打印全文
Processo n.º 12/2002. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura.
Assunto: Recursos. Questões novas. Usurpação de poder. Nulidade. Conhecimento oficioso do vício. Recurso contencioso. Produção de prova. Prova plena. Princípio do contraditório. Princípio da igualdade das partes. Princípio que se extrai das disposições conjugadas dos arts. 63.º, n.º 1 e 65.º n.º 3 do CPAC. Ónus da prova. Presunção judicial. Prova livre. Competência do Tribunal de Última Instância quanto ao julgamento da matéria de facto pelo Tribunal de Segunda Instância.
Data da Sessão: 27 de Novembro de 2002.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.

SUMÁRIO:
   I - Os recursos jurisdicionais para o Tribunal de Última Instância não visam criar decisões sobre matérias novas, pelo que se a questão não foi posta no recurso para a instância inferior, não se pode da mesma conhecer, a menos que se trate de matéria de conhecimento oficioso.
II – Deve conhecer-se do vício de usurpação de poder no recurso jurisdicional, mesmo que não tenha sido suscitado no recurso contencioso, visto que a sanção que lhe cabe é a nulidade, que é de conhecimento oficioso.
III – Tal como em processo civil, no recurso contencioso de actos administrativos o tribunal só pode conhecer do fundo da causa, findos os articulados, sem produção de prova adicional que tenha sido requerida, quando os factos pertinentes à decisão se encontrarem já assentes.
IV – Há violação do princípio do contraditório e do princípio da igualdade das partes, bem como do princípio que se extrai das disposições conjugadas dos arts. 63.º, n.º 1 e 65.º n.º 3 do CPAC - segundo o qual o tribunal só pode conhecer do mérito do recurso contencioso, findos os articulados, quando seja possível conhecer do mérito do recurso, sem necessidade de mais provas, por os factos relevantes para a decisão já estarem assentes – quando o tribunal considera provados factos controvertidos, não cobertos por prova legal plena, sem permitir que as partes produzam a prova a que se propõem.
V - É à Administração que cabe a prova dos factos que invoca como pressuposto do acto recorrido, quando se trata de actos administrativos praticados no âmbito da Administração agressiva (positiva e desfavorável).
VI - A presunção judicial constitui uma prova livre, que admite contraprova e, por maioria de razão, prova do contrário.
VII – O Tribunal de Última Instância, em recurso jurisdicional, não pode censurar a convicção formada pelas instâncias quanto à prova; mas pode reconhecer e declarar que há obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado, quando tenham sido violadas normas ou princípios jurídicos no julgamento da matéria de facto. É uma censura que se confina à legalidade do apuramento dos factos e não respeita directamente à existência ou inexistência destes.
O Relator

Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório

A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, de 18 de Junho de 2001, que determinou a rescisão do contrato de comodato celebrado entre a Administração e a A recorrente e ordenou, em consequência, a devolução à Administração das instalações X, onde funcionava a Escola.
Por acórdão de 23 de Maio de 2002, do Tribunal de Segunda Instância, foi negado provimento ao recurso.

É deste acórdão que vem interposto o presente recurso jurisdicional, terminando a recorrente a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões:
I. Ficou assente que o imóvel cuja devolução foi ordenada pela entidade recorrida foi entregue à recorrente ao abrigo de um contrato.
II. E ainda que a rescisão do contrato e a subsequente exigência de devolução do imóvel por parte da Administração surgem exclusivamente na sequência do alegado incumprimento da recorrente relativamente a algumas das condições contratuais previamente estabelecidas pelas partes.
III. Não havendo acordo do recorrente quanto a esta matéria, a rescisão do contrato em causa por parte da Administração não pode ter os efeitos pretendidos pela Administração e pelo tribunal recorrido.
IV. Ou seja, aquela não produz, por si, os efeitos decorrentes da rescisão, nem tão pouco, naturalmente, acarreta a própria devolução do imóvel.
V. Se o imóvel foi entregue no regime de comodato ao abrigo de um contrato, das duas uma, ou o mesmo consubstancia um contrato de natureza puramente civil, ou consubstanciará um contrato administrativo.
VI. No primeiro caso, a Administração, desprovida das suas prerrogativas de poder público, não pode obviamente tutelar as relações jurídicas estabelecidas com os particulares, praticando actos definitivos e executórios no seio dos contratos ou relativamente à sua respectiva rescisão.
VII. No segundo caso, o regime do contrato deverá obedecer às disposições previstas nos artigos 165.° e seguintes do Código do Procedimento Administrativo.
VIII. Onde, entre as quais, mais concretamente no n.° 1 do artigo 173°, se estabelece que os actos administrativos que interpretem cláusulas contratuais ou que se pronunciem sobre a respectiva validade não são definitivos e executórios, pelo que na falta de acordo do co-contratante, a Administração só pode obter os efeitos pretendidos através de acção a propor no tribunal competente.
IX. Estamos, nestes casos, já fora da prerrogativa executiva da Administração.
X. A autotutela declarativa é negada à Administração em matéria de declaração do incumprimento contratual por parte do particular.
XI. A entidade recorrida estaria, portanto, obrigada a recorrer ao tribunal para fazer reconhecer essa situação de incumprimento e, consequentemente, obter a condenação do particular.
XII. Todavia, o despacho de Sua Excelência o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, de 18 de Junho de 2001, cujos fundamentos foram confirmados pelo douto acórdão recorrido, ordena especificamente a devolução do imóvel.
XIII. O que significa que a Administração pretende que o acto produza, por si, os efeitos decorrentes da rescisão, o que, naturalmente, acarretaria a devolução do imóvel.
XIV. Pelo que, pratica, nesta medida, quanto à produção dos efeitos pretendidos, um acto que, nos termos do disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo, é juridicamente nulo pelo facto de estar viciado de usurpação de poder, tendo em conta que o mesmo, conforme se demonstrou, compete a um órgão judicial.
XV. A decisão impugnada é igualmente nula porquanto veio, por seu lado, confirmar o acto recorrido, admitindo, concludentemente, que o mesmo poderá produzir os efeitos desejados pela Administração, o que, como se disse, constitui uma clara usurpação de poderes.
XVI. O acórdão recorrido viola ainda a lei processual, nomeadamente, os princípios do contraditório e da igualdade das partes.
XVII. A recorrente alegou que o edifício em causa encontra-se, actualmente, em melhor estado de conservação do que quando o mesmo lhe foi entregue e, ainda, que o estado de conservação daquele é perfeitamente, razoável, apresentando condições normais de segurança.
XVIII. Para prova de tais factos, mais precisamente dos constantes dos artigos 11.º a 15.º do requerimento inicial de recurso, requereu que fossem ouvidas cinco testemunhas.
XIX. No entanto, o tribunal recorrido ignorou por completo a prova requerida pela recorrente, dando, em contrapartida como assentes uma série de factos cuja prova resultaria da abundante documentação que foi efectivamente junta aos autos pela entidade recorrida.
XX. Os factos que os relatórios e documentos apresentados pela entidade recorrida visaram demonstrar não foram objecto da produção de prova contrária.
XXI. O que impede o tribunal de os apreciar com total imparcialidade.
XXII. E o impede igualmente de avaliar com isenção a veracidade dos factos que os mesmos pretendem provar.
XXIII. Mesmo que o estado actual do imóvel correspondesse efectivamente à descrição que foi dada como provada pelo tribunal, tal não prova que o edifício não se encontrasse em pior estado de conservação quando este foi, inicialmente, entregue à recorrente.
XXIV. De acordo com o disposto no n.° 3 do artigo 65.º do Código de Processo Administrativo Contencioso de Macau, o juiz ou o relator devem limitar a produção de prova aos factos que considerem relevantes para a decisão da causa e sejam susceptíveis de prova pelos meios requeridos.
XXV. O que significa que só devem recusar a produção de prova sobre factos que considerem irrelevantes para a decisão da causa e que não sejam susceptíveis de prova pelos meios requeridos.
XXVI. Os factos que se pretendiam provar eram obviamente relevantes para a decisão da causa e os mesmos eram ainda susceptíveis de prova pelos meios requeridos.
XXVII. Pelo que também o acórdão recorrido viola o preceito mencionado.

A entidade recorrida formulou as seguintes conclusões, na sua alegação:
I. A cessão do uso do imóvel X à recorrente consubstancia um contrato administrativo.
II. No âmbito dos contratos administrativos a Administração pode produzir actos destacáveis, nos termos do artigo 167.º do CPA, sem necessidade de recurso ao tribunal, para a sua produção.
III. Nesta medida, o acto do recorrido, nos ternos do qual é requerida à recorrente a devolução do imóvel X, insere-se nos poderes de administração, constantes do artigo 167.º do CPA, mais concretamente nos termos da respectiva alínea e), e como tal é um acto destacável.
IV. Aliás, como foi referido no douto acórdão do Tribunal "a quo ", ao referir que foi incorporada no clausulado das "Condições de utilização de edifícios, propriedade da Região Administrativa Especial de Macau, cedidos em regime de comodato, para funcionamento das instituições educativas particulares sem fins lucrativos." a legislação aplicável à actividade exercida pela instituição educativa, mormente o Decreto-Lei n.º 38/93/M, de 26 de Julho.
V. E, mais, precisamente, que: (..) abstractamente falando, o reiterado incumprimento das condições de funcionamento de uma instituição educativa particular por parte da sua entidade titular pode motivar tanto o encerramento compulsivo nos termos do artigo 20.º n.º 5. do dito Decreto-Lei. como a rescisão do comodato. ao abrigo do comando da al. e). do n.º 2. do Ponto VI das "Condicões de Utilização. , [sublinhado nosso].
VI. O recorrido fez prova plena, com a apresentação de documentos autênticos do facto que fundamentou o acto ora recorrido, o estado de degradação actual do imóvel.
VII. Bem como, fez prova em contrário, com a apresentação de documentos autênticos, dos factos alegados pela recorrente nos artigos 11.º a 15.º da sua petição.
a. A veracidade dos documentos autênticos só pode ser ilidida mediante, no caso concreto, o incidente da falsidade.
b. A direcção do recurso contencioso incumbe ao Relator e consiste, nomeadamente, nos termos do n.º 3 do artigo 65.º do CPAC, no dever de evitar medidas dilatórias.
c. Nos termos do n.º 3 do artigo 65.º do CPAC, o Relator "(...) deve limitar a produção de prova aos factos que considere relevantes para a decisão da causa e sejam susceptíveis de prova pelos meios requeridos."
d. O facto alegado pela recorrente, relativamente ao estado do imóvel à data concessão do seu uso, não era determinante para a decisão do processo, uma vez que o que estava em causa era o estado actual de degradação do imóvel.
e. Por outro lado, mediante a contraprova apresentada pelo recorrido, provou-se que o facto apresentado pela recorrente era falso.
f. A prova testemunhal não é meio probatório adequado para ilidir a presunção de veracidade dos documentos autênticos.

A Ex.ma Procuradora-Adjunta emitiu o seguinte parecer:
“Inconformando com o douto acórdão do Tribunal de Segunda Instância no sentido de negar provimento ao seu recurso interposto do despacho do Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura que determinou a devolução à Administração das instalações X, onde se encontrava a funcionar a Escola, veio a A interpor recurso para o Tribunal de Última Instância.
Fundamentou o seu recurso na nulidade do acto praticado pelo Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura por estar viciado de usurpação de poder e na violação de lei processual, nomeadamente, dos princípios do contraditório e da igualdade das partes.
Entendemos que não lhe assiste razão.
1. É verdade que, quando se tratar dum contrato administrativo, se deve obedecer às regras previstas nos arts. 165.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo (CPA); e nos termos do art. 173.º n.º 1 do mesmo diploma, "os actos administrativos que interpretem cláusulas contratuais ou que se pronunciem sobre a respectiva validade não são definitivos e executórios, pelo que na falta de acordo do co-contratante, a Administração só pode obter os efeitos pretendidos através de acção a propor no tribunal competente".
E "as acções sobre contratos administrativos tem por finalidade dirimir os litígios sobre interpretação, validade ou execução dos contratos, incluindo a efectivação de responsabilidade civil contratual" (art. 113.º n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso - CPAC).
No entanto, cremos que nos presentes autos não estão em causa tais actos.
O citado art. 173.º prevê os chamados actos opinativos, que são meros actos técnicos na medida em que lhes falte a produção de efeitos jurídicos e tenham carácter indicativo, mas não imperativo (Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, pág. 438), através do qual a Administração apenas emite uma opinião acerca de uma determinada questão, ou faz uma recomendação, dá um conselho ou formula uma sugestão, omitindo qualquer decisão. Por outras palavras, o acto opinativo caracteriza-se pela falta de produção de efeitos jurídicos num caso concreto e pela falta de imperatividade.
Ora, no caso em apreço, o acto recorrido não se limita a emitir uma opinião de concordar com a informação/proposta dos Serviços de Educação e Juventude no sentido de pôr termo à afectação do equipamento escolar em causa, mas sim toma uma decisão que detém o carácter de definitividade e executoriedade, e não se trata de um acto praticado no âmbito de uma relação contratual concernente à interpretação das respectivas cláusulas contratuais ou à pronúncia sobre a respectiva validade como se prevê no art. 173.º do CPA, já que não foram suscitadas tais questões, pelo que não há que propor uma acção no tribunal competente para obter os efeitos pretendidos.
Quando está em causa um acto relativo à formação e execução do contrato onde em que a Administração pratica actos administrativos propriamente ditos, há lugar ao recurso contencioso para impugnar tal acto, tal como é consagrado no art. 113.º n.º 2 do CPAC.
Na sua obra Direito Administrativo, Vol. III, Lisboa, 1989, pág. 453 e seguintes, o Professor Diogo Freitas do Amaral analisa o regime jurídico do contrato administrativo em três aspectos: a formação do contrato, a execução do contrato e a extinção do contrato.
"Na execução do contrato administrativo a Administração surge sobretudo investida em poderes de autoridade de que os particulares não beneficiam no âmbito dos contratos de direito privado que entre si celebram.
Os principais poderes de autoridade de que a Administração beneficia ! na execução do contrato administrativo são três: o poder de fiscalização, o poder da modificação unilateral, e o poder de aplicar sanções." I Em relação à extinção do contrato, "também aqui a Administração, pública possui alguns poderes de autoridade. (...) Temos a rescisão do contrato a título de sanção que se verifica quando o contraente particular não cumpre, ou não cumpre rigorosamente, as cláusulas do contrato: aí a Administração tem o direito de rescindir o contrato, a título de aplicação duma sanção ao contraente faltoso".
E o legislador prevê várias situações em que, mesmo no âmbito de contrato administrativo, a Administração pode exercer os seus poderes de administração (art. 167.º do CPA), tais como, de modificar unilateralmente o conteúdo das prestações, de dirigir o modo de execução das prestações, de rescindir unilateralmente os contrato, de fiscalizar o modo de execução do contrato e de aplicar as sanções previstas para a inexecução do contrato.
Sobre este último poder de administração, "pode afirmar-se também que a previsão legal ou contratual dessas sanções leva a considerá-las, no seio dos contratos administrativos, como objecto de poderes de decisão e aplicação unilateral pelo contraente público, mediante acto administrativo (dito destacável do contrato), As sanções contratuais administrativas fundam-se apenas em incumprimento objectivo da lei, do contrato ou de determinação (legítima) do contraente administrativo podem ter natureza pecuniária ("multas" por dias de atraso) ou não, como no caso da rescisão".
E "os poderes de que o contraente administrativo goza face ao seu co-contratante, no seio do contrato administrativo, são poderes de direito administrativo e exercitáveis mediante actos administrativos, ou seja, no âmbito da autotutela declarativa." Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo anotado, 2 edição, Almedina, Pág. 825 e 826).
Efectivamente, está inserida no Ponto VI, n.º 2 das denominadas "Condições de utilização de Edifícios, Propriedade do Território, Cedidos em Regime de Comodato, para Funcionamento de Instituições Educativas Particulares sem Fins Lucrativos" uma cláusula que diz respeito ao termo do comodato:
"2. O Território pode rescindir o contrato quando se verifique, I designadamente, qualquer uma das seguintes situações:
a) Alteração da Finalidade da instituição educativa;
b) Recusa de cumprimento da obrigação de prestar o serviço ou de proceder à reparação das infra-estruturas, edifícios e equipamentos da instituição educativa, apesar de necessárias para a satisfação das necessidades normais;
c) Repetição de actos graves de indisciplina do pessoal ou dos utentes por culpa grave da instituição educativa;
d) Oposição ao exercício da fiscalização;
e) Violação da legislação aplicável à actividade exercida pela instituição educativa;
f) Suspensão total ou parcial da actividade educativa, excepto no caso de força maior, ou exercício da mesma actividade em condições gravemente deficientes;
g) Cobrança dolosa de propinas ou outras taxas facturadas por valor diverso do fixado ou legalmente permitido;
h) Não cumprimento dos prazos fixados para o início da actividade, por período superior a seis meses, sem prévia justificação aceitável;
i) Cessão ou trespasse, total ou parcial, definitivo ou temporário, seja qual for a sua forma ou natureza, sem prévia autorização do território;
j) Apresentação do comodatário à falência ou decretamento judicial da falência, ou insolvência, a pedido de credores, ou estabelecimento de acordo de credores, concordata ou qualquer outra medida através da qual a gestão da instituição educativa passe a ficar submetida ou controlada pelos credores, ou por terceiros.
3. No termo do contrato, independentemente da sua causa, revertem ao Território, livres de quaisquer ónus ou encargos, o edifício, devidamente desocupado, e os bens móveis cedidos pelo Território, que serão entregues no prazo de 3 meses."
Ora, entendemos que, ao proferir o despacho ora recorrido, a Administração actua no âmbito dos poderes de administração e goza da prerrogativa executiva. E os actos praticados ao abrigo desses poderes são definitivos e executórios, não sendo apenas actos opinativos, pelo que o acto recorrido não está viciado de usurpação de poder, como vem arguido pela recorrente.
2. Em relação à produção da prova requerida pela recorrente, constata-se nos autos que, por despacho proferido pelo Mmo. Juiz relator do processo em 21-3-2002, foi decidido que "não havendo necessidade de produção de mais prova para além do exame dos autos e do processo instrutor que, aliás, contém abundante material para efeitos de prova documental relativamente aos factos alegados pela A ora Recorrente e pela Entidade Recorrida, podendo, pois, conhecer do mérito do recurso, ...”
Notificada de tal despacho, a recorrente não veio dizer nada.
Nos termos do art. 65.º n.º 3 do CPAC, "o juiz ou o relator devem limitar a produção de prova aos factos que considerem relevantes para a decisão da causa e sejam susceptíveis de prova pelos meios requeridos".
Como se salienta nas suas alegações apresentadas pela entidade recorrida, foram juntos aos autos vários documentos autênticos que, face à sua força probatória, fizeram prova plena não só dos factos que fundamentaram o acto recorrido mas também fizeram prova em contrário dos factos alegados pela recorrente respeitantes ao estado de conservação do imóvel, pelo que a prova testemunhal requerida pela recorrente deixou de ser meio probatório adequado.
De facto, os documentos juntos aos autos demonstram perfeitamente o estado de degradação do imóvel à data de prática do acto administrativo, que é apenas um dos fundamentos que levaram a Administração a praticar o acto impugnado e o Tribunal a proferir a decisão ora posta em causa.
Por outro lado, e ainda independentemente das condições das instalações escolares discutidas nos autos, verifica-se outra circunstância que, de igual modo, pode determinar a rescisão do contrato, que é a prevista na al. f) do n.º 2 do Ponto VI das "Condições de utilização de Edifícios, Propriedade do Território, Cedidos em Regime de Comodato, para Funcionamento de Instituições Educativas Particulares sem Fins Lucrativos", ou seja, a suspensão parcial da actividade educativa ou exercício da mesma actividade em condições gravemente deficientes.
Existem nos autos os documentos que comprovam esta grave deficiência das condições para o exercício da actividade educativa, que nem sequer foi contestada pela A recorrente, já que com a contínua e acentuada diminuição do número dos alunos verificada em todos os anos lectivos (de 358 alunos no ano de 95/96 a 186 no ano de 96/97, 134 no ano de 97/98, 92 no ano de 98/99, 55 no ano de 99/2000 e 20 no ano de 2000/2001) e a taxa baixíssima de ocupação no último ano lectivo apenas com 20 alunos, é até forçado a chegar a esta conclusão.
É evidente o não cumprimento da prossecução do interesse público que está subjacente na cessão do imóvel e das instalações que legitima a rescisão do contrato e a consequente devolução das instalações para a Administração.
Pelo exposto, deve-se negar provimento ao recurso interposto”.


II – Os factos

Os factos considerados provados no Acórdão recorrido são os seguintes:

Em 7 de Maio de 2001, o Director dos Serviços de Educação e Juventude assinou a "Informação/Proposta n.o 10/GDS-LV/2001", elaborada em ambas as línguas oficiais da R.A.E.M., e apresentou-a para a decisão do Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, de seguinte teor (na sua versão portuguesa - cfr. fls. 61 a 68 dos autos):
"(...)
Venho por este meio expor a V. Ex.a a seguinte situação:
Aos 9 de Julho de 1992, a A, candidata-se à l.ª fase de candidaturas para a atribuição de equipamento escolar para o biénio 1993-1995. (Doc. 1)
Aos 12 de Novembro de 1992, é elaborada a Informação n.º 68/GEPAE/92 relativa ao "Despacho de Sua Excelência o Senhor Governador sobre a 1. a fase da distribuição de áreas/terrenos a 16 entidade particulares e à afectação de 6 áreas/terrenos para equipamento escolar a cargo da Administração do Território", contendo em anexo o mapa de afectação dos imóveis escolares a diferentes entidades particulares, onde se inclui a A. (Doc. 2)
Aos 7 de Dezembro de 1992, o Senhor Governador vem a apor na Informação n.º 68/GEPAE/92 a autorização necessária. (vide Doc.2)
Da informação sobre a qual recai o despacho do Senhor Governador, infere-se que este autorizou naquela a afectação de áreas/terrenos a 16 entidades particulares, constantes do anexo I. (vide Doc. 2)
Esta afectação teria de ser concretizada através do instrumentos jurídicos indicados no Despacho n.º 94/GM/91, de 25 de Março de 1991. (vide Doc. 2)
As chaves das instalações X são entregues à Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, no dia 8 de Maio de 1995. (Doc. 3)
Na sequência foi entregue à A, este equipamento social escolar, que lhe havia sido afecto, no entanto o direito de uso, nunca foi formalizado nos termos do Despacho supra indicado.
Aos 26 de Julho de 1995, é concedido o respectivo alvará de funcionamento à entidade titular da Escola, a funcionar na Taipa, X, tendo iniciado o funcionamento no ano lectivo 1995/1996. (Doc. 4)
A 10 de Março de 1998, o representante da entidade titular assina uma declaração relativa às condições de utilização dos edifícios e respectivo equipamento propriedade da RAEM. (Doc. 5)
Mais rubrica as Condições de Utilização de Edifícios propriedade da RAEM, pedidos em regime de comodato, para funcionamento de instituições educativa particulares sem fins lucrativos. (vide Doc. 5)
No presente ano lectivo 2000/2001, a Inspecção Escolar em visita às instalações da Escola, deparou com algumas situações irregulares, que expõe nas informações n.º 009/INSP/2000 e n.º 010/INSP/2000. (Docs. 6 e 7)
Dos factos narrados verifica-se uma patente violação das "Condições de Utilização de Edificios, Propriedade da RAEM, Cedidos em Regime de Comodato, para Funcionamento de Instituições Educativas Particulares Sem Fins Lucrativos", que aconselham o pedido de devolução das instalações.
Não sendo esta situação nova, já em informação anterior (vide relatório anexo à Informação n.º 21/INSP/97 de 2 de Junho de 1997) a Inspecção Escolar denunciou o mau funcionamento da instituição, a vários níveis: inexistência de material didáctico, falta de docentes com a necessária formação profissional, decréscimo da frequência do número de alunos, uma acentuada degradação das instalações, entre outros. (Doc. 8)
Em Março do corrente ano é elaborado novo relatório, sobre a situação daquele estabelecimento de ensino e é enviado aos 21 de Março de 2001, através dos ofícios n.º 1271/GDS/2001 e 1272/GDS/2001, ao órgão de direcção e à entidade titular, respectivamente, nos termos do n.º 3 do artigo 32.º do Decreto- Lei n.º 38/93/M, de 26 de Julho e é solicitada uma vistoria para avaliação da situação das instalações escolares, à Direcção dos Serviços de Obras Públicas e Transportes. (Doc. 9 e 10)
Na vistoria são detectadas algumas irregularidades, nomeadamente, que foi construído um anexo ao edifício original que nunca mereceu a aprovação da DSSOPT, tratando-se para todos os efeitos de uma construção ilegal e como se não basta-se está em perigo de derrocar a placa superior deste anexo, tendo sido proibida a entrada de pessoas neste local. De imediato dado foi conhecimento destas conclusões ao Director da Escola, através da realização de uma reunião, em que esteve também, presente o representante daqueles Serviços e a inspectora escolar. (Doc. 11 e vide Fig. 26 do Doc. 19)
Dos elementos constantes do último relatório da Inspecção Escolar, destaca-se o seguinte:
1. No ano lectivo de 1999, verificou-se que foram cobradas propinas indevidamente, tendo o Director recusado a proceder à sua devolução.
2. A fama e gestão da escola originaram uma acentuada diminuição do número de alunos, actualmente apenas existe uma única turma com 20 alunos, o que representa uma taxa de ocupação muito reduzida, uma vez que esta escola tem uma capacidade total para acolher 495 alunos.
3. Verifica-se anualmente uma diminuição do número de alunos a frequentar a escola, no ano lectivo 95/96 o número de alunos era de 358, no ano seguinte houve uma diminuição de 47%, tendo passado aquele número para 186 e actualmente é de apenas 20.
4. A partir do presente ano lectivo o director está frequentemente ausente da escola. O que demonstra, da parte deste, uma falta de preocupação e de atenção pelas questões relativas ao estabelecimento de ensino, Escola, podendo esta ser apontada como uma das causas da decadência funcional em que se encontra, uma vez que compete a este órgão nos termos do artigo 14.º do Decreto-Lei n.o 38/93/M, de 26 de Julho dirigir e orientar a acção educativa, regular, coordenar e supervisionar a acção de todo o pessoal, planificar e supervisionar as actividade curriculares e culturais, assegurar e controlar a avaliação de conhecimentos dos alunos, garantir a qualidade do ensino, sendo que estas competências só poderão ser devidamente exercidas, quando haja a disponibilidade e dedicação do titular do órgão às actividades da escola, o que pressupõe a sua presença diária.
5. A professora que no primeiro semestre vinha acompanhando os alunos, deixou de trabalhar naquele estabelecimento a 22 de Dezembro, passando as aulas a serem ministradas pelas professoras B e C e pelo Sr. D.
6. A actividade do Sr. D não foi declarada à DSEJ e o inspector escolar veio a descobrir que este não dispunha de habilitações académicas, para exercer funções docentes do ensino primário.
7. Durante as aulas os alunos, na sua maior parte, não fazem os exercícios mandados executar pelos professores, tão pouco são ajudados ou incentivados, lêem revistas, dormem, entre outros. No corredor sente-se o cheiro a tabaco, oriundo da sala de aulas. (vide fig 1 e 2 do Doc. 20)
8. O director escolar descreve os seus alunos como "lixo".
9. Verificou-se que 6 dos alunos já faltam há muito tempo às aulas, assim, de acordo com o regulamento da própria escola, estes devem ser considerados como desistentes. Este facto deveria ter sido atempadamente comunicado à DSEJ, ao invés, tal só aconteceu em Maio deste ano, depois de denunciada esta situação pelos inspectores escolares.
10. Em Outubro de 2000, foi detectado que um dos alunos não dispunha de documentos de identificação.
11. A escola não dispõe de salas especiais, tal como, a de informática e as que existem, o laboratório de Física/Química e de electricidade, não têm qualquer equipamento.
12. Nos sanitários os autoclismos estão avariados, os canos estão estragados, alguns lavatórios não têm torneiras e não há água. (vide Fig. 1, 2 e 3 do Doc. 19 e vide Fig. 3, 4 a 8 do Doc. 20)
13. O sistema de iluminação e sinalização de saída de emergência não funciona, existem infiltrações de água nas paredes, tendo sido feitos buracos na parede, nalguns locais, para solucionar o problema do escoamento, a parte do pavimento que faz a união entre o edifício originário e a parte adicional sofreu um abatimento, no pavimento do terraço existem fendas e os ladrilhos estão levantados, as grades que o circundam estão fracas e enferrujadas, o que provoca uma situação de perigo eminente, encontrando-se esta última parte do edifício encerrada por ordem das DSSOPT, pois está em perigo de derrocar a placa superior. (vide Fig. 14, 15 ,18 a 24 do Doc. 19 e Fig. 22 a 43 do Doc. 20)
14. A maior parte das salas serve de depósito de mobília estragada. (vide Fig. 4 e 10 do Doc. 19)
15. A DSEJ atribuiu este ano lectivo um subsídio de 30,000.00 patacas a este estabelecimento para a realização de obras de manutenção e conservação e aquisição de material didáctico. Existindo sérias dúvidas sobre a veracidade das facturas entregues, nomeadamente, porque:
15.1) A escola na documentação que apresenta, para justificar a concessão do subsídio para a aquisição de material didáctico, faz a indicação de despesas com a conservação dos computadores. Na sequência quis justificar a aquisição deste material, através da apresentação um recibo de aquisição de um "Fax Modem" datado de 23 de Outubro de 1998. (vide tIs 3 do Doc. 12)
15.2) Sendo que ao momento, na escola apenas existem dois computadores, encontram-se ambos avariados e segundo a observação dos inspectores não está instalado o "Fax Modem", tão pouco estão ligados à rede telefónica; (vide Fig. 44 do Doc 20)
15.3) A escola só reparou as portas e os painéis separadores das cabinas dos sanitários do 1.º andar. Segundo o recibo emitido pela Agência de Ar-Condicionado, a reparação da instalação sanitária incluía (caixas de descarga, portas, painéis separadores, lavatórios) numa despesa total de 4,500.00 patacas. Os materiais utilizados para suportar os painéis separadores são de ferro, enferrujam facilmente, algumas portas podem ser abertas, outras ficam encravadas pelas pegas não podendo ser abertas, as caixas de descarga estão danificadas, nos lavatórios faltam torneiras; os canos e chuveiros estragaram-se, tudo isto demonstra que as despesas cobradas com a reparação não correspondem à qualidade dos materiais usados. (Doc. 13 e vide Fig. 4 a 8 e 45 do Doc.20)
15.4) Segundo o ponto 3, referido no recibo emitido pela Agência de Ar-Condicionado, (a manutenção e renovação dos ar-condicionados, ventiladores, lâmpadas florescentes, torneiras, caixas e fios eléctricos de cada piso da escola orçam em 4,800.00 patacas). Como os fios eléctricos foram deixados na parte de cima da porta do elevador e várias caixas de derivação colocadas no 2.º andar ainda não foram tapadas, não se consegue provar que as obras de manutenção já foram concluídas ou não. (vide Doc. 13 e vide Fig. 18,21,46 e 47 do Doc. 20)
15.5) Por outro, existe uma disparidade entre as obras propostas para realização, aquando da candidatura para a atribuição do subsídio, e aquelas que ao momento estão em curso ou que já estão concluídas.
As situações irregulares descritas nas várias alíneas do ponto 15), originaram um pedido de esclarecimento, dirigido ao director daquele estabelecimento de ensino, através do ofício n.º 1287/DASE/2001, de 21 de Março, a responder no prazo máximo de dez dias, relativamente às seguintes questões: (Doc. 14)
1. Qual a justificação para a divergência entre as obras propostas para realização, conforme o disposto no acto de candidatura para a atribuição do subsídio, e as obras efectivamente realizadas, sendo que a única obra coincidente é a referente à reparação das janelas?
2. Como pretende justificar a aquisição de um "Fax Modem" com a apresentação de um recibo datado do ano de 1998?
3. Quais os aparelhos de ar-condicionado e as ventoinhas, que foram sujeitos a reparação?
Em carta de 20 de Abril do corrente ano, apresentada já fora do prazo estipulado, foram-nos dadas, nomeadamente, as seguintes explicações: (Doc. 15)
1. "As obras de manutenção e conservação constantes na lista entregue em 30/10/2000 pela escola, estão a realizar-se sucessivamente no ano lectivo 2000/2001."
Não responde desde modo, o director, à pergunta que lhe foi formulada, uma vez que a lista entregue, na data referida, é relativa à "Designação das Obras Efectuadas", o que pressuponha que estas já tivessem sido concluídas, por outro, o que lhe havia sido perguntado era o motivo pelo qual, vem a proceder à realização de obras divergentes das declaradas para a concessão do subsídio.
2. "Relativamente à substituição do recibo de manutenção dos computadores pela compra de um "Fax Moden I', sendo o erro cometido pela empresa respectiva, venho entregar novo recibo”.
Embora o director da escola venha apresentar novo recibo, agora relativamente ao serviço de manutenção dos computadores, esta justificação não é de aceitar, primeiro, porque este documento tem uma data anterior à de concessão do subsídio, segundo, os computadores existentes na escola ainda se encontravam avariados, aquando das últimas inspecções. (vide fls, 2 do Doc. 15)
Em 7 de Maio a entidade titular e o director, enviam a resposta ao nosso oficio n.º 1271/GDS/2001 e 1272/GDS/2001, não conseguindo, em nosso entendimento, apresentar qualquer justificação para às irregularidades apontadas, ao funcionamento e à gestão da escola, no relatório da Inspecção Escolar. (Doc. 17).
Limitando-se a invocar: 1. Que a escola se destina ao recrutamento dos alunos abandonados por outras escolas e com problemas de exclusão social, o que é claramente contrário ao espírito do Sistema Educativo da RAEM, pois, ao permitir-se a criação de escolas dedicadas exclusivamente a receber este tipo de alunos, iria permitir-se a criação de "guetos" nas instituições educativas de Macau, violando-se assim o principio da igualdade. Por outro lado, confessam, nos documentos apresentados, que a aceitação de alunos com este tipo de problemas se deveu para colmatar a falta de matriculas naquela escola "Por falta de alunos, baixou-se o padrão de admissão de alunos (..) dão acesso até aos adolescentes que foram condenados ao Instituto de Menores".
Procurando imputar à anterior Directora destes Serviços a responsabilidade pela opção em admitir alunos "excluídos", o que é nitidamente falso, entrando em contradição com o trecho acima transcrito. Podendo afirmar com toda a certeza que a DSEJ o único pedido que dirige às escolas, relativamente a esta matéria, e que já o fazia antes de 1995, é solicitar que aquelas recebam alunos com dificuldades em se matricularem, quer porque acabaram de chegar a Macau, quer por falta de vagas e quer ainda outros motivos, mas, jamais foi solicitado a uma entidade titular para que o seu estabelecimento de ensino aceite-se exclusivamente alunos com dificuldades de integração.
2. Ao permitir a construção da escola numa zona afastada e com poucos habitantes, a DSEJ violou o disposto no n.º 2 do artigo 31.º do Diploma do Sistema Educativo de Macau, recaindo, por este motivo, sobre estes Serviços a culpa que haver poucos alunos a frequentar a escola, o que é totalmente falso, bastando recordar que no ano inaugural a escola contou com a inscrição de 358 alunos, o que é um número bastante significativo, correspondendo a uma taxa de ocupação 72% dos lugares disponíveis, porém, logo no ano lectivo seguinte aquele número passou para 186 alunos, devido, em nossa opinião, à má reputação que a instituição logo granjeou junto da população.
3. Mais acusam estes Serviços, nomeadamente, de formularem conscientemente acusações falsas e de forjarem provas, através dos inspectores escolares, tendo já levado ao engano V. Ex.ª Digm.º Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, o Senhor Deputado E e a Direcção dos Serviços de Obras Públicas e Transportes, sendo estas afirmações caluniosas e contrárias à verdade.
4. E, entre outras acusações, ainda são estes Serviços responsabilizados pelo estado de degradação da instituição, esquecendo-se que cabe à entidade titular a conservação das instalações, nos termos das "Condições de Utilização de Edifícios, Propriedade da RAEM, Cedidos em Regime de Comodato" o que demonstra a falta de argumentos tanto da entidade titular como do director, para conseguir justificar o estado deplorável em que aquele estabelecimento escolar se encontra.
5. Chegando, mesmo, a pôr em dúvida as conclusões da DSSOPT, sobre o estado de perigosidade do edifício, ao afirmarem: "Relativamente aos problemas sobre a degradação dos edifícios alagados, tais como a biblioteca, o auditório, entre outros, conforme as verificações dos engenheiros da construção civil, chegou-se à conclusão de que a degradação dos edifícios acima referidos é apenas as fendas na superfície não afectando a sua estrutura, não existe qualquer problema de segurança", revelando uma falta de preocupação com a segurança dos alunos.
Face ao exposto, deverá esta situação ser solucionada o mais rapidamente possível, pois trata-se de um equipamento escolar que está a ser subaproveitado e mal cuidado, encontrando-se em avançado estado de degradação, violando-se assim os pressupostos que determinaram a concessão do seu uso.
Encontrando-se a entidade titular em clara violação das Condições de utilização de Edifícios propriedade da RAEM, nomeadamente, nos termos da alíneas b), e), f) e g) do n.º 2 do ponto VI. Termo do Contrato.
Assim, proponho a V. Ex.a se digne pôr termo à afectação deste equipamento escolar, a partir de 31 de Agosto de 2001 (fim do presente ano escolar), devendo deste modo ser exigida à A, entidade titular da instituição escolar, a entrega das instalações no prazo máximo de 3 meses, a contar daquela data, conforme o n.º 3 das Condições de Utilização de Edifícios Propriedade da RAEM. (vide Doc.5)
Sendo que, em caso da falta de entrega voluntária das instalações, findo aquele prazo, deverá ser interposta uma acção judicial de reivindicação da propriedade, nos termos do artigo 1235.º do Código Civil e simultaneamente deverá ser interposto procedimento cautelar comum, nos termos do artigo 326.º e seguintes do Código de Processo Civil. Sendo a urgência deste último procedimento justificada pela necessidade de se proceder, o mais rapidamente possível, às obras de reparação no edifício original e à eventual demolição da estrutura adicional.
Devendo ser solucionada, durante o tempo que medeia o momento actual, e o de propositura da Acção, a questão prévia do registo do imóvel X, na Conservatória do Registo Predial, uma vez que de acordo com oficio n.º 10339/DGP/0l, de 15 de Maio, da Direcção dos Serviços de Finança aquele ainda não foi efectuado. (Doc. 18)
Reposto em bom estado, o imóvel deve ser cedido a outra instituição educativa da rede escolar pública que já tenha dado provas de bem prosseguir os objectivos subjacentes à concessão de uso de equipamentos escolares propriedade da RAEM, para ser utilizado no ano lectivo 2002/2003.
À consideração de V. Exa.
(...)"
Sobre a informação/proposta acabada de transcrita recaiu a final, em chinês, o ora recorrido despacho de 18 de Junho de 2001 do Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, nos seguintes termos (e ora traduzido pelo relator) (cfr. fis. 53 dos autos):
"(Opinando a assessoria jurídica que concorda com o entendimento da Direcção dos Serviços de Educação no sentido da retomada da escola, devido aos actos irregulares a nível da gestão, à má gestão e à taxa excessivamente baixa de utilização). Concordo com a retomada.

Chui Sai On (ass.) 18/6/2001"
Depois, o Presidente F da A ora recorrente foi notificado pelo Oficio n.º 3214/GDS/2001, de 10 de Julho de 2001, da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, escrito em duas línguas oficiais da R.A.E.M. e assinado pelo respectivo Director de Serviços, do seguinte (no seu teor em português -cfr. fls. 26 a 28 dos autos):
"(...)
Serve o presente oficio para, nos termos do art. 70 do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro, notificar V. Ex.a do despacho de Sua Excelência o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, aposto aos 18 de Junho de 2001, sob a Informação/Proposta n.º 10/GDS-LV/2001 de 7 de Maio de 2001, que determinou a devolução das instalações X, onde actualmente está a funcionar a Escola, à Administração.
O referido despacho, de que se junta fotocópia, tem como fundamento o subaproveitamento (baixa taxa de frequência da escola) e o estado de degradação do imóvel.
Deste modo deverá V. Ex.a, nos termos n.º 3 do ponto VI das Condições de Utilização de Edifícios, Propriedade da Região Administrativa Especial de Macau, Cedidos em Regime de Comodato, para Funcionamento de Instituições Educativas Particulares Sem Fins Lucrativos, proceder à devolução do imóvel, livre de quaisquer ónus ou encargos, no prazo de 3 meses a contar do dia 31 de Agosto de 2001, que marca o encerramento do presente ano escolar, devendo ser informados estes Serviços no prazo de 15 dias, a contar da recepção da presente notificação, da data prevista para a entrega das instalações.
Na falta de devolução do imóvel no terminus do prazo serão tomadas as medidas coactivas previstas na lei, nos termos do art. 143.º do Código de Procedimento Administrativo.
Mais se informa V. Ex.a que deverá dar entrada nestes Serviços, até 31 de Agosto de 2001, conforme o consagrado no n.º 7 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 38/93/M, de 26 de Julho, os seguintes documentos: a) "Processos individuais do pessoal docente e não docente; ", b) "Processos dos alunos, livros de matrícula e documentos de avaliação,. " e "C) Dados de contabilidade respeitantes à instituição educativa particular; designadamente a documentação relativa a apoios financeiros recebidos da DSEJ ou de outros organismos e serviços públicos ".
Do despacho indicado de Sua Ex.a o Secretário para os Assuntos Sociais, pode ser impugnado, nos termos da alínea 7) do art. 36.º da Lei n.º 9/1999 -(Lei de Bases da Organização Judiciária) -, mediante recurso a interpor para o Tribunal de Segunda Instância, directamente ou sob registo do correio, na Secretaria do Tribunal, a que é dirigido, dentro do prazo legal de 30 dias a contar do conhecimento da presente notificação, conforme previsto na alínea a) do n.º 2 do art. 25.º e na alínea b) do n.º 3 do art. 26 do Código de Processo Administrativo Contencioso, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro.
Com os melhores cumprimentos.
(...)"
Por outro lado, também através do exame da abundante documentação constante do processo administrativo instrutor apensado aos presentes autos, feito em sede da produção da prova documental neste Tribunal, dá-se por assente a seguinte factualidade pertinente (aliás materialmente em conformidade com a descrita na informação/proposta sobre a qual recaiu o despacho ora recorrido):
Em 9 de Julho de 1992, a A, candidatou-se à Primeira Fase de candidaturas para a atribuição de equipamento escolar para o biénio 1993-1995 (cfr. fls. 1 do apenso).
Por despacho do então Governador de Macau, de 7 de Dezembro de 1992, foi, designadamente, autorizada a afectação das instalações X, da Taipa de Macau, como equipamento social escolar à A, à qual foi concedido, em 26 de Julho de 1995, na qualidade de entidade titular da instituição educativa particular sem fins lucrativos denominada Escola, o respectivo alvará de funcionamento (cfr. fis. 2 a 7 e 11 do apenso).
Com isso, a escola iniciou o seu funcionamento no ano lectivo de 1995/1996, tendo os representantes F e G da A e também entidade titular da mesma instituição educativa assinado, em 10 de Março de 1998, uma declaração alusiva ao conhecimento das condições de utilização dos edifícios e respectivos equipamentos, propriedade do Território, a ceder em regime de comodato, para funcionamento da referida instituição educativa, bem como rubricado o documento anexado à declaração e donde constam essas condições de utilização (cfr. fls. 11 e 22 a 26 do apenso).
Foi, entretanto, denunciado e exposto pela Inspecção Escolar dependente da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, mormente nas suas Informações n.º 009/INSP/2000, de 29 de Setembro de 2000, e n.º 010/INSP/2000, de 27 de Outubro de 2000, um conjunto de situações irregulares verificadas em visita às instalações da Escola, a vários níveis: inexistência de material didáctico, falta de docentes com a necessária formação profissional, decréscimo da frequência do número de alunos, e uma acentuada degradação das instalações. (cfr. fls. 27 a 55 e 56 a 72, respectivamente, do apenso).
Em Março de 2001, foi elaborado pela Inspecção Escolar um novo relatório sobre a situação daquela instituição educativa (cfr. fls. 84 a 136 do apenso), cuja cópia foi enviada, por ofícios da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude n.º 1272/GDS/2001 e n.º 1271/GDS/2001, ambos datados de 21 de Março de 2001, ao órgão de direcção e à entidade titular da mesma instituição, respectivamente, nos termos do n.º 3 do art. 32.º do Decreto-Lei n.º 38/93/M, de 26 de Julho (cfr. fls. 137 a 140 do apenso).
Entrementes, foi feita, em 19 de Março de 2001, uma vistoria para avaliação da situação das instalações da mesma escola, por dois engenheiros a cargo da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (cfr. o auto da vistoria a fls. 141 a 146 e 151 a 154 do apenso), no âmbito da qual foi nomeadamente detectado um anexo, construído ilegalmente, ao edifício original das instalações escolares em causa, com sua placa superior em perigo de derrocada, o que aconselhava que fosse proibida a entrada de pessoas nesse local. Situação toda essa que foi objecto de conhecimento do director F da escola em causa (cfr. a acta de reunião então realizada entre este e os representantes da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude e da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, a propósito da vistoria, fls. 147 a 150 do apenso).
E do teor do último relatório da Inspecção Escolar sobre a dita instituição educativa acima referido, bem como do auto de vistoria e de outros documentos constantes do apensado processo instrutor, se retira que:
- no ano lectivo de 1999, foram cobradas propinas indevidamente, tendo o director da mesma escola recusado a proceder à devolução das mesmas;
- se registou ultimamente uma acentuada diminuição do número de alunos, com uma única turma com 20 alunos no ano de 2001, enquanto a escola tem uma capacidade total para algumas centenas de alunos (para 680 alunos, como lotação máxima possível, de acordo com o teor da pág. 7 do relatório de inspecção de Março de 2001, a fls. 90 do apenso);
- a partir do ano lectivo de 2000/2001 o director da escola ausenta-se frequentemente da escola;
- a professora que no primeiro semestre deste ano lectivo vinha acompanhando os alunos, deixou de trabalhar na escola em 22 de Dezembro de 2000, passando as aulas a serem ministradas pelas professoras B e C e pelo Sr. D, sendo certo que a actividade deste Sr. D não foi declarada à Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, com a agravante de que o mesmo veio a ser descoberto como não possuidor de habilitações académicas para exercer funções docentes no ensino primário;
- um dos alunos da escola foi detectado, em Outubro de 2000, como não possuidor de documentos de identificação;
- a escola não dispõe de sala especial de informática, e as que existem, o laboratório de Física/Química e de electricidade, não têm qualquer equipamento próprio, e a maior parte das salas serve de depósito de mobília estragada;
- os autoclismos nos sanitários da escola estão avariados, os canos estão estragados e alguns lavatórios não têm torneiras nem água;
- o sistema de iluminação e sinalização de saída de emergência não funciona, existem infiltrações de água nas paredes, tendo sido feitos buracos na parede, nalguns locais, para solucionar o problema do escoamento, a parte do pavimento que faz a união entre o edifício originário e a parte adicional sofreu um abatimento, no pavimento do terraço existem fendas e os ladrilhos estão levantados, as grades que o circundam estão fracas e enferrujadas, encontrando-se esta última parte do edifício encerrada por ordem da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes;
- embora a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude tenha atribuído à escola no ano lectivo de 2000/2001 um subsídio de 30 mil patacas para a realização de obras de manutenção e conservação e aquisição de material didáctico, a escola só reparou as portas e os painéis separadores das cabinas dos sanitários do 1.º andar e nela só existem dois computadores avariados e sem nenhum "fax modem" instalado, enquanto na documentação apresentada pela escola para justificar a concessão do subsídio para a aquisição de material didáctico, foram indicadas despesas com a conservação de computadores e consta um recibo de aquisição de um "fax modem".

III – O Direito
Delimitação do objecto do recurso
1. São dois os fundamentos do presente recurso jurisdicional:
- Violação do art. 122.º, n.º 2, alínea a) do Código e Procedimento Administrativo, em virtude de o acto administrativo estar viciado de usurpação de poderes, dado que o imóvel cuja devolução foi ordenada pela entidade recorrida, foi entregue à recorrente ao abrigo de um contrato de comodato. A rescisão deste contrato por parte da Administração não produz os efeitos pretendidos pela Administração, que teria de intentar uma acção para a obter. Não o tendo feito e determinando unilateralmente a rescisão, usurpou os poderes dos tribunais;
- Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes e do art. 65.º, n.º 3, do Código de Processo Administrativo Contencioso, já que o acórdão recorrido negou provimento ao recurso contencioso por considerar verificado o avançado estado de degradação das instalações da Escola e por ser inverídica a afirmação da recorrente de que o edifício estaria actualmente em melhor estado de conservação do que quando foi entregue à recorrente, sem que tenha concedido à recorrente a possibilidade de produzir a prova que arrolou na petição de recurso contencioso, designadamente cinco testemunhas.

Estas duas questões são novas, isto é, não foram postas no recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância. Poderá este Tribunal de Última Instância conhecer delas?

Questões novas
Relativamente à última questão, é claro que o Tribunal a pode apreciar apesar de ser nova, pois que, tratando-se de um vício processual imputado ao Tribunal de Segunda Instância no conhecimento do recurso contencioso, a recorrente nunca poderia prefigurá-la quando interpôs o falado recurso contencioso.
Quanto à primeira questão, as coisas são diferentes.
É pacífico que os recursos jurisdicionais “visam a impugnação das decisões da 1.ª instância e não obter nova decisão sobre a questão suscitada – por isso, em princípio, não pode conhecer-se no recurso matéria que não tenha sido alegada na primeira instância”.1
Porém, esta regra tem uma excepção: “o tribunal de recurso pode sempre apreciar ex novo questões de conhecimento oficioso”.2
Com referência ao processo civil, este Tribunal já se pronunciou neste sentido no Acórdão de 23.5.2001, Processo n.º 5/2001 e, referindo-se ao processo penal, no Acórdão de 9.10.2002, Processo n.º 10/2002.
Contudo, a recorrente imputa, agora, ao acto recorrido o vício de usurpação de poder, cuja sanção é a nulidade do acto [art. 122.º, n.º 2, alínea a] do Código de Procedimento Administrativo].
A nulidade é invocável a todo tempo por qualquer interessado e é de conhecimento oficioso (art. 123.º, n.º 2, do mencionado diploma).
Logo, este Tribunal pode conhecer de tal vício, apesar de constituir uma questão nova.

2. A segunda questão tem precedência sobre a primeira. Na verdade, com a segunda questão, a recorrente põe em causa os factos considerados provados no Acórdão recorrido e a sua procedência levaria, não só à revogação do Acórdão, como também à anulação de parte do processado do processo de recurso contencioso, pelo que não faria sentido começar por conhecer da questão da usurpação de poder.
Vejamos, pois, se houve violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, por banda do acórdão recorrido, ao considerar provados factos sem ter permitido a produção da prova indicada pela recorrente.

Fundamentos da decisão do recurso contencioso
3. O Acórdão recorrido negou provimento ao recurso contencioso do acto que determinou a rescisão do contrato de comodato celebrado entre a Administração e a A recorrente e ordenou, em consequência a devolução das instalações pertencentes à Região Administrativa Especial de Macau.
Para tal, considerou não existir violação de lei por erro nos pressupostos de facto no acto administrativo recorrido, por duas ordens de razões:
- Considerou estar verificado o avançado estado de degradação das instalações cedidas à recorrente, sem reparação por esta, o que preenche uma das circunstâncias previstas das Condições de Utilização dos Edifícios públicos cedidos em regime de comodato para funcionamento de instituições educativas particulares sem fins lucrativos;
- Ser inverídica a afirmação feita pela recorrente de que o edifício se encontra actualmente em muito melhor estado de conservação do que quando o mesmo foi entregue à recorrente.
Para chegar a tais conclusões, o Acórdão recorrido considerou provado além do mais que:
- os autoclismos nos sanitários da escola estão avariados, os canos estão estragados e alguns lavatórios não têm torneiras nem água;
- o sistema de iluminação e sinalização de saída de emergência não funciona, existem infiltrações de água nas paredes, tendo sido feitos buracos na parede, nalguns locais, para solucionar o problema do escoamento, a parte do pavimento que faz a união entre o edifício originário e a parte adicional sofreu um abatimento, no pavimento do terraço existem fendas e os ladrilhos estão levantados, as grades que o circundam estão fracas e enferrujadas, encontrando-se esta última parte do edifício encerrada por ordem da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes.
Para considerar provados estes factos, o Acórdão recorrido formou a sua convicção no “... último relatório da Inspecção Escolar sobre a dita instituição educativa acima referido (Março de 2001), bem como do auto de vistoria e de outros documentos constantes do apensado processo instrutor”.

A marcha do processo do recurso contencioso
4. Examinemos o modo como a lei regula a marcha do processo do recurso contencioso, a fim de se apurar se o Acórdão recorrido violou normas ou princípios jurídicos ao ter dado provados os mencionados factos, sem ter permitido a produção dos meios de prova indicados pela recorrente.
Na petição de recurso contencioso, depois de expor os factos e as razões de direito, o recorrente deve “indicar os factos cuja prova pretende fazer” [alínea g), do n.º 1, do art. 42.º do Código de Processo Administrativo Contencioso]3 e “requerer os meios de prova que entenda necessários, reportando-os especificamente aos factos indicados” [alínea h), do n.º 1, do mesmo artigo].
Acrescenta a alínea c), do n.º 1, do art. 43.º do CPAC que são obrigatoriamente juntos à petição “rol de testemunhas, quando seja requerida prova testemunhal, com indicação dos factos sobre que cada testemunha deve depor”.
A recorrente cumpriu o disposto nestas normas ao arrolar cinco testemunhas, dizendo que com vista a “deporem sobre os factos descritos nos n. os 11 a 15 da presente petição”.
E tais factos eram precisamente os que estão em causa:
- Que o estado de conservação do imóvel é actualmente perfeitamente razoável (15.º);
- Que o edifício se encontra actualmente em muito melhor estado de conservação do que quando o mesmo foi entregue à recorrente (12.º).
Após citação da entidade recorrida e dos contra-interessados e das contestações, tem o Ministério Público vista do processo.
Pode haver lugar a correcção das deficiências e irregularidades da petição e a decisão sobre questões que obstem ao conhecimento do recurso (arts. 53.º a 62.º do CPAC).
Dispõem, seguidamente, os arts. 63.º a 65.º:
“Artigo 63.º
(Conhecimento do pedido)
   1. Quando, resolvidas as questões que obstem ao conhecimento do recurso e devendo este prosseguir, se afigure possível ao juiz ou ao relator conhecer do mérito do recurso sem necessidade de produção de prova, no despacho que o declare é ordenada a notificação do recorrente, da entidade recorrida e dos contra-interessados para, querendo, apresentar alegações.
   2. Às alegações e tramitação subsequente é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 68.º e seguintes.
  Artigo 64.º
  (Alteração do requerimento de prova)
   Não se verificando a hipótese prevista no artigo anterior, é ordenada a notificação do recorrente, da entidade recorrida e dos contra-interessados para, no prazo de 5 dias, usarem da faculdade de alterar o requerimento de prova sempre que a alteração seja justificada pelo conhecimento superveniente de factos ou documentos relevantes.
  Artigo 65.º
  (Produção de prova)
   1. Requerida a alteração de prova, ou findo o respectivo prazo, procede-se à produção de prova.
   2. É de 30 dias, prorrogável por mais 15, o prazo para a recolha da prova.
   3. O juiz ou o relator devem limitar a produção de prova aos factos que considerem relevantes para a decisão da causa e sejam susceptíveis de prova pelos meios requeridos”.
E finda a produção de prova têm lugar alegações escritas, vista ao Ministério Público e decisão final do recurso (arts. 68.º e segs. do CPAC).

5. Pois bem, é indiscutível que o tribunal (juiz do Tribunal Administrativo ou Tribunal de Segunda Instância, consoante os casos) só pode conhecer do mérito do recurso contencioso, findos os articulados e sem haver lugar a produção de prova, quando seja possível “conhecer do mérito do recurso sem necessidade de produção de prova” (n.º 1, do art. 63.º do CPAC).
Quer dizer, o tribunal só pode conhecer do fundo da causa, findos os articulados, sem produção de prova adicional que tenha sido, como foi, requerida, quando os factos pertinentes à decisão se encontrarem já assentes, o que é o mesmo que dizer que não há factos relevantes controvertidos.
Explicando melhor, a menos que os factos relevantes estejam assentes –(i) seja, porque o recorrente na petição de recurso contencioso aceitou factos que constituíam pressuposto do acto administrativo, (ii) seja, por acordo, tácito ou expresso, das partes nos articulados, (iii) seja, porque os factos estão provados por meio de prova que faça prova plena -4 o Tribunal tem de permitir que as partes produzam a prova legalmente permitida, como é o caso da prova testemunhal, sobre tais factos, ainda que o Tribunal considere inverosímil o facto alegado.
É que o momento próprio para o Tribunal formar a sua convicção sobre os factos, apreciando livremente as provas, a que se refere o art. 558.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é apenas após a produção dos meios de prova que forem legalmente possíveis.
Em conclusão, desde que os factos relevantes não estejam assentes, por acordo das partes, ou provados por meio de prova que constitua prova plena, como é o caso dos factos provados por documento autêntico a que não foi oposta falsidade, o tribunal não pode fazer funcionar o princípio da livre apreciação das provas, sem que as partes tenham tido a possibilidade de produzir provas.
O que não constitui nenhuma novidade, pois é esse precisamente o regime do processo civil, de acordo com a alínea b), do n.º 1, do art. 429.º do respectivo Código.
Nem poderia ser de outro modo, pois se a lei permite que se requeira a produção de prova testemunhal e os factos admitem esse tipo de prova, como é que o juiz, antes de tal prova ser produzida, muda as regras do jogo e considera provados os factos contrários à alegação da parte?
Deste modo, se o Tribunal considera provados factos controvertidos, não cobertos por prova legal plena, sem permitir que as partes produzam a prova a que se propõem, viola manifestamente:
- O princípio do contraditório, consagrado no art. 3.º do Código de Processo Civil, segundo o qual processo é organizado em forma contraditória, como debate entre as partes;
- O princípio da igualdade, previsto no art. 4.º do mesmo diploma legal, de acordo com o qual o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades e no uso de meios de defesa;
- O princípio que se extrai das disposições conjugadas dos arts. 63.º, n.º 1 e 65.º n.º 3 do CPAC, segundo o qual o Tribunal (juiz do Tribunal Administrativo ou Tribunal de Segunda Instância, consoante os casos) só pode conhecer do mérito do recurso contencioso, findos os articulados, quando seja possível conhecer do mérito do recurso, sem necessidade de mais provas, por os factos relevantes para a decisão já estarem assentes.

6. No caso dos autos, o Tribunal recorrido considerou provados factos opostos àqueles que a recorrente alegava e sobre os quais esta pretendia produzir prova testemunhal, o que era evidentemente admissível, pois se tratava de produzir prova sobre condições de conservação de um imóvel.
Falta apenas saber se tais factos já estavam provados por meio de prova que não permitisse prova em contrário por parte da recorrente, designadamente por documento autêntico.
É certo que o Acórdão recorrido não parece ter considerado que os factos estariam provados por documento autêntico, impeditivo, em princípio, de prova contrária, pois, se assim tivesse acontecido certamente teria dado nota do facto, até porque a recorrente pretendia produzir prova testemunhal sobre esses factos. Parece, antes, que o Tribunal entendeu que poderia proceder à livre apreciação das provas, nos termos do art. 558.º do Código de Processo Civil, sem ter de produzir as provas indicadas pela recorrente.
Já vimos que isso não era possível. Contudo, se este Tribunal de Última Instância concluir que os factos em causa estavam já plenamente provados, pelo que não poderia haver produção adicional de prova por parte da recorrente, não dará provimento ao recurso, ainda que o Tribunal de Segunda Instância não tenha actuado nesse pressuposto.

Os factos em causa
7. Trata-se, então de saber se os seguintes factos estão provados por prova plena:
- Que os autoclismos nos sanitários da escola estão avariados, os canos estão estragados e alguns lavatórios não têm torneiras nem água;
- Que o sistema de iluminação e sinalização de saída de emergência não funciona, existem infiltrações de água nas paredes, tendo sido feitos buracos na parede, nalguns locais, para solucionar o problema do escoamento, a parte do pavimento que faz a união entre o edifício originário e a parte adicional sofreu um abatimento, no pavimento do terraço existem fendas e os ladrilhos estão levantados, as grades que o circundam estão fracas e enferrujadas, encontrando-se esta última parte do edifício encerrada por ordem da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes.

A entidade recorrida e a Ex. ma Procuradora-Adjunta consideram que tais factos estão provados por documentos autênticos, como o auto de vistoria (docs. 4, 6 e 21), licença de utilização (doc. 5) auto de entrega de chaves (doc. 7) e alvará (doc. 10), pelo que só com base na sua falsidade poderia ser ilidida a sua força probatória plena, o que a recorrente não fez.
Importa, previamente, tecer algumas considerações sobre os meios de prova e seu valor probatório, em particular dos documentos autênticos.

Meios de prova e seu valor probatório, em particular dos documentos autênticos.
8. Dispõe o art. 334.º do Código Civil que “as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos”.
Os meios de prova são os elementos de que o julgador se pode servir para formar a sua convicção acerca dum facto.
Desde que no julgamento da prova se consagrou o princípio da livre convicção do julgador - o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo segundo a convicção acerca de cada facto (art. 558.º, n.° 1 do Código de Processo Civil ) - tende a admitir-se que, para formar a convicção do julgador, as partes podem socorrer-se de todos os elementos capazes de demonstrar a existência do facto.
Esta é a regra da livre admissibilidade dos meios de prova.
Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada (art. 558.°, n.° 2 do Código de Processo Civil ).
A regra consagrada no direito processual vigente, relativamente à apreciação e graduação do valor dos diferentes meios de prova, é a da prova livre.
As provas são apreciadas livremente, sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a convicção que gerem realmente no espírito do julgador acerca da existência do facto. 5
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova.
Tais excepções são, basicamente, de duas ordens:
- Uma é a da prova legal ou tarifada: por vezes, a lei impõe a conclusão que o juiz deve tirar de certo meio de prova. Este tipo de prova, divide-se nas espécies de prova bastante, plena e pleníssima;
- Prova necessária, quando a lei exige certo meio de prova para se poder provar certo facto.
Prova bastante, explica CASTRO MENDES 6 “é a que, na ausência de qualquer dúvida em contrário, a lei permite como fundamento da convicção do juiz; mas que cede perante contraprova”.
Chama-se contraprova, ao meio ou conjunto de meios probatórios, que têm como eficácia lançar no espírito do julgador uma dúvida séria acerca da verdade dos factos que foram objecto da prova bastante 7 (art. 339.º do Código Civil).
Prova plena, ensinava o mesmo autor, é aquela que só cede perante prova do contrário. “Produzida uma prova plena, é irrelevante gerar uma situação de dúvida no espírito do julgador, porque a lei manda resolver tal situação de dúvida no sentido indicado pela mesma prova. No entanto, fica salva à contraparte a possibilidade de provar a irrealidade do facto”. 8
Para destruir a prova plena não basta a contraprova. É necessária a prova do contrário: “ A prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei” (art. 340.º do Código Civil).
Os documentos autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública (art. 356.°, n.° 2 do Código Civil) .
A autenticidade dos documentos autênticos está prevista no art. 364.°, n.° 1 do Código Civil: “presume-se que o documento provém da autoridade pública ou oficial público a quem é atribuído, quando estiver subscrito pelo autor com assinatura reconhecida por notário ou com o selo do respectivo serviço”.
Uma coisa é saber se o documento provém realmente da pessoa ou entidade a quem é imputado (força probatória formal); outra, é saber em que medida os actos nele referidos e os factos nele mencionados se consideram como correspondentes à realidade (força probatória material).

Dispõe o art. 365.°, n.° 1 do Código Civil:

“Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público ou notário respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador”.

Assim, esta disposições distingue três categorias de factos:
a) Meros juízos pessoais do documentador.
Por exemplo, no testamento, o notário declara que o testador se encontrava na plena posse das suas faculdades mentais.
São elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.
b) Factos que o documento refere como praticados pela autoridade, oficial público ou notário respectivo.
Quando consta numa escritura pública, por exemplo, que o notário leu o documento às partes, que o explicou.
Estes factos têm-se por verdadeiros e estão cobertos pela força probatória plena do documento autêntico.
c) Factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.
São os factos que o notário pôde inteirar-se pelos seus próprios sentidos.
Diz-se na escritura que o senhor H declarou vender um imóvel e que o senhor I declarou aceitar a venda (ou seja, comprar) o mesmo imóvel.
Diz-se também que o vendedor declarou já ter recebido o valor da venda.
A força probatória plena vai até onde alcançam as percepções do notário (que o senhor H declarou vender um imóvel e que o senhor I declarou aceitar a venda (ou seja, comprar) o mesmo imóvel).
Mas da norma em apreço já não resulta que a força probatória do documento autêntico abrange os factos segundo os quais o senhor I quis efectivamente comprar o imóvel, nem que o senhor H quis efectivamente vender o imóvel.
Ora, de acordo com o art. 366.º, n.º 1, do Código Civil “a força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade”.
Explicava CASTRO MENDES 9 que “a prova plena que fazem os documentos autênticos é uma prova plena qualificada; mas também não é mais do que isso. É admissível prova do contrário; somente, esta prova do contrário tem na lei um regime especial, que é o da falsidade”.
Por outro lado, o “documento é falso, quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade pública, oficial público ou notário qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi” (n.º 2, do art. 366.º do Código Civil).

9. Vejamos, agora, como se faz, processualmente, a prova da falsidade dos documentos autênticos.
No actual Código de Processo Civil já não existe o incidente de falsidade. No prazo de 10 dias a contar da apresentação do documento, se a parte a ela estiver presente, ou da notificação da junção, no caso contrário, deve ser arguida a falsidade do documento autêntico (arts. 471.º, n.º 1 e 469.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), seguindo-se, depois, os trâmites previstos nos arts. 473.º e 474.º, terminando pela decisão proferida sobre a arguição.
E a recorrente não arguiu de falsos nenhum dos documentos apresentados pela entidade recorrida, pelo que se vier a entender que os documentos são autênticos e que alguns factos estavam provados por tais documentos, tal prova é definitiva.

Se os factos em causa estavam provados por prova legal, designadamente, por prova plena.
10. Estamos já em condições de apurar se os factos em causa 10 estavam provados por prova legal, designadamente, por prova plena.
Trata-se de saber se os documentos, 11 alegadamente probatórios dos factos, são autênticos e que factos se devem considerar provados por tais documentos.
O alvará emitido pela Direcção dos Serviços de Educação e Juventude à recorrente, de criação e de funcionamento de escola de ensino primário, que constitui o doc. n.º 10 (fls. 125) e o auto de entrega de chaves das instalações à recorrente (doc. n.º 7, a fls. 117) são certamente documentos autênticos, mas completamente irrelevantes quanto aos factos em causa, basicamente, atinentes ao actual estado das instalações da escola e ao estado das mesmas instalações à data da sua entrega à recorrente.
A licença de utilização das instalações emitida pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (doc. n.º 5, a fls. 115) é também um documento autêntico mas nada prova quanto aos mesmos factos, por ser totalmente omissa na matéria.
O auto de vistoria de fls. 116 (doc. n.º 6), que teve lugar em 8.5.95, sendo um documento autêntico, prova apenas que na referida data teve lugar uma vistoria e que a Comissão declarou que as instalações estavam em condições de serem recebidas provisoriamente da construtora, pela Administração. Mas não prova mais nada. Nem sequer que as instalações estavam efectivamente em condições de serem recebidas provisoriamente da construtora, pela Administração.
O auto de vistoria de fls. 113 (doc. n.º 4), que teve lugar em 28.2.95, sendo um documento autêntico, prova apenas que a Comissão constatou a instalação de uma janela e que deixou de existir a cozinha, passando a existir uma copa, em data muito anterior à do acto recorrido, que é de 18.6.2001.
Quanto ao auto de vistoria (doc. n.º 21, a fls. 160, traduzido no vol. I do apenso, a fls. 153), realizada por uma Comissão constituída por dois engenheiros da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, em 19.3.2002.
Refere-se, apenas, à obra de ampliação consistente no acréscimo de 3 pisos de betão e outro piso no podium do 3.º andar.
Trata-se de um documento autêntico, mas nem sequer tem força probatória material na sua totalidade, pois no seu n.º 2, diz-se que “segundo a escola, nos dias de chuvas intensas, a água sai sempre das caixas de esgotos das partes adicionadas”. Nesta parte não faz prova plena, pois não são factos praticados pela autoridade ou oficial público, nem são factos atestados com base nas percepções da entidade documentadora.
Quanto ao restante do auto de vistoria e comparando com os factos dados como provados, apenas releva a parte em que refere infiltrações de águas e que no pavimento do terraço existem levantamentos e estragos nos ladrilhos.
Embora restrito à obra de ampliação, como se disse, estes factos podem considerar-se provados plenamente (nos factos provados diz-se que no pavimento do terraço existem fendas e os ladrilhos estão levantados, o que não coincide inteiramente).
Os restantes factos dados como provados no Acórdão recorrido, que se referem às deficiências das instalações, não constam dos mencionados documentos autênticos, que segundo entidade recorrida os provariam.
Tais factos constam antes de um Relatório de inspecção da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, subscrito por um coordenador e três inspectores escolares, em Março de 2001:
- os autoclismos nos sanitários do 2º andar (nos factos provados não se faz esta precisão) da escola estão avariados, os canos estão estragados e alguns lavatórios não têm torneiras nem água (tradução do relatório, a fls. 129 do processo instrutor);
- O sistema de iluminação e sinalização de saída de emergência não funciona (tradução do relatório, a fls. 130 do processo instrutor);
- Existem infiltrações de água nas paredes, tendo sido feitos buracos na parede, nalguns locais, para solucionar o problema do escoamento, (tradução do relatório, a fls. 131 do processo instrutor);
- A parte do pavimento que faz a união entre o edifício originário e a parte adicional sofreu um abatimento, (tradução do relatório, a fls. 131 do processo instrutor);
- No pavimento do terraço existem fendas e os ladrilhos estão levantados, as grades que o circundam estão fracas e enferrujadas (tradução do relatório, a fls. 132 do processo instrutor).
Mas este relatório, como o próprio nome indica, é um relato feito pelos seus quatro autores, que tem na sua base cinco visitas, entre 26 de Setembro de 2000 e 12 de Março de 2001, embora nem todos os autores do Relatório tenham comparecido em todas as visitas, como se deduz da leitura. É certamente um valioso documento probatório, a valorar em sede de livre apreciação da prova, no momento próprio, que ainda não ocorrera no processo de recurso contencioso, mas não faz prova plena dos factos relatados. Isto porque, por um lado, não se diz quem observou o quê; por outro lado, em certos casos, os factos não resultaram de observação directa. Diz-se logo, a fls. 117 do processo instrutor que, para acompanhamento das situações, contactaram muitas vezes a Escola por telefone. Noutros locais, as informações provêm de certas pessoas e não de observação directa ( a fls. 131, foi o auxiliar que diz terem sido feitos buracos no rodapé da parede para escoar a água acumulada pela chuva; a fls. 132: “segundo o auxiliar não aparece infiltração de água no andar de baixo).
Em suma, o relatório da Inspecção Escolar não faz prova plena dos factos descritos, pois não são factos praticados pela autoridade ou oficial público, nem são factos indiscutivelmente atestados com base nas percepções da entidade documentadora, que aliás não aparece claramente indicada, até porque o Relatório se baseia em 5 visitas, em conversas telefónicas e em conversas com empregados da Escola e nem todos os autores do mesmo Relatório participaram em todas as visitas.
Aliás, isso mesmo parecem entender e a entidade recorrida e a Ex. ma Procuradora-Adjunta ao não mencionarem este Relatório como constituindo um documento autêntico, como se relata em III - 7.

11. Em conclusão, a maior parte dos factos dados como provados no Acórdão recorrido, daqueles que agora estão em causa e que se reportam às deficiências das instalações da Escola, não estão provados por prova legal, designadamente, por prova plena.
Mas, dir-se-á, a matéria alegada pela recorrente nos arts. 11.º a 15.º da petição de recurso contencioso é conclusiva, pelo que ela já não poderia provar os factos integrativos de tal matéria, que foram os referidos no acto administrativo recorrido e no Acórdão recorrido.
Se, de facto, os arts. 11.º e 15.º são conclusivos – e são estes que estão, fundamentalmente, em causa – o que é certo é que a recorrente não tinha de os provar para obter vencimento no recurso.
Na verdade, a recorrente não tinha que provar que os autoclismos nos sanitários do 2.º andar e os canos estão boas condições, os lavatórios têm torneiras e água, o sistema de iluminação e sinalização de saída de emergência funcionam, não existem infiltrações de água nas paredes, a parte do pavimento que faz a união entre o edifício originário e a parte adicional não sofreu um abatimento, no pavimento do terraço não existem fendas e os ladrilhos não estão levantados, as grades que o circundam não estão fracas e enferrujadas.
É à Administração que cabe a prova dos factos que invoca como pressuposto do acto recorrido, quando se trata de actos administrativos praticados, como é o caso, no âmbito da Administração agressiva (positiva e desfavorável).12
J. C. VIEIRA DE ANDRADE, 13depois de referir que a regra geral de quem invoca um direito tem o ónus da prova dos respectivos factos constitutivos cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos 14 se bem que se possa entender aplicável em processo administrativo adverte que “aqui, como de resto no âmbito do direito civil, não é suficiente para a resolução de todos os tipos de situações – sobretudo porque não faz diferenciações conforme as posições das partes e os interesses e situações em jogo nos domínios específicos da realidade normativamente concebida.
Não pode ser, designadamente, aplicada aos processos mais típicos do contencioso administrativo, aos meios impugnatórios de actos e de normas, até porque não está em causa directamente um direito substantivo do recorrente (que pode até nem existir e nunca existe no caso da acção pública), mas a conformidade com o ordenamento jurídico de uma decisão administrativa de autoridade (é essa a “questão de direito” a resolver).
Assim, não pode exigir-se ao recorrente a prova dos factos constitutivos da sua pretensão de anulação (desde logo e, por exemplo, a prova da não verificação dos pressupostos legais da prática do acto), de modo a caber à Administração apenas provar as excepções invocadas - tal equivaleria na prática à pura e simples invocação da “presunção de legalidade do acto administrativo”, fazendo recair sobre o particular o ónus da prova (subjectivo) da ilegalidade do acto impugnado15.
Deve, pelo contrário, levar-se em conta, em geral, para a construção do quadro de normalidade que há-de servir de paradigma normativo para a distribuição das responsabilidades probatórias, a sujeição da Administração aos princípios da legalidade e da juridicidade e, pelo menos no que respeita aos actos desfavoráveis, o dever de fundamentação.
Isto é, parece que há-de caber, em princípio, à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos16”.
É também este o entendimento de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA17que afirma que, relativamente aos actos de conteúdo positivo, quando o recorrente move ao acto administrativo uma defesa por impugnação – defesa directa, que ataca o acto de frente, contradizendo os factos deduzidos pela Administração ou o efeito jurídico que através do acto ela extraiu desses factos - deve recair sobre a Administração o risco da falta de prova da respectiva verificação.18

Logo, a recorrente, com a alegação da matéria dos arts. 11.º a 15.º da petição de recurso contencioso, e a afirmação de que pretendia produzir prova sobre tal matéria, e ainda que não pudesse provar tais factos por serem conclusivos, sempre seriam a indicação de que a recorrente pretenderia produzir prova testemunhal tendente a fazer contraprova dos factos contrários acima referidos, constantes do acto administrativo e da contestação da entidade recorrida.
Ora, como se sabe, as partes podem apresentar meios de prova, com vista a produzir:
(i) Prova sobre os factos por si alegados, a fim de o tribunal os considerar provados;
(ii) Contraprova sobre os factos alegados pela parte contrária e que a parte tenha impugnado, com vista a tais factos serem dados como não provados pelo tribunal (art. 539.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Em resumo, para além de a Administração ter de provar os factos que integram os fundamentos que invocou para a rescisão do contrato, a afirmação da recorrente de que pretendia provar factos contrários a esses, mesmo que conclusivos – arrolando testemunhas para tal - tem de significar que a recorrente pretendia apresentar meios de prova tendente a fazer contraprova dos factos que à Administração cabia provar.
A presunção judicial, como prova livre, admite contraprova
12. E, por outro lado em nenhum documento autêntico se pode colher o facto, igualmente dado como provado, segundo o qual é falsa a afirmação da recorrente, de que o edifício se encontraria actualmente em muito melhor estado de conservação, do que quando o mesmo foi entregue à recorrente.
Aliás, o facto (contrário à afirmação da recorrente) foi dado como provado com base em presunção judicial, face a considerações de que, se isso (a afirmação da recorrente) fosse exacto, “sob a perspectiva de um homem médio colocado na situação concreta dos presentes autos, nem a própria recorrente teria aceite ou se teria atrevido a aceitar a cessão do uso do imóvel em causa”.
Ora, como ensinam MANUEL DE ANDRADE 19e ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA,20 a presunção judicial admite contraprova e, por maioria de razão, prova do contrário.
É que a presunção judicial constitui, como é manifesto, uma prova livre e não prova legal, designadamente, prova plena.21

13. Deste modo, uma vez que a maior parte dos factos considerados provados no Acórdão recorrido e que sustentam directamente a decisão final, atinentes às deficiências das instalações da Escola 22 não estão provados por prova plena – visto que os documentos autênticos mencionados não provam a maior parte desses factos e atendendo a que um facto foi considerado provado por presunção judicial, que não constitui prova plena – o mesmo Acórdão, ao não permitir que a recorrente produzisse a prova a que se propunha, violou manifestamente:
- O princípio do contraditório, consagrado no art. 3.º do Código de Processo Civil, segundo o qual processo é organizado em forma contraditória, como debate entre as partes;
- O princípio da igualdade, previsto no art. 4.º do mesmo diploma legal, de acordo com o qual o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades e no uso de meios de defesa;
- O princípio que se extrai das disposições conjugadas dos arts. 63.º, n.º 1 e 65.º n.º 3 do CPAC, segundo o qual o Tribunal (juiz do Tribunal Administrativo ou Tribunal de Segunda Instância, consoante os casos) só pode conhecer do mérito do recurso contencioso, findos os articulados, quando seja possível conhecer do mérito do recurso, sem necessidade de mais provas, por os factos relevantes para a decisão já estarem plenamente provados ou assentes.

Competência do Tribunal de Última Instância
14. Este Tribunal de Última Instância tem competência para conhecer desta matéria, embora conexionada com matéria de facto, visto que foram violadas normas e princípios jurídicos no julgamento da matéria de facto, como decorre do disposto no n.º 2, do art. 649.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente nos termos do art. 1.º do CPAC.
É que, como adverte RODRIGUES BASTOS, 23 em anotação a preceito semelhante do Código de Processo Civil português, “repare-se, porém, que ainda aqui – e sempre – a actividade do Tribunal se situa no estrito campo da observância da lei; ele não faz a censura da convicção formada pelas instâncias quanto à prova; limita-se a reconhecer e a declarar, em qualquer dos casos, que havia obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado. É uma censura que se confina à legalidade do apuramento dos factos – e não respeita directamente à existência ou inexistência destes”.
Impõe-se, portanto, a revogação do Acórdão recorrido, implicando a anulação de processado com vista à produção de prova, a menos que se decida a causa com outros fundamentos.
Está prejudicado o conhecimento do outro fundamento do recurso jurisdicional.
E sendo objecto do recurso jurisdicional a decisão recorrida e não a questão que se discute nos autos, não pode este Tribunal apreciar questões não tratadas na decisão recorrida, ainda que houvesse outras razões para determinar a rescisão do contrato.
IV – Decisão

Face ao expendido, dá-se provimento ao recurso e revoga-se o Acórdão recorrido.
Sem custas, tanto neste Tribunal, como no Tribunal de Segunda Instância.
Macau, 27 de Novembro de 2002
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
                      Sam Hou Fai
Chu Kin
Fui presente
Song Man Lei
      1 J. C. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, Coimbra, 2.ª ed., 1999, p. 197.
      2 A. RIBEIRO MENDES, Os Recursos no Código de Processo Civil Revisto, Lex, Lisboa, 1998, p. 55. No mesmo sentido, cfr. J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, Vol. III, Recursos e Acção Executiva, AAFDL, Lisboa, p. 21 e segs. e M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, 2.ª ed., p. 373 a 375 e 395 a 397.
      3 Doravante designado por CPAC.
      4 Insusceptível de ser destruída por contraprova ou prova do contrário, pela outra parte, como acontecerá se houver documento autêntico e a outra parte não tiver, no prazo legal de 10 dias a contar da sua apresentação ou junção, arguido a sua falsidade, nos termos dos arts. 471.º, n.º 1 e 469.º, n.º 1 do Código de Processo Civil .
   
      5 Sobre esta matéria, cfr. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de processo civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, 2.ª ed., p. 467 e segs.
   
      6 J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, AAFDL, Lisboa, 1987, II vol., p. 674.
      7 J. CASTRO MENDES, obra e volume citados, p. 674.
      8 J. CASTRO MENDES, obra e volume citados, p. 675.
   
      9 J. CASTRO MENDES, obra e volume citados, p. 703.
      10 Mencionados em III – 7 deste Acórdão.
      11 Mencionados em III – 7 deste Acórdão.
      12 Sobre o conceito de Administração agressiva ou ablativa, em contraposição a Administração de prestação, prestadora ou constitutiva, cfr. J.M. SÉRVULO CORREIA, Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos, Livraria Almedina, Coimbra, 1987, p. 88 e segs., 193, 249, 250, 289, 291, 299, 306, 307, 308 e 768 e BERNARDO DINIZ DE AYALA, O (défice de) controlo judicial da margem de livre decisão administrativa, Lex, Lisboa, 1995, p. 61, 70 e segs. e 127.
      13 J. C. VIEIRA DE ANDRADE, obra citada, p. 268 e 269.
      14 Correspondente ao art. 335.º, n.º 1, do Código Civil de Macau.
      15 Podemos, de resto, ver aqui uma manifestação de como o modelo objectivista do recurso contencioso oferece garantias acrescidas aos particulares, já que uma concepção puramente subjectivista tenderá a fazer recair sobre o particular o ónus da prova do seu direito à anulação.
      16 Tenha-se em conta, no entanto, que também pode haver discricionaridade quanto aos pressupostos, quando a lei utilize conceitos imprecisos cujo preenchimento caiba à Administração - caso em que o ónus da prova da Administração se restringe à verificação do núcleo (dos momentos essenciais) do conceito legal.
      17 MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 20, p. 45 e segs..
      18 Para o mesmo autor, obra citada , p. 49 e 50, já se o recorrente alegar a verificação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão administrativa consubstanciada no acto, é justo que sobre ele recaia o ónus da prova, como no caso de desvio de poder ou violação de princípios constitucionais.
      19 MANUEL DE ANDRADE, Noções elementares de processo civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1979, p. 216.
      20 ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, obra citada, p. 504.
      21 MANUEL DE ANDRADE, obra citada, p. 209 e 210.
      22 Mencionados em III – 10 deste Acórdão.
   
      23 RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, Lisboa, 2001, vol. III, 3.ª ed., p. 278.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




1
Proc. n.º 12/2002

72
Proc. n.º 12/2002