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Processo n.º 4/2001. Recurso para uniformização de jurisprudência em matéria fiscal.
Recorrente: Director dos Serviços de Finanças.
Recorrida: A.
Assunto: Recurso para uniformização de jurisprudência em matéria fiscal. Norma de remissão. Oposição de acórdãos.
Data da Sessão: 28.3.2001.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai, Chu Kin, Lai Kin Hong e Choi Mou Pan.

SUMÁRIO:
I - Em regra, a remissão legal é formal ou dinâmica, isto é, recebe as normas que se forem sucedendo no tempo. Mas não está excluído que, por vezes, o intérprete tenha de concluir que a remissão se faz para uma regulamentação concreta, por se mostrar desajustada outra solução.
II - Aos recursos para uniformização de jurisprudência em matéria administrativa e fiscal, em que os acórdãos recorridos tenham sido proferidos em processos pendentes antes de 20.12.99, aplica-se quanto à competência, o art. 44.º, n.º 2, alínea 1), da Lei de Bases da Organização Judiciária, aprovada pela Lei n.º 9/1999, de 20.12.
III - Quanto aos pressupostos, há recurso de acórdãos do Tribunal de Segunda Instância proferidos em segundo grau de jurisdição que, relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, perfilhem solução oposta à de acórdão do mesmo Tribunal, do Tribunal Superior de Justiça ou do Tribunal de Última Instância.
IV - Quanto à tramitação, aplicar-se-ão os arts. 765.º a 767.º do Código de Processo Civil de 1961, conjugados com os arts. 109.º, n.º 2 e 111.º, n.º 1, alínea e), da LPTA.

O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I - Relatório.
O Director dos Serviços de Finanças interpôs recurso para uniformização de jurisprudência, para o Tribunal de Última Instância, do Acórdão de 7 de Dezembro de 2000, do Tribunal de Segunda Instância, no Processo n.º 177/2000 (que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto da sentença do Tribunal Administrativo, que anulara o despacho daquele Director, de 12.8.99, que, por sua vez, havia negado provimento ao recurso hierárquico interposto do despacho do Chefe da Repartição de Finanças, que fixou como valor tributável, para efeitos de aplicação do imposto sobre veículos motorizados, a título de preço de venda do veículo automóvel Toyota Crown Royal Saloon, o valor de MOP$309.000,00, quando o preço declarado pela A, havia sido de MOP$190.000,00).
Alegou que o Acórdão de 7 de Dezembro de 2000, do Tribunal de Segunda Instância está em oposição, sobre a mesma questão de direito, com o Acórdão de 26.7.2000, do Tribunal de Última Instância, no Processo n.º 10/2000.
De acordo com o recorrente, a questão sobre a qual há divergência é a seguinte:
- O acórdão recorrido decidiu que o Chefe da Repartição de Finanças, para agir nos termos do n.º 6 do artigo 8º do RIVM, não pode limitar-se a fazer apelo aos preços de venda de veículos na RAEHK;
- Tais fundamentos e respectiva decisão opõem-se aos constantes do Acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância em 26 de Julho de 2000 o qual, analisando a mesma disposição legal, o n.º 6 do artigo 8º do RIVM, entende que “esta norma exige às autoridades fiscais elementos indiciadores de que o preço declarado seja manifestamente inferior ao preço praticado, isto é, os elementos que servem de prova indiciária que conseguem mostrar esta situação” entendendo que a “lei exige indício e não prova” por nos encontrarmos “no domínio de prova indiciária”. Mais refere que “atendendo à similitude dos mercados de automóveis de Macau e de Hong Kong, não há grande diferença dos preços de automóveis do mesmo modelo nas duas regiões” elucidando que “as provas indiciárias não servem para provar plenamente um facto, mas antes presumir um facto a partir de um outro já conhecido, com probabilidade mais positiva do que negativa. Por isso, os mencionados elementos, a partir dos quais se procede a comparação, são mais que suficientes para servir como prova indiciária para mostrar a relação entre os preços de automóveis de Macau e de Hong Kong” além de considerar que “normalmente, os preços constantes da lista de revistas de automóveis reflectem os preços do mercado local”;
- É, assim, manifesta a oposição existente entre os dois Acórdãos identificados os quais, na análise da mesma questão de direito – a faculdade atribuída, no n.º 6 do artigo 8º do RIVM, ao Chefe da Repartição de Finanças de praticar um acto de fixação do preço de venda ao público superior ao declarado pelo contribuinte, sempre que disponha de elementos que indiciem que este é manifestamente inferior ao praticado – interpreta os critérios nos quais esse acto se pode basear, de forma diferente, decidindo, assim, o Acórdão ora recorrido de modo oposto ao do acórdão do Tribunal de Última Instância.

A Ex.ma Procuradora-Adjunta emitiu a seguinte opinião:
«Visto.
Entendemos que, efectivamente, se verifica a oposição, sobre a mesma questão de direito, entre o acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância em 7-12-2000 no processo n.º 177/2000 e o acórdão do Tribunal de Última Instância proferido em 26-7-2000 no processo n.º 10/2000.
Em ambos os acórdãos discute-se a questão de saber se o Chefe da Repartição de Finanças pode, não fixar oficiosamente um preço de venda ao público, que serve de base ao cálculo do imposto sobre veículos motorizados, superior ao declarado, tendo por base os preços de venda dos mesmos veículos em Hong Kong.
O que aqui está em causa (e o que se importa) é a mesma questão fundamental de direito e não a mesma situação de facto.

Nos termos conjugados dos arts. 8º e 9.º da Lei 20/96/M (Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados), o valor tributável que serve de base ao cálculo do IVM é o preço de venda ao público, que representa o preço a pagar pelos consumidores. No entanto, a lei confere ao Chefe da Repartição de Finanças a faculdade de fixar um preço de venda ao público superior ao declarado “sempre que disponha de elementos que indiciem que este é manifestamente inferior ao praticado” (art. 8.º n.º 6 da Lei 20/96/M).

O acórdão do Tribunal de Última Instância proferido em 26-7-2000 no processo n.º 10/2000 decidiu o seguinte:
“Quando o CRFM considera que o preço de venda de veículos declarado pelo sujeito passivo seja manifestamente inferior ao preço de venda ao público efectivamente praticado no Mercado, pode fixar um preço de venda ao público que serve de base ao cálculo do imposto sobre veículos motorizados de acordo com os elementos disponíveis, nomeadamente:
- o montante médio do imposto liquidado no trimestre anterior;
- os preços de venda ao público declarados por outros agentes económicas;
- o preço de venda ao público praticado em Hong Kong ou nos locais de origem acrescido das respectivas despesas de transporte e seguro;
- outros elementos à disposição da Administração Fiscal.”

E “a norma‘…sempre que disponha de elementos que indiciem…’
exige aqui indício e não prova, estamos, então, no domínio de prova indiciária. A aplicação desta norma trata-se da concretização de um conceito indeterminado. Isso não implica a valoração volitiva inerente ao exercício do poder discricionário.”
“Atendendo a similitude dos mercados de automóveis de Macau e de Hong Kong, não há grande diferença dos preços de automóveis do mesmo modelo nas duas regiões. As provas indiciárias não servem para provar plenamente um facto, mas antes presumir um facto a partir de um outro já conhecido, com a probabilidade mais positiva do que negativa. Por isso, os mencionados elementos, a partir dos quais se procede a comparação, são mais que suficientes para servir como prova indiciária para mostrar a relação entre os preços de automóveis de Macau e os de Hong Kong.”
“O preço de venda dum determinado modelo de automóvel em Hong Kong pode servir perfeitamente como dado de referência para calcular o imposto de veículo automóvel de Macau ao proceder à avaliação do seu preço efectivamente praticado no mercado.”

Por sua vez, no acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido em 7-12-2000 no processo n.º 177/2000 foi decidido o seguinte:
“O acto tributário recorrido lançou mão de um critério claramente desacertado, ao apelar para os preços praticados em Hong Kong S.A.R., nos termos em que o fez.
Certo é que, noutras situações – art. 10.º n.º 2 – o legislador manda lançar mão do preço de venda ao público praticado em Hong Kong.
Fá-lo, porém, como critério meramente subsidiário ou residual (não existindo declarações anteriores do contribuinte) e conjugado com outros itens (preço de venda ao público declarado por outros agentes, o dos locais de origem, acrescendo despesas de transporte e seguro e outros elementos à disposição da Administração Fiscal).
Isto é, mesmo naquelas situações, a lei não se limita a mandar considerar, apenas, os preços praticados em Hong Kong.
Mas ainda que assim não se entendesse, sempre os preços desta R.A.E. deveriam ser encontrados com algum rigor – maxime por pedido às respectivas autoridades fiscais – que não com base, apenas, em critérios fluidos ou em publicações privadas.”
“Também, sempre Macau e Hong Kong constituem dois mercados diferentes, com regras de procura e oferta distintas, apelos publicitários diversos, o que é impeditivo, sem mais, de uma colagem.
“Não foram carreados para os autos elementos probatórios suficientes para duvidar da credibilidade desta declaração”.
“Para agir nos termos do art. 8.º n.º 6 do R.I.V.M., o Chefe da Repartição de Finanças não pode limitar-se a fazer apelo aos preços de venda de veículos na S.A.R. Hong Kong, sem que defina quais os elementos ou critérios que os permitam apurar com rigor”.

Em suma, no acórdão do Tribunal de Última Instância concluiu-se que, para efeito do cálculo do imposto sobre veículos motorizados, o Chefe da repartição de Finanças pode fixar oficiosamente um preço de venda ao público superior ao declarado, tendo por base os preços de venda dos mesmos veículos em Hong Kong, podendo estes servir perfeitamente como dado de referência para calcular o imposto de veículo automóvel de Macau.
No acórdão do Tribunal de Segunda Instância decidiu-se em sentido contrário.
Assim sendo, afigura-se-nos verifica-se a oposição dos dois referidos acórdãos sobre a mesma questão de direito.
E os acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação (Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados), sendo a norma fundamental (art. 8.º n.º 6) a mesma, não tendo sido introduzida qualquer alteração.
O acórdão fundamento é anterior ao acórdão recorrido e já transitou em julgado (cfr. Certidão de fls. 29).
Pelo exposto, é de concluir que se verifica a oposição dos dois acórdãos que serve de fundamento ao recurso e é de mandar prosseguir o presente recurso».

II - Os factos
Os factos considerados provados no acórdão recorrido, são os seguintes:
- No dia 1 de Junho de 1999, a A, entregou na Repartição de Finanças a declaração M/3 da qual constava que o preço de venda ao público do veículo automóvel “Toyota Crown Royal Saloon” foi de $190.000,00 patacas;
- A Repartição de Finanças de Macau, oficiou-lhe em 2 de Junho de 1999 (Ofício nº 162/NIC-IVM/99) notificando-o que o preço de venda ao público era, para efeitos tributários, de $309.000,00 patacas;
- A recorrida interpôs recurso hierárquico para o Director dos Serviços de Finanças em 28 de Junho de 1999;
- O recurso viu o provimento negado por despacho de 12 de Agosto de 1999, que aderiu a um parecer – informação do coordenador do NAJ;
- Aí, e no essencial, refere:
“E, ao contrário do pretendido pela recorrente, a referida notificação está devidamente fundamentada, pois, pela leitura da mesma, se pode constatar a enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto. O qual, encerra em si a devida justificação (declaração dos pressupostos de facto e de direito que conduziram à decisão tomada) a par da sua motivação (ou indicação das razões que estão na base da escolha operada pela autoridade administrativa), como referem os autores acima citados.
Tais pressupostos, ou situação de facto e de direito, de cuja ocorrência depende a possibilidade legal de praticar um certo acto administrativo, decorrem, no presente caso, da seguinte situação de facto – a partir do PVP constante da declaração modelo M/3 nº 337, de 1/6/99, a qual, em face dos elementos disponíveis nesta RFM fortemente indiciadores de que o PVP declarado é inferior ao praticado pela recorrente, justifica a respectiva correcção, tendo por base o critério objectivo da venda ao público dos mesmos veículos na vizinha Região Administrativa Especial de Hong Kong.
A que acresce o direito de, nos termos consentidos pelo número 6 do artº 8º do RIVM, o Chefe da RFM pode fixar um preço de venda ao público, superior ao declarado, sempre que disponha de elementos de que este é manifestamente inferior ao praticado, como acontece no caso ora em apreço.”(...)
“Não podendo, igualmente, proceder o invocado pela recorrente quanto à não indicação do respectivo critério de fixação, quando este o refere expressamente – os valores de venda ao público em Hong Kong e que são do conhecimento geral, atentas as respectivas publicações da especialidade, não relevando o facto de, nesta sede, a vizinha Região Administrativo Especial de Hong Kong não adoptar qualquer política de preços homologados.”

III - O DIREITO
A lei processual aplicável
1. O Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13.12, entrou em vigor «na data do início de funcionamento do Tribunal de Última Instância» (n.º 1, do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 110/99), isto é em 20.12.99 (art. 84.º da Lei de Bases de Organização Judiciária).
Mas o Código de Processo Administrativo Contencioso aplica-se apenas aos processos instaurados após a sua entrada em vigor (n.º 2, do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 110/99/M), já que «os processos pendentes à data da entrada em vigor do Código continuam a reger-se, até ao trânsito em julgado da decisão que lhes ponha termo, pela legislação» anterior (n.º 3, do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 110/99/M).
No domínio do contencioso administrativo e fiscal – tal como em processo civil - o recurso para uniformização de jurisprudência é um recurso ordinário1.
Como se sabe, a distinção entre recursos ordinários e extraordinários reside no facto de os primeiros serem intentados antes do trânsito em julgado da decisão recorrida, enquanto que nos recursos extraordinários estes são interpostos após trânsito em julgado da decisão recorrida 2-3.
Ora, assim sendo, afigura-se que o recurso para uniformização de jurisprudência no contencioso administrativo e fiscal deve ser ainda considerado o mesmo processo onde foi praticada a decisão jurisdicional recorrida.
Por outro lado, cotejando a norma do n.º 2, do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 110/99/M, com o lugar paralelo dos n.os 2 e 6 do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 55/99/M, de 8.10, diploma este que aprovou o Código de Processo Civil, importa sublinhar que estas últimas normas distinguiram os processos novos dos meros recursos novos (interpostos nos processos antigos4), sendo que o n.º 2, do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 110/99 apenas refere os processos, sem fixar um novo regime em matéria de recursos, pelo que é legítimo interpretar tal diversidade de regulamentação como pretendendo que, no contencioso administrativo, a nova lei se aplicasse apenas aos processos novos; o que significa que os recursos entretanto interpostos (novos) nos processos antigos se devam reger pela lei anterior.
Por último, como se disse, nos termos do n.º 3, do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 110/99/M, os processos pendentes em 20.12.99 continuam a reger-se, até ao trânsito em julgado da decisão que lhes ponha termo, pela legislação revogada.
Ora, o processo original, de recurso contencioso de anulação do acto do Director dos Serviços de Finanças, ainda não tem decisão transitada em julgado, pelo que terá de reger-se pela legislação anterior até ao trânsito em julgado da decisão, que só ocorrerá no termo deste recurso para uniformização de jurisprudência.
Deste modo, para efeito de se saber quando foi instaurado o presente processo, deve atender-se à data em que foi interposto o recurso contencioso para anulação do despacho do Director dos Serviços de Finanças, isto é, em 4.10.99.
Assim, o Código de Processo Administrativo Contencioso não se aplica ao presente recurso, tendo de aplicar-se a legislação anteriormente vigente. Vejamos qual é.

2. Até 19 de Dezembro de 1999 vigorava a Lei de Bases de Organização Judiciária, aprovada pela Lei n.º 112/91, de 29.8, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27.4 e o Decreto-Lei n.º 267/85, de 16.7, geralmente designado por Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA).
E, em matéria administrativa, fiscal e aduaneira, competia ao plenário do Tribunal Superior de Justiça conhecer:

«Dos recursos de acórdãos que, relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, perfilhem solução oposta à de acórdão da mesma ou de outra secção».
[alínea a), do n.º 1, do art. 15.º da Lei de Bases, aprovada pela Lei n.º 112/91].

Tais acórdãos, de que cabia o referido recurso, teriam de ser proferidos em segundo grau de jurisdição, visto que o recurso por oposição de acórdãos não é admissível quando a decisão recorrida ainda é passível do normal recurso jurisdicional [art. 103.º, alínea a) da LPTA e art. 46.º, alínea e) do Decreto-Lei n.º 17/92/M, de 2.3]. Isto é, o objecto do recurso por oposição de acórdãos é sempre uma decisão de última instância5.
A letra da lei apenas menciona como acórdão-fundamento o da mesma ou de outra secção, mas por maioria de razão poderia tratar-se de acórdão do plenário, pois carece mais de uniformização o acórdão da secção que contraria acórdão do plenário, que o acórdão que contraria acórdão da mesma ou de outra secção.
Tem de entender-se que as normas atributivas de competência ao plenário do Tribunal Superior de Justiça, antes de 20.12.99, se aplicam ao Tribunal de Última Instância, nos processos pendentes antes daquela data, face ao disposto no art. 44.º, n.º 2, alínea 1), da Lei de Bases de Organização Judiciária, aprovada pela Lei n.º 9/1999 e ao princípio geral que está ínsito na norma transitória da alínea 2), do n.º 2, do art. 70.º da mesma Lei de Bases.
Assim, temos que haverá recurso de acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, proferidos em segundo grau de jurisdição que, relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, perfilhem solução oposta à de acórdão do mesmo Tribunal, do Tribunal Superior de Justiça6 ou do Tribunal de Última Instância.

3. O art. 102.º do Decreto-Lei n.º 267/85, dispõe que os recursos ordinários de decisões jurisdicionais se regem pela lei de processo civil, com as necessárias adaptações.
Entende-se que a remissão é feita para a lei processual civil então vigente, o Código de Processo Civil de 1961. É que o Código de Processo Administrativo Contencioso foi elaborado para ser aplicado tendo como lei subsidiária o novo Código de Processo Civil, pois este já vigorava quando aquele foi publicado.
Não faria sentido não se aplicar aos processos pendentes o Código de Processo Administrativo Contencioso, por disposição legal expressa, para se ir aplicar o novo Código de Processo Civil.
É que aos processos administrativos e fiscais antigos já se estava a aplicar como lei subsidiária o Código de Processo Civil de 1961, pelo que poderia não ser fácil começar-se a aplicar o Código de Processo Civil novo a partir de certo momento.
Já é mais lógico aplicar o Código de Processo Civil de 1961, para o qual remetia expressamente o Decreto-Lei n.º 267/85.
A esta conclusão não é obstáculo o disposto no art. 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 55/99/M, que aprovou o novo Código de Processo Civil, de acordo com o qual «as remissões feitas em diplomas legais para disposições revogadas pelo presente diploma consideram-se feitas para as disposições correspondentes do Código ora aprovado».
É que, se é certo que a norma do art. 109.º da LPTA é uma norma de remissão dado que não contém a regulamentação directa de um instituto jurídico e remete para outro diploma a respectiva regulamentação; e que, em regra, a remissão legal é formal ou dinâmica, isto é, recebe as normas que se forem sucedendo no tempo7-8. Contudo, «Não devem ser estabelecidas regras rígidas no domínio da interpretação das normas de remissão; apenas em cada caso será possível determinar o seu sentido e, designadamente, a natureza estática ou dinâmica da remissão efectuada»9.
Assim, não está excluído que, por vezes, o intérprete tenha de concluir que a remissão se faz para uma regulamentação concreta, por se mostrar desajustada outra solução.
Como escreve, J.M. CARDOSO DA COSTA 10, a propósito de disposição 11 similar ao mencionado art. 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 55/99/M, tal tipo de normas «não elimina, porque obviamente não pode eliminar, o problema prévio de saber se a lei fiscal 12, nalgum dos casos a que o mesmo preceito se reporta, não terá querido antes aludir em exclusivo a certa ou certas situações tal como se encontravam configuradas na anterior regulamentação».
Tudo reside num problema de interpretação 13.
E, no nosso caso, a actividade interpretativa a que procedemos leva-nos a concluir que a remissão do art. 102.º da LPTA se deve considerar feita para a lei de processo civil vigente ao tempo, o Código de Processo Civil de 1961, apesar do que se dispõe no art. 4.º, n. 1, do Decreto-Lei n.º 55/99/M.
Assim, ao presente recurso aplicar-se-á quanto à competência, o art. 44.º, n.º 2, alínea 1), da Lei de Bases da Organização Judiciária, aprovada pela Lei n.º 9/1999, de 20.12.
Quanto aos pressupostos, há recurso de acórdãos do Tribunal de Segunda Instância proferidos em segundo grau de jurisdição que, relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, perfilhem solução oposta à de acórdão do mesmo Tribunal, do Tribunal Superior de Justiça ou do Tribunal de Última Instância.
Quanto à tramitação, aplicar-se-ão os arts. 765.º a 767.º do Código de Processo Civil de 1961, conjugado com os arts. 109.º, n.º 2 e 111.º, n.º 1, alínea e), da LPTA.

Da existência de oposição entre os Acórdãos
4. Trata-se, agora, de julgar a questão preliminar, nos termos do art. 766.º do Código de Processo Civil de 1961 e, portanto, de saber, se relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, o Acórdão de 7 de Dezembro de 2000, no Processo n.º 177/2000, do Tribunal de Segunda Instância, perfilhou solução oposta à do Acórdão de 26.7.2000, no Processo n.º 10/2000, do Tribunal de Última Instância.
Em ambas as situações a que se referem os dois acórdãos, o chefe da Repartição de Finanças fixou como preços de venda ao público de veículos automóveis novos, montantes superiores aos declarados pelos sujeitos passivos do imposto sobre veículos motorizados, ou seja, os respectivos vendedores.
De acordo com o disposto no art. 8.º, n.º 1 do Regulamento do imposto sobre veículos motorizados 14, aprovado pela Lei n.º 20/96/M, de 19.8, na redacção introduzida pela Lei n.º 7/98/M, de 24. 4:

«O preço de venda ao público de cada modelo de veículo motorizado, a praticar pelos sujeitos passivos, é obrigatoriamente declarado, por estes, através do modelo M/3, à Repartição de Finanças, no prazo de 20 dias a contar da aquisição para venda ao público do veículo ou da alteração dos preços previamente declarados e sempre antes da venda dos veículos».

O valor tributável que serve de base ao cálculo do IVM a pagar é o preço de venda ao público, declarado nos termos da norma anteriormente citada (art. 9.º, n.º 1, do Regulamento).
Mas se o preço de venda real, acordado pelas partes, for superior ao valor comunicado previamente à Direcção dos Serviços de Finanças, através do modelo M/3, o imposto é calculado tomando por base o valor real da transmissão (n.º 2, do art. 9.º do Regulamento).
De acordo com o n.º 6, do art. 8.º do Regulamento:

«O chefe da Repartição de Finanças pode fixar um preço de venda ao público superior ao declarado sempre que disponha de elementos que indiciem que este é manifestamente inferior ao praticado».

E nos arts. 9.º a 11.º regulam-se as regras aplicáveis à fixação do valor tributável: no art. 9.º, quando se trate de venda ao público, no art. 10.º no caso de importação para uso próprio, no art. 11.º na afectação para uso próprio.
Nos termos do n.º 2, do art. 10.º do mesmo Regulamento:

«Quando não tenha sido declarado o preço de venda ao público, o valor tributável é calculado tomando por base os preços de venda ao público declarados por outros agentes económicos, o preço de venda ao público praticado em Hong Kong ou nos locais de origem, acrescidos das respectivas despesas de transporte e seguro, bem como outros elementos à disposição da Administração».

Nos termos do art. 15.º, n.º 1, alínea c) do Regulamento:

«1. O chefe da Repartição de Finanças procede à liquidação oficiosa do imposto, com base em elementos ao dispor dos serviços, nomeadamente o montante médio do imposto liquidado no trimestre anterior ou o valor tributável calculado nos termos dos artigos 9.º a 11.º, nos seguintes casos:
a) ...
b) ...
c) Fixação de um preço de venda superior ao declarado, nos termos do n.º 6, do artigo 8.º;
d) ...
e) ...
1. ...
2. ...»

No acórdão fundamento deste Tribunal de Última Instância decidiu-se que quando o chefe da Repartição de Finanças procede à liquidação oficiosa do imposto, por fixação de um preço de venda superior ao declarado, nos termos do n.º 6, do artigo 8.º («O chefe da Repartição de Finanças pode fixar um preço de venda ao público superior ao declarado sempre que disponha de elementos que indiciem que este é manifestamente inferior ao praticado»), pode recorrer aos preços de venda de veículos ao público em Hong Kong, face ao disposto nos arts. 15.º, n.º 1 e 10.º, n.º 2, do Regulamento.
No acórdão recorrido entendeu-se, por um lado, que a referência do Regulamento ao preço de venda ao público praticado em Hong Kong é para outras situações e não para o caso de liquidação oficiosa de venda ao público. E que, por outro lado, nas situações reguladas no art. 10.º, n.º 2, do Regulamento, a lei não se limita a considerar apenas os preços praticados em Hong Kong.
No acórdão fundamento deste Tribunal de Última Instância considerou-se que para apurar os preços de venda de veículos ao público em Hong Kong é possível recorrer aos preços constantes de revistas de automóveis, dado que estes, normalmente reflectem os preços do mercado local.
No acórdão recorrido decidiu-se que os elementos constantes de publicações privadas não são idóneos, pelo que a Administração não deveria ter recorrido a eles.
Verifica-se, assim, que existe oposição entre os dois acórdãos quanto às questões de saber:
1) Se, quando o chefe da Repartição de Finanças procede à liquidação oficiosa do imposto, por fixação de um preço de venda superior ao declarado, nos termos do n.º 6, do artigo 8.º, aquele pode recorrer, para a fixação do valor tributável, aos preços de venda de veículos ao público em Hong Kong, face ao disposto nos arts. 15.º, n.º 1, 8.º, n.º 6 e 10.º, n.º 2, do Regulamento;
2) Suposta a resposta positiva à questão anterior, se para apurar os preços de venda de veículos ao público em Hong Kong é possível recorrer aos preços constantes de revistas de automóveis.
Os dois acórdãos assentam sobre soluções opostas.
Foram proferidos no domínio da mesma legislação, o Regulamento do imposto sobre veículos motorizados, aprovado pela Lei n.º 20/96/M, de 19.8, na redacção introduzida pela Lei n.º 7/98/M, de 24. 4.
Não houve alteração da regulamentação jurídica que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
Os dois acórdãos foram proferidos em processos diferentes e o acórdão fundamento transitou em julgado (art. 763.º, n. os 3 e 4 do mencionado Código de Processo Civil).
O acórdão recorrido foi proferido em segundo grau de jurisdição.
Verificam-se, pois, todos os pressupostos para que o recurso para uniformização de jurisprudência prossiga seus termos.

III - Decisão
Face ao expendido, julga-se verificada a oposição de acórdãos e determina-se o seguimento do recurso.
Notifique as partes para alegação sobre o objecto do recurso, em 10 dias e, em seguida, vão os autos ao Ministério Público para emitir parecer (n.º 2, do art. 767.º do Código de Processo Civil de 1961 e n.º 2, do art. 109.º da LPTA).
   Custas pela recorrida, fixando a taxa de justiça em 2 UC e a procuradoria em 40% desta.
Macau, 28.3.2001

Viriato Manuel Pinheiro de Lima
                        Sam Hou Fai
                         Chu Kin
                        Lai Kin Hong
                        Choi Mou Pan
Fui presente:
Song Man Lei
       1 Enquanto em processo penal se trata de um recurso extraordinário.
       2 M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, p. 369 e 370.
       3 No CPAC designa-se o recurso jurisdicional normal como «Recurso ordinário» (Secção II do Capítulo IX) enquanto o recurso de uniformização de jurisprudência é designado como «Recurso com fundamento em oposição de acórdãos» (Secção II do Capítulo IX). Mas, dogmaticamente, este recurso não deixa de ser um recurso ordinário, porque interposto antes do trânsito em julgado da decisão, qualificação doutrinal que o novo Código de Processo Civil manteve. Daí que teria sido mais curial que o CPAC tivesse adoptado uma designação diversa para o recurso jurisdicional normal, como consta do Código de Processo Civil, que é o diploma matriz em matéria processual.
       4 Para lhes aplicar a lei nova, tal como aos processos novos.
       5 A. RIBEIRO MENDES, Recursos em Processo Civil, Lex, Lisboa, 1992, p. 287 e 288.
       6 Nos termos do n.º 2, do art. 5.º, do Decreto-Lei n.º 110/99/M.

       7 Ao contrário da remissão nos negócios jurídicos que, em regra, é material ou estática, isto é, aplicam-se as normas concretamente visadas pelas partes, que «remetem para a lei que conhecem, não sendo justo posteriormente alterar o conteúdo negocial» (J. CASTRO MENDES, Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1994, p. 59).
       8 Sobre normas remissivas, e em especial sobre a distinção entre remissão estática e dinâmica, cfr. J.DIAS MARQUES, , Introdução ao Estudo do Direito, 3.ª ed., 1970, p. 163 e segs., obra que não pudemos consultar directamente.
       9 A.MENEZES CORDEIRO, Anotação a Acórdão do STA, in O Direito, ano 121.º, p. 194.
       10 J.M. CARDOSO DA COSTA, Curso de Direito Fiscal, 2.ª ed., Livraria Almedina, 1972, p. 149 a 151.
       11 Tratava-se do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 47344, diploma que aprovou o Código Civil de 1966, que dispõe: «Todas as remissões feitas em diplomas legislativos para o Código Civil de 1867 consideram-se feitas para as disposições correspondentes do novo Código».
       12 No caso trata-se de lei fiscal, mas o problema é comum a qualquer ramo do Direito.
       13 Cfr. neste sentido, da aplicação do Código de Processo Civil de 1961, nos processos do contencioso administrativo, aos processos pendentes antes de 20.12.99, também por remissão do art. 102.º da LPTA, mas a propósito de outra situação, o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 13.4.2000, in Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância da RAEM, I tomo de 2000, p. 143.
       14 Doravante designado por Regulamento.
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