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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau
   
   
   
Recurso penal
N.° 18 / 2002

Recorrente:A aliás A1
   
   
   
   
   
   
   1. Relatório
   O recorrente A aliás A1 foi condenado no Tribunal Judicial de Base, por acórdão de 10 de Maio de 2002 proferido no processo comum colectivo n.° PCC-009-02-3, pela prática de um crime de homicídio previsto e punido pelo art.° 128.° do Código Penal na pena de 17 anos de prisão e no pagamento de MOP$600.000,00 a título de indemnização do direito à vida a atribuir a quem de direito.
   Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância. Por acórdão de 24 de Outubro de 2002 do processo n.° 111/2002-II, o Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
   Vem, agora, o arguido recorrer deste acórdão para o Tribunal de Última Instância e apresenta as seguintes conclusões da motivação:
   “1. São de conhecimento oficioso, pelo tribunal de recurso, os vícios do art.º 400.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. Em recurso, em processo penal, correspondente a terceiro grau de jurisdição, o Tribunal de Última Instância apenas conhece de matéria de Direito, bem como dos vícios do n.º 2 do art.° 400.º do Código de Processo Penal (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova) e das nulidades não sanadas, nos termos do n.º 3 do art.º 400.º do Código de Processo Penal;
   2. Resultam dos autos e da materialidade fáctica apurada e sede de audiência de discussão e julgamento elementos probatórios que impunham ao Tribunal recorrido o efectivo conhecimento dos vícios invocados pelo recorrente, não se bastando com a escusa com apoio na insindicabilidade da livre apreciação da prova feita;
   3. Imputa o recorrente ao acórdão recorrido erro notório na apreciação da prova. Com efeito, para além do dever de conhecimento efectivo dos vícios alegados, o Tribunal recorrido elegeu como argumento para fundamentar a sua decisão na manutenção da condenação do recorrente, inter alia, o facto dado por provado que como “... o arguido continuou a empurrá-la, precipitando assim a sua queda, queda essa que lhe provocou a morte”, razão pela qual “em conformidade a vítima, não deixou assim, naquele parapeito, as suas impressões”.
   4. A decisão recorrida nesse aspecto fundamental errou na apreciação da prova na medida em que não teve em conta os termos do Relatório de Autópsia elaborado pelo perito médico B do Serviço de Medicina Legal do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, inserto a folhas 244 e segs., que tendo deslocado pessoalmente ao local do crime foi peremptório em afirmar e deixar constante no seu relatório que deparou com duas palmadas de sangue, uma na parede contígua à da janela por onde a vítima terá precipitado, e uma outra palmada de sangue impregnada no pano do cortinado junto da janela.
   5. Estas duas palmadas de sangue, uma na parede e uma no pano do cortinado, constituem elementos probatórios objectivos irrefutáveis que não permitem ao tribunal recorrido concluir pela ausência de impressões, e daí que a vítima tenha necessariamente sido empurrada para a morte.
   6. Nos termos do disposto nos art.ºs 363.º e seguintes do Código Civil, o relatório de autópsia efectuado por um médico competente que esteve pessoalmente no local deve ser considerado um documento autêntico. Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade e a força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade.
   7. Quer relatório de autópsia, quer o seu teor não foram ilididos por quaisquer outros meios de prova admissíveis nem tão pouco foi suscitada a questão da sua falsidade. Termos em que tais factos têm que ser considerados assentos, por provados.
   8. O erro notório na apreciação da prova não tem que resultar do texto da decisão de per si. Nos termos do n.º 2 do art.º 400.º do CPP, “o recurso pode ter também como fundamentos, desde que o vício resulte dos elementos constante dos autos, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum”.
   9. Nesta parte, havendo nos autos documento autêntico que atesta pela existência de duas palmadas de sangue nas proximidades da janela ou seu parapeito, estava vedado ao Tribunal recorrido abster-se na cognição do mérito do vício invocado e escudar-se por detrás da insindicabilidade da livre apreciação da prova feita pelo Tribunal de 1.ª instância, concluindo pela total ausência de impressões da vítima. Assim o fazendo, a decisão recorrida que ora se impugna encontra-se eivada do vício de erro notório na apreciação da prova.
   10. O texto da decisão recorrida – acórdão – refere, ainda, sob epígrafe de factos provados, que: “Pelas 6H25, do mesmo dia, o arguido abandonou o andar e entrou no elevador, para se pôr em fuga, regressando à sua casa, em Zhuhai, pelas Portas do Cerco, às 7H01”.
   11. O Tribunal de primeira instância fundou a sua convicção com base em prova documental e fotografias existentes nos autos. Porém, ignorou por completo e fez tábua rasa de outros documentos e fotografias igualmente existente nos autos que afastam necessariamente as conclusões que a decisão elegeu com sendo matéria provada.
   12. Com efeito, a testemunha C, que foi a pessoa que comunicou os factos à Polícia, em seu depoimento inequívoco prestado em sede de audiência de discussão e julgamento refere que foi acordado pelo ruído resultante da queda de algo e que o lapso de tempo que medeia entre o ruído que o acordou e a ligação telefónica à Polícia pela chamada ao número “999” não ultrapassa os 5 minutos. O relatório de chamada de emergência da PSP, a fls. 369, acusa ligação telefónica pelas 6H24. Subtraindo-se-lhe 5 minutos, permite-se obter, com relativa segurança, o momento temporal da queda da vítima, portanto, por volta das 6H18 a 6H19. O depoimento desta testemunha e o registo da chamada de “999” conjugados são elementos probatórios inafastáveis pela livre apreciação da prova.
   13. A testemunha D inquirida em sede de audiência de discussão e julgamento afirmou que ela tratava da limpeza e da recolha de lixo daquele mesmo edifício e na manhã do dia dos factos esteve ali de serviço. Recolheu o lixo de cada um dos 15 pisos do prédio. Que pelo menos demora 15 minutos para a conclusão da tarefa. Começa a recolha pelo 2.º andar do prédio por forma ascendente e pelo elevador que faz o percurso dos pisos “impares”. Que atingido o 15.º andar, muda de elevador e de forma descendente faz a recolha pelos pisos “pares”. Que quando faz a recolha do lixo ocupa o elevador em exclusividade pondo um objecto na porta do elevador por forma a impedir o seu fecho. Portanto, que quando faz a recolha do lixo há um elevador permanentemente fora do alcance das demais pessoas que assim são prejudicadas. Confirmo, ainda, que o 11.º andar apenas é servido por um elevador.
   14. Na audiência de julgamento, foi feito o visionamento da totalidade da cassete de vídeo de segurança da câmara de vídeo instalada em ambos os elevadores daquele mesmo prédio referente ao dia do acontecimento. As imagens visionadas mostram que na manhã daquele mesmo fatídico dia a testemunha D começou a sua tarefa de recolha de lixo com a entrada ao elevador pelas 6:20:15, e que a tarefa se mostrava concluída pelas 6:31:00.
   15. O registo fotográfico mostra que o arguido entrou no elevador pelas 6H25 da manhã daquele mesmo dia. Não se pode daí concluir que o mesmo tenha saído do apartamento do 11.º andar “N” em momento imediatamente anterior. Com efeito, o arguido desde o primeiro momento processual em que foi interrogado que referiu que depois da zanga e disputa com a infeliz vítima, abandonou o apartamento, esteve à espera do elevador por vários minutos – único no 11.º andar convém relembrar !!! - , e apercebendo-se que a imobilização do elevador poderia ser devido à recolha de lixo a ocorrer, decidiu descer ao 10.º andar para tentar os elevadores que nesse piso são em número de dois e que momentos volvidos conseguiu entrar no elevador – isto pelas 6H25. Esta versão do arguido, inicialmente não confirmada veio a ser demonstrada cabalmente em sede de audiência de discussão e julgamento com base em prova testemunhal (D) e no visionamento da cassete de vídeo.
   16. Ora cotejando em paralelo o desenrolar dos acontecimentos, por um lado a recolha de lixo e a entrada e saída no elevador, e, por outro lado, as horas do ruído da queda da vítima e de chamada telefónica ao “999” é forçoso concluir que pelas 6H19 da manhã desse mesmo dia o ora recorrente já se encontrava fora do apartamento do 11.º andar, razão pela qual lhe era impossível assacar qualquer responsabilidade pela morte macabra.
   17. Havendo nos autos provas documental, testemunhal e cassetes de vídeo que apontam diferentemente, estava vedado ao Tribunal recorrido abster-se da cognição do vício apontado, e escudar-se na livre apreciação da prova feita e tecer conclusões diametralmente opostas. Assim o fazendo, a decisão recorrida que ora se impugna encontra-se eivada do vício de erro notório na apreciação da prova.
   18. Havendo provas que suportam a versão do recorrente, prova essa que contrapõe e abala os indícios probatórios subjacentes à tese acusatória, estando em causa uma disparidade temporal infinitamente difícil de comprovar, em se tratando de uma dúvida relevantíssima, o tribunal recorrido sempre deveria ter feito apelo ao princípio do “in dubio pro reo”, absolvendo o recorrente. Não o fazendo, o Tribunal recorrido violou o princípio de “in dubio pro reo”, o que se impugna para os devidos efeitos legais.
   19. O Tribunal de primeira instância deu por provado que o recorrente depois de ter praticado o crime pôs-se em fuga para Zhuhai. Tal não é verdade. Não quis furtar-se à acção da polícia ou da Justiça como pretendem imputar-lhe. Tanto assim é que o recorrente na tarde desse mesmo dia da morte da vítima já sabendo que a Polícia Judiciária estava à sua procura, deslocou-se voluntariamente para Macau através do posto fronteiriço das Portas do Cerco;
   20. Termos em que, nesta parte do acórdão recorrido, havendo nos autos provas documental e testemunhal que apontam diferentemente, estava vedado ao Tribunal recorrido concluir-se pela forma como o foi. Agindo dessa forma, a decisão recorrida que ora se impugna encontra-se eivada do vício de erro notório na apreciação da prova.
   21. No que diz respeito à prova testemunhal e fotográfica sobre as horas de saída do apartamento e da entrada no elevador, o Tribunal recorrido mais uma vez escusou-se na cognição do vício alegado, invocando a insindicabilidade da apreciação livre da prova. Porém, labutou em erro e em vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, pois o Colectivo não investigou tudo quanto estava em sua alcance e oportunamente suscitada pela defesa e discutida em sede de audiência de discussão e julgamento. Não se pode bastar com uma referência parca e genérica de que foi feito o visionamento de cassetes. À face da prova controvertida e contraposta que foi carreada em sede de julgamento, impunha-se ao Tribunal recorrido investigar e deixar explícito em seu acórdão a análise crítica da prova ensaiada por forma a permitir que se compreenda o raciocínio lógico de toda a decisão.
   22. O crime de homicídio é punível a título de dolo.
   23. O crime tipificado no art.º 128.° do Código Penal de Macau é punível se se provar que o agente actuou com dolo, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar (dolo directo); ou, representando a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta (dolo necessário); ou, quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta (dolo eventual).
   24. A matéria provada é insuficiente para a decisão a que se chegou, havendo lacuna no apuramento da matéria fáctica que impede uma correcta decisão de Direito. Não se colhe do acórdão se a conduta do arguido sobre a vítima é movida por dolo, e se assim o for qual o grau de dolo ou se apenas por negligência.
   25. A matéria provada é insuficiente para a decisão a que se chegou, havendo lacuna no apuramento da matéria fáctica que impede una correcta decisão de Direito. Não baste afirmar que houve intenção de matar ou intenção de retirar a vida. Tais afirmações são “conclusivas”.
   26. O Tribunal recorrido na busca da verdade material com vista a formação da convicção no que tange à autoria do recorrente na prática do crime de homicídio não foi suficientemente longe no sentido de apurar, em concreto, o grau e a intensidade de dolo subjacente à sua conduta.
   27. O Tribunal recorrido, ainda assim, o puniu com una pena de prisão que supõe a demonstração da verificação do dolo directo. Assim o fazendo, a decisão recorrida, nesta parte, está eivada do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art.º 400.º, n.º 2, alínea a) do CPP, o que se impugna para os devidos efeitos legais.
   28. Há contradição insanável na fundamentação quando o Tribunal recorrido em sua decisão deu por provada a seguinte factualidade :
   “Como a vítima não possuía força suficiente para escapar, nem para se segurar no parapeito da janela, o arguido continuou a empurrá-la, precipitando assim a sua queda, queda essa que lhe provocou a morte.
   Em conformidade a vítima, não deixou assim, naquele parapeito, as suas impressões”.
   29. Pretende-se justificar a autoria do crime pelo recorrente afirmando que em se tratando dele quem empurrou mortalmente a vítima, que por isso mesmo se desequilibrou e caiu. Por outro lado, por forma a afastar a tese apresentada pela defesa de suicídio pela vítima, pretende-se extrair a conclusão de que como foi alguém quem a matou não há impressões no parapeito, pois, segundo o raciocínio do Tribunal recorrido, se fosse suicídio, o mais natural é que a vítima teria deixado as suas impressões no parapeito ao subir e preparar-se para o salto fatal.
   30. Verifica-se, pois, contradição insanável da fundamentação, vício consagrado no art.º 400.º, n.º 2, alínea b) do CPP.
   31. A factualidade apurada, quando muito, permite apenas a subsunção dos factos ao tipo legal de crime consagrado no art.º 134.º do Código Penal de Macau – homicídio por negligência.
   32. Tendo em conta e como ponto de partida a factualidade tida por provada, e na ausência absoluta do apuramento concreto e fundamentado do grau e da intensidade do dolo do recorrente, tendo ainda em conta o princípio de “in dubio pro reo” forçoso é de concluir pela incorrecção do tipo legal de crime a que foi condenado.
   33. Termos em que o acórdão recorrido, nesta parte, errou juridicamente. Impunha-se, quando muito, a condenação pelo crime de homicídio por negligência previsto e punido pelo art.º 134.º, e não pelo art.º 128.º, ambos do Código Penal. Erro de Direito que se verifica na incorrecta qualificação jurídica dos factos.
   34. A medida concreta da pena de 17 anos de prisão aplicada peca por severidade em demasia.
   35. A postura do recorrente de entregar-se voluntariamente à polícia local, deslocando-se expressamente de Zhuhai para Macau, por imposição legal, tem repercussões ao nível da medida concreta da pena a aplicar, e necessariamente em devida conta à face do que dispõe o primeiro segmento normativo da alínea e) do n.º 2 do supra transcrito art.º 65.º do Código Penal. O acórdão recorrido, nessa parte, é completamente omissa. Termos em que violou o disposto no n.º 3 do art.º 65.º do CP.
   36. O não apuramento do exacto grau e intensidade do dolo do recorrente na prática do crime de que vem acusado, a omissão da circunstância mitigante de ter-se apresentado voluntariamente perante as autoridades locais quando podia ter optado por outra postura, são elementos que necessariamente se repercutem na medida concreta da pena aplicável, sendo certo que, em nossa perspectiva, a medida concreta da pena nunca deveria ultrapassar os 12 anos de prisão efectiva.”
   Pedindo que seja dado provimento ao recurso e, em consequência:
   a) Ser anulado o acórdão recorrido, e, consequentemente, ordenada a repetição do julgamento; ou,
   b) Ser anulado o acórdão recorrido, e determinada a baixa do processo para o Tribunal de Segunda Instância para que este conheça oficiosamente dos vícios suscitados pelo recorrente; ou,
   c) Alterado o acórdão recorrido, absolvendo-se o recorrente da prática do crime de homicídio por que foi condenado; ou
   d) Alterado o acórdão recorrido, absolvendo-se o recorrente da prática do crime de homicídio e condenado tão-só por crime de homicídio por negligência em pena de prisão não superior a 5 anos.
   
   
   O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de Segunda Instância emitiu a seguinte resposta:
   “Recorre o arguido, reproduzindo, em termos essenciais, a argumentação aduzida perante este Tribunal.
   E a sua impugnação está, também, de novo, votada ao insucesso.
   Vejamos.
   
   O recorrente imputa ao acórdão do Tribunal Colectivo, confirmado por esta Segunda Instância, os vícios referidos no n.º 2 do art.° 400.° do C.P.Penal, bem como a nulidade prevista no art.° 360.°, al. a), do mesmo Diploma (embora, nas conclusões da motivação, se limite a fazer uma breve menção a esta última).
   É óbvio, todavia, que não lhe assiste razão.
   
   O primeiro vício apontado é o erro notório na apreciação da prova.
   O arguido começa por afirmar, a propósito, que parte da factualidade dada como assente é incompatível com o relatório de autópsia junto aos autos.
   O relatório em causa faz referência à existência de “duas palmadas de sangue, uma na parede contígua à da janela e outra no pano do cortinado junto da janela ”.
   Na matéria de facto fixada, por sua vez, no segmento em apreço, consigna-se o seguinte:
   “Como a vítima não possuía força suficiente para escapar, nem para se segurar no parapeito da janela, o arguido continuou a empurrá-la, precipitando assim a sua queda, queda essa que provocou a morte.
   Em conformidade, a vítima não deixou, assim, naquele parapeito, as suas impressões” (sublinhado acrescentado).
   E não se divisa, realmente, a pretendida incompatibilidade.
   Como frisa o nosso Exm.º Colega, na resposta à motivação do recurso interposto na 1.ª instância, o questionado 2.º parágrafo pode ter-se como “inócuo” – tanto no quadro da acusação como no da condenação.
   Há, aliás, conforme se sublinha no acórdão deste Tribunal, uma sequência lógica e cronológica, no âmbito dos factos provados, relativamente aos sinais e marcas deixados pela agressão que procedeu o desenlace.
   O parágrafo em foco consubstancia, portanto, como que um corolário – ainda que desnecessário – dessa agressão e desses sinais e marcas (ou da falta deles).
   
   O recorrente, ainda na órbita da al. c) do citado n.º 2 do art.º 400.º, expende que o Tribunal Colectivo laborou em erro notório quando deu como provado que o mesmo “pelas 6H25…abandonou o andar e entrou no elevador”.
   De acordo com a sua motivação, “o Tribunal … fundou a sua convicção com base em prova documental e fotografias existentes nos autos”.
   Na sua óptica, contudo, “ignorou por completo e fez tábua rasa de outros documentos e fotografias igualmente existentes nos autos … ”.
   É patente o equívoco em que incorre o arguido (como decorre, inequivocamente, de tais asserções).
   O mesmo mais não faz, na verdade, do que controverter a matéria de facto fixada, afrontando a regra da livre apreciação da prova consagrada no art.º 114.º do aludido C.P.Penal.
   O facto em análise não pode, pois, ser sindicado por esse mais Alto Tribunal.
   
   E, nessa perspectiva, a chamada à colação do princípio “in dubio pro reo” não pode deixar de ter-se como descabida.
   O Tribunal formou a sua convicção condenatória.
   E fê-lo – por não ser legítima qualquer reserva a esse respeito – “para além de toda a dúvida razoável” (cfr. Figueiredo Dias, D.P.P., I, 205).
   
   O recorrente insurge-se, também, contra o facto, apurado, de se ter posto “em fuga”.
   Mas, ao fazê-lo, mais não faz, igualmente, do que pôr em causa o princípio contido no mencionado art.º 114.º .
   O arguido fala, de seguida, em insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
   Na sua óptica, efectivamente, “o Colectivo não investigou tudo quando estava ao seu alcance”.
   Trata-se de uma afirmação gratuita.
   O vício em causa, de qualquer modo, pressupõe uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito.
   E isso não se verifica - como é evidente - na hipótese vertente.
   
   O recorrente, no seguimento de tal afirmação, expende que deveria ter sido feita a “análise crítica da prova ensaiada por forma a permitir que se compreenda o raciocínio lógico de toda a decisão”.
   Toca, assim, na questão da motivação fáctica do douto acórdão.
   Esse Tribunal de Última Instância, porém, sempre afastou, na esfera da fundamentação, a exigência da apreciação crítica das provas (cfr., nomeadamente, ac. de 18-7-2002, proc. n.º 9/2001).
   O arguido invoca, depois, novamente, o vício da insuficiência, ao referir-se ao tipo-de-culpa que esteve na base da sua actuação.
   Mas essa ilação só pode causar perplexidade.
   Averiguou-se, na realidade, além do mias, que o mesmo agiu “livre, voluntária e conscientemente”, com a “intenção de tirar a vida à vítima”, tendo “perfeito conhecimento que a sua conduta não era permitida e (era) punida por Lei” (sublinhado acrescentado).
   Que mas será preciso para afirmar a existência do dolo directo (previsto no art.º 13.º, n.º 1, do C. Penal)?
   E, quanto ao respectivo “grau”, basta atentar, do mesmo modo, na factualidade apurada.
   
   O recorrente reporta-se, por fim, à contradição insanável da fundamentação.
   Restringe-se, no entanto, à matéria já focada a respeito do pretenso erro notório na apreciação de prova.
   Nada temos a acrescentar ao que atrás dissemos.
   Se tal matéria não é incompatível com outra, não pode, também, naturalmente, ser contraditória.
   
   
   O arguido pugna, subsidiariamente, pela redução da pena que lhe foi imposta – para um “quantum” não superior a 12 anos de prisão.
   Essa pretensão, no entanto, não pode deixar de naufragar.
   O recorrente alega, em especial, que não foi tido em conta o facto de se ter apresentado voluntariamente, após a perpetração da infracção
   Tal facto, entretanto, não consta da matéria dada como assente.
   E, mesmo que constasse, como acentua o acórdão desta Segunda Instância, não poderia ser ponderado como elemento atenuativo, dada a não confissão do arguido.
   Há, por seu turno, em termos agravativos, vários factores a ter em conta.
   O Tribunal Colectivo considerou, designadamente, para a fixação da medida concreta da pena, a intensidade do dolo e as exigências de prevenção criminal.
   Cumpriu, em consequência, o preceituado no art.º 65.º, n.º 3, do C.Penal.
   
   Nada se provou, de facto, em benefício do arguido.
   Em desfavor do mesmo, por outro lado, há que ter em conta, desde logo, na grande intensidade de dolo que presidiu à sua actuação.
   É que, não satisfeito com a agressão, reiterada e extremamente violenta, fez questão de pôr termo à vida da infeliz vítima.
   O modo de execução do crime inculca, igualmente, uma personalidade mal formada e adequada ao mesmo.
   Quanto aos fins das penas, são prementes, no caso presente, as exigências de prevenção geral.
   Em termos de prevenção positiva, há que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que concerne à validade da norma violada, por via do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime” (cfr. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, 106).
   E, em sede de prevenção geral negativa, não pode postergar-se o efeito de intimidação subjacente a esta finalidade da punição.
   Relativamente à prevenção especial, finalmente, antolham-se incontroversas razões de socialização, para além de advertência.
   
   Deve, pelo exposto, ser negado provimento ao recurso.”
   
   
   Nesta instância, o Ministério Público mantém-se a posição assumida na resposta à motivação.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   1. O Tribunal Judicial de Base e o Tribunal de Segunda Instância consideram provados os seguintes factos:
   “A partir de data indeterminada e durante o período de 3 anos, o arguidoA aliás A1 e a vítima E, mantiveram uma amizade mais íntima, pelo que o arguido pernoitava com frequência na residência da vítima E, sita, [Endereço(1)]
   No dia 29/06/2001, entre as 5H00 e as 5H30 da madrugada, o arguido e a vítima, saíram de um bar onde tinham estado com amigos divertirem-se, apanharam um táxi e dirigiram-se para a referida residência.
   Depois de saírem do táxi, o arguido e a vítima começaram a discutir, zangando-se, tendo a vítima entrado sozinha no [Endereço(1)], pelas 5H48 (cfr. fls. 79 a 83).
   De seguida, cerca de um minuto e tal depois, isto é, pelas 5H49, o arguido entrou [Endereço(1)], ali entrando, tendo sido a vítima E a abrir-lhe a porta (cfr. fls. 79 a 83).
   Logo que entrou dentro do apartamento, o arguido e a vítima, começaram a discutir, na sala.
   No decurso da discussão o arguido A, começou a agredir a vítima, a soco principalmente na zona da cabeça, e, com todos os objectos que lhe vinham à mão, nomeadamente telemóvel, telefone de casa e outros (cfr. fls. 23, 24, 25, 26, 27, 28, 30, 34 e 35).
   A vítima tentou fugir ao arguido deslocando-se para a casa de banho do seu quarto e o arguido furioso, começou a destruir tudo por onde passava (cfr. fls. 36, 37, 38, 39, 40 e 43).
   Pegou no televisor que estava na sala e atirou-o para o chão do corredor que dava acesso aos quartos e, ao mesmo tempo, indo à procura da vítima.
   Como a vítima se tentou esconder, destruiu a porta da casa de banho do quarto a pontapé e acabou por arrastar a vítima ao empurrão para o quarto.
   No referido quarto, o arguido continuou a agredir a cabeça e o corpo da vítima, com os objectos que apanhava, nomeadamente garrafas de cerveja que entretanto partira, e empurrando-a contra as paredes do referido quarto.
   Até que a mesma acabou estatelada em cima da cama do seu quarto com o corpo todo ensanguentado.
   Na continuação das agressões, a vítima ao tentar escapar, foi percorrendo o quarto segurando-se onde podia, continuando a sangrar, espalhando manchas de sangue por todo o quarto, nomeadamente nas paredes, deixando numa delas, uma mancha palmar de sangue (cfr. fls. 44, 255 a 268).
   Cerca das 6H15, do mesmo dia, o arguido, na sequência das agressões, empurrou a vítima brutalmente contra o vidro da janela do quarto, onde se encontrava colado um poster.
   Tal empurrão provocou o impacto violento da cabeça da vítima contra o vidro da referida janela, ali deixando mais vestígios de sangue e de cabelos (cfr. fls. 48).
   Tal vidro ficou danificado, em convexo, com a dimensão de cerca de 14 a 15 cm (cfr. fls. 47).
   Como a vítima não possuía força suficiente para escapar, nem para se segurar no parapeito da janela, o arguido continuou a empurrá-la, precipitando assim a sua queda, queda essa que lhe provocou a morte.
   Em conformidade a vítima, não deixou assim, naquele parapeito, as suas impressões.
   Todas estas agressões provocaram à vítima as lesões descritas a fls. 244 a 247, conforme relatório da autópsia de fls. 244 a 247 e relatório médico legal a fls. 302.
   Tal queda provocou um estrondo, estrondo esse que foi ouvido por dois inquilinos daquele edifício, o senhor F e o Sr. C, tendo sido este a telefonar para a P.S.P. a comunicar o ocorrido, pelas 6H24 do mesmo dia (29 de Junho de 2001), depois de ter ido à janela, e ter visto um corpo no patamar do 4º andar.
   Pelas 6H25, do mesmo dia, o arguido abandonou o andar e entrou no elevador, para se pôr em fuga, regressando à sua casa, em Zhuhai, pelas Portas do Cerco, às 7H01.
   O arguido A aliás A1 agiu livre, voluntária e conscientemente.
   O arguido fez tal com intenção de tirar a vida à vítima.
   Utilizou todos os objectos como instrumento de agressão, e atingindo principalmente na cabeça da vítima, causando ferimentos graves.
   Conhecia as características e qualidades dos referidos instrumentos, bem sabendo que não os podia utilizar para tal fim.
   Tinha perfeito conhecimento que a sua conduta não era permitida e punida por Lei.
   O arguido era comerciante e auferia o rendimento mensal de vinte a trinta mil reminbis.
   É casado e tem dois filhos a seu cargo.
   Não confessou os factos.
   
   Não ficaram provados os seguintes factos: os restantes factos da acusação, designadamente ter o arguido praticado tal acto da crueldade para aumentar o sofrimento da vítima.”
   
   
   2. Apreciação das questões levantadas
   2.1 As conclusões da motivação do recorrente delimitam o âmbito do recurso, sendo irrelevantes, para a sua determinação, as matérias versadas na motivação sobre a questão não sintetizada nas conclusões.
   Entre as questões levantadas na motivação do recurso, a primeira das quais, a de falta de fundamentação por não indicação dos motivos de facto e de direito no acórdão de primeira instância, conducente à alegada nulidade prevista no art.° 360.°, al. a) do Código de Processo Penal (CPP), não tem correspondência nas conclusões, apenas no meio das quais consta uma breve referência de que “... impunha-se ao Tribunal recorrido investigar e deixar explícito em seu acórdão a análise crítica da prova ensaiada por forma a permitir que se compreende o raciocínio lógico de toda a decisão.”
   Sobre a fundamentação da sentença, a lei exige que engloba uma enumeração dos factos provados e não provados, uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamenta a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (art.° 355.°, n.° 2 do CPP).
   O nosso Tribunal tem entendido de que, conforme a disposição da referida norma, a exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão pode satisfazer-se com a revelação da razão de ciência das declarações e dos depoimentos prestados e que determinaram a convicção do tribunal, não sendo exigível que o tribunal faça a apreciação crítica das provas (cfr. os acórdãos do TUI de 9/10/2002 de processo n.° 10/2002; de 18/7/2001 de processo n.° 9/2001 e de 16/3/2001 de processo n.° 16/2000).
   É manifesta a improcedência destes fundamentos do recurso.
   
   2.2 Erro notório na apreciação da prova
   Em relação ao vício do erro notório na apreciação da prova, o recorrente apresentou os três pontos em que se entende verificar este vício, em termos idênticos ao seu recurso para o Tribunal de Segunda Instância:
   (1) Ao dar como provado “... o arguido continuou a empurrá-la, precipitando assim a sua queda, queda essa que lhe provocou a morte. Em conformidade a vítima, não deixou assim, naquele parapeito, as suas impressões.”, a decisão recorrida não teve em conta os termos do relatório de autópsia a fls. 244 e seguintes em que se afirma que deparou com duas palmadas de sangue, uma na parede contígua à da janela por onde a vítima terá precipitado, e uma outra palmada de sangue impregnada no pano do cortinado junto da janela, o que constituem elementos probatórios objectivos que não permitem ao tribunal recorrido concluir pela ausência de impressões, e daí que a vítima tenha necessariamente sido empurrada para a morte.
   (2) Existem outros documentos e fotografias nos autos que afastam necessariamente as conclusões que a decisão recorrida elegeu como sendo matéria provada. Há registo fotográfico que mostra que o recorrente entrou no elevador pela 06:25 da manhã do dia do acontecimento, por isso não se pode concluir que o mesmo tenha saído do [Endereço(1)] em momento imediatamente anterior.
   (3) Não corresponder a verdade o facto provado de que o recorrente, depois de ter praticado o crime, pôs-se em fuga para Zhuhai.
   
   Relacionado com o acórdão ora recorrido, o recorrente manifestou apenas que o Tribunal de Segunda Instância não podia abster-se de conhecer o mérito do vício, recorrendo ao princípio da insindicabilidade da livre apreciação da prova feita pelo tribunal de primeira instância por haver provas que levam a conclusão diferente.
   
   Sobre o primeiro ponto, bem notou o acórdão recorrido:
   “... o Tribunal deu também como provado que: no referido quarto, o arguido continuou a agredir a cabeça e o corpo da vítima, com os objectos que apanhava, ..., e empurrando-a contra as paredes do referido quarto. Até que a mesma acabou estatelada em cima da cama do seu quarto com o corpo todo ensanguentado. Na continuação das agressões, a vítima ..., continuando a sangrar, espalhando manchas de sangue por todo o quarto, nomeadamente nas paredes, deixando numa delas, uma mancha palmar de sangue ... .
   E comparando estes citados factos dados por provados e o relatório, nomeadamente tendo em conta a posição da palmada de sangue na parede do quarto (conforme a fotografia n.° 33 de fls. 38 e as de fls. 44, s/n), não se vê qualquer desconformidade entre si, ou seja, não se vê em que termos chegou a conclusão do erro na apreciação de prova, ... .”
   Portanto, por causa das agressões sofridas pela ofendida, espalham-se manchas de sangue por todo o quarto, incluindo uma mancha palmar de sangue. Assim, o facto que o recorrente elege para sustentar este ponto refere apenas que naquele parapeito não deixou as impressões da ofendida, o que em nada contrapõe à conclusão do relatório da autópsia em que aponta a existência de duas palmadas de sangue em lugares diferentes, ou seja, uma na parede contígua à da janela por onde a ofendida terá precipitado e uma outra impregnada no pano do cortinado junto da janela.
   
   Quanto à questão da hora, o recorrente não pretende, no fundo, impugnar aqui a hora fixada na matéria provada, mas sim queria concluir que pelas 06:19 da manhã do dia do acontecimento ele já se encontrava fora do [Endereço(1)], e por isso é lhe impossível assacar qualquer responsabilidade pela morte da ofendida.
   Não se trata de dúvida fundamental passível de accionar o princípio de in dubio pro reo, nem com o referido argumento é capaz de mostrar o erro notório na apreciação das provas.
   O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
   É manifesto que o facto dado como provado sobre a hora de que o recorrente abandonou o andar e entrou no elevador não está incompatível com a restante matéria apurada. O mesmo se diga sobre a questão de fuga do recorrente a Zhuhai, para além de que o respectivo fundamento corresponde apenas à visão pessoal sobre a matéria provada insusceptível de sobrepor à convicção do tribunal, tutelada pelo princípio de livre apreciação da prova nos termos do art.° 114.° do CPP.
   Não se verifica qualquer erro notório na apreciação da prova apontado pelo recorrente.
   
   2.3 Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e a qualificação jurídica dos factos
   Para sustentar este vício, o recorrente entende que no acórdão recorrido não se apurou se a conduta do recorrente sobre a ofendida é movida por dolo, e se assim o for, qual o grau e a intensidade do dolo ou se apenas por negligência.
   Há vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a matéria de facto provada se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos art.°s 339.º e 340.º do CPP.
   
   É de recordar os seguintes factos provados:
   “No decurso da discussão o arguido A, começou a agredir a vítima, a soco principalmente na zona da cabeça, e, com todos os objectos que lhe vinham à mão, nomeadamente telemóvel, telefone de casa e outros.
   No referido quarto, o arguido continuou a agredir a cabeça e o corpo da vítima, com os objectos que apanhava, nomeadamente garrafas de cerveja que entretanto partira, e empurrando-a contra as paredes do referido quarto.
   Até que a mesma acabou estatelada em cima da cama do seu quarto com o corpo todo ensanguentado.
   Cerca das 6H15, do mesmo dia, o arguido, na sequência das agressões, empurrou a vítima brutalmente contra o vidro da janela do quarto, onde se encontrava colado um poster.
   Tal empurrão provocou o impacto violento da cabeça da vítima contra o vidro da referida janela, ali deixando mais vestígios de sangue e de cabelos.
   Como a vítima não possuía força suficiente para escapar, nem para se segurar no parapeito da janela, o arguido continuou a empurrá-la, precipitando assim a sua queda, queda essa que lhe provocou a morte.
   O arguido A Aliás A1 agiu livre, voluntária e conscientemente.
   O arguido fez tal com intenção de tirar a vida à vítima.
   Utilizou todos os objectos como instrumento de agressão, e atingindo principalmente na cabeça da vítima, causando ferimentos graves.
   Conhecia as características e qualidades dos referidos instrumentos, bem sabendo que não os podia utilizar para tal fim.
   Tinha perfeito conhecimento que a sua conduta não era permitida e punida por Lei.”
   
   Conforme a matéria de facto apurada, é evidente que ficou provado o dolo directo do recorrente na prática dos actos referidos na matéria provada, isto é, a intenção de matar a ofendida E.
   E pelos actos de agressão praticados pelo recorrente sobre a ofendida não pode deixar de concluir a grande intensidade do dolo.
   A matéria provada permite perfeitamente o preenchimento do tipo do crime de homicídio previsto no art.° 128.° do Código Penal (CP), pelo que há não insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
   Deste modo, é também insustentável a tese do recorrente de que a factualidade apurada permite apenas a integração do crime de homicídio por negligência previsto no art.° 134.° do CP.
   
   2.4 Contradição insanável da fundamentação
   Em termos absolutamente idênticos com o recurso para o Tribunal de Segunda Instância, o recorrente sustenta que há contradição insanável da fundamentação quando o tribunal recorrido deu por provada os seguintes factos:
   “Como a vítima não possuía força suficiente para escapar, nem para se segurar no parapeito da janela, o arguido continuou a empurrá-la, precipitando assim a sua queda, queda essa que lhe provocou a morte.
   Em conformidade a vítima, não deixou assim, naquele parapeito, as suas impressões.”
   
   O vício da contradição insanável da fundamentação consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada. A contradição tem de se apresentar insanável ou irredutível que não possa ser ultrapassada com o recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum.
   O recorrente justifica a verificação deste vício somente com o entendimento de que “Pretende-se justificar a autoria do crime pelo recorrente afirmando que em se tratando dele quem empurrou mortalmente a vítima, que por isso mesmo se desequilibrou e caiu. Por outro lado, por forma a afastar a tese apresentada pela defesa de suicídio pela vítima, pretende-se extrair a conclusão de que como foi alguém quem a matou não há impressões no parapeito, pois, segundo o raciocínio do Tribunal recorrido, se fosse suicídio, o mais natural é que a vítima teria deixado as suas impressões no parapeito ao subir e preparar-se para o salto fatal.”
   É manifesto que não se verificou este vício no acórdão recorrido, para além de que convém lembrar que o objecto do presente recurso deve ser o acórdão de segunda instância e não o de primeira. Tal como entende o tribunal recorrido, pelas alegações do recorrente, não se vislumbra em que base se fundamenta este vício. E continua o tribunal recorrido: “O que nos parece é que, o recorrente entendeu que os factos dados por provados contradiz a conclusão por si retirada dos mesmos. ... a existência da palmada de sangue na parede junto da janela não está em desconformidade com outros factos dados por provados, o que se leva obviamente a conclusão da inexistência da contradição entre os factos pelo recorrente referidos.”
   
   2.5 A medida da pena aplicada
   Para o recorrente, a pena de 17 anos de prisão é demasiado severa. Entende que a sua apresentação voluntária à polícia é relevante no âmbito do art.° 65.°, n.° 2, al. e) do CP e o não apuramento do exacto grau e intensidade do dolo repercutem necessariamente na medida da pena que nunca deveria ultrapassar os 12 anos de prisão.
   
   De acordo com o referido preceito, é de considerar, na determinação da pena concreta, entre outras circunstâncias, a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime.
   Ora, a apresentação voluntária do arguido a polícia, que não consta dos factos provados, com a negação dos factos imputados não mostra que está a colaborar com a justiça e muito menos como a reparação das consequências do crime, pelo que esta postura do arguido não o beneficia na medida da pena.
   Do que ficou exposto mostra claro que resulta, com segurança, da factualidade provada o grau e a intensidade do dolo do recorrente na prática do crime de homicídio.
   O crime de homicídio previsto no art.° 128.° do CP é punido com a pena de 10 a 20 anos de prisão.
   Considerando todas as circunstâncias da prática do crime, nomeadamente a grande intensidade do dolo, as agressões reiteradas e extremamente violentas praticadas sobre a ofendida, e ainda a prevenção geral e especial, entende-se adequada a pena concreta fixada.
   
   São manifestamente improcedentes os fundamentos do presente recurso que deve ser rejeitado.
   
   
   
   3. . Decisão
   Face ao exposto, acordam em rejeitar o recurso.
   Nos termos do art.° 410.°, n.° 4 do CPP, condena o recorrente a pagar 4 UC (duas mil patacas). E ainda em 5 UC (duas mil quinhentas patacas) da taxa de justiça e demais custas.
   
   
   
   
   Aos 30 de Janeiro de 2003.
   
   
             Juizes:Chu Kin
    Viriato Manuel Pinheiro de Lima
    Sam Hou Fai