打印全文

Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso penal
N.° 7 / 2003

Recorrentes: A
B






1. Relatório
   No âmbito do processo comum colectivo n.° PCC-006-02-5, os dois recorrentes A e B e mais outros dois arguidos foram julgados no Tribunal Judicial de Base. Pelo seu acórdão de 15 de Julho de 2002:
- Foram todos os arguidos absolvidos do crime de associação secreta;
- O 1° arguido A foi condenado pela prática dos seguintes crimes:
- Em co-autoria material, um crime de extorsão a pretexto de protecção previsto e punido pelo art.° 3.°, n.°s 1 e 3 da Lei n.° 6/97/M na pena de 5 anos de prisão;
- Em co-autoria material, um crime de represália contra pessoas e dano previsto e punido pelo art.° 3.°, n.°s 4, 3 e 1 da mesma Lei na pena de 5 anos e 6 meses de prisão;
- Em co-autoria material, um crime de coacção previsto e punido pelo art.° 148.°, n.° 1 do Código Penal na pena de 1 ano e 3 meses de prisão.
- Em cúmulo, foi condenado na pena única e global de 9 anos de prisão.
- O 4° arguido B foi condenado pela prática dos seguintes crimes:
- Em co-autoria material, um crime de extorsão a pretexto de protecção previsto e punido pelo art.° 3.°, n.°s 1 e 3 da Lei n.° 6/97/M na pena de 4 anos e 9 meses de prisão;
- Em co-autoria material, um crime de represália contra pessoas e dano previsto e punido pelo art.° 3.°, n.°s 4, 3 e 1 da mesma Lei na pena de 5 anos e 3 meses de prisão;
- Em co-autoria material, um crime de coacção previsto e punido pelo art.° 148.°, n.° 1 do Código Penal na pena de 1 ano de prisão.
- Em cúmulo, foi condenado na pena única e global de 8 anos e 3 meses de prisão.
- Foram todos os arguidos condenados ainda a pagar solidariamente aos ofendidos C e D, a título da indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, o montante global de MOP$157.000,00, a que acresce os juros vincendos à taxa legal até ao seu efectivo e integral pagamento.

   Inconformados com o acórdão, recorreram o Ministério Público e todos os arguidos para o Tribunal de Segunda Instância. Por seu acórdão proferido em 13 de Fevereiro de 2003, no âmbito do processo n.° 175/2002:
- Julgar improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público;
- Absolver todos os arguidos do crime de coacção pelo qual foram condenados na primeira instância;
- Condenar todos os arguidos pelos crimes continuados de extorsão a pretexto de protecção e represália contra pessoas e bens previstos e punidos pelo art.° 3.°, n.°s 1 e 4 da Lei da Criminalidade Organizada;
- Dar provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido B, condenando o mesmo na pena de 4 anos de prisão pela prática de um crime de extorsão a pretexto de protecção e na pena de 4 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de represália contra pessoa e bens;
- Condenar, em cúmulo jurídico das penas, todos os arguidos, respectivamente:
- O arguido A na pena única e global de 8 anos de prisão;
- O arguido B na pena de 6 anos e 3 meses de prisão;
- Os restantes dois arguidos na pena de 7 anos e 3 meses de prisão.
   
   Vêm, agora, o 1° arguido A e o 4° arguido B recorrer deste último acórdão para o Tribunal de Última Instância.
   Pelo recorrente A foram apresentadas as seguintes conclusões da motivação:
   “1. O acórdão do Tribunal de Segunda Instância conhecendo do recurso interposto da decisão condenatória de 1.ª instância, veio condenar o recorrente na pena global e única de 8 anos de prisão pela prática do crime continuado de extorsão a pretexto de protecção previsto e punido pelo art.º 3.º, n.º 1 e 3 da Lei n.º 6/97/M, de 30 de Julho.
   2. Foi, porém, absolvido do crime de associação ou sociedade secreta de que vinha acusado, tipo de ilícito penal previsto e punido pelo art.º 2.º da mesma Lei.
   3. É inaceitável que, não se provando nem se condenando pelo crime de associação ou sociedade secreta, se condene pelos crimes tipificados na mesma Lei que constituem condutas por excelência das associações ou sociedades secretas.
   4. A Lei n.º 6/97/M, de 30 de Julho, mais conhecida como Lei da Criminalidade Organizada (LCO), é uma lei especial, que não consagra uma disciplina directamente oposta à do direito penal comum mas apenas uma nova disciplina, para certo número de crimes, agrupados em função de um determinado núcleo de interesses ou bens jurídicos.
   5. Em circunstâncias normais ou comuns, o crime de extorsão está consagrado no Código Penal.
   6. Do complexo normativo do diploma e analisadas as outras disposições que regulam a mesma matéria – elemento sistemático – , conclui-se que, de facto, há uma coerência intrínseca no diploma, pois as normas aí contidas obedecem a um pensamento unitário e intenção comum.
   7. Retirar uma disposição do contexto desta Lei e aplicá-la desinserida desta sistematicidade própria, a uma situação particular, é defraudar o espírito e a unidade intrínseca quer desta Lei, quer do ordenamento jurídico-penal.
   8. Esta lei foi elaborada num período conturbado da vida de Macau no que respeita à frequência de determinados géneros de crimes praticados por elementos de associações criminosas, prejudicando a paz social (o bem jurídico que se pretende proteger com esta lei) pela generalização na população de um sentimento de medo e de insegurança – occasio legis.
   9. O Tribunal “a quo” em sua decisão recorrida ao interpretar o diploma em causa chegou a um resultado que não tem na letra e no espírito da Lei qualquer correspondência. Com efeito, ao julgar o caso em apreço, o Tribunal ao deparar pela impossibilidade de aplicação da norma do art.º 3.º da Lei da Criminalidade Organizada, com uma ausência de norma especial aplicável, deveria ter feito apelo à norma contida no art.º 215.º do Código Penal, diploma penal fundamental.
   10. O Tribunal “a quo”, não tendo considerado provado o crime de associação criminosa de per si, não podia aplicar à situação em causa o disposto no art.º 3.º da Lei da Criminalidade Organizada, devendo, pois, ter “socorrido” da disposição correspondente do Código Penal para regular essa mesma situação.
   11. Não é legítimo aplicar a norma contida no art.º 3.º à situação particular em questão, fazendo uma interpretação extensiva da Lei da Criminalidade Organizada, e pretendendo assim, que aquela norma se aplique a qualquer situação comum, sem qualquer conexão com as associações criminosas e portanto sem ser abrangido pelas condições e interesses particulares que estiveram na base da criação desta Lei especial.
   12. No caso concreto não estão presentes os interesses e as condições que foram motivo para a elaboração da Lei especial que o Tribunal “a quo” pretende, agora, aplicar à situação do recorrente. Nem através da interpretação extensiva do diploma e muito menos por uma integração analógica, porque sendo proibida está de todo vedada ao Juiz, se poderá aplicar ao caso que ora se impugna, o art.º 3.º da Lei da Criminalidade Organizada.
   13. Ora, estando a conduta do recorrente incriminada pela lei penal geral – Código Penal – , e não se provando o crime de pertença ou da existência de associação criminosa, não pode o Tribunal “ a quo” recorrer-se à aplicação da lei especial pelas razões acima explicitadas.
   14. O que por erro de interpretação e de aplicação analógica, levou à condenação do recorrente, quando entendemos que “in casu”, tal norma não se aplica, mas sim, a lei geral contemplada no Código Penal.
   15. Não o fazendo, a decisão recorrida violou o princípio da legalidade e, nomeadamente, os sub-princípios: (i) de nullum crimen sine lege, (ii) da tipicidade, (iii) da proibição do recurso à analogia, fazendo tábua rasa ao disposto no art.º 1.º do Código Penal de Macau, o art.º 29.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, e, simultaneamente, o art.º 3.º da Lei da Criminalidade Organizada.
   16. Foram violados, ainda, por erro de interpretação e errada integração analógica, o disposto no art.º 8.º do Código Civil, o art.º 1 do Código Penal de Macau, o art.º 29.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, e, simultaneamente, o art.º 3.º da Lei da Criminalidade Organizada.
   17. O Tribunal “a quo”, em sua decisão ora em crise labutou em erro de direito, consubstanciado nos erros na interpretação do Direito e no de qualificação jurídica dos factos.
   18. O ora recorrente foi condenado por 2 crimes especialmente tipificados nos diversos números do art.º 3.º da Lei da Criminalidade Organizada, e de 1 crime de coacção previsto e punido pelo art.º 215.º do Código Penal.
   19. Relativamente aos 2 primeiros crimes, o de extorsão a pretexto de protecção e de represália contra pessoas e dano, em nossa perspectiva, a construção dogmática do concurso real destes crimes a que se chegou o Tribunal recorrido é incorrecta.
   20. Ora, de uma leitura atenta aos normativos constantes quer do art.º 215.º do Código Penal – que desenha o crime de extorsão – , quer do art.º 3.º da citada Lei da Criminalidade Organizada – que desenha o crime de extorsão a pretexto da protecção inserido nas actividades da associação criminosa – é imperioso concluir que em ambos os tipos legais o legislador previu a ameaça de um mal bem como a sua concretização como forma ou meio de obtenção de um enriquecimento ilegítimo ou uma vantagem patrimonial ou outra indevida como elemento essencial, nuclear e constitutivo de ambos os crimes em questão.
   21. Ora, não se pode crer que na Lei da Criminalidade Organizada (LCO) o legislador viu-se obrigado a sancionar a ameaça de um mal não concretizado com uma pena de 2 a 10 anos de prisão, correspondente à pena aplicável ao crime de extorsão quando a ameaça do mal está efectuada.
   22. O art.º 3.º da Lei da Criminalidade Organizada deve ser encarado da seguinte forma:
   – O n.º 1 do art.º 3.º tipifica o crime de extorsão a pretexto de protecção, um tipo de crime qualificado à face do crime de extorsão previsto no art.º 215.º do Código Penal, com especificações votadas para o combate ao crime organizado, quando em causa esteja apenas o propósito genérico de obtenção de vantagens patrimoniais ou outras não especificadas pelo legislador;
   – O n.º 2 do art.º 3.º tipifica o crime de extorsão a pretexto de protecção, um tipo de crime qualificado à face do crime de extorsão previsto no art.º 215.º do Código Penal, com especificações votadas para o combate ao crime organizado, quando em causa esteja o propósito de fazer exigência de contrapartida para a obtenção de emprego, abertura de estabelecimento ou prática de actividade rendosa;
   – O n.º 3 do art.º 3.º, que não tipifica de per si um tipo legal de crime autónomo, vem, porém, alargar o âmbito de aplicação dos n.ºs 1 e 2, ao equiparar a ameaça da represália, o pedido de remuneração ou a declaração de invocação da associação ou sociedade secreta outras condutas idóneas susceptíveis de razoavelmente fazer pressupor no espírito do ofendido causando-lhe medo e insegurança;
   – O n.º 4 do art.º 3.º vem estatuir no sentido de que caso na prática dos crimes tipificados nos números 1 e 2 a ameaça da represália contra pessoa ou bens se concretiza ou se consuma, a pena de 2 a 10 anos prevista é agravada, por equiparação a acumulação material, com a pena adicional de 2 a 10 anos, mas ainda assim, se estaria perante um único crime, na forma qualificada, e nunca dois crimes autónomos pela mesma factualidade.
   – O segmento normativo “... se pena mais grave lhe não couber” constante da parte final do n.º 4 do art.º 3.º vem abrir caminho a situações em que a concretização da ameaça de um mal seja, de per si, uma conduta autonomamente punível e cujo bem jurídico tutelado seja distinto dos bens tutelados primordialmente pela LCO, quais sejam a paz pública, o património. Um por exemplo: a represália efectuada veio a consumar um crime de homicídio. Tal não invalida a tese interpretativa que acabámos de enunciar, pois aqui neste exemplo estaríamos perante tutela de bens jurídicos diferentes – no crime de extorsão a pretexto da protecção, o bem património, no crime de homicídio a tutela do bem vida humana. Já não assim, quando esta disparidade de bens jurídicos a tutelar não esteja em causa, ou seja, nas situações genericamente previstas nos números 1 e 2 do art.º 3.º em que ao definir a pena concreta aplicável teve em consideração o mal da ameaça e a possibilidade de concretização e consumação desta mesma ameaça, razão pela qual os limites mínimo e máximo da medida da pena sejam suficientemente alargados para poder ser adequada a sua escolha concreta pelo intérprete aplicador do Direito.
   23. Há que distinguir várias hipóteses:
   a) Quando as represálias forem efectuadas e estas não serem, de per si, autonomamente puníveis; ou,
   b) Quando as represálias forem efectuadas e estas serem, de per si, puníveis autonomamente, mas cujo bem jurídico tutelado seja o mesmo bem jurídico visado pela Lei da Criminalidade Organizada; ou,
   c) Quando as represálias forem efectuadas e estas serem, de per si, puníveis autonomamente, mas cujo bem jurídico tutelado seja distinto do bem jurídico visado pela Lei da Criminalidade Organizada.
   24. Caso contrário, não se distinguindo o tipo, a forma e o conteúdo das represálias efectuadas, está aberto o caminho para a violação sistemática do princípio non bis in idem, punindo duas ou mais vezes, de forma sucessiva e autónoma uma e única conduta de determinado agente criminoso, quando os bens jurídicos tutelados são os mesmos.
   25. Aliás, o erro de interpretação jurídica que o Tribunal “a quo” comete não termina aí. No seguimento da linha de interpretação do acórdão recorrido, o recorrente deveria ter sido, ainda, condenado na prática de um crime de ofensa à integridade física na pessoa do ofendido C. Não o foi, porém. Das duas possibilidades, uma:
   a) Ou se entendeu que a concretização da represália através da ofensa à integridade física ao ofendido constitui uma represália efectuada mas não autonomamente punível – caso contrário, teria de invocar o segmento final do n.º 4 acima transcrito para justificar o adicionamento ao rol de crimes condenados, em concurso real, o crime de ofensa à integridade física – porquanto absorvida pelo segmento principal do n.º 4 do art.º 3.º, mas, ainda aí, indiscutivelmente, embora inconscientemente, o Tribunal “a quo” fez apelo ao critério de identificação do bem jurídico tutelado de acordo com o quadro de raciocínio que enunciámos supra, errando, mau grado, pois em causa estão bens jurídicos distintos e inconciliáveis;
   b) Ou, então, numa segunda hipótese de raciocínio, que se impugna, quedou-se em incongruência silente.
   26. Nos termos consignados na acta de audiências do dia 27 de Junho de 2002, constante de fls. 1038 e seguintes destes autos, e relativamente às testemunhas E, F, G, H, I que depuseram em audiência, o Tribunal “a quo” invocando discrepâncias entre as declarações prestadas por estas na PJ e as prestadas oralmente em audiência, apoiando-se na norma contida no art.º 27.º da LCO (Lei da Criminalidade Organizada), precedeu à leitura dos depoimentos prestadas anteriormente pelas mesmas testemunhas na Polícia Judiciária.
   27. Nos termos do disposto no art.º 27.º da Lei n.º 6/97/M, de 30 de Julho, é permitida a leitura em audiência de declarações do ofendido, do assistente, de testemunha, de perito ou da parte civil, mesmo que prestadas perante órgão de polícia criminal, quando houver, entre elas e as feitas em audiência, contradições ou discrepâncias sensíveis.
   28. A lei, porém, não se contenta com quaisquer contradições ou quaisquer discrepâncias. O legislador quis que o recurso a este meio de prova fosse reservado a situações em que as ditas “contradições” ou “discrepâncias” sejam sensíveis, a tal ponto e por forma a que os depoimentos sejam e estejam entre si numa autêntica situação de negação em bloco, o desdizer-se totalmente ou principalmente o que deixou referido anteriormente perante os órgãos de polícia criminal.
   29. Nos termos da acta de audiência, atento quer aos termos do requerimento formulado oralmente pelo Magistrado do Ministério Público e consignado em acta, quer aos termos do despacho judicial que deferiu ao requerido, constata-se que ambos se limitam a referir a “discrepâncias”, sendo totalmente omissos sobre a envergadura ou os pontos fulcrais das discrepâncias para justificar quer o recurso a tal dispositivo, quer, ainda, para tornar inteligível e sindicável a justificação do recurso a este mecanísmo.
   30. Termos em que o despacho está carentemente fundamentado, o que equivale a sua ausência, razão pela qual as leituras efectuadas dos depoimentos prestados anteriormente pelas testemunhas em causa devem ser consideradas nulas e de nenhum efeito.
   31. A norma contida no art.º 27.º permite o recurso a leitura de depoimentos prestados anteriormente perante órgãos de polícia criminal quando haja discrepâncias sensíveis. No entanto, esta norma deve ser considerada em conjugação com as contidas no art.º 26.º que o precede. O n.º 1 do art.º 26.º da mesma Lei refere que o registo escrito do auto respeitante a recolha da declarações ou depoimentos e ao interrogatório do arguido deve, sempre que possível, ser acompanhado de registo gravado, através de meios magnéticos ou audiovisuais, aplicando-se o disposto no n.º 3 do art.º 91.º do Código de Processo Penal.
   32. E, nos termos do seu n.º 2, havendo razões para crer que o ofendido, uma testemunha, o assistente, a parte civil, ou perito, possa, designadamente por temor de represálias, vir a deslocar-se para o exterior, ou por qualquer forma manifestar impossibilidade de ser ouvido em julgamento, procede-se à tomada de declarações para memória futura, nos termos dos art.ºs 253.º e 276.º, com os efeitos da alínea a) do n.º 2 do art.º 337.º do Código de Processo Penal.
   33. A situação em apreço consubstancia aquela desenhada pelos normativos acima indicados. Com efeito, desde o início do inquérito que a investigação está dirigida e orientada para o combate aos crimes enquadráveis na Lei da Criminalidade Organizada. O órgão de polícia criminal encarregue da investigação fez tábua rasa das normas contidas no art.º 26.º da mesma Lei; a entidade judiciária competente para a direcção do inquérito fez igualmente tábua rasa destas normas e não previu, como devia legalmente, tal possibilidade vir a ocorrer. Já em plena audiência de discussão e julgamento, surgem discrepâncias nos depoimentos das testemunhas. O Tribunal Colectivo a quo, sem se rodear das devidas cautelas, reservas e sem se verificar do preenchimento dos requisitos legais defere singelamente ao requerido.
   34. Este vício não está sanado por não ter havido oposição por parte dos demais intervenientes processuais, pois, trata-se de recurso a um método proibido de prova posto não foram observados os condicionalismos dos art.ºs 26.º e 27.º da LCO, nem a situação é enquadrável ao disposto no art.º 337.º, n.º 5 do Código de Processo Penal.
   35. É inaceitável afirmar que quer os órgãos de polícia criminal, quer o Magistrado do Ministério Público que dirigiu os trabalhos do inquérito não podiam ter previsto na altura própria um evento futuro e incerto. Na verdade, o legislador através da consagração das normas dos art.ºs 26.º e 27.º da Lei n.º 6/97/M, de 30 de Julho, quis rodear-se previamente de um especial cuidado toda a investigação criminal, a recolha e registo da prova no âmbito da investigação destes tipos legais de crime relacionados com as associações ou sociedades secretas, por forma a evitar que a não comparência em julgamento de intervenientes processuais por medo de represálias ou prova dúbia insustentável em sede de julgamento possa gorar todo o trabalho que desenvolveu.
   36. Não o fazendo, estava vedado ao Tribunal “a quo” proceder da forma como o foi, e, assim fazendo, violou as normas contidas nos art.ºs 26.º e 27.º da Lei da Criminalidade Organizada, e, pôs, irremediavelmente, em causa, quer o princípio da igualdade das armas entre a acusação e a defesa, quer o princípio do contraditório que assim naufragaram.
   37. Aliás, que assim é, e que não foi em vão que o legislador quis rodear estes depoimentos policiais de especial cuidado com recurso a registo escrito, gravado, magnético e audiovisuais, mostra-se bem patente com o incidente levantado pela testemunha H – vidé acta de fls. 1039 – que, em pleno julgamento, disse que não lhe foram lidas as declarações por si prestadas anteriormente na Polícia Judiciária. Aí se reflecte bem o perigo de injustiça e da falibilidade da prova obtida com recurso a este método consagrado no art.º 27.º, quando as próprias declarações anteriormente prestadas nos órgãos de polícia criminal o foram em circunstâncias dúbias e refutadas pela própria testemunha em sede de audiência de julgamento.
   38. Termos em que, devendo ser considerado não lidos os depoimentos prestados anteriormente pelas acima referidas testemunhas na Polícia Judiciária, implica, como consequência necessária, para além do vício de violação das normas em causa – art.ºs 26.º e 27.º da LCO – o abalo irremediável da factualidade essencial tida por provada, nomeadamente no que tange aos distúrbios ocorridos no interior do Restaurante, uma vez que para além destes depoimentos inadmissíveis, dos autos não emergem outras provas que apontam pela prática ao recorrente dos distúrbios, danos ou ofensas corporais.
   39. Daí, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que se invoca para todos os efeitos legais.”
   Pedindo que seja julgado procedente o presente recurso e em consequência:
   a) à face do vício insanável de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, determinado o reenvio dos autos para novo julgamento;
   b) Ou, ser convolada a condenação do ora recorrente para a prática de um crime de extorsão qualificada previsto e punido pelo art.º 215.º do Código Penal, e ser absolvido dos demais crimes de que foi condenado.
   
   O recorrente B apresentou as seguintes conclusões da motivação:
   “1. Invocou-se no recurso para o Tribunal de Segunda Instância erro de direito na qualificação dos factos no que tange especialmente ao ora recorrente B já que os factos provados a ele respeitantes não revelam a prática de qualquer crime e muito menos a prática dos crimes de extorsão a pretexto de protecção e de represália contra pessoas e dano, pelo que o mesmo devia ser absolvido e não condenado.
   2. Procedeu-se, por isso, à transcrição de vários excertos do acórdão quanto à matéria de facto provada em que na descrição dos factos mais gravosos e que são susceptíveis de consubstanciar efectivamente a prática de tais crimes, simplesmente não se menciona o nome do recorrente B.
   3. Por isso se chega à conclusão no acórdão da primeira instância, que “quando C tem uma conduta de não obedecer às exigências dos arguidos A, J, K, etc., estes agridem-no e causam danos no seu estabelecimento”, sendo sintomático que não se mencione o nome do B mas sejam mencionados os nomes de todos os outros arguidos!
   4. No entanto, face a tais questões que se consideram pertinentes e de extrema importância para a definição da situação do recorrente, o Tribunal de Segunda Instância limita-se a dizer que “a decisão, nesta parte, seria a mesma em relação ao recurso do arguido B, ou seja, é de improceder o recurso nesta parte.”
   5. Salvo o devido respeito a decisão nunca poderia ser a mesma simplesmente porque a participação do B nos factos não é a mesma que a dos restantes arguidos, como já supra se deixou sobejamente evidenciado.
   6. Por outro lado, não é partindo da ideia de comparticipação dos restantes arguidos que se deverá chegar à conclusão que houve também comparticipação por parte do B.
   7. A comparticipação é uma figura jurídica que resulta dos factos provados e não o contrário!
   8. Caberia sempre ao Tribunal a quo demonstrar, partindo da análise dos factos apontados pelo recorrente e outros, porque, ainda assim, confirmou a decisão da primeira instância.
   9. Não o fazendo e nem sequer se limitando a negar que tais factos (os acima apontados) demonstrariam que o B deveria ser absolvido, o acórdão recorrido incorreu em nulidade por verificação do vício de omissão de pronúncia nos termos do n.º 1, al. d) do art.º 571.º do CPC aplicável ex vi art.º 4.º do CPP.
   10. Subsidiariamente e caso não e considere existir tal vício, então deverá considerar-se o vício de erro de direito por insuficiência para a decisão condenatória da matéria de facto provada, que deverá conduzir à absolvição do ora recorrente já que o reenvio do processo para ampliação da matéria factual para o Tribunal de Segunda Instância e deste para o Tribunal de Julgamento não poderá determinar o apuramento de factos diferentes daqueles que estão descritos na matéria fáctica apurada.
   11. Pugnava-se no recurso para o Tribunal de Segunda Instância pela existência de contradição insanável da fundamentação entre os factos fixados pelo Tribunal de Primeira Instância, indispensáveis e essenciais à boa decisão da causa, já que a maior parte da matéria provada apontava para a ausência do arguido na prática dos factos e afinal concluía-se pela sua participação, tal como as restantes.
   12. Ora, o mesmo continua a verificar-se uma vez que não deverá proceder a argumentação do Tribunal a quo: é que o recorrente não pode deixar de ater-se apenas a “pôr os seus olhos só nos factos praticados pelo recorrente” (página 67 do acórdão recorrido).
   13. Se os arguidos praticaram os factos em conjunto e verificado o condicionalismo do art.º 25.º do CP então poderia condenar o recorrente, mas a questão continua a ser a contradição insanável entre os factos a que o Tribunal a quo novamente não dá resposta, pois se têm que ser analisados os factos em conjunto, nesse conjunto também não poderá haver factos que apontam para a comparticipação e outros para a não comparticipação do recorrente, e a coexistirem só poderão conduzir à absolvição do recorrente por verificação do princípio in dubio pro reu.
   14. Ao contrário do que entende o Tribunal a quo, a punição dos arguidos pelos crimes de extorsão a pretexto de protecção, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 6/97/M e de represália contra pessoas e dano p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 4 e 3 da mesma lei, independentemente de punição pelo crime de pertença a associação secreta, continua a merecer a nossa discordância.
   15. Não se pode aceitar que num momento se diga que não estão verificados os respectivos pressupostos para a condenação dos visados pelo crime de pertença a associação criminosa e se proceda à absolvição dos mesmos e num posterior momento aplicar novamente essa lei porque alguns dos pressupostos afinal podem ser considerados com o objectivo de “combate à criminalidade organizada” e por isso há que aplicar uma pena mais pesada.
   16. A condenação por crimes desta natureza depende sempre da condenação em simultâneo pelo crime de pertença a associação secreta, pois só assim faz sentido a aplicação da Lei n.º 6/97/M tendo em conta o contexto sócio-politico que levou à sua criação e implementação, havendo à data razões especiais que levaram a legislar de forma especial relativamente a crimes já punidos pela lei geral, razões que não imperam nem justificam a sua aplicação no caso sub judice.
   17. Ainda que concordemos com a argumentação do Tribunal a quo, como já se disse no recurso para o Tribunal de Segunda Instância, que tendo em conta a fraca participação do recorrente nos factos considerados provados (ele nunca exigiu qualquer montante a título de protecção nem exerceu represálias sobre o ofendido nem invocou pertencer a qualquer associação secreta), a convalidação dos crimes de extorsão a pretexto de protecção, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 6/97/M e de represália contra pessoas e dano p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 4 e 3 da mesma lei para o crime de dano e coacção previstos na lei geral, não poderá em qualquer momento pôr em causa a finalidade de punição no combate à criminalidade organizada.
   18. Verifica-se assim, erro de direito nos termos do art.º 400.º, n.º 1 do CPP por erro na interpretação da norma prevista no art.º 3.º da Lei n.º 6/97/M.
   19. Apesar do pedido do recorrente nesta parte ter merecido parcial provimento, já que a pena do recorrente foi reduzida em cerca de dois anos, continuamos a pugnar que peca por demasiado severa (o que se invoca à cautela de patrocínio e sem conceder quanto ao anteriormente expresso neste recurso) no que tange ao ora recorrente, já que parte de tal período em que a pena foi reduzida se deve também à absolvição da prática do crime de coacção.
   20. Por isso e face ao novo condicionalismo, isto é, punição apenas por dois crimes, de extorsão a pretexto de protecção, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 6/97/M e de represália contra pessoas e dano p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 4 e 3 da mesma lei, puníveis ambos com penas que vão de 2 anos a 10 anos de prisão, consideramos que uma pena de prisão mais perto do mínimo previsto na Lei n.º 6/97/M será uma doseometria mais consentânea com a culpa do agente e dará por satisfeitas as exigências de prevenção criminal.
   21. Tendo ainda em consideração a jovem idade do recorrente, o sofrimento que já lhe causou o presente processo (foi esfaqueado na face esquerda por desconhecidos), a delinquência primária, e o menor grau de ilicitude nas suas acções que revela uma descrescente intensidade do dolo face aos restantes arguidos, tudo concorrendo para uma pena não superior a quatro anos de prisão.
   22. Não tomando em devida conta tais condicionalismos, incorreu a decisão recorrida em erro de direito ao violar a norma prevista no art.º 65.º do CP.
   23. Por fim, o disposto no art.º 490.º do Código Civil não é razão para confirmar a decisão da primeira instância de, solidariamente, condenar-se o ora recorrente a pagar por danos sobre os quais ele não é responsável porque não lhes deu azo não exigindo qualquer montante a título de protecção nem destruindo o restaurante, quando muito apenas sobre montante que recebeu para pagamento da indemnização, se se continuar a pugnar que ela não era afinal devida.
   24. É profundamente injusto que o ora recorrente seja condenado a pagar indemnização superior a cem mil patacas relativamente a factos que tiveram lugar ainda antes do recorrente se ter deslocado pela primeira vez ao restaurante do ofendido, como se pode verificar pela leitura dos art.ºs 10.º, 11.º e 13.º relativamente aos factos dados como provados pelo Tribunal Judicial de Base.
   25. E mesmo depois disso (art.ºs 22.º, 26.º e 31.º da mesma) são novamente referidas várias ocasiões em que houve distúrbios no restaurante sem que o recorrente B estivesse presente ou tivesse contribuído para tal.
   26. Novamente aqui se toma a comparticipação como se fosse um dado absoluto e resolvesse todas as matérias quando sabemos que, afinal, no que se refere ao ora recorrente, ela não se verifica (se atendermos ao que supra ficou referido) ou, se assim não se entender, há que no mínimo admitir que ela só se verifica, no que ao recorrente B diz respeito, a partir de certo momento e de forma mitigada (o que resultou também numa redução da pena mais substancial para o ora recorrente do que para os restantes em sede de recurso).
   27. Mais uma vez, por isso, o Tribunal a quo incorreu em erro de direito previsto pelo art.º 400.º, n.º, 1 do CPP, condenando o recorrente a pagar indemnização para compensação de factos que não foram por ele cometidos.”
   Pedindo que seja dado provimento ao recurso e declarado nulo ou revogado o acórdão do Tribunal de Segunda Instância.
   
   O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de Segunda Instância formulou as seguintes conclusões nas suas respostas.
   Em relação ao recorrente A:
   “1. Com a invocação do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o recorrente pretende, no fundo, suscitar a questão de prova, nomeadamente discutir se é admissível, nos termos do art.º 27.º da Lei n.º 6/97/M, a leitura dos depoimentos anteriormente prestados pelas testemunhas na Polícia Judiciária.
   2. Não obstante o não acompanhamento de registo gravado através de meios magnetofónicos ou audiovisuais das declarações das testemunhas, como é exigido pelo art.º 26.º da Lei n.º 6/97/M, cremos que a leitura das mesmas declarações não é proibida por lei; ou seja, o facto de não ser gravado o registo escrito do auto respeitante a recolha de declarações não tem a força de impedir ou mesmo invalidar a leitura dessas declarações.
   3. E a não tomada de declarações para memória futura prevista no n.º 2 do art.º 26.º também não tem este efeito: por um lado, não parece verificadas nos presentes autos as várias condições aí previstas; por outro, a leitura das declarações prestadas na PJ nos termos do art.º 27.º não tem nenhuma ligação necessária com as declarações para memória futura, até porque se a testemunha comparecer no julgamento, já não servem para nada as tais declarações.
   4. É verdade que o meio de prova previsto no art.º 27.º é admissível naqueles casos em que entre as declarações prestadas em ocasiões diferentes – perante órgão de polícia criminal e em audiência – hajam contradições ou discrepâncias sensíveis.
   5. No entanto, nunca se pode dizer que constitui uma prova nula só porque no douto despacho não consta que as divergências e discrepâncias são “sensíveis”!
   6. E num caso similar previsto no CPP em que é permitida a leitura em audiência de declarações anteriormente prestadas face a contradições ou discrepâncias sensíveis, a lei exige que a permissão de leitura e a sua justificação legal ficam constar da acta, sob pena de nulidade sanável (art.º 337.º, n.º 3, al. b) e n.º 8 do CPPM), que fica sanada se não for arguida no prazo de 10 dias.
   7. Desde que conste da acta de julgamento a permissão de leitura das declarações bem como as disposições legais em que a mesma se funda, já não se pode arguir a nulidade de tal prova, a não ser estarem em causa métodos proibidos de prova nos termos do art.º 113.º do CPPM.
   8. São os seguintes elementos que devem ser considerados na interpretação da lei: 1) Elemento literal ou gramatical; 2) Os elementos lógicos, incluindo: a) o sistemático, que tem em conta a unidade do sistema jurídico; b) o histórico, constituído por precedentes normativos, trabalhos preparatórios e “occasio legis” e c) o teleológico, que é a justificação social da lei.
   9. Ora, face à disposição do art.º 3.º, n.ºs 1, 3 e 4 da Lei n.º 6/97/M, e ainda a de alguns outros, é de dizer que literalmente o texto não afasta a possibilidade de a mesma norma ser aplicada a agentes desligados às associações secretas; antes pelo contrário, dá perfeitamente para entender que tal norma é aplicável tanto a elementos ligados à criminalidade organizada como a qualquer pessoa, mesmo sem nenhuma ligação com associações criminosas (já que está vedado ao intérprete distinguir o que o legislador não quis distinguir), desde que se invoca o nome de uma associação ou sociedade secreta, podendo o agente não ter qualquer ligação efectiva com associação criminosa.
   10. Numa perspectiva lógica ou racional, chegamos à mesma conclusão.
   11. Em primeiro lugar e no complexo normativo do diploma, encontramos ainda outras normas em que não se vê uma clara e necessária interligação com a criminalidade organizada, por exemplo, os art.ºs 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 34.º, 35.º, etc., até o art.º 35.º pune, com a pena de multa, pessoa que pratique acto de prostituição. Neste caso, não se vê a mínima hipótese de que aqui o legislador exige a conexão com a criminalidade organizada para tal conduta ser punida!
   12. Em Segundo lugar, no diploma anterior sobre associações de malfeitores (Lei n.º 1/78/M de 4 de Fevereiro), não obstante ser revelada, na exposição prévia de motivos, a sua finalidade de combater às actividades das associações de malfeitores, já constavam algumas normas incriminadoras de condutas que não tinham necessariamente ligação com a criminalidade organizada, como por exemplo, os crimes de prostituição (cujo âmbito de aplicação é bastante abrangente), de ofensas corporais qualificadas, de cobrança ilícita de valores mutuados e de extorsão de bens ou serviços (art.ºs 13.º, 14.º, 17.º e 18.º).
   13. Em terceiro lugar, é verdade que a Lei n.º 6/97/M foi elaborada, aprovada e publicada num período conturbado da vida de Macau, em que era frequente a prática de determinados tipos de crimes cometidos sobretudo por elementos de associações criminosas e face à necessidade que toda a comunidade sentia de defender, com medidas mais eficazes, a paz social, a segurança e bens dos cidadãos.
   14. Naturalmente, o legislador tinha mais preocupação com crimes praticados por elementos pertencentes a associações criminosas. Mas não só!
   15. Entendemos que o combate à criminalidade organizada é apenas a maior preocupação do legislador, daí que o fim primordial da lei, e não o único como entendeu o recorrente.
   16. Não é pelo (simples) facto de tipo de crime se encontrar previsto em normativo ínsito na Lei da Criminalidade Organizada que a sua incriminação e condenação implica necessariamente a incriminação e condenação pela prática, em concurso (real), de um crime de associação ou sociedade secreta.
   17. Resulta claramente do texto do art.º 3.º da Lei n.º 6/97/M que as condutas descritas nos n.ºs 1.º e 4.º são diferentes: o n.º 1 pune a proposta de protecção a pessoas ou bens, “mediante ameaça de represália contra pessoas ou bens, com o propósito de obter vantagens patrimoniais ou outras”, e o n.º 4 pune a execução e efectuação de tais represálias.
   18. Por outro lado, a punição da concretização das represálias é feita “em acumulação material com a pena do n.º 1”, o que pressupõe um concurso material dos dois crimes previstos nos referidos números distintos do mesmo artigo.
   19. O crime de extorsão a pretexto de protecção consuma-se com a proposição de protecção a pessoas ou bens, não sendo necessária para a sua consumação a realização das represálias.
   20. No entanto, os arguidos não ficaram por aqui e foram mais longe: concretizaram as represálias contra pessoas ou bens, ou seja, não se limitaram a sua actividade em propor a protecção mediante ameaça de represálias, mas sim prosseguiram comportamentos susceptíveis de integrar o crime previsto e punido pelo n.º 4 do art.º 3.º, efectuando tais represálias.
   Termos em que se deve negar provimento ao recurso.”
   
   Em relação ao recorrente B:
   “1. É de entendimento uniforme, tanto na doutrina como na jurisprudência, que a omissão de pronúncia incide apenas sobre questões postas ao tribunal e não sobre os fundamentos produzidos pelo recorrente.
   2. Perante questão invocada pelo recorrente sobre erro de direito na qualificação dos factos, o Tribunal de Segunda Instância considera que a mesma já foi abordada e apreciada na decisão do recurso do arguido A e do arguido J, remetendo assim para as considerações expendidas na parte da decisão respeitante àqueles dois recursos.
   3. De modo como o recorrente invocou a omissão de pronúncia do douto Acórdão recorrido resulta que o que o recorrente discorda é o modo como o Tribunal chegou a conclusão e o entendimento do Tribunal ao considerar o recorrente como co-autor dos outros arguidos.
   4. Parece-nos que não se está perante uma situação de omissão de pronúncia, já que o Tribunal chegou a tomar decisão sobre a questão levantada pelo recorrente, só que o seu fundamento não foi acolhido pelo recorrente.
   5. Não se deve confundir a verdadeira falta de pronúncia, deixando o Tribunal a conhecer uma questão concretamente suscitada, com a situação em que o Tribunal tomou, bem ou mal, já a decisão, mesmo não abordando os argumentos produzidos pelo recorrente.
    6. Efectivamente, na apreciação dos recursos interpostos pelos arguidos A e J, o Tribunal analisou a figura de co-autoria e depois deixou consignar na sentença o seguinte: “embora só depois o arguido B conheceu o arguido A, não deixou de aderir à vontade conjunta dos arguidos no seu plano, fazendo as suas condutas integrar nas actividades criminosas já desencadeadas, até ele – arguido B próprio executou a actividade planeada (o momento da sua participação só teria efeito para medida de pena em conformidade com a sua culpa, que adiante será ponderada)”.
   7. E “conjugando todos os factos assentes nos autos, temos certeza que todos os arguidos e os indivíduos não identificados tiveram consciência de colaboração e os seus objectivos – obtenção de vantagens do ofendido a “título de protecção”.
   8. Face a tais considerações, cremos que não se pode afirmar que o Tribunal não se pronunciou sobre a questão suscitada pelo recorrente, omitindo-a.
   9. Os factos dados como provados e respeitantes ao recorrente, conjuntamente com os outros, oferecem-nos uma visão global sobre o que passou: a intervenção e a contribuição do recorrente devem ser vistas na sequência e na conjugação da participação dos outros arguidos; ou seja, a sua contribuição não se limita naquilo que participa directamente, mas sim, com toda a actuação de todos os arguidos (incluindo o recorrente), o ofendido foi determinado e forçado a agir, como agiu.
   10. Neste contexto das coisas e conjugando os factos relativos ao elemento subjectivo (factos 35 a 40), faz crer a suficiência da matéria de facto provada para a condenação do recorrente pelo Tribunal Colectivo.
   11. Em relação à invocada contradição insanável da fundamentação, entendemos que aqui o recorrente comete o mesmo erro, ou seja, pôr os seus olhos só nos factos praticados pelo recorrente, esquecendo a actuação dos outros bem como o papel da sua intervenção em todo o âmbito das coisas.
   12. São os seguintes elementos que devem ser considerados na interpretação da lei: 1) Elemento literal ou gramatical; 2) Os elementos lógicos, incluindo: a) o sistemático, que tem em conta a unidade do sistema jurídico; b) o histórico, constituído por precedentes normativos, trabalhos preparatórios e “occasio legis” e c) o teleológico, que é a justificação social da lei.
   13. Ora, face à disposição do art.º 3.º, n.ºs 1, 3 e 4 da Lei n.º 6/97/M, e ainda a de alguns outros, é de dizer que literalmente o texto não afasta a possibilidade de a mesma norma ser aplicada a agentes desligados às associações secretas; antes pelo contrário, dá perfeitamente para entender que tal norma é aplicável tanto a elementos ligados à criminalidade organizada como a qualquer pessoa, mesmo sem nenhuma ligação com associações criminosas (já que está vedado ao intérprete distinguir o que o legislador não quis distinguir), desde que se invoca o nome de uma associação ou sociedade secreta, podendo o agente não ter qualquer ligação efectiva com associação criminosa.
   14. Numa perspectiva lógica ou racional, chegamos à mesma conclusão.
   15. Em primeiro lugar e no complexo normativo do diploma, encontramos ainda outras normas em que não se vê uma clara e necessária interligação com a criminalidade organizada, por exemplo, os art.ºs 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 34.º, 35.º etc., até o art.º 35.º pune, com a pena de multa, pessoa que pratique acto de prostituição. Neste caso, não se vê a mínima hipótese de que aqui o legislador exige a conexão com a criminalidade organizada para tal conduta ser punida!
   16. Em segundo lugar, no diploma anterior sobre associações de malfeitores (Lei n.º 1/78/M de 4 de Fevereiro), não obstante ser revelada, na exposição prévia de motivos, a sua finalidade de combater às actividades das associações de malfeitores, já constavam algumas normas incriminadoras de condutas que não tinham necessariamente ligação com a criminalidade organizada, como por exemplo, os crimes de prostituição (cujo âmbito de aplicação é bastante abrangente), de ofensas corporais qualificadas, de cobrança ilícita de valores mutuados e de extorsão de bens ou serviços (art.ºs 13.º, 14.º, 17.º e 18.º).
   17. Em terceiro lugar, é verdade que a Lei n.º 6/97/M foi elaborada, aprovada e publicada num período conturbado da vida de Macau, em que era frequente a prática de determinados tipos de crimes cometidos sobretudo por elementos de associações criminosas e face à necessidade que toda a comunidade sentia de defender, com medidas mais eficazes, a paz social, a segurança e bens dos cidadãos.
   18. Naturalmente, o legislador tinha mais preocupação com crimes praticados por elementos pertencentes a associações criminosas. Mas não só!
   19. Entendemos que o combate à criminalidade organizada é apenas a maior preocupação do legislador, daí que o fim primordial da lei, e não o único como entendeu o recorrente.
   20. Não é pelo (simples) facto de tipo de crime se encontrar previsto em normativo ínsito na Lei da Criminalidade Organizada que a sua incriminação e condenação implica necessariamente a incriminação e condenação pela prática, em concurso (real), de um crime de associação ou sociedade secreta”.
   21. Resulta claramente do texto do art.º 3.º da Lei n.º 6/97/M que as condutas descritas nos n.ºs 1.º e 4.º são diferentes: o n.º 1 pune a proposta de protecção a pessoas ou bens, “mediante ameaça de represália contra pessoas ou bens, com o propósito de obter vantagens patrimoniais ou outras”, e o n.º 4 pune a execução e efectuação de tais represálias.
   22. Por outro lado, a punição da concretização das represálias é feita “em acumulação material com a pena do n.º 1”, o que pressupõe um concurso material dos dois crimes previstos nos referidos números distintos do mesmo artigo.
   23. O crime de extorsão a pretexto de protecção consuma-se com a proposição de protecção a pessoas ou bens, não sendo necessária para a sua consumação a realização das represálias.
   24. No entanto, os arguidos não ficaram por aqui e foram mais longe: concretizaram as represálias contra pessoas ou bens, ou seja, não se limitaram a sua actividade em propor a protecção mediante ameaça de represálias, mas sim prosseguiram comportamentos susceptíveis de integrar o crime previsto e punido pelo n.º 4 do art.º 3.º, efectuando tais represálias.
   25. Resulta dos autos que na fixação de tal pena o Tribunal de Segunda Instância, partindo do facto que o ora recorrente “só depois aderiu ao plano das actividades criminosas de extorsão e represália”, considerou que “a sua culpa mostra-se-nos relativamente menos densa que a culpa dos outros”.
   26. Quanto aos outros elementos invocados pelo recorrente, constata-se que, não obstante a sua idade e a situação de delinquente primário, a sua não confissão dos factos, o circunstancialismo em que foram praticados os crimes bem como as exigências da prevenção criminal não permitem uma maior atenuação da pena.
   27. E não se pode ignorar que os crimes praticados pelo recorrente são, por natureza, muito graves.
   Termos em que se deve negar provimento ao recurso.”
   
   Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição assumida nas respostas às motivações.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 O Tribunal Judicial de Base e o Tribunal de Segunda Instância consideram provados os seguintes factos:
   “1. A partir de data não apurada (pelo menos a partir de Novembro de 1999), os arguidos A; J e K, etc. começaram a juntarem-se com intenção de extorquirem C, proprietário do Estabelecimento de Comidas, sito no [Endereço].
   2. Para esse fim, os três arguidos combinaram que caso C não entregasse dinheiro a eles, iriam ao Estabelecimento de Comidas, explorado por este, para provocar distúrbios e danos.
   3. Num dia de inícios de Novembro de 1999, cerca das 05:30, os arguidos A, K e J juntamente com outros indivíduos não identificados foram ao Estabelecimento de Comidas explorado por C.
   4. Os arguidos e outros indivíduos depois de terem chegado no Estabelecimento, abriram uma mesa e sentaram-se. Um dos arguidos disse ao C: “Sabes como fazer!” (你識做啦!) (significa pedir ao C para entregar dinheiro a eles). Na altura, C não ligou naquilo que A disse.
   5. Por conseguinte, os arguidos A, K e outros derrubaram as mesas do Estabelecimento de Comidas. J e três indivíduos não identificados aproximaram-se do C para agredi-lo.
   6. Deparando com essa situação, C fugiu à pressa para se refugiar na cozinha.
   7. Os arguidos A, K, J e etc. provocaram danos nesse estabelecimento, partindo a loiça, danificando electrodomésticos, mesas, luzes, etc.
   8. Posteriormente, J juntamente com três indivíduos não identificados ordenaram C para chegar-se perto da caixa do estabelecimento e voltaram a agredi-lo com socos e pontapés. O arguido A também se aproximou do C, injuriando e ralhando: “não sabes como fazer, então iremos incendiar a tua loja...” (你唔識做,就一把火燒掉你間鋪).
   9. Depois de ter dito isso, o arguido A saiu com os arguidos J, K, etc. para fora desse estabelecimento sem pagar a conta daquilo que tinham consumido.
   10. Pelos danos provocados e por não pagarem a conta, os arguidos A, K, J, etc., fizeram com que C tivesse o prejuízo patrimonial de cerca de dezanove mil patacas (MOP19.000,00).
   11. Dois dias depois, os arguidos A e K, às seis e tal da manhã, foram novamente ao referido estabelecimento e disseram ao C: “...mesmo se apresentares queixa à Polícia, será inútil...sabes o que fazer” (你報警都無用......你識做啦). Face à esta situação, por se preocupar de voltar a ser agredido e de lhe causarem distúrbios, C viu-se forçado a entregar três mil patacas (MOP3.000,00) aos arguidos A e K.
   12. O arguido A depois de receber o referido montante, disse o número do seu telemóvel (XXXXXXX) ao C, e ainda lhe disse que era membro da seita 14K. Caso no futuro algo acontecesse, C podia telefoná-lo.
   13. Em 21 de Janeiro de 2000, às seis e tal da manhã, o arguido A foi sozinho ao Estabelecimento de Comidas, e disse ao C: “...estamos no fim do ano. Sabes como fazer.” (年尾了,你識做啦). Por estar preocupado de represália do arguido A e outros, C voltou a entregar três mil patacas (MOP3.000,00) ao arguido A.
   14) Em inícios de 2000, através do arguido J, o arguido B conheceu o arguido A. Depois disso, A por várias vezes levou K, J, B, etc. para tomar chá no Estabelecimento de Comidas, e muitas vezes aproveitavam para causar distúrbios e não pagavam a conta daquilo que consumiram.
   15. Num dia de Julho de 2000, os arguidos A e B foram tomar chá no Estabelecimento de Comidas, e envolveram-se em discussão com C por questões de pagamento da conta. Quando os arguidos saíram do estabelecimento, perto daquela zona, foram perseguidos por pessoas não identificadas munidas de facas. Por consequência disso, o arguido B ficou ferido e teve de ser hospitalizado.
   16. Pouco depois desse episódio, o arguido A disse ao C: “Tem cuidado. Atribuímos a autoria do esfaqueamento do B a ti” (你小心點,B被斬之事全算在你身上).
   17) Por estar preocupado de represália dos arguidos A, B, etc., num dia de Julho de 2000, C combinou com os arguidos A e B para se encontrarem no Café, a fim de falarem sobre o assunto.
   18. Na conversa, os arguidos A e B pediram ao C para indemnizar o montante de oitocentos mil patacas (MOP800.000,00) devido ao esfaqueamento do B.
   19. Depois de negociarem o preço, os arguidos A e B por fim exigiram ao C a indemnização de cem mil patacas (MOP100.000,00), a ser pago dentro de dois anos, sendo cinco mil patacas (MOP5.000,00) por mês.
   20. O arguido A disse na altura ao C que a referida indemnização também é considerada como “despesa para tomar conta do local” (ou seja, despesa para protecção), se no futuro alguém lhe causasse distúrbios, poderia procurar os arguidos A, K e J.
   21. C foi forçado a estar de acordo com o pedido dos arguidos A e B.
   22. No dia 18 de Julho de 2000, cerca das 14:30, A foi sozinho até o Estabelecimento de Comidas e disse ao C: “...sabes o que deves a respeito do B1(B)...” (B1(指B)條數你知架啦). Como viu que A veio para receber dinheiro, C entregou-lhe cinco mil patacas (MOP5.000,00).
   23. A partir de então, por volta do dia 18 de cada mês, A e/ou B iam ao Estabelecimento de Comidas ou outros locais para cobrarem cinco mil patacas (MOP5,000.00) ao C, até o mês de Maio de 2001.
   24. Em meados de Abril de 2001, cerca das 06:30, A levou várias pessoas não identificadas, respectivamente chamadas “L”, “M”, “N” e “O” ao Estabelecimento de Comidas para tomar chá.
   25. Depois da refeição, como o empregado do C passou a factura para A e outros pagarem a conta, o “L” acima referido, aproximou-se do C, deu-lhe uma bofetada e insultou-o ralhando e perguntando se era necessário que o A e outros pagassem a conta de todas refeições que anteriormente tinham consumido.
   26. As referidas pessoas “L”, “M”, “N” e “O”, etc. de seguida causaram distúrbios e danos no estabelecimento, partindo a loiça, electrodomésticos, mesas, luzes, carrinho de “dim sam”, etc. vários objectos, causando ao C o prejuízo de dez mil patacas (MOP10.000,00).
   27. No dia 21 de Junho de 2001, às seis e tal da manhã, A, K e J foram até ao Estabelecimento de Comidas para tomar chá. Depois da refeição, A chamou C para se aproximar da sua mesa e ordenou-o com voz alta: “Chama-me mano” (叫我一聲大佬).
   28. C não ligou ao pedido do A e preparava-se para afastar.
   29. Por conseguinte, K e J deitaram a loiça que estava em cima da mesa para o chão e levantaram-se para agredir C.
   30. As condutas de A, K e J causaram directamente ao C as lesões corporais descritas e constantes a fls. 751 no parecer do médico-legal, necessitando de 3 dias para convalescer.
   31. No dia 24 ou 25 de Junho de 2001, às quatro e tal da tarde, A e K foram novamente ao Estabelecimento de Comidas e disseram ao C: “ Aquilo do B tens de pagar, cinco mil por mês...agora mais três mil como despesa para tomar conta do local...” (B那兒你就要俾架嘞,每個月五千......現在加收三千元的睇場費......) C viu-se obrigado a voltar a entregar oito mil patacas (MOP8.000,00) ao A.
   32. No dia 6 de Julho de 2001, às dez e tal da manhã, B foi sozinho ao Estabelecimento de Comidas e disse ao C: “...A1(o arguido A) disse-me para cá vir... (A1(指嫌犯A)叫我落嚟......) C foi forçado a entregar oito mil patacas (MOP8.000,00) ao B.
   33. Desde Novembro de 1999 a Julho de 2001, C foi forçado a entregar ao A, J, K e B, etc., o montante no total de cerca de setenta e sete mil patacas (MOP77.000,00) a título de “despesa para protecção”, “indemnização” e “despesa para tomar conta do local”.
   34. Desde Novembro de 1999 a Julho de 2001, A por várias vezes levou J, K, B e outras pessoas não identificadas para tomar chá no Estabelecimento de Comidas sem pagar a conta, sendo o montante no total cerca de mil patacas (MOP1.000,00).
   35. Os arguidos A, J, K e B agiram livre, deliberada e conscientemente ao praticarem do propósito as condutas acima descritas.
   36. Os arguidos A, J, K e B e mais umas pessoas não identificadas juntavam-se e por várias vezes foram comer no Estabelecimento de Comidas sem pagar a conta, ainda causaram distúrbios e danos e exigiram “despesa para protecção”, “indemnização” e “despesa para tomar conta do local”, fazendo com que C apercebesse da existência de ameaça destes e que a reunião destes tinha a natureza duma associação secreta.
   37. Quando C tem uma conduta de não obedecer às exigências dos arguidos A, J, K, etc., estes agridem-no e causam danos no seu estabelecimento.
   38. Por recear de represália da parte dos arguidos A, J, K e B, etc., C foi forçado a concordar com a entrega de dinheiro aos referidos arguidos a fim de ter uma garantia que o seu estabelecimento não iria ser incomodado por outrem e para indemnizar as lesões que B sofreu no esfaqueamento, e ainda teve de tolerar a situação deles não pagarem a conta daquilo que consumiram.
   39. Os arguidos A, J, K e B, juntamente, com conjugação de esforços e com distribuição de tarefas, cometeram os actos acima descritos, aceitando e concordando com as condutas que cada um praticou para atingir o mesmo objectivo.
   40. Todos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
***
   O 1.º arguido não confessa os factos.
   Aufere, mensalmente, cerca de MOP$5.000,00 e não tem encargos. Possui como habilitações o curso secundário incompleto.
   O 2.º arguido não confessa os factos.
   Aufere, mensalmente, cerca de MOP$3.500,00 e tem a seu cargo a sua mãe. Possui como habilitações o curso primário.
   O 3.º arguido não confessa os factos.
   Encontra-se desempregado e tem a seu cargo a sua mãe. Possui como habilitações o curso primário incompleto.
   O 4.º arguido não confessa os factos.
   Aufere, mensalmente, cerca de MOP$2.000,00 e tem a seu cargo a sua mãe. Possui como habilitações o curso secundário incompleto.
***
   Os ofendidos C e D sofreram durante esse período, cerca de 20 meses, medo e angústias pela segurança própria e dos familiares, resultantes das ameaças e acções dos arguidos.
   Para além disso, o ofendido C ainda sofreu dores intensas resultantes das várias agressões sofridas por parte dos arguidos.
   Os ofendidos desejam procedimento criminal e indemnização pelos danos patrimoniais sofridos no valor global de cerca de MOP$107.000,00.
***
   No CRC do 1.º arguido A:
   - Por sentença de 09/04/99 do Comum Singular, n.º 266/98 do 6.º Juízo, foi condenado na pena de cinco mil patacas de multa, ou em alternativa de sessenta e cinco dias de prisão, pela prática de um crime p. e p. pelos art.º 62.º, n.º 1 do C. Estrada e art.º 22.º, n.º 1 e art.º 70.º, n.º 3 do C. Estrada; e
   - Por acórdão de 25/05/99 do Comum Colectivo, n.º 549/99 do 6.º Juízo, foi condenado na pena de sessenta dias de multa a razão de setenta patacas diárias, pela prática de um crime p. e p. pelo art.º 331.º, n.º 1 do C. Penal.
   No CRC do 2.º arguido J:
   - Por acórdão de 05/11/2001 do Comum Colectivo, n.º PCC-046-01-1 do 1.º Juízo, foi condenado na pena de nove meses de prisão e multa de MOP$2.500,00, com a alternativa de 18 dias de prisão, e na pena de multa de MOP$2.000,00, com a alternativa de 15 dias de prisão. Em cúmulo, na pena única e global de nove meses de prisão e multa de MOP$4.500,00, com a alternativa de 33 dias de prisão, suspensa de a sua execução por dois anos, pela prática de um crime p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1 do DL n.º 5/91/M e um crime p. e p. pelo art.º 23.º, al. a) do DL n.º 5/91/M.
   Quanto aos 3.º arguido K e 4.º arguido B, nada constam em desabono dos seus CRCs juntos aos autos.
   
   Nenhum facto ficou por provar.
   
   Do acórdão de primeira instância consta ainda que a convicção do Tribunal baseou-se na prova constante dos autos, na análise crítica e comparativa das declarações dos arguidos prestadas na audiência de julgamento, assim como as dos 2.º e 4.º arguidos prestadas no JIC e lidas em audiência, e nos depoimentos das testemunhas inquiridas, inclusive os depoimentos das testemunhas E e F prestados na Polícia Judiciária e lidos em audiência.
   
   
   2.2 Recurso do arguido A
   O recorrente A levantou várias questões, todas já abordadas no anterior recurso para o Tribunal de Segunda Instância, a saber: erro de interpretação em relação ao crime de extorsão a pretexto de protecção, erro de qualificação jurídica dos factos e vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada mas relacionada com a prova.
   Passemos primeiro a conhecer a última questão por estar ligada a matéria de facto.
   
   a) Leitura de declarações em audiência nos termos do art.° 27.°, n.° 1 da Lei da Criminalidade Organizada (Lei n.° 6/97/M)
   Sob o título de vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o recorrente referiu antes que não pode conformar-se com a factualidade provada, insurgindo-se precisamente pela forma como tal factualidade foi obtida. Na verdade, o que o recorrente pretende impugnar nesta sede é a forma como foi permitida a leitura em audiência dos depoimentos das testemunhas E, F, G, H e I prestadas perante a Polícia Judiciária.
   O recorrente entende que no despacho que deferiu a leitura dos depoimentos das mencionadas testemunhas perante a Polícia Judiciária limita-se a referir que há discrepância entre as declarações prestadas na Polícia Judiciária e as prestadas na audiência, sendo omisso sobre os pontos fulcrais das discrepâncias para justificar o recurso a tal dispositivo, pelo que as leituras efectuadas devem ser consideradas nulas e de nenhum efeito. Por outro lado, não foi observado o formalismo previsto no art.° 26.° da mesma Lei quanto ao registo escrito e declarações para memória futura. O vício não está sanado só por não ter havido oposição por demais intervenientes processuais por se tratar de um método proibido de prova. Suscitou ainda dúvida sobre a validade do depoimento da testemunha H baseada na afirmação desta de que não lhe foram lidas as suas declarações prestadas anteriormente na Polícia Judiciária.
   
   Cabe, antes de mais nada, notar que, relativamente à testemunha G, não consta da acta de audiência de julgamento a fls. 1038 que foi pedida a leitura das suas declarações prestadas anteriormente.
   Em relação às restantes testemunhas indicadas na motivação do recurso do recorrente, o Ministério Público requereu a leitura das suas declarações prestadas na Polícia Judiciária por haver discrepância entre estas e as prestadas na audiência. Os despachos do presidente do tribunal colectivo foram uniformes: “Proceda-se ao confronto da leitura das declarações da ... testemunha ... a fls. ... em face das divergências e das discrepâncias entre as declarações prestadas na PJ e ora prestadas nos termos do art.° 27.° da Lei n.° 6/97/M de 30 de Julho.”
   Dispõe o art.° 27.° da Lei da Criminalidade Organizada:
   “1. É permitida a leitura em audiência de declarações do ofendido, do assistente, de testemunha, de perito ou da parte civil, mesmo que prestadas perante órgão de polícia criminal, quando houver, entre elas e as feitas em audiência, contradições ou discrepâncias sensíveis.
   2. São admitidos como prova os registos informáticos, videográficos ou magnetofónicos colhidos em locais de acesso público, mesmo que reservado.”
   Assim, no caso dos presentes autos, as declarações das testemunhas prestadas na Polícia Judiciária podem ser lidas em audiência se houver contradições ou discrepâncias sensíveis entre aquelas e as prestadas em audiência.
   É certo que nos despachos do presidente do tribunal colectivo refere apenas que houve divergência e discrepância entre as declarações, sem especificar se a divergência e discrepância são sensíveis ou não.
   
   Cabe examinar a sua consequência.
   De acordo com o art.° 42.° da Lei da Criminalidade Organizada, na falta de disposição específica desta lei, são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código Penal e do Código de Processo Penal.
   Assim, a violação ou a inobservância das disposições da lei processual penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei nos termos do art.° 105.°, n.° 1 do Código de Processo Penal (CPP).
   Na Lei da Criminalidade Organizada não está prevista esta consequência para a inobservância da referida formalidade de leitura das declarações prestadas perante órgão de polícia criminal na audiência.
   Verifica apenas que a lei comina com a nulidade no caso de a permissão de leitura e a sua justificação legal não ficar a constar da acta (art.° 337.°, n.° 8 do CPP), o que não acontece nos presentes autos.
   
   Por outro lado, é descabido falar de método proibido de prova, pois nada mostra que as declarações das testemunhas em causa prestadas na Polícia Judiciária fossem obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral da pessoa (art.° 113.°, n.° 1 do CPP).
   
   É igualmente desprovido de sentido invocar o art.° 26.° da Lei da Criminalidade Organizada para sustentar a nulidade da leitura deferida.
   Prescreve a norma deste modo:
   “1. O registo escrito do auto respeitante a recolha de declarações ou depoimentos e ao interrogatório do arguido deve, sempre que possível, ser acompanhado de registo gravado, através de meios magnetofónicos ou audiovisuais, aplicando-se o disposto no n.° 3 do artigo 91.° do Código de Processo Penal.
   2. Havendo razões para crer que o ofendido, uma testemunha, o assistente, a parte civil ou perito, possa, designadamente por temor de represálias, vir a deslocar-se para o exterior, ou por qualquer forma manifestar impossibilidade de ser ouvido em julgamento, procede-se à tomada de declarações para memória futura, nos termos dos artigos 253.° e 276.°, com os efeitos da alínea a) do n.° 2 do artigo 337.° do Código de Processo Penal.”
   O n.° 1 deste artigo regula a forma de documentar as declarações ao exigir que o registo escrito destas deve, sempre que possível, ser acompanhado de registo gravado e o seu n.° 2 passa a prever as situações em que são tomadas as declarações para memória futura. Mas desta norma nada permite concluir que as declarações cuja leitura é permitida na audiência nos termos do art.° 27.° da Lei da Criminalidade Organizada têm que ser obrigatoriamente registadas na forma de gravação por meios magnetofónicos ou audiovisuais e tomadas para memória futura.
   
   Se considerar que haja alguma inobservância da lei processual por falta de mencionar que as divergências ou discrepâncias foram sensíveis, resta a hipótese de constituir apenas uma irregularidade (art.° 105.°, n.° 2 do CPP). No entanto, todos os arguidos disseram, na audiência, que nada tinham a opor aos requerimentos de leitura das declarações feitos pelo Ministério Público e nenhum deles recorreram dos despachos de deferimento nessa audiência.
   Assim, a irregularidade, a existir, está já sanada por falta de arguição temporânea ao abrigo do art.° 110.°, n.° 1 do mesmo Código.
   
   Por fim, quanto à testemunha H, não é de conhecer a questão suscitada porque as suas declarações prestadas na Polícia Judiciária não constituíam simplesmente a prova que serviu para formar a convicção do tribunal. De facto, do acórdão de primeira instância consta apenas que, entre as declarações prestadas pelas testemunhas perante a Polícia Judiciária, só as de E e F serviram como prova para formar a convicção do tribunal colectivo.
   Improcede o recurso nesta parte.
   
   b) A condenação pelo crime de extorsão a pretexto de protecção e a sua ligação com o crime de associação ou sociedade secreta
   Sob o título de erro de interpretação, o recorrente entende que devia ser condenado pelo crime de extorsão previsto no art.° 215.° do Código Penal (CP), em vez do crime de extorsão a pretexto de protecção previsto no art.° 3.° da Lei da Criminalidade Organizada como consta do acórdão recorrido, por ter sido absolvido do crime de associação ou sociedade secreta previsto na mesma Lei cuja condenação constitui pressuposto da punição do referido crime de extorsão a pretexto de protecção.
   Sustenta que não pode punir as condutas praticadas pelo agente singular, independentemente de se provar uma qualquer ligação às associações criminosas, nem a Lei da Criminalidade Organizada não visa apenas, e em bloco, o combate à criminalidade organizada, regulando ainda outras questões.
   
   Segundo o acórdão recorrido, o recorrente foi condenado pela prática, na forma continuada, de um crime de extorsão a pretexto de protecção previsto no art.° 3.°, n.° 1 da Lei da Criminalidade Organizada e de um crime de represálias contra pessoas ou bens previsto no n.° 4 do mesmo artigo.
   Prescreve assim o n.° 1 do art.° 3.° da Lei da Criminalidade Organizada:
   “1. Quem propuser protecção a pessoas ou bens, em nome de uma associação ou sociedade secreta, ou invocando esta, e mediante ameaça de represálias contra pessoas ou bens, com o propósito de obter vantagens patrimoniais ou outras, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos.”
   Esta norma está inserida na conhecida Lei da Criminalidade Organizada. No entanto, quer através das letras deste preceito, quer através da interpretação sistemática desta Lei, não se alcança que a punição pela prática do crime de extorsão a pretexto de protecção está dependente da acusação e condenação simultânea do crime de associação ou sociedade secreta.
   Em primeiro lugar, constitui elemento típico do crime de extorsão a pretexto de protecção a invocação duma associação ou sociedade secreta ou a actuação em nome desta. Isso é bem diferente de ser efectivamente membro da mesma. É fácil compreender que seja assim, pois a lei pretende incriminar os actos de extorsão a pretexto de protecção quando o agente provoca no espírito do ofendido de que está iminente as represálias derivadas de uma associação ou sociedade secreta. Assim, é indiferente a qualidade real do agente para efeito de condenação por este crime, muito menos dependente do concurso real com o crime de associação ou sociedade secreta.
   Em segundo, mesmo com a interpretação sistemática de toda a Lei da Criminalidade Organizada não se alcança outra solução. Sem entrar em discussão sobre a natureza jurídica deste diploma no sentido de ser uma lei penal geral ou especial, pode-se verificar claramente que a Lei prevê vários tipos de crime autónomos normalmente conotados com as associações ou sociedades secretas, como os crimes de invocação de pertença a associação ou sociedade secreta (art.° 4.°), de retenção indevida de documento (art.° 6.°), de tráfico internacional de pessoas (art.° 7.°), de exploração de prostituição (art.° 8.°), de condutas puníveis em locais públicos (art.° 9.°), de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos ilícitos (art.° 10.°), de cartel ilícito para jogo (art.° 11.°), para além dos crimes de extorsão a pretexto de protecção e de represálias contra pessoas ou bens (art.° 3.°).
   Nada resulta de todo o articulado da Lei nem dos elementos típicos do crimes exemplificados que se exige uma ligação real com o crime de associação ou sociedade secreta. O que o legislador pretende punir com esta Lei, para além dos promotores, fundadores, membros e a chefia da organização criminosa, são os crimes normalmente ligados a associação ou sociedade secreta, isto é, praticados pelos membros desta ou no interesse desta, de forma a reprimir a sua estrutura, através da punição directa das suas actividades criminosas e de eliminação dos seus meios, muitas vezes ilícitos, de sobrevivência.
   Razão comprovativa deste entendimento é a disposição no art.° 1.° da Lei onde prevê uma série de crimes que demonstra legalmente a existência da organização de associação ou sociedade secreta, da qual constam exactamente os crimes desta natureza acima referidos (al.s b), c), d), f), h), r), u) do n.° 1 do citado art.° 1.°). Portanto, mesmo que os actos tipificados sejam praticados pelo agente não membro de associação ou sociedade secreta ou sem ser condenado pelo crime de associação ou sociedade secreta, não deixam de ser punidos.
   No caso concreto, a condenação pelo crime de extorsão a pretexto de protecção previsto no art.° 3.°, n.° 1 da Lei da Criminalidade Organizada não depende do concurso efectivo do crime de associação ou sociedade secreta previsto no art.° 2 da mesma Lei, nada permite convolar para o crime de extorsão previsto no art.° 215.° do CP.
   Improcede o recurso nesta parte.
   
   c) Tipificação autónoma do crime de represálias contra pessoas ou bens previsto no n.° 4 do art.° 3.° da Lei da Criminalidade Organizada
   O recorrente entende que a punição pelo art.° 3.°, n.° 4 da Lei da Criminalidade Organizada não pode tornar a condenação pelo crime diferente, sob pena de condenar o recorrente por dois crimes com base numa mesma e única conduta fáctica.
   
   O recorrente, para além de ser condenado pela prática do crime de extorsão a pretexto de protecção previsto no art.° 3.°, n.° 1 da Lei da Criminalidade Organizada, foi condenado ainda pelo crime de represálias contra pessoas ou bens previsto no n.° 4 do mesmo artigo.
   Passa-se a transcrever os n.°s 1 e 4 deste art.° 3.°:
   “1. Quem propuser protecção a pessoas ou bens, em nome de uma associação ou sociedade secreta, ou invocando esta, e mediante ameaça de represálias contra pessoas ou bens, com o propósito de obter vantagens patrimoniais ou outras, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos.
   2. ...
   3. ...
   4. Se tais represálias forem efectuadas, o agente é punido, em acumulação material com a pena do n.° 1, com pena de prisão de 2 a 10 anos, se pena mais grave lhe não couber.”
   
   De uma leitura simples do n.° 4 resulta que não estamos perante uma agravação de pena única aplicada segundo o n.° 1, uma vez que a norma impõe uma acumulação material. Por outro lado, a efectivação da represália não constitui circunstâncias agravantes do crime previsto no n.° 1 que possam fazer elevar a pena a aplicar ou aplicada a este.
   Esse n.° 4 destina-se a situações em que as represálias que o agente do crime de extorsão a pretexto de protecção ameace são efectivamente realizadas, o que já ultrapassa o âmbito dos elementos típicos deste último crime previsto no n.° 1.
   Por outro lado, a punição pelo n.° 4 pressupõe a condenação pelo crime previsto no n.° 1 e a pena será cumulada materialmente com a imposta pela condenação deste.
   Existe ainda uma condição para punir com base no n.° 4, ou seja, só funciona a punição por esta norma quando não há pena mais grave correspondente aos actos de represália. Caso contrário, subsiste a condenação pelo crime em que pune estes actos com pena mais pesada.
   Se se considerar que os n.°s 1 e 4 se tratam do mesmo crime, então haverá um único crime quando a represália não corresponda a crime punível com pena superior a 10 anos e dois no caso contrário. Assim não é lógico nem racional.
   Perante este quadro de observações, é impossível concluir que os n.° 1 e 4 do art.° 3.° constituem elementos típicos de um único e mesmo crime.
   
   De facto, o n.° 4 constitui um novo tipo de crime cujos elementos típicos estão relacionados com os do crime previsto no n.° 1 com a especialidade de que a represália já foi realizada e tem por condição que não lhe couber pena mais grave.
   Por outro lado, é bem nítido o campo de aplicação dos dois crimes previstos nos n.°s 1 e 4 do art.° 3.°, pois o crime de extorsão a pretexto de protecção previsto no n.° 1 pune a proposta de protecção em nome ou com a invocação de uma associação ou sociedade secreta mediante ameaça de represália contra pessoas ou bens, ao passo que o crime de represálias contra pessoas ou bens previsto no n.° 4 visa os actos próprios de represálias praticados no âmbito da situação constante do n.° 1.
   
   Nada a confundir os elementos típicos dos dois crimes, nunca está em causa a punição da mesma conduta por duas vezes.
   Basta relembrar alguns dos factos provados, primeiro relacionados com o crime de extorsão a pretexto de protecção:
   “4. Os arguidos e outros indivíduos depois de terem chegado no Estabelecimento, abriram uma mesa e sentaram-se. Um dos arguidos disse ao C: “Sabes como fazer!” (你識做啦!) (significa pedir ao C para entregar dinheiro a eles). Na altura, C não ligou naquilo que A disse.
   8. … O arguido A também se aproximou do C, injuriando e ralhando: “não sabes como fazer, então iremos incendiar a tua loja...” (你唔識做,就一把火燒掉你間鋪).
   11. Dois dias depois, os arguidos A e K, às seis e tal da manhã, foram novamente ao referido estabelecimento e disseram ao C: “...mesmo se apresentares queixa à Polícia, será inútil...sabes o que fazer” (你報警都無用......你識做啦). Face à esta situação, por se preocupar de voltar a ser agredido e de lhe causarem distúrbios, C viu-se forçado a entregar três mil patacas (MOP3.000,00) aos arguidos A e K.
   12. O arguido A depois de receber o referido montante, disse o número do seu telemóvel (XXXXXXX) ao C, e ainda lhe disse que era membro da seita 14K. Caso no futuro algo acontecesse, C podia telefoná-lo.
   13. Em 21 de Janeiro de 2000, às seis e tal da manhã, o arguido A foi sozinho ao Estabelecimento de Comidas, e disse ao C: “...estamos no fim do ano. Sabes como fazer.” (年尾了,你識做啦). Por estar preocupado de represália do arguido A e outros, C voltou a entregar três mil patacas (MOP3.000,00) ao arguido A.
   19. Depois de negociarem o preço, os arguidos A e B por fim exigiram ao C a indemnização de cem mil patacas (MOP100.000,00), a ser pago dentro de dois anos, sendo cinco mil patacas (MOP5.000,00) por mês.
   20. O arguido A disse na altura ao C que a referida indemnização também é considerada como “despesa para tomar conta do local” (ou seja, despesa para protecção), se no futuro alguém lhe causasse distúrbios, poderia procurar os arguidos A, K e J.
   22. No dia 18 de Julho de 2000, cerca das 14:30, A foi sozinho até o Estabelecimento de Comidas e disse ao C: “...sabes o que deves a respeito do B1(B)...” (B1(指B)條數你知架啦). Como viu que A veio para receber dinheiro, C entregou-lhe cinco mil patacas (MOP5.000,00).
   23. A partir de então, por volta do dia 18 de cada mês, A e/ou B iam ao Estabelecimento de Comidas ou outros locais para cobrarem cinco mil patacas (MOP5,000.00) ao C, até o mês de Maio de 2001.
   27. No dia 21 de Junho de 2001, às seis e tal da manhã, A, K e J foram até ao Estabelecimento de Comidas para tomar chá. Depois da refeição, A chamou C para se aproximar da sua mesa e ordenou-o com voz alta: “Chama-me mano” (叫我一聲大佬).
   31. No dia 24 ou 25 de Junho de 2001, às quatro e tal da tarde, A e K foram novamente ao Estabelecimento de Comidas e disseram ao C: “ Aquilo do B tens de pagar, cinco mil por mês...agora mais três mil como despesa para tomar conta do local...” (B那兒你就要俾架嘞,每個月五千......現在加收三千元的睇場費......) C viu-se obrigado a voltar a entregar oito mil patacas (MOP8.000,00) ao A.”
   
   E os outros que estão relacionados com o crime de represálias contra pessoas e bens, em que os actos de represálias foram efectivamente praticados:
   “5. Por conseguinte, os arguidos A, K e outros derrubaram as mesas do Estabelecimento de Comidas. J e três indivíduos não identificados aproximaram-se do C para agredi-lo.
   7. Os arguidos A, K, J e etc. provocaram danos nesse estabelecimento, partindo a loiça, danificando electrodomésticos, mesas, luzes, etc.
   8. Posteriormente, J juntamente com três indivíduos não identificados ordenaram C para chegar-se perto da caixa do estabelecimento e voltaram a agredi-lo com socos e pontapés. …
   29. Por conseguinte, K e J deitaram a loiça que estava em cima da mesa para o chão e levantaram-se para agredir C.
   30. As condutas de A, K e J causaram directamente ao C as lesões corporais descritas e constantes a fls. 751 no parecer do médico-legal, necessitando de 3 dias para convalescer.”
   São realmente diferentes, embora interligados, os factos que integram cada um dos crimes: uns referem a extorsão e outros aos actos próprios da represália.
   Improcede também o recurso nesta parte.
   
   Assim, deve ser negado provimento a todo o recurso interposto pelo arguido A.
   
   
   2.3 Recurso do arguido B
   a) Omissão de pronúncia sobre a questão de qualificação dos factos
   O recorrente entende que o acórdão recorrido, ao decidir que “a decisão, nesta parte, seria a mesma em relação ao recurso do arguido B, ou seja, é de improceder o recurso nesta parte.”, cometeu a omissão de pronúncia, pois a decisão nunca poderia ser a mesma simplesmente porque a participação do arguido B nos factos não é a mesma que a dos restantes arguidos. Não é partir da ideia de comparticipação dos restantes arguidos que se deverá chegar à conclusão que houve também comparticipação por parte do ora recorrente.
   
   No fundo, o que o recorrente pretende impugnar agora não é a falta de pronúncia sobre a questão por parte do tribunal recorrido, mas sim discordar o sentido da decisão tomada por este.
   A propósito da mesma questão levantada pelo recorrente no anterior recurso, o Tribunal de Segunda Instância decidiu assim:
   “A questão de qualificação jurídica dos factos já ficou abordada e apreciada na decisão do recurso do arguido A e do arguido J, entendendo serem co-autores os arguidos e cometeram os crimes de extorsão a pretexto de protecção e de represália contra pessoa e bens, assim, a decisão, nesta parte, seria a mesma em relação ao recurso do arguido B, ou seja, é de improceder o recurso nesta parte.”
   O tribunal recorrido apreciou e decidiu efectivamente a questão suscitada pelo recorrente, remetendo a parte de fundamentação para as considerações feitas quando apreciou os recursos dos arguidos A e J.
   E ao apreciar o recurso do arguido J, o tribunal recorrido entendeu assim:
   “E, embora só depois o arguido B conheceu o arguido A, não deixou de aderir a vontade conjunta dos arguidos no seu plano, fazendo as suas condutas integrar nas actividades criminosas já desencadeadas, até ele – arguido B próprio executou a actividade planeada (o momento da sua participação só terá efeito para medida de pena em conformidade com a sua culpa, que adiante será ponderada).
   Conjugando todos os factos assentes nos autos, temos certeza que todos os arguidos e os indivíduos não identificados terem consciência de colaboração e os seus objectivos – obtenção vantagens do ofendido a ‘título’ de protecção.”
   Foi tomada expressamente pelo tribunal recorrido posição sobre a questão de qualificação jurídica dos factos. É descabido falar de omissão de pronúncia se simplesmente o tribunal decidiu contra a pretensão do recorrente.
   Improdecem os fundamentos do recurso nesta parte.
   
   b) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
   Em subsidiário da questão do erro de direito em que o recorrente arguiu omissão de pronúncia, suscitou ainda o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, dado que não estão preenchidos os elementos típicos dos crimes de extorsão a pretexto de protecção e de represália contra pessoas ou bens.
   Para tal, o recorrente fundamenta em três pontos:
   1. No primeiro período que se inicia em 1999, o recorrente ainda não conhecia sequer os restantes arguidos;
   2. Nos factos que se seguem aos inícios de 2000, o recorrente limitou-se a aparecer com amigos no restaurante do ofendido e aproveitavam para causar distúrbios e não pagarem a conta daquilo que consumiam. De seguida é o próprio recorrente quem é esfaqueado e passa a ser vítima de um crime e era ele quem ia receber, por vezes, no restaurante a respectiva indemnização mensal.
   3. São referidos mais factos relativos a danos, agressões e extorsão levados a cabo naquele estabelecimento desde meados de Abril de 2001, mas sempre sem que o recorrente estivesse presente. Nos factos provados n.° 24, 27, 29 e 31 são sempre referidos todos os arguidos à excepção do recorrente.
   
   Ora, é certo que, segundo o facto provado n.° 14, o recorrente só começou, desde princípios de 2000, a acompanhar os restantes arguidos para tomar chá no Estabelecimento de Comidas, e muitas vezes aproveitavam para causar distúrbios e não pagavam a conta daquilo que consumiram.
   Mas não é apenas para fazer companhia e causar simplesmente distúrbios. Desde então, o recorrente começou a aderir ao plano dos outros arguidos de extorquir dinheiro ao ofendido sob pretexto de protecção (factos provados n.° 33, 34, 36 e 39).
   Sem estar apurada a autoria do esfaqueamento sofrido pelo recorrente, muito menos ter sido provado que o autor da agressão fosse o ofendido dono do restaurante, o acontecimento foi aproveitado pelos arguidos, incluído o recorrente, para servir de mais um pretexto para extorquir dinheiro ao ofendido (factos provados n.° 16 a 21). É patente essa intenção quando o arguido A disse na altura ao ofendido C que a referida indemnização também é considerada como “despesa para tomar conta do local” (ou seja, despesa para protecção) (facto provado n.° 20).
   É irrelevante invocar os factos provados n.° 24, 27, 29 e 31 para afastar a responsabilidade do recorrente. Estes factos respeitam pura e simplesmente às acções em que o recorrente não participou. No entanto, estas acções não deixam de integrar no plano criminoso a que o recorrente também aderiu. Além disso, há ainda factos provados que apontam que o recorrente foi exigir forçosamente o ofendido a entregar dinheiro aos arguidos (factos provados n.° 23, 32).
   Em termos subjectivos, também ficou plenamente provada a culpa do recorrente, sempre no plano aderido por todos os arguidos, em forçar o ofendido a entregar dinheiro a pretexto de protecção e sob ameaça de represália, até com a efectivação desta (factos provados n.° 35, 36, 38 a 40).
   Os actos praticados pelo recorrente são perfeitamente enquadrados nos crimes de extorsão a pretexto de protecção e de represália contra pessoas ou bens na forma de co-autoria. É insustentável a tese do recorrente de que não praticou nenhum destes crimes.
   Improcede o recurso nesta parte.
   
   c) Contradição insanável da fundamentação
   O recorrente sustenta que houve contradição insanável da fundamentação entre os factos fixados em primeira instância.
   Entende que em três pontos se verifica tal contradição:
   1. O facto de que o ofendido estava com medo de represálias por parte do recorrente quando conversaram sobre a indemnização a pagar pelo esfaqueamento daquele e o de que o recorrente nunca participou nos factos anteriores ao esfaqueamento relativos à extorsão e agressão do ofendido e o próprio ofendido veio a regatear valor proposto pelos arguidos;
   2. A falta de referência ao nome do recorrente, presumindo-se que estaria ausente dos factos de extorsão e de represália e a conclusão final de que todos os arguidos juntavam-se e por várias vezes foram comer naquele estabelecimento sem pagar, causaram distúrbios e danos e exigiram despesas para protecção, indemnização e despesa para tomar conta do local;
   3. A não presença do recorrente quando o ofendido pagou várias vezes dinheiro aos outros arguidos e quando é exigido dinheiro a título de protecção e a conclusão final de que entre Novembro de 1999 a Julho de 2001 o ofendido foi forçado a entregar aos quatro arguidos o montante de MOP$77.000,00 a título de despesas para protecção, indemnização e despesa para tomar conta do local.
   
   No seguimento da observação deduzida em relação à questão da alínea anterior, cujo fundamento mantém plenamente válido nesta parte, deve ter em conta, antes de mais nada, que o recorrente não se limitou a praticar um ou outro acto isolado de exigir dinheiro ao ofendido, sem qualquer significado no âmbito do plano de extorsão iniciado pelos outros arguidos, aderido pelo recorrente e executado ao longo do tempo.
   Conjugados todos os factos provados, ficou bem claro o papel do recorrente neste plano criminoso como um elemento integrante e activo.
   O vício da contradição insanável da fundamentação consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada. A contradição tem de se apresentar insanável ou irredutível que não possa ser ultrapassada com o recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum.
   É evidente que não existe qualquer contradição na matéria de facto provada.
   O medo do ofendido é perfeitamente compatível com a presença e participação do recorrente na negociação do valor de indemnização, pois o recorrente já apareceu, na altura, como mais um elemento do grupo que vinha extorquindo o ofendido.
   A presença do recorrente em uns actos de extorsão e ausência noutros não afasta a sua responsabilidade pelos todos os factos de extorsão e represálias realizadas nesse plano criminoso, uma vez que o recorrente aceitou, apoiou e participou nele.
   Improcede o recurso nessa parte.
   
   d) A condenação pelos crimes de extorsão a pretexto de protecção e de represália contra pessoas ou bens e a sua ligação com o crime de associação ou sociedade secreta
   O recorrente considera que há erro de direito na aplicação da Lei da Criminalidade Organizada, entendendo que uma vez absolvido do crime de associação ou sociedade secreta, não há condenação pelos crimes tipificados nesta mesma Lei.
   
   Ora, a mesma questão relacionada com o crime de extorsão a pretexto de protecção foi levantada pelo recorrente A e já apreciada atrás (2.2, b)). A solução não pode deixar de ser a mesma, ou seja, este tipo de crime é de punição autónoma sem qualquer dependência da acusação ou condenação simultânea pelo crime de associação ou sociedade secreta. Os mesmos fundamentos e solução valem, mutatis mutantis, para o crime de represálias contra pessoas ou bens.
   Das considerações nas duas alíneas anteriores resulta claro que a conduta do recorrente consubstancia na prática dos crimes de extorsão a pretexto de protecção e de represália contra pessoas ou bens. Portanto, não há possibilidade de convolar para os crimes de coacção e de dano previstos no Código Penal.
   É de improceder o recurso nesta parte.
   
   e) A medida de pena
   Apesar de ter sido reduzida a pena global na decisão do recurso anterior, o recorrente continua a entender que a pena é ainda demasiado severa, pugnando uma pena não superior a quatro anos de prisão por fixar as penas parcelares próximas de mínimo das molduras penais de 2 a 10 anos de prisão.
   
   É certo que deve atender, tal como referido pelo recorrente na motivação, a jovem idade, ser primário e o menor ilicitude da sua conduta. Em alguma medida também o sofrimento causado pelo presente processo, mas certamente não deve ser o provocado pela agressão sofrida no esfaqueamento de que foi vítima por não ser consequência deste processo.
   No entanto, também não é menos certo que deve considerar todas as circunstâncias em que foram praticados os crimes pelo recorrente.
   Sempre nos termos do art.° 65.°, n.°s 1 e 2 do CP, o tribunal de primeira instância destacou a exigência de prevenção criminal, a perturbação da tranquilidade pública, o desvalor da conduta criminosa, sobretudo a forma como os arguidos exerceram a extorsão que chegou ao limiar de uma autêntica tortura do ofendido e da sua família.
   Além disso, não se pode esquecer que o Tribunal de Segunda Instância reduziu as penas parcelares aplicadas ao recorrente por considerar que este só aderiu posteriormente ao plano das actividades criminosas de extorsão e represália e a sua culpa mostra-se relativamente menos densa que a de outros arguidos.
   Neste contexto, foram-lhe novamente fixadas as penas parcelares em 4 anos de prisão para o crime de extorsão a pretexto de protecção e 4 anos e 6 meses de prisão para o crime de represálias contra pessoa ou bens, reduzindo respectivamente 9 meses de prisão em relação a cada um dos crimes. O cúmulo foi de novo fixado em 6 anos e 3 meses de prisão, com uma diferença sensível de dois anos em relação à decisão da primeira instância, embora já com a absolvição do crime de coacção a que foi condenado em 1 ano de prisão.
   Considerando todas as circunstâncias da prática dos crimes pelo recorrente, a sua não confissão na audiência e a prevenção geral, nada a censurar as penas agora fixadas pelo Tribunal de Segunda Instância para o mesmo.
   Improcede o recurso nesta parte.
   
   f) A condenação em indemnização
   O recorrente entende que foi condenado a pagar indemnização por factos que não foram praticados por ele, explicitando que não exigiu qualquer montante, nem destruiu o restaurante, não devia responder pelos factos anteriores a sua primeira deslocação ao restaurante do ofendido, pelos distúrbios que não presenciou, etc.
   
   De acordo com o art.° 121.° do CP, a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.
   Sobre a responsabilidade por factos ilícitos, prescreve assim o art.° 477.° do Código Civil:
   “1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
   2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.”
   De acordo com esta norma, a responsabilidade civil deve ter por limite os danos causados.
   Em relação ao recorrente, por a sua adesão ao plano criminoso de extorsão ser posterior, há que diferenciar a sua responsabilidade civil pelos danos patrimoniais e não patrimoniais efectivamente causados ao ofendido em comparação com os outros arguidos.
   
   Depois da adesão do recorrente ao plano e começar a executar os actos no âmbito deste a partir dos princípios do ano 2000, ele deve ser responsável solidário, tal como os outros arguidos, por totalidade dos danos causados pelos actos de todos os arguidos praticados a partir desta altura, pois eles actuaram conjuntamente para o mesmo fim criminoso e a conduta de um comunica a outros.
   Já os danos causados ao ofendido antes da adesão do recorrente ao plano, ou seja, antes dos princípios de 2000, ele já não devia ser responsável por não ter dado causa aos mesmos.
   Assim, os danos provocados no restaurante e a conta não paga nos princípios de Novembro de 1999 no valor de MOP$19.000,00 (facto provado n.° 10), a ofensa provocada na pessoa do ofendido na mesma ocasião (facto provado n.° 5 e 8), as duas quantias que o ofendido foi forçado a entregar, primeiro nos dois dias posteriores àquele distúrbio e mais tarde em 21 de Janeiro de 2000, no valor total de MOP$6.000,00 (factos provados n.°s 11 e 13), e em geral os actos de extorsão e represálias praticados nesse período não devem ser responsável pelo ora recorrente.
   Considerando os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo ofendido e não causados pelo recorrente no primeiro período em que este ainda não participou no plano de extorsão e os actos praticados posteriormente pelo mesmo, sobre a indemnização a que os arguidos foram condenados a pagar nos acórdãos recorridos, a responsabilidade civil do ora recorrente para com o ofendido deve ser limitada no valor de MOP$120.000,00, mas sempre na forma solidária com os outros arguidos. Relativamente a outros arguidos, a sua obrigação de indemnizar os ofendidos continua a ser de valor consignado nos acórdãos recorridos, ou seja, em MOP$157.000,00 com juros vincendos.
   Nesta parte, o recurso deve proceder nos termos referidos.
   
   Assim, o recurso do arguido B não procede com a excepção da parte da indemnização que merece provimento parcial.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em:
   - Negar provimento ao recurso do arguido A.
   - Julgar parcialmente procedente o recurso do arguido B, revogando o acórdão recorrido na parte relativa à indemnização, passando a condenar o recorrente B a indemnizar, solidariamente com os outros arguidos, aos ofendidos C e D no valor de cento e vinte mil patacas (MOP$120.000,00), acrescido de juros vincendos à taxa legal até ao seu efectivo e integral pagamento, mantendo a restante parte do acórdão recorrido.
   - Condenar os recorrentes A e B respectivamente em 6UC (três mil patacas) e 5UC (dois mil quinhentas patacas) da taxa de justiça e solidariamente nas demais custas.
   
   
   Aos 5 de Junho de 2003.


           Juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

Processo n.° 7 / 2003 61