, Lisboa, p. 21 e segs. e M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, 2.ª ed., p. 373 a 375 e 395 a 397.
    3 Neste sentido, mas reflectindo posição unânime, cfr. J. C. VIEIRA DE ANDRADE, obra citada, p. 252 e 253.
    4 O Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 23 de Maio de 2001, no Processo n.º 5/2001, decidiu que “apurar se um facto é ou não destituído de relevância jurídica para a decisão da causa constitui matéria de direito e não de facto”.
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