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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau




Conflito de competência
N.° 4 / 2003

Requerente: A







1. Relatório
   A requerente A interpôs perante o Tribunal de Segunda Instância e em cumulação a acção sobre contrato administrativo celebrado entre a Direcção dos Serviços das Forças de Segurança de Macau e a recorrente e o recurso contencioso contra o acto do Secretário para a Segurança.
   Por despacho do relator do processo do Tribunal de Segunda Instância, a petição foi liminarmente rejeitada e foi ordenada a remessa dos autos para o Tribunal Administrativo, entendendo que a procedência do pedido formulado no recurso contencioso pressupõe a apreciação do pedido invocado na acção sobre o contrato administrativo para cujo conhecimento o Tribunal de Segunda Instância não é competente em primeira instância.
   Baixado o processo ao Tribunal Administrativo, o juiz do processo rejeitou o recurso contencioso por incompetência do tribunal e indeferiu liminarmente a petição por falta de personalidade judiciária da ré.
   Vem posteriormente a requerente formular o presente pedido de resolução de conflito negativo de competência com os seguintes fundamentos:
   “1. A peticionária interpôs, em 24/7/2002, em cumulação, junto do Tribunal de Segunda Instância (TSI): (a) acção sobre contrato administrativo, na forma de ajuste directo, celebrado com a Direcção dos Serviços das Forças de Segurança de Macau e (b) recurso contenciosos de anulação, do acto de Exm.º Senhor Secretário para a Segurança, de 3/7/2002, o qual aplicou à ali recorrente uma multa de MOP43.506,00.
   2. Por douto acórdão de 2/9/2002, proferido no Proc. n.º 141/2002, o meritíssimo juiz relator rejeitou liminarmente a petição, ordenando, oficiosamente, a consequente remessa dos autos ao Tribunal Administrativo (TA).
   3. Fundamentou o ilustre magistrado a sua decisão no seguinte encadeamento lógico-formal:
   a) A procedência do pedido formulado no recurso contencioso está dependente da apreciação que se faça na acção quanto à validade do contrato administrativo.
   b) Ora o TSI não é competente para tal apreciação, mas sim o TA, de acordo com o disposto na subalínea III), alínea 3) do n.º 2 do art.º 30.º da Lei n.º 9/1999, conjugado com o art.º 36.º do mesmo diploma, este interpretado à contrario sensu.
   4. Remetidos os autos ao TA, onde foram processados sob o n.º 39/02-RA, o meritíssimo magistrado que julgou o pedido da requerente entendeu que o seu Tribunal não é o competente para julgar o pedido, porquanto não pode conhecer o acto do Senhor Secretário para a Segurança, por força do disposto na alínea 2) do art.º 30.º da Lei n.º 9/1999.
   5. Entende ainda este senhor juiz, que, nos ternos do art.º 50.º do Código de Procedimento Administrativo Contencioso (CPAC), o recurso do acto do membro do Governo poderia ter prosseguido no TSI, como único tribunal com competência para tal.
   6. Incidentalmente, cabe referir que o mesmo magistrado se pronuncia no sentido da falta de personalidade jurídica da Direcção dos Serviços das Forças de Segurança (DSFS) para ser demandada, indeferindo por isso liminarmente a petição.
   7. É patente o modo imperfeito como está redigida a petição, que no entanto não permite a leitura de que a acção foi interposta contra a DSFS, até por apenas se ter a final requerido “a citação da entidade recorrida para responder”, que é o Senhor Secretário para a Segurança, e não a DSFS, pelo que se justificava mandar a recorrente aperfeiçoar a sua petição.
   8. Ambas as decisões em causa transitaram em julgado.
   9. A situação descrita configura um conflito de competência entre os dois Tribunais, porquanto nenhum dos dois se considera capaz de conhecer o pedido.
   10. O art.º 143.º do CPAC estatui que ao conflito de competência é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto na lei processual civil sobre a matéria.
   11. O conflito de competência pode ser suscitado: (a) depois de deixarem de ser susceptíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência (n.º 2 do art.º 35.º do CPC) e (b) dentro dos prazos previstos para a interposição de recursos, contados da data em que se torne irrecorrível a última das decisões (art.º 144.º do CPAC).”
   Pedindo que seja dirimido o conflito de competência entre o Tribunal de Segunda Instância e o Tribunal Administrativo.
   
   Notificados os tribunais em conflito, respondeu o relator do processo do Tribunal de Segunda Instância sustentando que “não se esteja perante um conflito negativo de competência própria e juridicamente dito”, porque:
   - A arguição dos vícios do acto administrativo impugnado é subsidiária da invocação da ilegalidade do contrato administrativo nos termos dos pedidos formulados pela requerente na petição.
   - A procedência do pedido formulado no recurso contencioso pressupõe a apreciação da acção sobre o contrato administrativo, pelo que rejeitou liminarmente a petição, tendo em conta a incompetência do Tribunal de Segunda Instância na apreciação da primeira das questões invocada a título principal pela requerente.
   - Não há entendimento diferente entre os autores dos dois despachos judiciais em causa quer em relação à competência do Tribunal de Segunda Instância em conhecer do acto administrativo quer no tocante à competência do Tribunal Administrativo em conhecer da acção sobre o contrato administrativo.
   - Há apenas uma rejeição liminar da acção do contrato administrativo pelo Tribunal Administrativo.
   - Cabe à requerente ponderar a hipótese de intentar outra vez para o Tribunal Administrativo a acção sobre o contrato administrativo e interpor outra vez para o Tribunal de Segunda Instância o recurso contencioso do acto do Secretário para a Segurança.
   
   A requerente não apresentou alegações.
   
   A Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de Última Instância emitiu o seguinte parecer:
   “A, vem pedir a resolução de conflito negativo de competência entre o Tribunal de Segunda Instância e o Tribunal Administrativo de Macau, alegando que “nenhum dos dois se considera capaz de conhecer o pedido” formulado por ela.
   Salvo o devido respeito pela opinião diferente, não nos parece que existe o conflito negativo de competência cuja resolução é pretendida pela requerente.
   
   Antes de mais, convém salientar que, com a sua petição apresentada em 24-7-2002, a requerente interpôs em cumulação acção sobre contrato administrativo celebrado entre ela e a Direcção dos Serviços das Forças de Segurança de Macau bem como recurso contencioso de anulação do acto do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança pelo qual aplicou à requerente uma multa de MOP$43.506,00.
   Estão em causa dois pedidos diferentes, deduzidos contra as entidades também diferentes.
   Dirigida a petição ao Tribunal de Segunda Instância e distribuído o processo como de recurso contencioso, veio o Exmo. Juiz Relator, em sede de exame preliminar, proferir o despacho no sentido de rejeitar liminarmente a petição em causa e ordenar oficiosamente a remessa dos autos para o Tribunal Administrativo de Macau, dado que “a precedência do pedido (ora) formulado no recurso contencioso pressupõe a apreciação do pedido invocado na acção sobre o contrato administrativo em questão, para cujo conhecimento (este) TSI não é competente em primeira instância, mas sim tão-só Tribunal Administrativo de Macau, ...”.
   Daí que se deve concluir que aquele Magistrado entendeu que o Tribunal de Segunda Instância é incompetente conhecer a acção sobre contrato administrativo então proposta pela ora requerente, sendo certo que em lado nenhum se pode tirar a mesma conclusão em relação ao recurso contencioso interposto na mesma petição.
   Recebidos os autos, o Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo indeferiu liminarmente a acção sobre o contrato administrativo por manifesta falta de personalidade judiciária da demandada – Direcção dos Serviços das Forças de Segurança e, por outro lado, rejeitou o recurso contencioso por incompetência do Tribunal Administrativo.
   
   Interpretadas e analisadas as duas decisões em causa, não se vê a verificação do conflito negativo de competência entre os dois tribunais suscitado pela requerente.
   Sendo embora verdade que ambos os tribunais se declaram incompetentes, tal incompetência se verifica em relação às questões distintas: O Tribunal de Segunda Instância considera não ter competência em conhecer a acção sobre contrato administrativo, ao passo que a incompetência do Tribunal Administrativo é declarada em relação ao conhecimento do recurso contencioso interposto do acto praticado pelo Senhor Secretário para a Segurança.
   Na realidade, não obstante o recurso contencioso interposto contra o acto do Senhor Secretário para a Segurança não chegar a ser conhecido, o Tribunal de Segunda Instância nunca negou a sua competência em conhecê-lo, sendo certo que a remessa dos autos para o Tribunal Administrativo foi consequência do entendimento de que a precedência do pedido formulado neste pressupõe a apreciação do pedido invocado na acção sobre contrato administrativo e o TSI não tem competência para este efeito.
   
   Concluindo, parece-nos que não se verifica o conflito negativo de competência entre o Tribunal de Segunda Instância e o Tribunal Administrativo, face à norma contida no n.º 1 do art.º 35.º do CPC, aplicável aos presentes autos por força do art.º 143.º do CPAC, a qual rege que “há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais de Macau se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão”.
   Termos em que se deve indeferir o pedido formulado pela requerente.”
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Os dois despachos em causa
   Apresentada pela requerente no Tribunal de Segunda Instância a petição da acção sobre contrato administrativo cumulada com o recurso contencioso em 24 de Julho de 2002, foi proferido o seguinte despacho pelo relator do processo:
   “Em sede de exame preliminar dos presentes autos de “recurso contencioso” n.º 141/2002 deste Tribunal de Segunda Instância (TSI), verifico que a “A” pretende “interpor em cumulação” acção sobre o contrato administrativo então por celebrado entre ela e a Direcção dos Serviços das Forças de Segurança de Macau, e recurso contencioso de anulação do acto do Senhor Secretário para a Segurança, exarado em 3/7/2002 sobre a Proposta n.º XXX/XX/XXXX da mesma Direcção de Serviços, pelo qual lhe foi aplicado um total de multa no valor de MOP$43.506,00 devido ao facto de ela ter deixado de poder cumprir os prazos, inicialmente propostos por ela própria no mesmo contrato e aceites pela Administração, para entrega a esta de determinados bens objecto daquele contrato.
   
   Estando-se em causa, um contrato administrativo (cfr. o art.º 165.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo actualmente vigente), o meio processual para dirimir qualquer litígio sobre a sua interpretação, validade ou execução é a “acção sobre contratos administrativos”, prevista expressamente nos art.ºs 97.º, al. d) e 113.º, n.º 1 do Código de Processo Contencioso Administrativo (CPAC), apesar de no seio da qual poder abstractamente falando e nas precisas condições exigidas no n.º 3 desse mesmo preceito do CPAC, ser deduzido, inicial ou supervenientemente, o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência jurídica de actos administrativos relativos à formação e execução do contrato (visto que, conforme o entendimento deste TSI no aresto de 16/5/2002 no Processo n.º 116/2000, a Administração, aquando da execução de um contrato administrativo, pode praticar ainda actos administrativos propriamente ditos – hipótese esta aliás também contemplada no art.º 113.º, n.º 2 do CPAC –, tal como nos ensina o insigne Professor DIOGO FREITAS DO AMARAL, in DIREITO ADMINISTRATIVO, Volume III, Lisboa, 1989, pág. 458: “Os principais poderes de autoridade de que a Administração beneficia na execução do contrato administrativo são três: o poder de fiscalização, o poder da modificação unilateral, e o poder de aplicar sanções.”)
   Entretanto, atendendo a que a procedência do pedido ora formulado no recurso contencioso pressupõe a apreciação do pedido invocado na acção sobre o contrato administrativo em questão, para cujo conhecimento este TSI não é competente em primeira instância, mas sim tão-só o Tribunal Administrativo de Macau, por força do disposto no art.º 30.º, n.º 2, alínea 3), sub-alínea III) da Lei n.º 9/1999, de 20 de Dezembro, de Bases da Organização judiciária da R.A.E.M., conjugado com o art.º 36.º da mesma, interpretado a contrario sensu:
   
   Rejeito, usando da competência conferida pelo art.º 15.º, n.º 1, al. g) do CPAC, liminarmente a presente petição interposta em 24/7/2002 e ordeno oficiosamente a consequente remessa dos pressentes autos para o Tribunal Administrativo de Macau, nos termos do art.º 3.º do CPAC e dos art.ºs 30.º, 2.ª parte, 31.º, n.º 1, e 33.º, n.º 1 do Código de Processo Civil de Macau, ex vi do art.º 1.º do mesmo CPAC.
   
   Custas do presente incidente pela A.
   Notifique esta sociedade, o Senhor Secretário para a Segurança e o Ministério Público.”
   
   Remetidos os autos ao Tribunal Administrativo, o juiz do processo proferiu o seguinte despacho:
   “1. A, com sede na [Endereço], interpôs acção sobre contrato administrativo contra a Direcção dos Serviços das Forças de Segurança (DFSM), cumulada com o pedido de anulação da do despacho do Secretário para a Segurança que lhe aplicou a multa de MOP43.506,00.
   
   2. O Tribunal de Segunda Instância remeteu o processo ao Tribunal Administrativo por entender ser incompetente para o julgamento da acção.
   O n.º 3 do art.º 113.º do CPAC permite cumular numa acção sobre contratos administrativos o pedido de anulação (ou declaração de nulidade ou inexistência) dos actos administrativos relativos à formação e à execução do contrato.
   Quando tal acontece o regime processual é o seguinte: o n.º 5 do art.º 99.º do CPAC manda aplicar as “normas que regulam o recurso contencioso quando se não revelem incompatíveis com as aplicadas à tramitação da acção”; a alínea b) do n.º 2 do art.º 44.º do mesmo código não admite a cumulação de impugnações “quando a competência para o conhecimento das impugnações caiba a tribunais diferentes”; verificando este caso, o n.º 1 do art.º 50.º determina que “não obsta ao prosseguimento do recurso relativamente à impugnação para cujo conhecimento o tribunal seja competente”.
   Aplicando estes preceitos ao caso concreto, teríamos que o recurso do acto administrativo do Secretário para a Segurança, de resto, a questão mais importante a decidir, poderia ter prosseguido no TSI, o único tribunal com competência para apreciar os actos de tal entidade.
   Para o conhecimento de tal acto o tribunal administrativo é incompetente, por força do disposto na alínea 2) do art.º 30.º da Lei 9/1999 de 20 de Dezembro.
   
   3. A acção vem deduzida contra a Direcção dos Serviços das Forças de Segurança (DFSM).
   Pelo art.º 1.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2002 de 29/4, a DSFS é “uma unidade orgânica da Administração Pública da Região Administrativa Especial de Macau (REAM), com autonomia administrativa, que exerce a sua acção na dependência directa do Secretário para a Segurança”.
   É, portanto, uma entidade desprovida de personalidade jurídica.
   No regime processual actualmente vigente para jurisdição administrativa os órgãos administrativos têm personalidade jurídica e, consequentemente, personalidade judiciária, mas apenas no contexto dos meios impugnatórios. Fora destes meios, e no plano das relações externas, elas são meras “unidades de actuação da pessoa colectiva, pelo que – embora por intermédio deles – é a própria pessoa colectiva que actua. Os órgãos não podem aí ser considerados “sujeitos de direito”, uma vez que, por não deterem personalidade jurídica, a qualidade de “sujeito de ordenação ou imputação final” está reservada à própria pessoa colectiva.
   O art.º 54.º do CPC só permite aos “patrimónios autónomos”, e não às entidades autónomas ou com autonomia administrativa, estarem representadas em juízo pelos seus administradores ou directores. Embora, de jure constituendo, para a justiça administrativa a melhor solução fosse estender a capacidade judiciária também a tais entidades, a verdade é que legalmente tal ainda não é possível.
   Também não resulta da lei processual que se considere regularmente proposta a acção quando na petição tenha sido indicado como parte demandada o órgão administrativo que praticou o acto impugnado ou perante o qual tenha sido formulada pretensão do interessado, quando o devesse ser contra a pessoa colectiva a que órgão pertence, que neste caso é a RAEM.
   Por isso, verifica-se manifesta falta de personalidade judiciária da demandada, o que nos termos dos art.º s 39.º, 52.º, alínea c) do n.º 1 do art.º 394.º do CPC, ex vi, art.ºs 1.º e 99.º do CPAC, gera ineptidão da petição inicial.
   
   4. Pelo exposto:
a) rejeito o recurso contencioso por incompetência do tribunal;
b) indefiro liminarmente a petição por falta de personalidade judiciária da demandada.
   Custas pela Autora.
   Taxa de justiça: 1/4 (art.º 16.º, n.º 1, al. a) do RCT)
   Valor da acção: MOP43.506,00
   Notifique.”
   
   2.2 Âmbito do alegado conflito negativo de competência
   Na petição que a requerente apresentou no Tribunal de Segunda Instância foi interposta uma acção sobre contrato administrativo em cumulação com um recurso contencioso. Segundo o despacho do juiz do Tribunal Administrativo, a petição na parte referente à acção foi indeferida liminarmente por falta de personalidade judiciária da ré, no uso da competência deste tribunal nos termos do art.° 30.°, n.° 2, al. 3), III) da Lei de Bases da Organização Judiciária (Lei n.° 9/1999). Nestes termos, o alegado conflito de competência relaciona apenas com o recurso contencioso.
   
   2.3 O regime da interposição da acção sobre contratos administrativos cumulada com recurso contencioso
   Em princípio, é permitida a cumulação da acção sobre contratos administrativos com recurso contencioso de actos administrativos relativos à formação e execução do contrato.
   Prescreve o art.° 113.° do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC):
   “1. A acção sobre contratos administrativos tem por finalidade dirimir os litígios sobre interpretação, validade ou execução dos contratos, incluindo a efectivação de responsabilidade civil contratual.
   2. O conhecimento da acção sobre contratos administrativos não impede o recurso contencioso de actos administrativos relativos à formação e execução do contrato.
   3. O pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência jurídica de actos administrativos relativos à formação e execução do contrato pode ser deduzido, inicial ou supervenientemente, em acção sobre contratos administrativos quando aquele pedido e os formulados nos termos do n.° 1 estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência ou quando a procedência de todos os pedidos dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas normas jurídicas ou cláusulas contratuais.”
   
   Por outro lado, o art.° 99.°, n.° 5 do mesmo Código dispõe assim:
   “5. Na hipótese prevista no n.° 3 do artigo 113.°, aplicam-se à dedução do pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência jurídica, bem como à sua discussão e decisão, as normas que regulam o recurso contencioso quando se não revelem incompatíveis com as aplicáveis à tramitação da acção.”
   Nos termos desta norma, para o recurso contencioso dos actos administrativos relativos à formação e execução do contrato administrativo interposto em cumulação com a acção sobre contratos administrativos, interposto segundo o art.° 113.° do CPAC, é aplicável o regime processual do recurso contencioso em geral desde que não sejam incompatíveis com a tramitação da acção.
   
   Para conhecer os referidos pedidos, é competente o Tribunal Administrativo para julgar a acção sobre contratos administrativos (vide a norma acima citada a este respeito) e o Tribunal de Segunda Instância para julgar o recurso contencioso do acto administrativo, objecto da impugnação pela requerente, por ser praticado pelo Secretário, (art.° 36.°, al. 7) da Lei de Bases da Organização Judiciária).
   Face à diferença da competência dos tribunais para julgar a acção sobre contratos administrativos e recurso contencioso cumulado, cabe atender ao art.° 44.°, n.° 2, al. b) do CPAC onde dispõe:
   “2. Não é admissível cumulação:
   a) ...
   b) Quando a competência para o conhecimento das impugnações caiba a tribunais diferentes.”
   Portanto, não pode cumular impugnações de actos no mesmo recurso contencioso quando a competência para as apreciar caiba a tribunais diferentes. Em causa está a distribuição da competência entre tribunais que, salvo disposição legal em contrário, não devem ser perturbada pela acumulação de impugnações provocada por recorrente.
   Assim, por remissão do mencionado art.° 99.°, n.° 5 do CPAC, não pode deduzir o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência jurídica de actos relativos à formação e execução do contrato em cumulação com a acção sobre contratos administrativos quando não seja o mesmo tribunal competente para conhecer daquele pedido e da acção.
   
   2.4 O exame da existência do conflito
   No entanto, a requerente interpôs a acção sobre contrato administrativo em cumulação com o pedido de anulação do acto do Secretário para a Segurança e são competentes o Tribunal Administrativo para julgar a acção e o Tribunal de Segunda Instância para o pedido de anulação do acto de Secretário.
   
   Perante esta petição da requerente apresentada ao Tribunal de Segunda Instância, o relator do processo entende que a procedência do pedido formulado no recurso contencioso pressupõe a apreciação do pedido invocado na acção para cujo conhecimento em primeira instância é competente o Tribunal Administrativo.
   Na fundamentação do despacho o relator entende apenas que é o Tribunal Administrativo competente para julgar a acção e não pronunciou expressamente sobre qual o tribunal competente para conhecer o recurso contencioso.
   No entanto, na parte dispositiva do despacho, o relator decidiu rejeitar liminarmente a petição e ordenar a remessa dos autos para o Tribunal Administrativo, “nos termos do art.° 3 do CPAC e dos art.°s 30.°, 2ª parte, 31.°, n.° 1 e 33.°, n.° 1 do Código de Processo Civil de Macau, ex vi do art.° 1.° do mesmo CPAC”.
   O teor literal desta parte da decisão dá a entender que toda a petição, incluída a parte do recurso contencioso, foi rejeitada liminarmente por incompetência do Tribunal de Segunda Instância e ordenou consequentemente a remessa dos autos para o Tribunal Administrativo.
   Por outro lado, segundo o art.° 50.°, n.° 1 do CPAC, a ilegalidade da cumulação de impugnações resultante da incompetência do tribunal para conhecer de todas estas não obsta ao prosseguimento do recurso relativamente à impugnação para cujo conhecimento o tribunal seja competente. Se fosse em obediência a este preceito, o processo devia prosseguir relativamente à parte do pedido de anulação do acto do Secretário para a Segurança impugnado.
   Se se entendesse a apreciação da acção como questão prejudicial do recurso contencioso, o processo devia ficar suspenso até que o Tribunal Administrativo pronunciasse sobre a acção, nos termos do art.° 14.°, n.° 1 do CPAC.
   
   Remetidos os autos para o Tribunal Administrativo, toda a petição é colocada novamente para ser apreciada, agora pelo juiz deste último tribunal. Face ao disposto na Lei de Bases da Organização Judiciária acima referido, é natural que o juiz do processo tenha rejeitado a petição na parte do recurso contencioso por incompetência do tribunal.
   
   Perante este quadro de situação, estamos perante um conflito negativo de competência, embora atípico, em relação ao recurso contencioso interposto pela requerente, em cumulação com a acção.
   
   Uma vez que o acto impugnado no recurso contencioso interposto pela requerente era praticado pelo Secretário para a Segurança, o tribunal competente para o julgar é o Tribunal de Segunda Instância nos termos do art.° 36.°, al. 7) da Lei de Bases da Organização Judiciária.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em determinar que o Tribunal de Segunda Instância conheça o recurso contencioso interposto pela requerente em 24 de Julho de 2002.
   Sem custas.
   
   
   
   Aos 21 de Maio de 2003.



            Juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
Magistrada do Ministério Público
presente na conferência: Song Man Lei

   
Processo n.° 4 / 2003 18