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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário-Adjunto para a Segurança, de 30.03.98, que, no âmbito de delegação de poderes outorgada pelo Governador de Macau, lhe indeferiu o recurso hierárquico necessário interposto do despacho do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau de 08.01.98, que determinou a interdição de entrada do ora recorrente no Território de Macau, pelo período de cinco anos, alterado depois para o período de três anos pelo despacho ora impugnado, arguindo-o de vários vícios de violação de lei, de desvio de poder e de vício de forma.
   Por acórdão de 3 de Dezembro de 1999, do Tribunal Superior de Justiça, foi concedido provimento ao recurso e anulado o acto recorrido, pois que «a matéria de facto, que tem de se dar como assente e que atrás se deixa expendida, não integra a cláusula geral punitiva das als. b) e d) do n.º 1 do citado art.º 33.º da Lei n.º 6/97/M, nem da al. c) do n.º 2 do art.º 14.º do DL n.º 55/95/M, de 31 de Outubro, na qual foi subsumida, pelo acto impugnado, pelo que este enferma dos invocados vícios de violação de lei, por erro de facto e de direito nos pressupostos, ou mesmo de desconformidade entre o conteúdo do acto concreto e o comando contido na norma imperativa, que determinam a anulabilidade do acto».
Reportando-se à matéria de facto provada, que adiante se extractará, fez-se constar no Acórdão recorrido que «na verdade, se, pela averiguação resultante do processo instrutor, resulta suficientemente indiciada a actividade vulgarmente conhecida por “bate-fichas” – isto é, grosso modo, de angariador de jogadores para as salas de jogo dos casinos do Território –, que vem sendo desenvolvida pelo ora recorrente, todavia, tal actividade, só por si, não indicia necessariamente que o mesmo recorrente faça parte ou tenha ligação a associação criminosa, nomeadamente do tipo de associação ou sociedade secreta.
Quer dizer, tal actividade, no Território, em grande número de casos, tem conexão com o crime organizado desenvolvido por tais associações ou sociedades secretas.
Mas o seu exercício, apesar de não estar regulamentado no Território, não está criminalizado ou sequer expressamente proibido, pelo que terá de haver algo mais, acrescido àquele exercício, donde se possa deduzir a pertença ou ligação a associação criminosa, e esse “plus” não foi investigado pela autoridade recorrida no processo instrutor».
   É deste acórdão que vem interposto o presente recurso jurisdicional pelo Secretário-Adjunto para a Segurança, cuja posição processual foi entretanto ocupada pelo órgão que lhe sucedeu, o Secretário para a Segurança, terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões:
«1- A actividade vulgarmente conhecida por “bate-fichas”, teoricamente é passível de exercício independente, mas na realidade de Macau é absolutamente organizada e controlada por associações criminosas.
2- É forçoso concluir que a actividade de “bate-fichas” indicia necessariamente que quem a exerce faz parte ou tem ligações às associações criminosas, nomeadamente do tipo de associação ou sociedade secreta.
3- O nexo resulta de investigações levadas a cabo pelas polícias do Território, que vêm sendo transmitidas ao recorrente na sua qualidade de responsável pela segurança de Macau
4- O acórdão recorrido viola a disposição do art. 33°., n°. 1, alíneas b) e d), da Lei n°. 6/97/M, de 30 de Julho, ao não subsumir a matéria de facto à previsão desta norma».

   O ora recorrido A formulou as seguintes conclusões na sua alegação:
   «O poder discricionário atribuído à Administração nunca poderá ser entendido como um domínio de não legalidade.
Mesmo quando a atribuição de discricionaridade é resultado de uma remissão para conceitos imprecisos, isto não equivale à aceitação do arbítrio. Exige, sim, que o administrador, para além da vinculação jurídica de mera legalidade, reconheça a sua subordinação a princípios de direito fundamentais.
O agente não é remetido para uma solução qualquer, mas sim, para a única solução possível, orientado pelos princípios da imparcialidade e da justiça em ordem a satisfazer o interesse público.
a) Tendo a entidade recorrente ignorado a prova produzida, não provando os factos que alega e preferindo partir de meras presunções, desrespeitou o princípio da presunção da inocência e o princípio << in dubio pro reo >>, os quais deverão ser aplicáveis a todos os processos de natureza sancionatória.
b) Não obstante as normas invocadas pelo despacho recorrido conterem conceitos jurídicos imprecisos – atribuindo-se, deste modo, à Administração, um poder discricionário – tal poder discricionário não poderá deixar de exigir a prova dos factos que constituem a previsão legal e os pressupostos que motivaram a sua decisão, exigindo a lei a sua fundamentação.
c) A actividade de bate fichas que o recorrido desenvolveu em tempos, não indicia, só por si, a sua ligação ou pertença a uma associação secreta e não foi apresentada qualquer outra prova que consubstancie os << fortes indícios >> a que se alude na previsão legal.
d) No que respeita à fundamentação do acto recorrido, há insuficiência de fundamentos, nomeadamente de prova, o que não esclarece convenientemente a motivação do acto.
e) Acresce que o recorrido é residente em Hong Kong, e tem o seu centro de vida familiar em Macau, onde tem domicílio, por ser casado com cidadã chinesa residente no Território, a qual, por força da sua nacionalidade, não pode entrar no Território de Hong-Kong.
Desse casamento tem o recorrido um filho.
A situação que lhe foi criada pelo despacho em apreço, impede o recorrente de privar e prover ao sustento e subsistência do seu agregado familiar e ao exercício do poder paternal e educação do seu filho.
Para além do mais, o recorrido é sócio gerente, desde 15 de Outubro de 1996, da sociedade por quotas denominada << Sociedade de Investimento Comercial e Imobiliário, Lda. >>, com sede em Macau, que tem como objecto social o investimento comercial e imobiliário, estando, igualmente, impedido de exercer aquela que é, e vinha sendo, desde aquela data, a sua actividade profissional.
f) A execução do despacho em apreço está a causar ao recorrido prejuízos de difícil reparação».
   Neste recurso jurisdicional o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
«As questões suscitadas no presente recurso jurisdicional encontram-se, em nosso critério, já devidamente dilucidadas no “Parecer” constante de fls 76 e 79, cujo entendimento foi, no essencial, acolhido pelo douto Acórdão ora em crise.
Daí que, à míngua de qualquer argumento novo, convincente e a tal propósito relevante, por parte do recorrente ( a afirmação de que a ligação necessária dos “bate-fichas” às associações criminosas resulta de “investigações levadas a cabo pelas polícias do Território, que vêm sendo transmitidas ao recorrente na sua qualidade de responsável pela segurança de Macau”, é, em si mesma, desacompanhada de qualquer dado válido e relevante atinente à situação específica do recorrido, perfeitamente inócua), sejamos a manter, na íntegra, aquele entendimento, pugnando consequentemente, pelo não provimento do recurso».
   No recurso contencioso, o mesmo Magistrado havia produzido o seguinte parecer, a que se refere no anterior, e que, por isso, há interesse em reproduzir:
«No essencial, assenta o recorrente a sua argumentação no facto de a medida de interdição de entrada no Território lhe ter sido aplicada por alegadamente existirem fortes indícios da sua pertença ou ligação a associação criminosa, nomeadamente do tipo de associação ou sociedade secreta (vulgo “seita”) quando, na sua perspectiva, tais indícios, de facto, não existem.
E, cremos, assistir-lhe-á razão.
Na verdade, ao que se colhe dos elementos constantes do instrutor, ao recorrente é imputado o facto de ter já sido punido criminalmente pelas entidades judiciais do Território por transgressões ao Código da Estrada, uma por condução sem carta e outra por excesso de velocidade, ao que acresce “estar referenciado” como exercendo a actividade de “bate-fichas” nos casinos do Território.
Ora bem: de tais dados, por si só, poder-se-á, sem mais, retirar a conclusão da existência de sérios indícios de o recorrente pertencer ou estar ligado às sociedades secretas criminosas, vulgarmente designadas, nestas paragens, por “seitas” ou “tríades” ?
Afigura-se-nos que não.
Não se ignora que, designadamente através de investigações ou processos criminais, se adquiriu a noção de que a actividade usualmente conhecida por “bate-fichas”, consistente, grosso modo, na angariação de jogadores para as casas de jogo, é muitas vezes controlada e organizada por aquelas organizações.
Quer-nos parecer, contudo, que, no caso vertente, não só não existe qualquer prova concreta da prática de tal actividade por parte do recorrente, adiantando-se apenas estar o mesmo “… referenciado como bate-fichas…”, como, mesmo dando-se de barato tal ocorrência, de tal conhecimento, de tal perspectiva, não se pode, sem mais, concluir que qualquer indivíduo que exerça a dita actividade ( que embora não regulamentada em Macau, não configura qualquer ilícito criminal ) o faz por recrutamento sob o controle, ordens, instruções ou regras dessas organizações.
Para se poder subsumir a situação ao disposto na al b) do n° 1 do art° 33° da Lei 6/97-M, haveria, pois, que colher os indícios que, neste caso concreto, o recorrente exercia aquela actividade e que no exercício da mesmo pertencia ou se encontrava ligado a qualquer das aludidas sociedades secretas.
O que, manifestamente, não acontece.
De todo o modo, defende a entidade recorrida que a interdição da entrada no Território de Macau ao recorrente também deriva da consideração da existência de fortes indícios de que aquele constitui ameaça para a ordem pública e para a segurança do mesmo.
Começando precisamente por este último ponto, dir-se-á que, tal como já foi referido, a actividade de “bate-fichas” pese embora não se encontrar regulamentada, também se não acha criminalizada, daí se podendo, com normalidade, concluir não constituir, ela própria, em si mesma, motivo de ameaça para a ordem pública ou para a segurança do Território.
Por outro lado, também se não poderá, a nosso ver, retirar tal ameaça do “perfil criminoso” do recorrente : o mesmo foi condenado, por duas vezes, por transgressões ao Código da Estrada, não se vendo em que medida, daquela mera qualidade de transgressor se possam colher fortes indícios da constituição de ameaça para a ordem pública e para a segurança do Território.
Daí que consideremos ter ocorrido erro nos pressupostos de facto subjacentes à decisão, com violação do disposto nas alíneas b) e d) do n° 1 do art. 33° da Lei 6/97-M, vício que deverá conduzir à anulação do acto».

   2. No Acórdão recorrido, deu-se como provada a seguinte matéria de facto:
A) No dia 22.03.93, durante uma operação efectuada pela PSP nos vários Casinos do Território, foram convocados vários indivíduos, entre os quais o ora recorrente, A, a fim de serem ouvidos verbalmente por aquela Corporação Policial, tendo em tal diligência aquele sido identificado por exercer a actividade de “bate-fichas” (P.I. apenso).
B) Em ficha de informação elaborada pelo guarda adjunto n.º XXXXXX, da Subsecção de Informações da PSP, em 23.03.93, foi o recorrente referenciado como exercendo, há cerca de um ano, na área do Casino, a actividade de “bate-fichas” e como pertencente à seita “XXX”, chefiada por B.
C) Em 18.05.93, foram passados, pelo Tribunal da Comarca de Macau, mandados de captura contra o réu, ora recorrente, a fim de cumprir a pena de 26 dias de prisão, em alternativa da multa de 500,00 patacas, em que foi condenado por sentença de 26.04.93, nos autos de Processo Sumário n.º 385/93 daquele Tribunal, por infracção ao art. 46.º, n.º 1 do C. da Estrada então em vigor (condução sem carta).
D) Em 27.02.97, durante uma operação efectuada pelo Departamento de Informações da PSP a vários locais de divertimentos, foram levados para aquele Departamento vários indivíduos, entre os quais o ora recorrente, e, depois de ali serem identificados como exercendo a actividade de “bate-fichas”, foram mandados embora.
E) Em 07.05.97, foram passados, pelo Tribunal de Competência Genérica de Macau, mandados de captura contra o réu ora recorrente, a fim de cumprir a pena de 66 dias de prisão, em alternativa da pena de multa de 2.000,00 patacas, em que foi condenado por sentença de 28.01.97, no Proc. de Transgressão n.º 733/96, por ter cometido a contravenção prevista nos art. 22.º, n.º 3 do C. Estrada e 20.º do Reg. do C. da Estrada e punida nos termos do art. 70.º, n.º 3, 75.º, n.º 2, al. b) e 89.º, n.º 1, al. a) daquele primeiro diploma legal ( condução com excesso de velocidade).
F) Em 05.01.98, foi elaborada, pelo Chefe da SACO, a Proposta n.º 2/98 dirigida ao Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, no sentido de que, considerando que a permanência do ora recorrente neste Território poderia constituir ameaça para a sua segurança, deveria aquele ser proibido de entrar no mesmo Território por um período a determinar superiormente.
G) Em 08.01.98, pelo Comandante do CPSP, foi elaborado o seguinte:
   “DESPACHO
1. O cidadão de Hong Kong, A, titular de HKIC n.º XXXXXXX(X) e passaporte britânico n.º XXXXXXXXX, está referenciado como bate-fichas nos Casinos do Território, declarou ainda ser membro de uma Associação Secreta local.
   Foram-lhe emitidos dois Mandados de Captura (já cumpridos) por condução sem carta e excesso de velocidade.
2. Assim e tendo em consideração as últimas ocorrências criminosas registadas, em resultado de conflitos entre grupos pertencentes ao crime organizado, com efeitos nocivos à tranquilidade e segurança pública, variáveis necessárias à manutenção da imagem e economia do Território, determino que seja interdita a entrada no Território ao A, pelo período de 5 anos, com base na alínea b) e d) do n.º 1 do art. 33.º da Lei n.º 6/97/M de 30JUL, e o seu nome incluído na lista dos inadmissíveis, nos termos da alínea c) n.º 2 do art. 14.º do DL 55/95/M de 31OUT.
Notifique-se o A deste meu Despacho do qual cabe recurso hierárquico necessário, no prazo de 30 dias a contar da data da notificação, e que a desobediência à recusa de entrada constitui crime previsto e punido pelo Código Penal de Macau.
   Em 08/01/98
   O COMANDANTE
MANUEL ANTÓNIO MEIRELES CARVALHO
Ten. Cor. De Infª
   H) Notificado de tal Despacho em 01.02.98, veio o ora recorrente, em 03.03.98, interpor dele recurso hierárquico necessário para a autoridade recorrida.
   I) Em 30.03.98, a autoridade recorrida elaborou o seguinte:
   “DESPACHO
   ASSUNTO: Recurso hierárquico
   ACTO RECORRIDO: Despacho do Comandante da PSP, de 8.1.98
   RECORRENTE: A
   O recorrente impugna o despacho do Comandante da PSP, de 8.1.98, através do qual lhe foi decretada a medida de interdição no Território de Macau, pelo período de 5 anos.
   Fá-lo, invocando usurpação de poder por parte do autor do acto, e bem assim, a desproporção da medida imposta que, argumenta, se baseia em “factos falsos”.
   Ora, a “recusa de entrada” contem-se nas virtualidades do poder de decidir sobre os pedidos relativos “à entrada, trânsito e permanência no território”. Com efeito, o “não-residente” que manifesta a sua vontade de entrar em Macau está sujeito à apreciação da oportunidade da respectiva concretização. O Comandante da Policia de Segurança Pública, no uso de um poder que legitimamente lhe foi subdelegado (Despacho n.º 6/SAS/98 de 14.1) negou ao recorrente a possibilidade de entrar no Território, prevalecendo-se de indicadores constantes de registos policiais que suportam a formulação de um juízo de valor, sobre o seu perfil, inadequado ao prosseguimento da política de segurança pública que as autoridades do território entendem promover, no sentido de proporcionar aos seus residentes, um modo de vida tranquilo e simultaneamente ajustado à ordem jurídica vigente.
   Se é certo que a actividade de “bate-fichas”, por si só, não constitui crime, a verdade é que ela não se enquadra em nenhuma das tabelas de actividades profissionais do território. Se por demonstrar fica a respectiva utilidade para o desenvolvimento de Macau, a sua ligação a esquemas de organização social contrário à ordem jurídica ou mesmo dela violadores, é realidade que, infelizmente, a experiência vem consolidando. No caso presente, associando a actividade do recorrente ao incumprimento de obrigações legais, que, inclusivamente, reportam ter sido necessário o recurso a “mandado de captura” para o submeter à execução de duas sentenças judiciais, de 1993 e 1996, e bem assim, a referência de pertença a uma organização criminosa, entendo por proficientemente justificada a medida imposta, por ser a que melhor se adequa ao interesse público. Aliás, não pode deixar de constituir prerrogativa dos Estados e Territórios autónomos a “plena liberdade de decisão quanto à admissão quer quanto à expulsão de cidadãos não-residentes sempre que estejam em causa, razões de ordem, tranquilidade e segurança públicas”, princípio que se vem firmando no direito internacional.
   Não obstante, admite-se alguma desproporção em relação a outras decisões de idêntica natureza, razão pela qual, dando parcial provimento ao recurso, reduzo para 3 anos a interdição de entrada (nos termos do artigo 153.º, n.º 1 do CPA), mantendo, no entanto, no restante, a decisão impugnada, designadamente quanto à sua fundamentação de direito.
   Notifique o recorrente da presente decisão, e ainda de que, sendo a mesma proferida de acordo com a competência que me advém da Portaria n.º 239/96/M, de 19 de Setembro, dela cabe recurso contencioso para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art. 16.º da Lei n.º 112/91, de 29 de Agosto (Lei de Bases da Organização Judiciária de Macau).
   Gabinete do Secretário-Adjunto para a Segurança, em Macau, aos 30 de Março de 1998
   O Secretário-Adjunto
   Manuel Soares Monge”, sendo este o acto impugnado e que foi notificado ao ora recorrente através do ofício n.º 87/98, de 02.04.98, do Comandante do CPSP.
   J) O ora recorrente casou com C, na Conservatória do Registo de Casamentos e Óbitos de Macau, em 08.11.93.
   L) Em 21.08.93, nasceu na Freguesia da Sé, Concelho de Macau, D, filho do ora recorrente.
   M) – O ora recorrente é um dos sócios gerentes da sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada com a denominação “Sociedade de Investimento Comercial e Imobiliário, Limitada”, com sede na [Endereço], em Macau (fls. 57).

   3. A autoridade recorrida, recorrente no presente recurso, logo no artigo 1.º da sua alegação, começa por dizer que «as posições do recorrente e desse Venerando Tribunal divergem fundamentalmente em matéria de facto e no que tange à questão de saber se a actividade, vulgarmente conhecida por “bate-fichas”, que o ora recorrido desenvolve em Macau, só por si indicia ou não que o mesmo faça parte ou tenha ligação a associação criminosa».
   Ora, essa primeira parte, que se reflecte nas primeiras três conclusões da alegação, ou seja, do conhecimento da matéria de facto, não pode este Tribunal apreciar.
   Como se disse, no Acórdão deste Tribunal de 16.2.2000, Processo n.º 5/2000, «se tivesse sido o Plenário do Tribunal Superior de Justiça (TSJ) a julgar o presente recurso, o seu poder cognitivo era restrito à matéria de direito, estando-lhe interdito o conhecimento da matéria de facto. Isso resultava indiscutivelmente do disposto no n.º 3, do art. 21.º (na redacção original) e na alínea a), do art. 24.º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27.4, do n.º 1, do art. 16.º da Lei de Bases da Organização Judiciária de Macau (LBOJM), aprovada pela Lei n.º 112/91, de 29.8 e do n.º 2, do art. 1.º, do Decreto-Lei n.º 20/99, de 24.5.
   Por outro lado, no sistema judiciário instituído na Região Administrativa Especial de Macau, dispõe o art. 47.º da Lei de Bases da Organização Judiciária (LBOJ), aprovada pela Lei n.º 9/1999, de 20 de Dezembro:
    «Artigo 47.º
    Poderes de cognição
1. Excepto disposição em contrário das leis de processo, o Tribunal de Última Instância, quando julgue em recurso correspondente a segundo grau de jurisdição, conhece de matéria de facto e de direito.
2. Excepto disposição em contrário das leis de processo, o Tribunal de Última Instância, quando julgue em recurso não correspondente a segundo grau de jurisdição, apenas conhece de matéria de direito».
   Mas o art. 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13.12, contém uma disposição especial para o contencioso administrativo, relativamente à referida norma do n.º 1, do art. 47.º da LBOJ:
«Artigo 152.º
(Recurso dos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância)
   O recurso dos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância apenas pode ter por fundamento a violação ou a errada aplicação de lei substantiva ou processual ou a nulidade da decisão impugnada».
   Daqui resulta que nos processos novos1, instaurados desde 20.12.99, nos recursos jurisdicionais de acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, nos processos do contencioso administrativo, o Tribunal de Última Instância (TUI) apenas conhece de matéria de direito.
   E relativamente aos processos pendentes?
   Aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 3, do art. 21.º (na redacção original) do ETAF, face ao disposto na alínea 4), do n.º 2, do art. 44.º, da LBOJ, na alínea a), do art. 24.º, do ETAF, no n.º 1, do art. 16.º, da LBOJM, no n.º 2, do art. 1.º, do Decreto-Lei n.º 20/99 e no n.º 3, do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 110/99/M.
   Quer dizer, mesmo nos processos pendentes, a regra de cognição para o TUI, nos recursos jurisdicionais em causa, é semelhante, tanto à que vigorava para o Plenário do TSJ, como a que vigora para o TUI, nos processos instaurados a partir de 20.12.99».
   Em conclusão, no presente recurso apenas se conhecerá da matéria de direito.
Daí que não se possa conhecer das seguintes questões de facto, se:
«1- A actividade vulgarmente conhecida por “bate-fichas”, teoricamente é passível de exercício independente, mas na realidade de Macau é absolutamente organizada e controlada por associações criminosas.
2- É forçoso concluir que a actividade de “bate-fichas” indicia necessariamente que quem a exerce faz parte ou tem ligações às associações criminosas, nomeadamente do tipo de associação ou sociedade secreta.
3- O nexo resulta de investigações levadas a cabo pelas polícias do Território, que vêm sendo transmitidas ao recorrente na sua qualidade de responsável pela segurança de Macau».
É que no aresto recorrido se entendeu que:
«Na verdade, se, pela averiguação resultante do processo instrutor, resulta suficientemente indiciada a actividade vulgarmente conhecida por “bate-fichas” – isto é, grosso modo, de angariador de jogadores para as salas de jogo dos casinos do Território –, que vem sendo desenvolvida pelo ora recorrente, todavia, tal actividade, só por si, não indicia necessariamente que o mesmo recorrente faça parte ou tenha ligação a associação criminosa, nomeadamente do tipo de associação ou sociedade secreta.
Quer dizer, tal actividade, no Território, em grande número de casos, tem conexão com o crime organizado desenvolvido por tais associações ou sociedades secretas.
Mas o seu exercício, apesar de não estar regulamentado no Território, não está criminalizado ou sequer expressamente proibido, pelo que terá de haver algo mais, acrescido àquele exercício, donde se possa deduzir a pertença ou ligação a associação criminosa, e esse “plus” não foi investigado pela autoridade recorrida no processo instrutor».
Logo, pelas razões atrás indicadas, não pode este Tribunal censurar as conclusões em matéria de facto, a que chegou o Acórdão recorrido.

   4. A única questão a apreciar é, pois, a de saber se, com base nos factos considerados provados no Acórdão recorrido, este violou o disposto no art. 33.º, n.º 1, alíneas b) e d), da Lei n°. 6/97/M.
Dispõe-se neste artigo:
«Artigo 33.º
(Proibição de entrada no Território)
1. Será interdita a entrada no Território aos não residentes a respeito dos quais conste informação sobre:
a) …
b) Existência de fortes indícios de pertença ou ligação a associação criminosa, nomeadamente do tipo de associação ou sociedade secreta, ainda que esta aqui não desenvolva qualquer actividade;
c) …
d) Existência de fortes indícios de que constituem ameaça para a ordem pública ou para a segurança do Território.
2. …».
   A autoridade administrativa considerou que relativamente ao ora recorrido se verificavam os pressupostos previstos nas alíneas b) e d), do n.º 1, do artigo 33.º da Lei n.º 6/97/M, que permitem a interdição de entrada em Macau, aos não residentes.
   O Acórdão recorrido decidiu em sentido contrário.
   A questão central a resolver neste recurso jurisdicional é a de saber se a avaliação que a Administração faz da subsunção de casos concretos ao disposto nas referidas normas é passível de ser sindicado pelos tribunais, ou seja, se os poderes conferidos pela lei são discricionários, ou se, pelo contrário, os tribunais podem apreciar a aplicação feita pela Administração.
   Antes de prosseguir, importa esclarecer o direito aplicável.
   Do ponto de vista substantivo, a lei aplicável é a vigente à data da prática do acto recorrido, já que o recurso contencioso de anulação é de legalidade2, pelo que aquele terá de ser confrontado com as normas e princípios jurídicos vigentes à da sua prática3.
   Do ponto de vista processual, a lei aplicável é a anterior ao actual CPAC, atendendo ao disposto no n.º 3, do art. 9.º, do Decreto-Lei n.º 110/99/M.
   Prossigamos, pois.
   
    5. Como se disse, questão central a apurar é a de saber se o Tribunal podia ( e pode) sindicar a apreciação que a Administração fez no tocante a integrar a conduta de A nos conceitos das alíneas b) e d), do n.º 1, do art. 33.º da Lie n.º 6/97/M. É fundamental conhecer a natureza dos poderes conferidos à Administração pelas referidas normas, designadamente, qualificar ou não o exercício de tais poderes como discricionários.
É que, como é sabido, em princípio4, os tribunais não podem fiscalizar o exercício dos poderes discricionários.
A nossa análise passará, pois, em revista, as figuras dos poderes discricionários e conceitos afins, fundamentalmente, os conceitos indeterminados e a margem de livre apreciação ou decisão da Administração5.

   6. Previamente, impõem-se algumas considerações sobre o princípio da legalidade da Administração.
   Isto porque, para alguns, como GARRIDO FALLA6, a zona do poder discricionário, com excepção da vinculação quanto ao fim, está subtraída ao princípio da legalidade.
   Ora, como respondeu ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA7, «mesmo quando a actividade discricionária fosse totalmente livre, excepto quanto ao fim, ainda assim entendemos que não se tiraria daí qualquer excepção ao princípio da legalidade – pois se esquece que é a lei que concede o poder e estabelece a discricionariedade».
   A autonomia pública administrativa8 é enquadrada no âmbito da vinculação ao princípio da legalidade da Administração.
   Pois bem abordemos este princípio.
   
   7. O princípio da legalidade da Administração ou princípio da legalidade administrativa, paralelo com a tradição anglo-saxónica da rule of law,9 é um fruto histórico do liberalismo10.
   Na verdade, no período do Estado de Polícia podem distinguir-se duas fases11.
   Numa primeira, a actividade administrativa é dominada pela ideia de discricionariedade absoluta, praticamente verdadeiro arbítrio.
   Numa segunda fase do Estado de Polícia, se bem que continue a subsistir uma administração pura, inteiramente discricionária, pode-se distinguir uma administração contenciosa, coincidente com a actividade do Fisco, em princípio sujeita ao controlo jurisdicional com vista à protecção do património dos súbditos.
   Mas é com o Estado Liberal de Direito que o princípio da legalidade se concretiza como figura jurídica com vocação totalizante.
   O princípio da legalidade administrativa começou por ser configurado como de compatibilidade: os actos da Administração não podem contrariar as normas que se lhe aplicam. É o chamado princípio da precedência de lei.
   «A Administração teria a sua esfera própria de acção, em que, tal como os particulares, estaria apenas limitada pelo dever jurídico de não infringir a lei»12.
   Posteriormente, o princípio da legalidade passou também a significar a exigência de que a prática de um acto pela Administração corresponda à sua previsão em lei vigente, na conformidade dos actos da Administração com a lei. É o chamado princípio da reserva de lei13 14.
   No Estado organizado segundo a separação de poderes, o princípio da compatibilidade apresenta o significado de reconhecimento da exclusividade ou da primazia da competência normativa do órgão electivo de representação nacional ou popular relativamente a determinadas matérias particularmente relevantes da vida dos administrados.
   A «precedência do parlamento na criação da lei material reflecte-se na superioridade hierárquica da lei formal»15.
   No liberalismo, o princípio da reserva de lei ou conformidade significa, fundamentalmente, a reserva de lei para todas as intervenções ablativas na liberdade e na propriedade.
   A reserva de lei constituía, então, uma reserva de função (legislativa), mas também uma reserva de Direito, porque a matéria reservada à lei coincidia com a zona da criação jurídica16.
   No Estado Liberal de Direito, «à organização e ao funcionamento do Estado tem de presidir o fim essencial da salvaguarda dos direitos individuais, reconhecendo-se o carácter fundamental da liberdade individual e da propriedade, impondo a igualdade perante a lei, limitando o poder através da sua divisão, proibindo a Administração de desacatar a lei e condicionando à autorização do legislador a intervenção ablativa da Administração nos domínios fulcrais da esfera individual, garantindo o controlo por tribunais independentes da observância administrativa da precedência e da reserva de lei»17.
   8. Após a Primeira Guerra Mundial, transitou-se do Estado Liberal de Direito para o Estado Social de Direito.
   É que não só a igualdade jurídica não fora totalmente assegurada, sobretudo com as dificuldades no alargamento do direito de sufrágio, como a necessidade de o Estado se afirmar como prestador de bens e serviços, se impôs então.
   Aos elementos formais mencionados se vieram a somar elementos materiais que se cifram na assunção pelo Estado do fim de concretização e asseguramento da justiça social18.
   Da esfera de protecção do indivíduo centrado na liberdade e na propriedade, alargou-se o domínio da protecção jurídica de modo a incluir-se «aquelas prestações de natureza económica, social e cultural, através de cuja outorga ou recusa o Estado pode determinar com não menor força a vida dos particulares»19.

   9. Por último, nesta matéria, duas notas.
   A primeira para salientar que a doutrina tem entendido que o princípio da legalidade pode desempenhar três funções:
   - Garantística (dos direitos dos administrados);
   - Instrumento de orientação e direcção política pelos vários órgãos políticos representativos;
   - Factor de justiça e racionalidade da conduta administrativa20.
   A segunda para recordar que o conceito de legalidade não é estático, mas antes dinâmico, variando o seu conteúdo e valor sob a influência de particularidades dos ordenamentos jurídicos21.
   No Direito de Macau, o princípio da legalidade da Administração estava normativamente consagrado no art. 3.º do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 35/94/M, de 18.7, como continua a estar no mesmo artigo do Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11.10.
   A configuração concreta do conteúdo e valor do princípio da reserva de lei, designadamente quanto aos regulamentos e actos administrativos22, não releva para a economia do caso em apreciação, pelo que não procederemos à sua análise.

10. É clássica a explicação que MARCELLO CAETANO23 dá para distinguir os poderes vinculados e discricionários dos órgão administrativos: «umas vezes a lei ou os estatutos regulam as circunstâncias em que o órgão deve exercer o poder que lhe está confiado, impondo-lhe que actue sempre que concorram essas circunstâncias, e determinam o modo de actuar e o conteúdo do acto.
   Outras vezes a norma deixa ao órgão certa liberdade de apreciação acerca da conveniência e da oportunidade de exercer o poder, e até sobre o modo desse exercício e o conteúdo do acto, permitindo-lhe que escolha uma das várias atitudes ou soluções que os termos da lei admitam».
   No primeiro caso trata-se de poder vinculado. No segundo, o poder é discricionário.
   Cabe aqui referir que, como tem sido assinalado, não há, em regra actos totalmente vinculados, nem actos totalmente discricionários. Em qualquer acto administrativo se projectam poderes vinculados a par do exercício, em maior ou menor grau, de discricionaridade, resultando sempre da lei a competência e o fim, isto é o interesse público fixado ao exercício da competência no caso concreto, ao menos implicitamente24.
   No que respeita às finalidades da lei na concessão do poder discricionário, explica aquele Professor25 que «a discricionaridade de certos poderes conferidos por lei aos órgãos da Administração traduz o reconhecimento pelo legislador da impossibilidade de prever na norma toda a riqueza e variedade das circunstâncias em que o órgão pode ser chamado a intervir e das soluções mais convenientes consoantes os casos» 26.
   Enfim, como refere DAVID DUARTE27 «a existência de uma margem de acção permite a valorização das circunstâncias na sua imprevisibilidade, dá espaço e tempo de manobra e, para além de se lhe reconhecer uma função relevante de legitimação administrativa, realiza a vantagem que resulta da proximidade existente entre o decisor e a situação».

   11. Uma matéria importante no âmbito da discricionariedade, relativamente ao caso em apreciação, é a que se refere aos limites do poder discricionário, por razões que estão ligadas à sindicabilidade judicial do exercício destes poderes.
   As limitações do poder discricionário podem classificar-se com utilização de vários critérios.
   Quanto ao critério da origem dos limites, costuma distinguir-se entre os limites legais, os que resultam da própria lei, e a auto-vinculação, isto é, de normas elaboradas pela própria Administração para disciplinar o uso de determinado poder discricionário.
   Outra classificação distingue entre limites internos e limites externos.
   De acordo com J. M. SÉRVULO CORREIA28, «por limites internos da discricionariedade, entendem-se os factores que condicionam a própria escolha entre as várias atitudes possíveis, fazendo com que algumas deixem de o ser nas circunstâncias concretas».
   Os limites externos serão os restantes, os que se referem à orientação dos poderes de livre decisão a priori e ao seu controlo a posteriori29.
   Entre estes limites externos, costuma referir-se a densidade normativa mínima.
   A lei fundamental, por vezes, determina que certas matérias estejam reservadas à lei. Nestes casos, a atribuição de poderes discricionários à Administração deve conter uma exigência de densidade normativa mínima30.
   Mas não só nos casos de reserva de lei se deve exigir tal densidade normativa mínima à norma que concede o poder discricionário. «O princípio da legalidade, na mesma vertente em que materializa a exigência de um título de decisão, não se limita, no entanto, a uma mera permissão decisória. Simultaneamente, por razões de densidade substantiva, a legalidade exige que o suporte da decisão contenha uma intensidade razoável de pré-determinações, sob pena de frustração da própria ratio do princípio31».
   No que respeita aos limites internos, o primeiro será o da vinculação ao fim, «a necessidade de conformar o exercício da discricionariedade com o interesse público visado pela norma que a concede32».
   O desvio de poder é o vício típico do exercício de poderes discricionários.
   Dispunha o art. 19.º da Lei Orgânica do STA que «o exercício de poderes discricionários só pode ser atacado contenciosamente com fundamento em desvio de poder», existindo este sempre «que o motivo principalmente determinante da prática do acto recorrido não condizia com o fim visado pela lei na concessão do poder discricionário» (§ único do referido art. 19.º).
   Dispondo a lei (art. 6.º do ETAF) que os recursos contenciosos são de mera legalidade e que o exercício de poderes discricionários só pode ser atacado contenciosamente com fundamento em desvio de poder, daqui resulta que os tribunais não controlam o mérito da decisão discricionária da Administração.

   12. No que toca aos restantes limites internos do poder discricionário, interessa-nos destacar a consagração dos princípios jurídicos por que a Administração deve nortear a sua actividade.
   De acordo com os arts. 5.º e 6.º do CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 35/94/M, e vigente à data da prática do acto impugnado, no exercício da sua actividade, a Administração deve observar os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.
   Estes são, pois, limites internos do poder discricionário, factores que condicionam a própria escolha do decisor entre as várias atitudes possíveis33.
   Entre tais princípios, os que, à partida, podem estar em causa no nosso caso serão os da proporcionalidade e da justiça. O nosso exame limitar-se-á a estes.
   O CPA prevê o princípio da proporcionalidade no seu art. 5.º, n.º 2, estabelecendo que «as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar».
   Não cabe aqui fazer a história da génese do princípio ou a sua fundamentação filosófica.
   Como refere VITALINO CANAS34 o princípio da proporcionalidade só poderá aplicar-se na apreciação de comportamentos em que o autor goze de uma certa margem de escolha.
   A doutrina tem dissecado o princípio em três subprincípios, da idoneidade, necessidade e proporcionalidade, em sentido estrito, ou de equilíbrio.
   A avaliação da idoneidade de uma medida é meramente empírica, podendo sintetizar-se na seguinte pergunta: a medida em causa é capaz de conduzir ao objectivo que se visa?
   Aceitando-se que uma medida é idónea, passa a verificar-se se é necessária.
   O centro das preocupações desloca-se para a ideia de comparação. Enquanto na máxima da idoneidade se procurava a certificação de uma relação causal entre um acto de um certo tipo e um resultado que se pretende atingir, na máxima da necessidade a operação central é a comparação entre uma medida idónea e outras medidas também idóneas. O objectivo da comparação será a escolha da medida menos lesiva.
   «A aferição da proporcionalidade, em sentido estrito, põe em confronto os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto restritivo ou limitativo, e os bens, interesses ou valores sacrificados por esse acto. Pretende-se saber, à luz de parâmetros materiais ou axiológicos, se o sacrifício é aceitável, tolerável. Para alguns, esta operação assemelha-se externamente à análise económica dos custos/benefícios de uma decisão. Se o custo (leia-se o sacrifício de certos bens, interesses ou valores) está numa proporção aceitável com o benefício (leia-se a satisfação de certos bens, interesses ou valores) então a medida é proporcional em sentido estrito»35 36.
   O CPA determina no art. 6.º que«no exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação».

   13. Não se têm suscitado dúvidas tanto na doutrina como na jurisprudência, que os tribunais podem fiscalizar o respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade. A dúvida está em saber em que medida deverão os tribunais intervir nesta matéria.
   DAVID DUARTE37, referindo-se à proporcionalidade em sentido estrito, «que engloba a técnica do erro manifesto de apreciação, técnica jurisdicional francesa que compreende, em termos avaliativos, para além do erro na qualificação dos factos, a utilização de um critério decisório proporcional que se revela numa decisão desequilibrada entre o contexto e a finalidade. O erro manifesto de apreciação, na vertente de controlo da adequação da decisão aos factos…é, como meio de controlo do conteúdo da decisão, um dos degraus mais elevados da intervenção do juiz na discricionariedade administrativa. E, por isso, só é utilizável na medida da evidência comum da desproporção38» (o sublinhado é nosso).
   Nas mesmas águas navega MARIA DA GLÓRIA F. P. DIAS GARCIA39 defendendo que«em face da fluidez dos princípios (da proporcionalidade, da igualdade, da justiça), só são justiciáveis as decisões que, de um modo intolerável, os violem40» (o sublinhado é nosso).
   O novo CPAC, no seu art. 21.º, n.º 1, alínea d), embora não aplicável à situação dos autos, a respeito dos fundamentos do recurso contencioso refere-se ao «erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários».

   14. Importa, agora, distinguir a discricionariedade dos conceitos indeterminados.
   Para tal, afigura-se conveniente partir da natureza do poder discricionário.
   Sobre esta questão, existem, fundamentalmente três teses41.
   Para uma, a discricionariedade consiste na liberdade da Administração na interpretação de conceitos vagos e indeterminados.
   Para outra, a discricionariedade é, basicamente, vinculação da Administração a normas extrajurídicas que podem ser técnicas, científicas ou normas de boa administração.
   Outra tese, que é a adoptada pela generalidade da doutrina, vê na discricionariedade uma liberdade de decisão reconhecida por lei à Administração, a fim de que esta escolha entre vários comportamentos possíveis o que lhe aparecer mais adequado à prossecução do interesse público.
   Apreciemos a figura dos conceitos indeterminados.
   Como refere ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA42 a expressão conceito indeterminado pretende referir aqueles conceitos que se caracterizam por um elevado grau de indeterminação. A estes opõem-se os conceitos determinados, sendo os relativos a medidas (metro, litro, hora) ou a valores monetários (pataca, dólar norte-americano) os conceitos mais determinados.
   Quase todos os conceitos jurídicos contêm algum grau de indeterminação, de tal sorte que PHILLIP HECK43 sublinhou que os conceitos absolutamente determinados seriam muito raros no direito.
   A utilização pelo legislador de conceitos indeterminados constitui expediente de que aquele se serve por motivos vários, como para «permitir a adaptação da norma à complexidade da matéria a regular, às particularidades do caso ou à mudança das situações, ou para facultar uma espécie de osmose entre as máximas ético-sociais e o Direito, ou para permitir levar em conta os usos do tráfico, ou, enfim, para permitir uma “individualização” da solução44».
   ROGÉRIO SOARES45 acentua que o legislador utiliza prodigamente os conceitos indeterminados perante as complexidades da sociedade moderna.
   Pois bem, a distinção fundamental entre discricionariedade e conceitos indeterminados está em que, enquanto no primeiro caso, o órgão tem uma liberdade actuação quanto a determinado aspecto, no segundo caso estamos perante uma actividade vinculada, de mera interpretação da lei, com base nos instrumentos da ciência jurídica.
   Aqui, nos conceitos indeterminados, não há liberdade. Logo que se apure qual a interpretação correcta da norma - e em direito só há uma interpretação correcta em cada caso – o aplicador da lei tem de a seguir necessariamente.
   Por isso, ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA46referiu que «a discricionariedade começa onde acaba a interpretação».
   Deste modo, quando se conclua que a tarefa a efectuar é apenas a de interpretar a lei, o tribunal pode fiscalizar a aplicação do direito feita pela Administração.
   No entanto, a doutrina cedo detectou que ao lado dos conceitos indeterminados que se traduzem na mera interpretação da lei, há um outro grupo de situações em que se mostra que a intenção da lei é a de pretender «deixar ao órgão administrativo a escolha dos pressupostos quando os define através de noções vagas ou indeterminadas47».
   Este segundo grupo é que J. M. SÉRVULO CORREIA48 considera que são os verdadeiros conceitos indeterminados, ou conceitos indeterminados puros.
   A doutrina alemã, a partir dos anos cinquenta avançou com a construção de doutrinas com vista a delimitar os casos em que a aplicação de conceitos indeterminados envolve o exercício de capacidade de apreciação própria da Administração, não sindicável pelos tribunais.
   Foi assim que BACHOF lançou a célebre teoria da margem de livre apreciação, definindo-a como o âmbito dentro do qual se reserva à Administração uma margem para a livre apreciação dos pressupostos da sua actuação. Para o Professor alemão nem todo o conceito indeterminado confere uma margem de livre apreciação à Administração, sendo ao legislador que incumbe escolher os casos em que assim sucederá.49
   Posteriormente, WALTER SCHMIDT, veio defender que «a avaliação de pressupostos que integram a situação concreta, para efeito da sua subsunção em conceitos indeterminados que figuram na hipótese da norma, reduz-se sempre a um problema de prognose, quer se trate de avaliação de qualidades de pessoas ou coisas, quer, directamente, da estimativa sobre a evolução futura de processos sociais…
   À luz desta construção, a «margem de livre decisão» reduz-se aos casos de discricionariedade e de aplicação isolada de conceitos de prognose: a aplicação de todos os outros elementos do «Tatbestand» de uma norma jurídica é inteiramente sindicável pelos tribunais»50.
   Seguindo a doutrina de WALTER SCHMIDT, J. M. SÉRVULO CORREIA51 explicitou que «a aplicação do conceito indeterminado tipo ao caso concreto (Anwendung) envolve a emissão de juízos de valor que inevitavelmente contêm elementos subjectivos, muitos deles integrados numa prognose. A prognose é um raciocínio através do qual se avalia a capacidade para uma actividade futura, se imagina a evolução futura de um processo social ou se sopesa a perigosidade de uma situação futura…
   O juízo de prognose respeita à subsunção da situação concreta no conceito encerrado na previsão da norma (Tatbestand) e não à interpretação em abstracto de tal conceito. Assim, por exemplo, vigora na República Federal (Alemã) uma norma jurídica que determina que deverá ser recusada a licença de instalação de um estabelecimento hoteleiro quando os factos (Tatsachen) justificarem a suposição de que o requerente não merece confiança (Zuverlässigkeit) necessária para o desempenho de tal actividade industrial. O conceito indeterminado «confiança» carece de ser interpretado e o modo do seu entendimento em abstracto é revisível pelo tribunal. Mas o juízo, perante os pressupostos de facto, sobre se o requerente merece ou não a necessária confiança é um juízo de prognose, visto que envolve uma apreciação da hipotética conduta futura do requerente no desempenho da actividade pretendida».
   Acresce que, para o mesmo autor, os conceitos indeterminados do 1.º tipo, que não envolvam juízos de prognose são determinados, porque o seu conteúdo é apurável através de métodos teorético-discursivos.52
   Por outro lado, aos conceitos indeterminados do 2.º tipo, aqueles em que se revela a intenção de conferir uma margem de livre apreciação à Administração, devem aplicar-se as regras já estudadas a propósito dos limites e da fiscalização judicial do exercício de poderes discricionários53, afirmando-se que, embora estruturalmente diferenciáveis, discricionariedade e conceitos jurídicos indeterminados são unificáveis em termos de regime jurídico. 54

   15. Aproximemo-nos do caso concreto.
   Dispõe-se no art. 33.º da Lei n.º 6/97/M:
«Artigo 33.º
(Proibição de entrada no Território)
   Será interdita a entrada no Território aos não residentes a respeito dos quais conste informação sobre:
   a) …
   b) Existência de fortes indícios de pertença ou ligação a associação criminosa, nomeadamente do tipo de associação ou sociedade secreta, ainda que esta aqui não desenvolva qualquer actividade;

   d) Existência de fortes indícios de que constituem ameaça para a ordem pública ou para a segurança do Território.
…».
   No que respeita à alínea b), a norma não deixa ao órgão qualquer liberdade de apreciação acerca da conveniência e da oportunidade de exercer o poder, nem sobre o modo desse exercício e o conteúdo do acto, nem lhe permite que escolha uma das várias atitudes ou soluções.
   Não está, portanto, em causa a atribuição normativa de qualquer poder discricionário.
   Mas constata-se que a norma contém algum grau de indeterminação no segmento «fortes indícios».
   Contudo, trata-se, a todas as luzes, de um conceito indeterminado que designámos atrás como do 1.º tipo, em que o que está em causa é a mera interpretação de uma norma jurídica55.
   Está em causa a existência de fortes indícios da prática de crime, previsto e punível pelos arts. 1.º e 2.º da referida Lei e pelo art. 288.º do Código Penal.
   Ora, o conceito de fortes indícios da prática de crime é utilizado em várias normas da lei processual penal (por exemplo, no art. 186.º do Código de Processo Penal), que os tribunais aplicam diariamente, e sobre o qual existe uma abundante doutrina e jurisprudência.
   Neste caso, pelos motivos indicados, não houve – não pode ter havido – intenção da lei de conceder à Administração qualquer margem de livre apreciação.
   É certo que na parte em que a norma se refere a «… fortes indícios de … ligação a associação criminosa…», já não parece estar em causa a prática de crime, já que a lei só pune a promoção, fundação, pertença ou o apoio a associação criminosa, e já não a mera ligação a tais associações.
   Não obstante, também nesta parte entendemos que se trata de mera interpretação de conceito jurídico, a que se procederá adiante, e, portanto, actividade vinculada, judicialmente revisível pelos tribunais.

   16. Tem-se entendido haver fortes indícios da prática de crime quando, em face deles, seja de considerar altamente provável a condenação, já que nas fases preliminares do processo crime não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, mas apenas indícios.
    Bem decidiu o acórdão recorrido quando considerou que ao referido segmento se deve dar uma interpretação semelhante a idêntico segmento normativo de outros diplomas legais.
   Ora, os factos considerados provados pelo acórdão recorrido – e repete-se, este Tribunal não pode conhecer de matéria de facto em recursos do tipo do dos autos e, portanto, exercer censura sobre as conclusões a que aquele chegou, neste âmbito - de o recorrente do despacho impugnado exercer a actividade de bate-fichas – isto é, grosso modo, de angariador de jogadores para as salas de jogo dos casinos do Território - e de ter sido condenado judicialmente, duas vezes, pela prática de contravenção ao direito estradal, não resulta que o mesmo pertença a associação criminosa.
   E poderá considerar-se que o mesmo tem ligação a tais associações?
   Em primeiro lugar, há uma zona de certeza positiva: a ligação tem que respeitar ao próprio, não podendo ninguém ser prejudicado em virtude de estar ligado por laços familiares ou de amizade a alguém pertencendo a tais associações criminosas (a menos, neste último caso, que exercesse alguma função incompatível com a mesma).
   A ligação a que se refere a norma tem de supor algum laço directo com as mencionadas actividades criminosas.
   Por exemplo, um indivíduo que tenha relações económicas com estas organizações entidade recorrida quanto tais, tem ligações com as mesmas. Mas já não o terá se a pessoa em questão apenas mantiver relações comerciais ou económicas com algum indivíduo pertencendo ou chefiando tais organizações, mas sem relação com as actividades criminosas. Mas já poderia estar a incorrer na previsão legal quem estabelecesse relações comerciais ou económicas em tais circunstâncias que levassem qualquer pessoa média a supor que haveria relação com as actividades criminosas do comprador.
   Ora, os factos provados - de o recorrente do despacho impugnado exercer a actividade de bate-fichas e de ter sido condenado judicialmente, duas vezes, pela prática de contravenção ao direito estradal - não permite estabelecer qualquer relação directa do mesmo a uma associação criminosa.
   Em suma, o acto recorrido violou o disposto na alínea b), do n.º 1, do art. 33.º da Lei n.º 6/97/M, pelo que, nesta parte, o acórdão recorrido não merece censura.
   
   17. Importa, agora, ponderar se relativamente ao mesmo indivíduo se pode considerar a existência de fortes indícios de que constituem ameaça para a ordem pública ou para a segurança de Macau.
   Relativamente a esta norma afigura-se-nos estar perante um conceito indeterminado do 2.º tipo, ou puro, segundo a terminologia de alguns autores56.
   Na verdade, enquanto no caso da alínea anterior, a b), o juízo a efectuar pela Administração era fundamentalmente em relação ao passado da pessoa em questão, no caso desta alínea d), o que está em causa é um juízo de avaliação da sua actividade futura, é a emissão de juízos de valor que contêm elementos subjectivos, muitos deles integrados numa prognose. Esta, como se viu sob o n.º 14, é um raciocínio através do qual se avalia a capacidade para uma actividade futura, se imagina a evolução futura de um processo social ou se sopesa a perigosidade de uma situação futura.
   Como defende J. M. SÉRVULO CORREIA57 o juízo de prognose respeita à subsunção da situação concreta no conceito encerrado na previsão da norma e não à interpretação em abstracto de tal conceito.
   Assim, estabelecendo um paralelo com o exemplo referido atrás, no n.º 14, relativo a licença de instalação de um estabelecimento hoteleiro na República Federal Alemã, os conceitos indeterminados «ordem pública» e «segurança» de Macau carecem de ser interpretados e o modo do seu entendimento em abstracto é revisível pelo tribunal. Mas o juízo, perante os pressupostos de facto, sobre se o interessado constitui ou não ameaça para a ordem pública ou para a segurança de Macau é um juízo de prognose, visto que envolve uma apreciação da hipotética conduta futura do interessado58.
   Quer dizer, interpretada a norma, chega-se à conclusão que a intenção da lei é a de conceder uma margem de livre apreciação à Administração, cujo mérito não deve ser sindicado pelos tribunais.
   A ordem pública é o conjunto de regras que asseguram o funcionamento do Estado ou do Território, mantendo a paz e a ordem, também assegurando o bem comum, satisfazendo as necessidades colectivas59 e, mais restritamente, refere-se à tranquilidade das ruas, de forma a manter afastados quaisquer tumultos que possam perturbar os cidadãos, .
   Segurança de Macau é todo o conjunto de procedimentos que impedem a desestabilização das instituições.
   
   18. Como sustentámos no n.º 14, aos conceitos indeterminados do 2.º tipo, aqueles em que se revela a intenção de conferir uma margem de livre apreciação à Administração, devem aplicar-se as regras já estudadas a propósito dos limites e da fiscalização judicial do exercício de poderes discricionários, já que discricionariedade e estes conceitos jurídicos indeterminados são unificáveis em termos de regime jurídico.
   E afirmámos no n.º 13 que não se têm suscitado dúvidas tanto na doutrina como na jurisprudência, que os tribunais podem fiscalizar o respeito pelo princípio da proporcionalidade por parte da Administração.
   Ora, no n.º 12 sublinhámos que os princípios jurídicos constituem limites internos do poder discricionário, factores que condicionam a própria escolha do decisor entre as várias atitudes possíveis.
   Disse-se, então, que o CPA prevê o princípio da proporcionalidade no seu art. 5.º, n.º 2, estabelecendo que «as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar».
   O referido princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, na vertente da proporcionalidade, em sentido estrito, põe em confronto os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto restritivo ou limitativo, e os bens, interesses ou valores sacrificados por esse acto. Pretende-se saber, à luz de parâmetros materiais ou axiológicos, se o sacrifício é aceitável, tolerável.
   E a resposta no nosso caso é a de que a proibição do interessado entrar em Macau durante três anos é claramente excessiva quando os factos que lhe são imputados (prática de contravenções ao Código da Estrada) não são graves, sabendo-se ainda que a actividade de bate-fichas não é sequer proibida.
   Conclui-se assim que o sacrifício imposto ao interessado é manifestamente desproporcionado ao benefício que se pretendia atingir com a prática do acto recorrido.
   E o Tribunal pode fiscalizar a apreciação feita pela Administração dado que, com base nos factos que se consideram provados, se entende que a avaliação foi manifestamente errónea.
   O acto recorrido incorreu, pois, em vício de violação de lei.
   Daí que, embora por razões não de todo coincidentes com o acórdão recorrido, se considere que o acto recorrido deve ser anulado.
   
   19. Face ao expendido, acordam em julgar improcedente o presente recurso jurisdicional.
   Sem custas.
   Macau,3.5.2000
   Viriato Manuel Pinheiro de Lima
                            Sam Hou Fai
Chu Kin
   Fui presente:
   Vitor Manuel Carvalho Coelho
1 Cfr. os n.os 1, 2 e 3, do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 110/99/M.

2 De acordo com o art. 6.º do ETAF. Actualmente, também, nos termos do art. 20.º do CPAC.
3 J.C. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), 2ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1999, p. 255 e segs., considera algumas excepções ao princípio, mas que não vêm ao nosso caso, dado que o art. 33.º da Lei n.º 6/97/M continua em vigor.
4 As excepções – se de verdadeiras excepções se trata – serão consideradas ulteriormente.
5 Por razões de economia não abordaremos a matéria da chamada discricionariedade imprópria por não estar directamente relacionada com os poderes subjacentes às normas em exame.
6 GARRIDO FALLA, Tratado de Derecho Administrativo, 1958, Vol. I, p. 206 e 207, citado por ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA, Erro e Ilegalidade no Acto Administrativo, Lisboa, Ática, 1962, p. 24 e 25.
7 ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA, ob. cit., p. 25.
8 BERNARDO DINIZ DE AYALA, O (Défice de) Controlo Judicial da Margem de Livre Decisão Administrativa, Lisboa, Lex, 1995, p. 66. Este autor, ob. cit., p. 25 a 28, caracteriza autonomia pública administrativa como o espaço de livre criação de efeitos jurídicos que resulta de uma norma habilitadora e conformadora da titularidade e exercício do respectivo poder administrativo, seguindo parcialmente a lição de J. M. SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Coimbra, Livraria Almedina, 1987, p. 470, que usa «autonomia pública na acepção de permissão da criação, no âmbito dos actos administrativos e dos contratos administrativos, de efeitos de direito não predeterminados por normas jurídicas e titularidade e exercício do correspondente poder, isto é, de margem de livre decisão na criação de efeitos de direito nas situações concretas regidas pelo Direito Administrativo».
9 DAVID DUARTE , Procedimentalização, Participação e Fundamentação: Para uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa como Parâmetro Decisório, , Livraria Almedina, Coimbra, 1996, p. 337.
10 J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., p. 16.
11 FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, Vol . II, Lisboa, 1988, p. 120 e segs.
12 ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA, ob. cit., p. 20.
13 J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., p. 18 e segs.
14 É tendo em vista esta vertente positiva do princípio da legalidade que MARCELLO CAETANO, Tratado Elementar de Direito Administrativo, Vol. I, 1941, p. 27, referia que «a Administração pública no nosso Direito actua nos termos previstos ou permitidos pela lei: não lhe é possível tudo o que a lei não proíbe, como sucede com os particulares; a sua acção está positivamente regulada e por isso só pode querer o que a lei permitir que queira» e que, no Manual de Direito Administrativo, I, 10ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1980., p. 30, caracteriza «o princípio da legalidade, segundo o qual nenhum órgão ou agente da Administração Pública tem a faculdade de praticar actos que possam contender com interesses alheios senão em virtude de uma norma geral anterior».
15 J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., p. 20.
16 BERNARDO DINIZ DE AYALA, ob. it., p. 69.
17 J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., p. 190 e 191.

18 J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., p. 191 e 192.
19 J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., p. 193.
20 J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., p. 188.
21 J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., p 32, invocando a doutrina de CARLASSARE E RUI MACHETE, e acrescentando que as principais diferenças são encontráveis na configuração da reserva de lei.
22 Se o direito aplicável fosse o actualmente vigente haveria que abordar a questão das matérias que a Lei Básica reserva à lei em sentido formal e, previamente apurar os vários significados em que o vocábulo «lei» é utilizado pela Lei Básica. Apenas exemplificativamente, constata-se que nos arts. 21.º, 25.º e 29.º, o termo lei é utilizado, respectivamente, com os sentidos de acto normativo ou lei da República Popular da China (21.º), de ordenamento jurídico de Macau (25.º) e de lei da Assembleia Legislativa (29.º).
23 MARCELLO CAETANO, Manual, vol. cit., p. 214.
24 MARCELLO CAETANO, ob. e vol. cits., p 490, FREITAS DO AMARAL, ob. e vol cits. , p. 112 e segs. e DAVID DUARTE, ob. cit., p. 343.
25 MARCELLO CAETANO, ob. e vol. cits., p. 214 e 215.
26 Na lição de MARTIM BULLINGER, Verwaltungsermessen im modernen Staat (Deutschland), Baden-Baden, 1986, p. 149 a 156, citado por MARIA DA GLÓRIA F. P.DIAS GARCIA, Da Justiça Administrativa em Portugal, Sua Origem e Evolução, Lisboa, 1994, p. 645, tais finalidades são as de:
- Âmbito livre para considerações estratégicas ou tácticas, como acontece com a polícia, a fim de adequadamente reagir aos perigos contra a segurança e ordem públicas;
- Âmbito livre para adaptar a lei a circunstâncias especiais do caso concreto, como acontece com uma licença excepcional de construção para um caso típico;
- Âmbito livre para valorações técnicas, como é o caso actos tomados na base de dados fornecidos por comissões de peritos de instalação de centrais nucleares;
- Âmbito livre para projectos que concretizam a lei e actos configuradores similares (discricionariedade do plano);
- Âmbito livre para a optimização flexível de prestações estatais.
27 Ob. cit., p. 351.
28 Ob. cit., p.499.
29 BERNARDO DINIZ DE AYALA, ob. cit., p. 176.
30 BERNARDO DINIZ DE AYALA, ob. cit., p. 176 a 178.
31 DAVID DUARTE, ob. cit., p. 344, que acrescenta que a norma deve ser determinada, não sendo possível que a habilitação decisória seja a do exemplo caricaturalmente utilizado por JESCH: “A Administração tem a faculdade de poder fazer tudo aquilo que considere necessário para a prossecução do interesse público”.
32 J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., p. 493. Cfr, sobre esta matéria, também, MARCELLO CAETANO, ob. e vol. cits., p. 214.
33 Sobre esta matéria, M. ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, vol. I, 1980, Livraria Almedina, Lisboa, p. 255 e segs.
34 VITALINO CANAS, Princípio da Proporcionalidade, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol VI, Lisboa, 1994, p. 616, que se seguirá de perto na exposição subsequente.
35 VITALINO CANAS, ob. cit., p. 628.
36 Sobre o emprego no princípio da proporcionalidade da contabilização custos-benefícíos (ou vantagens) pelo Conselho de Estado francês, cfr. J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., p. 75, que enumera, a p. 114 e segs. da mesma obra, os elementos do princípio em termos semelhantes aos traçados acima.
37 DAVID DUARTE, ob. cit., p. 323.
38 O mesmo autor, ob. cit., p. 323, nota 205, a propósito da questão de saber qual a medida da desproporcionalidade que uma decisão deve ter para poder ser controlada pelo tribunal, cita uma decisão judicial britânica de 1945 (Associated Provincial Picture House Ltd. v. Wednesbury Corporation), que criou um standard aplicável à medida da intervenção judicial, estabelecendo que “if an authority`s decision was so unreasonable that no reasonable authority could ever have como to it, then the courts can interfere”.
39 Ob. cit., p. 642.
40 No mesmo sentido, M. ESTEVES DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 256 e 257 e J.C. VIEIRA DE ANDRADE, O Dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Livraria Almedina, Coimbra, 1991, p. 137.
41 Cfr. ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA, ob. cit., p. 216 e segs., MARCELLO CAETANO, ob. e vol. cits., p. 215, MARIA LUÍSA DUARTE, A Discricionariedade Administrativa e os Conceitos Jurídicos Indeterminados, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 370, p. 42 e BERNARDO DINIZ DE AYALA, ob. cit., p. 108.
42 ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, «Conceitos Indeterminados» no Direito Administrativo, Livraria Almedina, Coimbra, 1994, p. 23.
43 Citado por F. AZEVEDO MOREIRA, Conceitos Indeterminados: Sua Sindicabilidade Contenciosa Em Direito Administrativo, Revista de Direito Público, Ano I, n.º 1, Novembro de 1985, p. 34.
44 J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Livraria Almedina, Coimbra, 1995, p. 114.
45 ROGÉRIO SOARES, Administração Pública e Controlo Judicial, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Coimbra, ano 127.º, p. 230.
46 ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA, ob. cit., p. 217.
47 M. ESTEVES DE OLIVEIRA, ob. cit., p. 246.
48 J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., 332.
49 J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., 122.

50 J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., 131 e 136.
51 J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., 119.

52 J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., 136.
53 Neste sentido, DAVID DUARTE, ob. cit., p. 368 e J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., 499.
54 WALTER SCHMIDT , citado por J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., 136.
55 Neste sentido, o Acórdão deste Tribunal, de 27.4.2000, no Processo n.º 6/2000.
56 Foi também a conclusão a que chegámos no Acórdão deste Tribunal, de 27.4.2000, no Processo n.º 6/2000.
57 J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., p. 119.
58 Sobre a qualificação dos conceitos «ordem pública», «segurança pública» e «perturbação da ordem pública» como conceitos indeterminados puros, cfr., respectivamente, BERNARDO DINIZ DE AYALA, ob. cit., p. 126 e F. AZEVEDO MOREIRA, ob. cit., p. 58.
59 Acórdão de 15.12.99, do Tribunal de Última Instância de Hong Kong (Hong Kong Special Administrative Region v. Ng Kung Siu e Lee Kin Yun).
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