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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau




Recurso N.° 16 / 2002

Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças





1. Relatório
   O ora recorrente interpôs o recurso contencioso perante o Tribunal de Segunda Instância, o qual foi julgado improcedente por acórdão de 18 de Abril de 2002 do mesmo Tribunal.
   Por requerimento de 29 de Abril de 2002 (fls. 80), o recorrente apresentou um pedido de apoio judiciário. O relator do processo indeferiu o pedido por despacho de 17 de Maio de 2002 (fls. 87).
   Reclamado para a conferência, foi o despacho mantido por acórdão daquele Tribunal de 27 de Junho de 2002.
   Inconformado, vem agora o recorrente interpor recurso deste último acórdão perante o Tribunal de Última Instância, apresentando, na sua alegação, as seguintes conclusões:
“1. O recorrente requereu ao Tribunal de Segunda Instância a concessão de apoio judiciário antes do trânsito em julgado do acórdão proferido.
   2. Tendo o Tribunal de Segunda Instância proferido o despacho seguinte: “Indefiro o pedido de apoio judiciário por já ter sido proferido o acórdão final.”(fls. 87).
   3. O ora recorrente, nos termos do art.º 620.º do CPC, deu causa a que fosse proferido acórdão do Tribunal de Segunda Instância tendo este mantido o despacho reclamado e lançado mão (essencialmente) aos fundamentos seguintes:
   a) Interpretou o pedido de apoio de judiciário como “tendo por escopo não pagar as custas em que fora condenado”;
   b) Se o apoio judiciário se destina “apenas à interposição de recurso, o requerimento deve explicitar, claramente, esse fim.”
   c) O recorrente deveria ter interposto “o recurso e, conjuntamente, pedir a concessão do apoio judiciário”;
   d) O art.º 17.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 41/94/M de 1 de Agosto;
   e) A interposição de recurso “só agora (!) foi anunciada mas nem sequer ainda (!) requerida expressis verbis.”
   4. O ora recorrente reputa que os fundamentos referidos no acórdão em crise não possuem, salvo o devido respeito, qualquer acolhimento legal e que a interpretação do Tribunal de Segunda Instância no sentido de que o pedido de apoio judiciário tinha “por escopo não pagar as custas em que fora condenado” sibi imputet não podendo o recorrente sofrer quaisquer consequências com a errónea interpretatio legis.”
   Pedindo que se considere procedente o presente recurso e, consequentemente, altere o acórdão recorrido no sentido de conceder apoio judiciário na modalidade de dispensa (total) da obrigação de pagamento de quaisquer custas ou preparos.
   
   O recorrido não apresentou alegações.
   
   A Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de Última Instância emitiu o seguinte parecer:
“Parece-nos que assiste razão ao recorrente.
   No âmbito do Decreto-Lei n.º 41/94/M, que regula a matéria de apoio judiciário, este regime aplica-se em todas as jurisdições e independentemente da forma do processo.
   Nos termos do art.º 2.º, n.º 5 do mesmo diploma, “o apoio judiciário pode ser requerido em qualquer estado da causa, ...”.
   E “o pedido de apoio judiciário deve ser liminarmente indeferido quando for evidente que a pretensão do requerente, ou a causa para que aquele é pedido, não pode proceder ”- art.º 17.º, n.º 2.
   Na verdade, é admissível o recurso de acórdão proferido em 18-4-2002 pelo TSI nos autos. Não obstante a não interposição de tal recurso, até agora, assiste ainda ao recorrente o direito de interpô-lo.
   Por outro lado, não parece que está em causa qualquer das situações previstas no art.º 17.º em que o apoio judiciário deve ser indeferido liminarmente.
   Assim, entendemos que é de dar razão ao recorrente, revogando o douto acórdão ora recorrido.”
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 O pedido de apoio judiciário apresentado pelo recorrente em 29 de Abril de 2002 (fls. 80) é do seguinte teor:
   “1. O requerente começou a trabalhar há cerca de um mês e tem como salário mensal MOP$4.500,00 (quatro mil e quinhentas patacas). (Doc.1) E,
   2. Possui as despesas seguintes:
a) Electricidade $300,00 (Doc.2)
b) Pagamento mensal de empréstimo bancário $6.446,00 (Doc.3)
c) Seguro da AIA $1.165,00 (Doc.4)
d) Gás $300,00
e) Telefone $100,00
f) Alimentação $5.500,00
g) Transporte $210,00
h) Explicações do filho menor $1.000,00
Total $15.021,00
Ora,
   3. Perante todo este acervo de despesas, o requerente meramente possui o seu salário e o salário da sua esposa ($14.586,00Mop) para fazer face às mesmas. Assim,
   4. Salta à vista que perante semelhante orçamento familiar, o requerente não consegue suportar os encargos de uma lide processual. Pelo que,
   5. Só lhe resta recorrer ao instituto do apoio judiciário.
   Nestes termos, e nos melhores de Direito, requer a V. Ex.ª se digne conceder apoio judiciário ao requerente no âmbito de dispensa total de pagamento de quaisquer preparos e custas judiciais.”
   
   O pedido foi objecto do seguinte despacho do relator do processo de recurso contencioso, datado de 17 de Maio de 2002 (fls. 87):
   “Indefiro o pedido de apoio judiciário por já ter sido proferido o acórdão final.
   Não há, assim, lugar ao pagamento de quaisquer preparos.
   Quanto às custas que serão contadas – e caso não ocorra o pagamento voluntário – os documentos ora juntos poderão relevar nos termos e para os efeitos do art.º 111.º do Regime de Custas nos Tribunais.
   Tributo o incidente com 1/2 UC.
   Notifique. ”
   
   
   2.2 O recorrente apresentou o pedido de apoio judiciário já na fase final do processo de recurso contencioso, precisamente no último dia do prazo para interpor recurso do acórdão proferido nesse processo. De acordo com este acórdão, foi negado provimento ao recurso contencioso e, por consequente, o recorrente foi condenado no pagamento das custas.
   Perante o desfecho do recurso contencioso e no último dia do prazo para recorrer, o recorrente estava com duas alternativas: ou interpor recurso, ou deixar transitar o acórdão e ficar assim definitivamente com a obrigação de pagar as custas.
   Mas o recorrente resolveu apresentar, nesse último dia do prazo do recurso, um requerimento de apoio judiciário.
   
   O apoio judiciário, regulado no Decreto-Lei n.° 41/94/M, pode revestir uma das seguintes modalidades: a dispensa total ou parcial do pagamento de preparos ou do pagamento de preparos e custas, ou o seu diferimento, e ainda o patrocínio oficioso (art.° 1.°, n.° 1 do referido diploma).
   O recorrente pediu a concessão do apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de preparos e custas.
   
   Em princípio, o apoio judiciário pode ser requerido em qualquer estado do processo, desde que seja compatível com a situação processual do requerente, e mantém-se na fase do recurso (art.° 2.°, n.° 5 do Decreto-Lei n.° 41/94/M).
   Prescreve o art.° 15.°, n.° 1 do mesmo diploma:
   “1. O pedido de apoio judiciário é formulado nos articulados da acção a que se destina, ou em requerimento autónomo quando foi anterior à propositura da acção, ou posterior à fase dos articulados ou a causa os não admita.”
   Quando houver lugar a articulados, o pedido de apoio judiciário deve ser formulado nestes. Caso contrário, em requerimento autónomo.
   
   No caso em apreço, mesmo em fase final do processo do recurso contencioso com o acórdão final já proferido, e situando-se temporalmente no último dia do prazo para recorrer desse acórdão desfavorável, o recorrente tem interesse em pedir apoio judiciário.
   Se recorrer, então haverá lugar ao pagamento de preparo inicial (art.° 90.°, n.°s 1 e 4 do Regime das Custas nos Tribunais, doravante abreviado por RCT, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 63/99/M), embora só será devido desde a apresentação das alegações (art.° 33.°, n.° 1, al. c) do RCT).
   Se não recorrer, o acórdão transita em julgado no dia seguinte e será elaborada a conta nos termos do art.° 39.° do RCT. O recorrente deverá pagar voluntariamente as custas depois de receber a notificação da conta (art.° 53.° do RCT).
   Deste modo, qualquer que seja a via a escolher pelo recorrente, haverá sempre lugar a pagar, ou preparos, ou custas, situações abrangidas pelo regime da concessão do apoio judiciário. Por isso, o requerimento de apoio judiciário na fórmula elaborada pelo requerente não pode ser indeferido por razões de “já ter sido proferido o acórdão final e não há, assim, lugar ao pagamento de quaisquer preparos”, tal como foram invocadas no despacho do relator de 17 de Maio de 2002 a fls. 87.
   Quanto à eventual utilidade dos documentos juntos pelo recorrente com a apresentação do requerimento do apoio judiciário para os efeitos previstos no art.° 111.° do RCT, conforme a segunda parte da fundamentação do mesmo despacho, não tem qualquer virtualidade para indeferir o pedido de apoio judiciário por se tratarem de questões totalmente diferentes. Este norma prescreve a prestação ao Ministério Público de informações de bens penhoráveis do devedor das custas no caso da falta do pagamento voluntário no prazo legal. É manifesto que isso nunca constituir fundamento para negar o apoio judiciário e não deixa de causar perplexo. Falecem, assim, os fundamentos invocados no despacho.
   
   No acórdão recorrido dá a entender de que o apoio judiciário agora formulado só pode ser para o recurso e, se fosse essa a intenção do recorrente, esta deve ser referida expressamente e o apoio judiciário pedido com a interposição do recurso.
   Isso não corresponde à verdade uma vez que é admitida a concessão do apoio judiciário na modalidade de dispensa ou diferimento do pagamento das custas e, por isso, a parte que perde a causa e que é condenada nas custas, mesmo que não pretender recorrer, pode sempre formular o requerimento de apoio judiciário destas modalidades depois da sentença final.
   Assim, a apresentação do requerimento de apoio judiciário não pode ser recusada por razões formais constantes do despacho em causa.
   
   Por outro lado, dispõe o art.° 17.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 41/94/M:
   “1. Formulado o pedido de apoio judiciário o juiz profere logo despacho liminar quanto à sua admissibilidade e efeitos.”
   E o art.° 18.°, n.°s 1 e 2 seguinte:
   “1. Não sendo indeferido o pedido, a parte contrária é citada ou notificada para deduzir oposição.
   2. Se o apoio judiciário for requerido no articulado ou requerimento inicial, a citação a que se refere o número anterior faz-se juntamente com a citação para a acção ou procedimento.”
   Em primeiro lugar, no presente caso, o pedido de apoio judiciário formulado pelo recorrente deve ser admitido liminarmente.
   Em segundo, atendendo que o apoio judiciário é concebido, no Decreto-Lei n.° 41/94/M, como um incidente em processo civil em que é admitida a oposição da parte contrária enquanto é permitida a sua intervenção no processo, deve ser sempre notificada a parte contrária, isto é, o ora recorrido, para, querendo, deduzir oposição, qualquer que seja a via optada pelo recorrente.
   Se não houver recurso, a parte contrária será notificada para o efeito após o trânsito do acórdão. Se apresentar recurso, o momento mais próprio para efectuar a notificação é na altura em que se notifica o recorrido do despacho da admissão do recurso, para ele poder opor nas alegações, articulado em que o recorrido intervém a seguir na fase do recurso jurisdicional (art.°s 154.° do Código de Processo Administrativo Contencioso e 613.°, n.° 2 do Código de Processo Civil).
   Em rigor, se o recorrente pretender interpor recurso, deve formular o pedido de apoio judiciário com a interposição do recurso jurisdicional para poder ficar isento da obrigação de pagar o preparo inicial. A apresentação antecipada do pedido no último dia do prazo para recorrer provocou a duplicação do mesmo prazo face à interrupção do prazo em curso estabelecida no n.° 2 do art.° 16.° do Decreto-Lei n.° 41/94/M, medido ainda com o intervalo entre a apresentação e a notificação do despacho que conhece do pedido, dilatando, deste modo, os trâmites processuais.
   De qualquer maneira, o pedido de apoio judiciário formulado nesta fase de processo releva para o pagamento das custas e também para o do preparo do recurso jurisdicional se a sua interposição correspondesse à intenção do recorrente, embora não foi apresentado no momento próprio. Assim, o despacho em crise deve ser revogado e substituído por outro que admite liminarmente o pedido de apoio judiciário requerido pelo recorrente. Não é possível decidir agora a concessão ou não do apoio judiciário na modalidade requerida, como se pretende o recorrente, por faltar ainda assegurar o necessário contraditório.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso, revogar o acórdão recorrido e consequentemente o despacho de 17 de Maio de 2002 a fls. 87, e determinar que seja proferido novo despacho no sentido de admitir liminarmente o requerimento de apoio judiciário formulado pelo recorrente em 29 de Abril de 2002 junto a fls. 80 a 85.
   Não são tributados o recorrente nas duas instâncias e o recorrido, este por estar legalmente isento das custas.
   
   
   
   
   Aos 10 de Janeiro de 2003.



           Juízes:Chu Kin (relator)
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai



Processo n.° 16 / 2002 11