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Processo n.º 2/2003. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrentes: A e B.
Recorridos: Os mesmos.
Assunto: Junção de documentos no recurso para o Tribunal de Segunda Instância. Contrato-promessa. Sinal. Mora. Incumprimento definitivo. Termo essencial. Caso julgado. Resolução do contrato. Violação de obrigação secundária. Contrato de execução continuada ou periódica.
Data da Sessão: 30 de Abril de 2003.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.

SUMÁRIO:
I – De acordo com o disposto na segunda parte, do n.º 1 do art. 616.º do Código de Processo Civil (CPC), “As partes podem juntar documentos às alegações ... no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância”.
II – O condicionalismo previsto na conclusão anterior verifica-se quando a decisão de primeira instância se baseou em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado”.
  III – Face ao disposto no art. 442.º do Código Civil de 1966, na redacção original - a vigente em Macau até à entrada em vigor do novo Código - só há lugar à perda do sinal ou à sua restituição em dobro, consoante, respectivamente, o incumprimento caiba a quem prestou o sinal ou a quem o recebeu, quando haja incumprimento definitivo e não simples mora do devedor.
IV - De acordo com o estatuído no art. 808.º, n.º 1, do Código Civil de 1966, a mora converte-se em incumprimento definitivo, ou pela perda do interesse do credor na prestação ou pela interpelação admonitória, pela qual o credor, em caso de mora, concede um prazo suplementar ao devedor, para que este cumpra, seguida da não realização da prestação.
  V – O referido nas conclusões III e IV aplica-se ao contrato-promessa.
  VI - Contratos com termo essencial são aqueles em que desaparece a utilidade, para o credor, da prestação fora de prazo, podendo o termo ser objectivo se a sua essencialidade resulta da natureza da própria prestação, atento o respectivo fim. O termo essencial é subjectivo se respeita ao desaparecimento da utilidade da prestação para o credor após o vencimento do termo e resulta de pactuação expressa ou tácita dos contraentes, mas não da fixação unilateral de prazo por um dos contraentes.
  VII – O caso julgado de acção anterior não abrange os factos posteriores, nem os anteriores que se mantenham após a acção anterior e que integrem violações de obrigações contratuais.
  VIII - A resolução do contrato pode fundar-se na violação, tanto de uma obrigação principal, como de uma obrigação secundária ou até de um dever acessório de conduta, desde que seja grave.
IX - A violação de obrigação secundária pode implicar a resolução do contrato, quando se reflectir no incumprimento de concluir o contrato principal.
X – Para efeitos do disposto no art. 434.º, n.º 2, do Código Civil de 1966, um contrato-promessa prevendo a utilização do imóvel pelo promitente comprador, com pagamento de contrapartida por esta utilização, deve ser considerado, nesta parte, um contrato de execução continuada ou periódica.
O Relator
Viriato Manuel Pinheiro de Lima


   ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  I - Relatório
  A intentou acção declarativa com processo ordinário contra B, pedindo:
  - Se declare resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes;
  - A condenação da ré a pagar ao autor o dobro do sinal, ou seja, HKD$12.933.100,00 equivalentes a MOP$13.340.492,65;
  - A condenação da ré a pagar ao autor HKD$4.410.543,80 equivalentes a MOP$4.549.475,93, que foram pagos à ré a título de despesas de condomínio e juros;
  - A condenação da ré a pagar ao autor de juros legais sobre estes montantes a partir da citação.
  A ré contestou e deduziu reconvenção, pedindo:
  - Se declare resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes;
  - A condenação do autor na perda do sinal e todas as prestações acessórias pagas;
  - Ou, subsidiariamente, a declaração da validade do contrato-promessa e fixado prazo para o seu cumprimento, devendo o autor ser condenado a pagar à ré o remanescente do preço, juros sobre essa quantia, bem como as quantias de MOP$1.376.792,00 e de MOP$92.500,00, respectivamente, de despesas de condomínio e da instalação de tubos de água e eléctricos nas 37 fracções..
  Por sentença de 18 de Julho de 2001, o Juiz Presidente do Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base decidiu:
  - Declarar resolvido o contrato-promessa, por incumprimento definitivo e culposo da ré;
  - Condenar a ré a pagar ao autor o dobro do sinal, ou seja, HKD$12.933.100,00 equivalentes a MOP$13.340.492,65;
  - Condenar a ré a pagar ao autor HKD$4.410.543,80 equivalentes a MOP$4.549.475,93, que foram pagos à ré a título de despesas de condomínio;
  - Condenar a ré a pagar ao autor juros vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre aqueles montantes, desde a citação.
  - Julgar improcedente a reconvenção, absolvendo o réu do pedido.
  Inconformada, recorreu a ré, tendo o Tribunal de Segunda Instância, proferido a seguinte decisão, por Acórdão de 24 de Outubro de 2002:
  - Indeferiu os pedidos de junção de documentos com as alegações de recurso;
  - Julgou procedente o recurso relativo à acção, revogou a decisão que declarou resolvido o contrato-promessa e que condenou a recorrente no pagamento do dobro do sinal e nos restantes montantes, julgando, assim, a acção improcedente;
  - Negou parcial provimento ao recurso relativo à reconvenção, mantendo a sua improcedência quanto ao pedido principal, de resolução do contrato-promessa e de condenação do autor na perda do sinal e no pagamento de outras quantias, mas julgando parcialmente procedente o pedido subsidiário, declarando válido o contrato-promessa, mas improcedente o pedido de fixação de prazo para o seu cumprimento e de condenação do autor a pagar à ré outras quantias.
  Recorre, agora, o autor para este Tribunal de Última Instância, terminando a sua alegação, com as seguintes conclusões:
  1) Entendeu o douto Acórdão recorrido que não tinha havido perda de interesse do recorrente capaz de conduzir ao incumprimento definitivo;
  2) Nesse entendimento a perda do interesse do credor para os efeitos da resolução do contrato foi associada exclusivamente ao incumprimento visto sob o aspecto temporal --- designação da data certa para a celebração do contrato definitivo ---;
  3) Todavia há que assentar em que todo a violação ou todo o desvio de certa importância do programa contratual que provoque o desaparecimento do interesse do credor na manutenção da relação contratual deverá conferir-lhe em princípio o direito de resolução;
  4) O inadimplemento pode referir-se tanto à obrigação principal como a prestações acessórias ou à violação de deveres laterais de conduta;
  5) Deve ter-se presente que o credor visa normalmente a conseguir através do cumprimento exacto de obrigação quer uma finalidade de uso, quer uma finalidade de troca;
  6) Deve em princípio ser considerado grave toda a inexecução ou inexactidão quantitativa ou qualitativa da prestação que torne inviável um certo emprego do objecto da prestação ou que impossibilite o credor de o aplicar ao uso especial que ele tinha em mira;
  7) Assim como também se deve considerar idónea para justificar a resolução aquela inexactidão e designadamente aquela mora, que faz perder ao credor grande parte de utilidade que ele esperava retirar da revenda;
  8) As considerações que antecedem são de se aplicar aos contratos de promessa dado o disposto no art.º 410.° do Código Civil de 1966 ;
  9) Há que tomar em consideração os factos dados como provados nos n.os 29, 30, 31, 37, 38, 40 e 42 do n.° II;
  10) De realçar que logo após o trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal Superior de Justiça e a partir de Dezembro de 1996 o recorrente avisou mais de uma vez a recorrida que deveria repor as fracções no estado em que se encontravam antes da demolição;
  11) A recorrida não deu satisfação a tal exigência nem em 1996 nem no mês de Agosto de 1997, nem no mês de Outubro seguinte, nem mesmo no prazo de 60 dias fixado na carta que constitui o doc. de fls. 24 junto à petição;
  12) O recorrente alegou diversos factos que permitem inferir que havia perdido interesse na prestação a cargo da recorrida;
  13) De tudo resulta que, à data da propositura da Acção, o recorrente havia perdido interesse na prestação por inadequação do objecto ao fim visado ;
  14) Assistia, assim, ao recorrente o direito de declarar resolvido aquele contrato, declaração que pode ser feita por via da propositura duma Acção (cfr. G. Teles e o Ac. R.C de 29/992, C.J. XVII tomo IV pg. 79 e Ac. S.T.J. de 27/11/97 B.M.J. 471/388 st.);
  15) O douto Acórdão recorrido, ao concluir que o recorrente não havia perdido interesse na prestação fez errada interpretação e aplicação dos art°s. 432.°, 433.°, 434.°, 442.°, n.° 2 e 800.° do Código Civil de 1966, preceitos que foram violados;
  16) A “perda de interesse na prestação” é um conceito de direito que não pode nem deve ser alegado;
  17) Com a afirmação constante do Acórdão recorrido de que o recorrente mantinha interesse na prestação face ao documento n.° 24.°, o Tribunal “a quo” apreciou uma questão de que não podia conhecer;
  18) Cometeu assim a nulidade prevista n.° 4, d) do art. 668.° do Código de Processo Civil, preceito que se mostra violado;
  19) Por outro lado, ao extrair tal conclusão, foi violado o disposto no art. 236.° do Código Civil de 1966 ;
  20) Ao contrário do entendimento perfilhado pelo Acórdão recorrido, verificou-se a conversão da mora em incumprimento definitivo por parte da recorrida no que diz respeito a não celebração da escritura pública da compra e venda na execução do contrato de promessa;
  21) A recorrida entrou em mora pelo menos no dia 30 de Outubro de 1997 por o seu legal representante não ter comparecido no Escritório do Notário Sr. Dr. António Dias Azedo;
  22) Mas a recorrida não observou além disso o prazo de 15 dias que também lhe fora fixado através do documento n.º 22;
  23) Assim, pelo menos nesse segundo momento, a mora transformou-se em incumprimento definitivo ;
  24) Mais uma vez o Acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação dos arts. 432.°, 433.°, 434.°, 442.°, n.° 2 e 800.° do Código Civil de 1966, preceitos que foram violados;
  25) Os factos dados como provados revelam a intenção por parte da recorrida de não querer cumprir o contrato de promessa;
  26) Tal intenção é confirmada pelo teor da carta que constitui o documento de fls. 23 (junto à petição) e também pelo do requerimento em que a pediu uma certidão do Acórdão recorrido para requerer o cancelamento da hipoteca judicial registada com base na sentença da primeira instância, uma vez que com esse pedido veio a revelar o seu propósito de alienar as fracções em causa;
  27) Dai a conclusão da desnecessidade da designação de qualquer prazo suplementar.
  
  A ré, recorrida, defende a manutenção do julgado na parte em que julgou improcedente a acção.
  A mesma ré recorre da decisão de não aceitar a junção ao processo da carta por si enviada ao autor em 8 de Outubro de 1997, apresentando as seguintes conclusões:
  1. Carece de bom fundamento legal a decisão de não admissão da junção com as Alegações apresentadas junto do Tribunal de Segunda Instância, da carta dirigia pela ora Recorrente ao Recorrido em 08 de Outubro de 1997;
  2. Tal junção justificava-se pela absoluta surpresa, sob o ponto de vista jurídico, que constituiu a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base nos presentes Autos ao valorar o negativamente o alegado silêncio do ora Recorrente;
  3. Efectivamente, não obstante ter o Tribunal de Segunda Instância vindo agora confirmar a total razão dado Recorrente no que diz respeito à inexistência de qualquer incumprimento contratual por sua parte;
  4. A verdade é que a ausência de tal documento nos autos permitiu ao Tribunal de Primeira Instância valorar a (falsamente alegada pelo Recorrido) ausência de resposta por parte da Recorrente como manifestando a sua intenção de não cumprir;
  5. Não obstante a eficácia preclusiva do caso julgado material no que diz respeito à fixação da matéria de facto, a disciplina processual civil, em homenagem ao princípio da verdade material, consagra aberturas relevantes no sentido de admitir a prova de facto que, contra a normal expectativa das Partes processuais, se tenha vindo a revelar relevante no curso ulterior do processo;
  6. Ao não admitir a junção aos Autos do documento em questão, a Douta Sentença recorrida incorre em violação da disciplina instituída pelo Artigo 616.º do Código de Processo Civil.
  O autor não se pronunciou sobre esta questão.
  
  II – Os factos
  Os factos dados como provados pelo Tribunal recorrido, são os seguintes:
  No dia 3 de Outubro de 1991 o autor e a Ré celebraram um contrato de promessa pelo qual esta prometeu vender e aquele prometeu comprar 37 fracções autónomas designadas pelas letras “XX” a “XX” do centro Comercial, localizado no Endereço (Alínea A) da Especificação).
  O preço global das fracções prometidas transaccionar foi fixado em HKD$15,866,200.00 equivalentes a MOP$16,365,985.30 (Alínea B) da Especificação).
  No acto da assinatura do contrato, a ré recebeu do autor, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de HKD$1,586,620.00 (Alínea C) da Especificação).
  Posteriormente o autor pagou à ré as seguintes quantias:
  - HKD$793,310.00 em 5 de Novembro de 1991, a título de 2.º reforço de sinal;
  - HKD$793,310.00 em 3 de Dezembro de 1991, a título de 3.° reforço de sinal (Alínea D) da Especificação).
  No contrato em causa ficou expressamente clausulado que à ré não assistia o direito de receber juros sobre a quantia restante do preço, durante o período de 2 meses contados a partir de 3 de Dezembro de 1991 (Alínea E) da Especificação).
  Se acaso ao longo deste período de 2 meses, o autor revendesse alguma fracção autónoma a terceiro, aquele teria de pagar à ré 5% do respectivo preço (Alínea F) da Especificação).
  Ficou, por outro lado, estipulado que se, até ao dia 3 de Fevereiro de 1992 houvesse ainda fracções autónomas por revender, teria de pagar à ré 5% do preço dessas fracções autónomas (Alínea G) da Especificação).
  Em 18 de Março de 1992, o autor pagou à ré a quantia de HKD$ 793,310.00, com que, atentos os montantes ulteriormente entregues, liquidou na referida data 25% do preço (Alínea H) da Especificação).
  Os remanescentes 75% do preço venceriam juros à taxa praticada pelo Banco (Sucursal de Macau) nas suas operações activas para aquisição de imóveis, até que todas as fracções autónomas fossem revendidas (Alínea I) da Especificação).
  Enquanto as fracções em causa não fossem revendidas, não tinha a ré o direito de exigir a parte faltante do preço, mas apenas receber os juros sobre a mesma, até que o autor conseguisse retransmitir as fracções autónomas a terceiros (Alínea J) da Especificação).
  Sendo revendidas essas fracções os remanescentes 75% do preço seriam pagos por via de financiamento bancário a ser solicitado pelos novos promitentes compradores (Alínea K) da Especificação).
  No contrato em causa ficou a constar que a administração do condomínio tinha sido adjudicada pela ré à empresa, obrigando-se o autor a celebrar um contrato de gestão de condomínio com a mesma empresa (Alínea L) da Especificação).
  Ficou também estabelecido que a partir de 3 de Dezembro de 1991 as despesas de condomínio seriam da responsabilidade do autor ou dos novos promitentes – compradores (Alínea M) da Especificação).
  O autor, a partir de 3 de Dezembro de 1991, passou a pagar todas as despesas de condomínio (Alínea N) da Especificação).
  Além dos montantes atrás referidos o autor pagou à ré no dia 11 de março de 1993 HKD$l,000,000.00 por conta do preço (Alínea O) da Especificação).
  Pagou, alem disso, em 30 de Abril de 1993 HKD$l,000,000.00 também por conta do preço (Alínea P) da Especificação).
  Em 30 de Novembro de 1993 pagou mais HKD$500,000.00 (Alínea Q) da Especificação).
  O total pago pelo autor, por conta do preço, é assim de HKD$6,466,550.00 (Alínea R) da Especificação).
  A ré solicitou ao A várias vezes o pagamento da parte ainda restante do preço, designadamente através duma carta datada de 6 de Novembro de 1993 na qual invocou o direito de rescindir aquele contrato (Alínea S) da Especificação).
  Por carta de 18 de Janeiro de 1995 a Ré comunicou ao autor que o remanescente do preço ascendia a HKD$9,399,650.00 e exigiu o pagamento da quantia de HKD$348,837.55 correspondente a 3 meses de juros e despesas de condomínio (Alínea T) da Especificação).
  O autor pagou aquele montante através de 2 cheques, um de 26 de Janeiro de 1995 no valor HKD$110,205.89 e o outro datado de 28 de Fevereiro de 1995 no valor de HKD$238,631.66 (Alínea U) da Especificação).
  No dia 20 de Junho de 1995, o autor pagou à ré o montante de HKD$133,413.00 a título de despesas de condomínio e de juros, respeitante a Março de 1995 (Alínea V) da Especificação).
  Em 28 de Julho de 1995, o autor pagou, por conta da parte restante de despesas de condomínio e de juros respeitantes ao período que vai de Abril a Junho do mesmo ano, a quantia de HKD$405,429.42 pagamento esse efectuado através dum cheque passado a favor de C, pertencente ao grupo económico da Ré (Alínea W) da Especificação).
  No dia 31 de Julho de 1995 a ré exigiu ao autor o pagamento das despesas de condomínio referente a Julho de 1995 e de juros acrescidos de taxa de mora, tudo no montante total de HKD$130,612.56, a ser efectivado em 3 dias (Alínea X) da Especificação).
  Por carta datada de 10 de Agosto de 1995 foi fixado ao autor o prazo de três dias para apresentar uma proposta do pagamento do remanescente do preço, sob pena da rescisão do contrato (Alínea Y) da Especificação).
  Logo após o seu regresso da República Popular da China tomou o autor conhecimento duma carta de 23 de Agosto de 1995 enviada pela ré e pela qual esta lhe comunicou estar rescindido o contrato em questão (Alínea Z) da Especificação).
  A ré deu aquele passo já após, ter dado de arrendamento o mencionado Centro Comercial a terceiros (Alínea AA) da Especificação).
  A ré reiterou a decisão tomada no sentido de rescindir tal contrato, por carta de 31 de Agosto de 1995 isto apesar de o autor por carta do dia anterior, ter manifestado a vontade de liquidar os juros e as despesas de condomínio respeitantes aos meses de Julho e Agosto (Alínea BB) da Especificação).
  A ré à revelia do autor, deu de arrendamento as fracções em causa a “Supermarket” a qual nela introduziu obras a partir de Julho de 1995 e ali passou a explorar um supermercado em Novembro seguinte (Alínea CC) da Especificação).
  A ré procedeu também, à revelia do autor, à demolição de todas as paredes que separavam as mesmas fracções (Alínea DD) da Especificação).
  Em vez de 37 fracções prometidas comprar e vender surgiu um amplo espaço totalmente diferente na sua estrutura e composição do objecto que as partes tiveram em vista ao celebrar o contrato referido na alínea A) (Alínea EE) da Especificação).
  O autor no dia 29 de Agosto de 1997 enviou à ré, uma carta cuja cópia se junta, como documento n.° 22 e cujo teor se dá aqui por reproduzido (Alínea FF) da Especificação).
  Nenhum dos avisos constantes dessa carta foi observado pela ré (Alínea GG) da Especificação).
  A ré enviou ao Autor no mês de Dezembro de 1997 a carta cuja cópia se junta como documento n.° 23 e cujo teor se dá aqui por reproduzido (Alínea HH) da Especificação).
  Tal carta mereceu por parte do autor a resposta constante da comunicação que se junta como doc. n.° 24 e cujo teor se dá inteiramente por reproduzido (Alínea II) da Especificação).
  Após a recepção da carta referida na alínea HH), as partes não trataram das formalidades relativas ao pagamento da sisa para outorgar as competentes escrituras públicas (Alínea JJ) da Especificação).
  Por suportar todas as despesas de condomínio, foi facultado ao autor o acesso às partes comuns e às fracções autónomas a fim de “in loco” mostrar as mesmas aos potenciais interessados, mas nunca lhe tinham sido entregues as chaves do prédio (Resposta ao quesito 1.º).
  Em meados de Julho de 1995 a ré impediu o acesso do autor ao dito prédio vedando-lhe a respectiva entrada (Resposta ao quesito 2.º).
  No acto de entrega do cheque referido em 23. supra ficou acordado entre as partes que seria franqueado ao autor o acesso ao dito prédio (Resposta ao quesito 3.º).
  A ré impediu o autor de apresentar essas fracções aos eventuais interessados a partir de meados a Julho de 1995 (Resposta ao quesito 4.º).
  No mês de Junho de 1995 a ré tomou conhecimento de que o autor estava em negociações com a "D" com vista ao arrendamento daquele Centro Comercial em condições não apuradas (Resposta ao quesito 6.º).
  A ré com o arrendamento referido na alínea CC) inviabilizou a revenda daquelas fracções ao interessado E que pretendia adquiri-las pelo preço de HKD$13,500,000.00 (Resposta ao quesito 8.º).
  O Autor, logo após o trânsito em julgado do Acórdão do TSJ de 11/12/96, avisou mais uma vez a ré que deveria repor as fracções no estado em que elas se encontravam antes da demolição referida na Alínea DD) (Resposta ao quesito 9.º).
  Algumas vezes a ré contactou com o A. com vista à conclusão do contrato-promessa (Resposta ao quesito 10.º).
  O remanescente do preço relativo ao contrato-promessa em referência é de HKD$9,399,650.00 (Resposta ao quesito 13 .º).
  O A. comprometeu-se a pagar à Ré a quantia de MOP$92,500.00 relativa à instalação de tubos de água e ligações eléctricas relativas às trinta e sete fracções autónomas (cfr. fls. 203 a 206-v) (Resposta ao quesito 15.º).
  
  III – O Direito
  As questões a resolver
  1. As questões a resolver são as seguintes:
  A) Relativamente ao recurso interposto pela ré da decisão de não aceitar a junção ao processo da carta por si enviada ao autor em 8 de Outubro de 1997, trata-se de saber se se verificava o condicionalismo da segunda parte, do n.º 1 do art. 616.º do Código de Processo Civil1, isto é, se a sua junção apenas se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
  Contudo, ainda que a resposta à questão seja afirmativa, daí não se segue necessariamente a procedência do recurso, pois que, nos termos do n.º 3 do art. 628.º do CPC, aplicável ao julgamento dos recursos interpostos para este Tribunal de Última Instância, por força do art. 652.º do CPC, “Os recursos que não incidam sobre o mérito da causa só são providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou na decisão da causa...”, importando, então, apurar a verificação deste último pressuposto.
  B) No tocante ao recurso interposto pelo autor, da decisão de mérito, trata-se de saber se houve incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte da ré, envolvendo também apurar se houve perda de interesse do autor na celebração do contrato definitivo.
  
  O recurso interposto pela ré.
  A interpretação da segunda parte, do n.º 1 do art. 616.º do CPC
  2. Comecemos pela primeira questão.
  Com a respectiva alegação de recurso para o Tribunal de Segunda Instância, a ré juntou um documento, mais concretamente uma carta enviada pela ré ao autor, em 8 de Outubro de 1997, alegadamente em resposta à carta remetida pelo autor, em 27 de Agosto de 1997.
  O Acórdão recorrido não admitiu a junção, com o fundamento de não se tratar de documento cuja junção se tenha tornado necessária em virtude da decisão proferida em primeira instância, pois que a decisão em causa não foi inesperada.
  A ré discorda, uma vez que tal “junção justificava-se pela absoluta surpresa, sob o ponto de vista jurídico, que constituiu a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base nos presentes Autos ao valorar o negativamente o alegado silêncio do ora Recorrente” à aludida carta de 27 de Agosto de 1997.
  E acrescentou que “A verdade é que a ausência de tal documento nos autos permitiu ao Tribunal de Primeira Instância valorar a (falsamente alegada pelo Recorrido) ausência de resposta por parte da Recorrente como manifestando a sua intenção de não cumprir”.
  
  3. Está em causa a interpretação de parte da norma, que permite a junção de documentos juntamente com as alegações de recurso para o Tribunal de Segunda Instância. Dispõe a segunda parte, do n.º 1 do art. 616.º do CPC, que “As partes podem juntar documentos às alegações ... no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância”.
  Não está, portanto, em causa a possibilidade de junção de documentos com as alegações no condicionalismo do art. 451.º do CPC, aplicável por força da primeira parte do mesmo n.º 1 do art. 616.º (documentos destinados a fazer prova dos documentos da acção ou da defesa e documentos destinados a provar factos supervenientes aos articulados).
  O segmento normativo em questão foi introduzido pelo § único do art. 25.º do Decreto n.º 13979, de 25.7.1927, dizendo J. ALBERTO DOS REIS2 que a junção do documento só é de admitir quando serve para impugnar fundamentos da sentença, quer tenha recaído sobre pressupostos processuais ou sobre o mérito da causa.
  Interpretando norma do Código de 1961, correspondente à falada segunda parte, do n.º 1 do art. 616.º do Código de Macau, entende ANTUNES VARELA 3 que a junção do documento é possível quando este “... só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou a dedução da defesa), quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado”.
  Ora, manifestamente, o caso dos autos não se enquadra em quaisquer dos condicionalismos referidos pelo Professor de Coimbra, já que a junção foi efectuada, alegadamente, face ao entendimento do Ex. mo Juiz, expresso no início do n.º 5 da sentença, segundo o qual a ré nada disse ou fez nos prazos fixados pelo autor na carta de 27 de Agosto de 1997.
  Na verdade, a sentença, nem se baseou em preceito jurídico, nem em qualquer meio probatório da iniciativa do tribunal. Em direitas contas, o que a sentença fez foi considerar assente um facto novo, o de que a ré nada disse ou fez nos prazos fixados pelo autor na carta de 27 de Agosto de 1997.
  Não foi, pois, violada a segunda parte do n.º 1 do art. 616.º do Código de Macau.
  É certo que o Ex.mo Juiz de 1.ª instância, ao considerar provado aquele facto, terá violado o disposto no art. 664.º do Código de 1961, segundo o qual o juiz só se pode servir de factos articulados pelas partes.
  Mas não menos certo é que o Tribunal de Segunda Instância não o considerou provado. Ora, o Tribunal de Última Instância aplica o direito aos factos que o tribunal recorrido considerou provados (art. 649.º do Código de Processo Civil), pelo que, tal facto, não tendo sido dado como assente pelo Tribunal de Segunda Instância, não será considerado na apreciação do recurso.
  Quer isto dizer que, ainda que tivesse havido violação do n.º 1 do art. 616.º do CPC, o recurso improcederia visto que, não incidindo sobre o mérito da causa, a eventual infracção cometida não influiu no exame ou na decisão da causa (n.º 3 do art. 628.º do mesmo diploma, aplicável por força do art. 652.º).
  Improcede o recurso interposto pela ré.
  
  O recurso interposto pelo autor
  4. Apreciemos, agora, o mérito da causa, tratando-se de saber se houve incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte da ré.
  
  Resumo dos factos relevantes
  5. A, o autor da acção, e B, a ré, celebraram contrato-promessa, em 3 de Outubro de 1991, pelo qual o primeiro prometeu comprar e a segunda prometeu vender 37 fracções de um centro comercial.
  Após vicissitudes várias, o ora autor intentou uma acção declarativa com processo ordinário contra a ora ré, em 1995, na qual pedia que o tribunal declarasse que o contrato se mantinha válido, por a ré não poder ter resolvido o mesmo, como fizera, mais pedindo, que, por via da acção o tribunal declarasse resolvido o contrato por incumprimento da ré
  Por Acórdão de 11 de Dezembro de 1996, o Tribunal Superior de Justiça decidiu que o contrato-promessa permanecia válido, tendo para tal entendido que não foi estabelecido qualquer prazo certo para a outorga do contrato definitivo e que não havia ainda mora do autor pois o credor não havia marcado a escritura e comunicando ao devedor onde e quando a mesma teria lugar. Por outro lado, o Tribunal Superior de Justiça considerou não ter havido, por banda de qualquer dos contraentes, incumprimento das respectivas cláusulas.
  Em 29 de Agosto de 1997 o autor enviou à ré uma carta, interpelando-a para comparecer num cartório notarial no dia 30 de Outubro de 1997, a fim de celebrarem a escritura de compra e venda das fracções, mais solicitando que um representante da ré se deslocasse ao escritório do mandatário do autor para assinar os impressos de sisa e que a ré enviasse cópias dos documentos de identificação das pessoas que a iam representar na escritura.
  Terminava, advertindo que na hipótese de não ser dada satisfação às solicitações, teria o contrato por definitivamente não cumprido.
  A ré não observou os avisos constantes da carta.
  Em Dezembro de 1997, a ré enviou ao autor uma carta interpelando-o para comparecer num cartório notarial no dia 20 de Janeiro de 1998, a fim de celebrarem a escritura de compra e venda das fracções, devendo pagar nessa ocasião o remanescente do preço e outras quantias referentes a juros de mora de pagamento do preço das fracções, despesas de condomínio e despesas de ligação da água.
  O autor respondeu a esta carta dizendo que não tendo a ré comparecido no notário, o contrato-promessa se achava definitivamente incumprido e resolvido, tendo ele direito de exigir o dobro do sinal. Mas que, não obstante, continuava na disposição de celebrar a escritura, mas pagando apenas o remanescente do preço e as despesas de ligação da água.
  Entretanto, a ré havia celebrado arrendamento com terceiro das fracções em causa, o que inviabilizou a revenda das fracções a um interessado que pretendia adquiri-las por HKD$13.500.000,00.
  Resulta do contrato-promessa que o autor pretendia as fracções exclusivamente com o fim de as revender.
  Entretanto, o autor intentou a presente acção em Fevereiro de 1999.
  
  Síntese das posições jurídicas das partes e das decisões judiciais
  6. O Ex.mo Juiz Presidente do Tribunal Colectivo conclui haver incumprimento definitivo por parte da ré.
  Por um lado, considerou que:
  - A resolução do contrato-promessa e a perda do sinal ou a sua restituição em dobro só têm lugar no caso de incumprimento definitivo e não de simples mora, nos termos do art. 442.º do Código Civil de 1966;
  - E que o art. 808.º do mesmo Código Civil consagra a conversão da mora em incumprimento definitivo e que teria sido esse o caso face à conduta da ré, que não cumpriu os avisos do autor, consubstanciados na carta de 29 de Agosto de 1997.
  Ponderou, ainda que existem situações típicas em que é definitivo o incumprimento, como a declaração antecipada de não cumprir, o termo essencial e a cláusula resolutiva expressa.
  E entendeu que o prazo concedido pelo autor na carta de 29 de Agosto de 1997, revestiu a natureza de termo essencial e final, para mais com a advertência expressa de resolução em caso de continuação de incumprimento.
  O Tribunal de Segunda Instância aceita que a perda do sinal ou a sua restituição em dobro só têm lugar no caso de incumprimento definitivo e não de simples mora, nos termos do art. 442.º do Código Civil de 1966 e que o art. 808.º do mesmo Código, consagra a conversão da mora em incumprimento definitivo.
  Contudo, entendeu que aquando da celebração do contrato-promessa as partes não fixaram um prazo certo para a celebração do contrato definitivo e que aquando do envio da carta de 29 de Agosto de 1997 a interpelar a ré para a celebração da escritura esta ainda não estava em mora.
  Assim, só após a falada de comparência da ré à celebração da escritura ela entrou em mora, pelo que havia necessidade de um prazo adicional para que esta mora se convertesse em incumprimento definitivo, nos termos do mencionado art. 808.º do Código Civil.
  Acrescenta o acórdão recorrido que não se mostra ter havido perda do interesse do credor, o autor, visto que na sua comunicação de resposta à carta da ré de Dezembro de 1997, dizia que apesar do incumprimento definitivo do contrato por parte da ré, ele continuava na disposição de celebrar a escritura.
  Concluiu não ter havido incumprimento definitivo do contrato nem do autor nem da ré.
  Em recurso, o autor afirma que não subscreve o entendimento do Tribunal de Segunda Instância, segundo o qual só haveria incumprimento definitivo quando seja precedido de mora e que esta só ocorreria quando, estando em causa um contrato-promessa, designada data para a celebração do contrato definitivo por uma das partes, a outra parte não comparece. E que a decisão recorrida teria adoptado um conceito deficiente de perda do interesse do credor.
  E que o Tribunal de Segunda Instância, ao fundamentar a manutenção do interesse do autor na celebração do contrato definitivo praticou nulidade – conhecendo de questão de que não podia conhecer – visto que a questão nunca foi suscitada pela ré nos articulados, sendo certo que os tribunais de recurso não podem conhecer de questões novas.
  Por fim, afirma o autor que caberia à ré marcar nova data para a celebração da escritura, quando faltou à escritura marcada pelo autor pelo que não o tendo feito, converteu nesse momento a mora em incumprimento definitivo, se antes já não estivesse nessa situação.
  E que os factos mostram que a ré tinha a intenção de não querer cumprir o contrato prometido.
  A ré pede a manutenção do julgado.
  
  Apreciação jurídica
  Cumprimento e não cumprimento das obrigações
  7. A fim de apreciarmos a situação dos autos, importa fazer previamente algumas considerações sobre cumprimento e não cumprimento das obrigações e, posteriormente, sobre o regime da violação do contrato-promessa.
  A violação do dever de prestar, por causa imputável ao devedor, pode revestir várias formas:
  - A impossibilidade da prestação;
  - O não cumprimento definitivo;
  - A mora.4
  Afastando, agora, a hipótese de impossibilidade da prestação, que não está em causa, podemos definir a mora do devedor, como o atraso culposo no cumprimento da obrigação.
  O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido (n.º 2 do art. 804.º do Código Civil de 1966)5.
  Importa considerar o momento da constituição em mora.
  Como se sabe, se a obrigação é pura 6 só há mora depois de o devedor ser interpelado para cumprir (art. 805.º, n.º 1).
  Haverá mora, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo, se a obrigação provier de facto ilícito7 ou se o devedor impedir a interpelação (art. 805.º, n.º 2).
  Por outro lado, o incumprimento definitivo dá-se quando, no momento do cumprimento, o devedor não acate o comportamento devido, sendo este possível e não se verificando os requisitos do cumprimento defeituoso ou da mora.8
  Mas, em certas circunstâncias a mora pode converter-se em incumprimento definitivo.
  Na verdade, dispõe o art. 808.º do Código Civil:
“Artigo 808.º
(Perda do interesse do credor ou recusa do cumprimento)
  1. Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.
  2. A perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente”.
  Quer isto dizer que, em duas situações, a mora do devedor pode transformar-se em incumprimento definitivo:
  - Se, por causa da mora do devedor, o credor perder o interesse na prestação;
  - Se, após a mora do devedor, a prestação não for realizada no prazo (suplementar) que for fixado pelo credor.9
  Tem-se entendido, pacificamente, que a declaração expressa do devedor de não querer cumprir, também constitui incumprimento definitivo.10
  De outra banda, como explica J. BAPTISTA MACHADO,11 o remédio concedido por lei ao credor para resolução do contrato, em consequência da mora, por via da concessão de prazo suplementar ao devedor para cumprir, só se aplica se, por causa da mora, o credor não perder o interesse na prestação ou se as partes não tiverem previsto uma cláusula resolutiva12 ou um termo essencial.13
  Quanto aos efeitos do não cumprimento, temos que a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (art. 804.º, n.º 1), enquanto que havendo incumprimento definitivo, além desta obrigação de indemnizar os prejuízos (O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor – art. 798.º do Código Civil),14 tem o credor direito à resolução do contrato se este for bilateral (art. 801.º, n.º 2, do Código Civil).15
  
  O contrato-promessa e o sinal
  8. Pelo contrato-promessa bilateral, as partes obrigam-se a celebrar determinado contrato.
  O sinal consiste na coisa - normalmente dinheiro - que um dos contraentes entrega ao outro, no momento da celebração do contrato ou em momento posterior, como prova da sua seriedade e garantia do cumprimento ou como antecipação da indemnização devida ao outro contraente, quando aquele que constitui o sinal se arrepende de ter contratado e quer desfazer o negócio.16
  Dispõe o art. 442.º do Código Civil de 1966, na redacção original, que foi a que sempre vigorou em Macau:
“Artigo 442.º
(Sinal)
  1. Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.
  2. Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado.
  3. Salvo estipulação em contrário, a existência de sinal impede os contraentes de exigirem qualquer outra indemnização pelo não cumprimento, além da fixada no número anterior”.
  Face a esta redacção, quase unanimemente se tem entendido que só há lugar à perda do sinal ou à sua restituição em dobro, consoante, respectivamente, o incumprimento caiba a quem prestou o sinal ou a quem o recebeu, quando haja incumprimento definitivo e não simples mora do devedor.17
  Igualmente, é pacífico que uma das funções do sinal é a determinação prévia (ou forfaitaire) da indemnização devida em caso de não cumprimento.18
  Vimos, por outro lado, a propósito do cumprimento e não cumprimento das obrigações, que, de acordo com o art. 808.º, n.º 1, do Código Civil, a mora se converte em incumprimento definitivo, ou pela perda do interesse do credor na prestação ou pela interpelação admonitória, pela qual o credor, em caso de mora, concede um prazo suplementar ao devedor, para que este cumpra, seguida da não realização da prestação.
  Pois bem, tal mecanismo da segunda parte, do n.º 1 do art. 808.º do Código Civil, aplica-se ao contrato-promessa, por se aplicar à generalidade dos contratos bilaterais e por não haver nenhuma razão séria para não se aplicar a solução ao contrato em questão.19
  Aliás, devem também, considerar-se aplicáveis ao contrato-promessa as regras respeitantes ao incumprimento definitivo das obrigações, atrás mencionadas, designadamente, as relativas à perda do interesse do credor, ao termo essencial e à declaração do devedor de não querer cumprir.20
  Contudo, importa, ainda, ponderar que o não cumprimento do contrato, a que alude o n.º 2, do art. 442.º do Código Civil, para além as hipóteses já descritas, pode ter a sua origem na “quebra em satisfazer cláusulas referentes a certos deveres contratuais”.21
  Certo, porém, que a violação de tais deveres tem de ser importante, tendo sempre em primeira linha de aferição o interesse do credor 22e de implicar a resolução do contrato, sem a qual, segundo a melhor doutrina, não haverá lugar à perda do sinal ou à sua restituição em dobro.23
  
  O caso julgado da acção anterior
  9. Estamos em condições de examinar a conduta das partes a fim de apurar se a resolução do contrato, por parte do autor, foi legal.
  As partes celebraram o contrato-promessa em 1991.
  Em 1995, o ora autor intentou uma acção declarativa contra a ora ré, pedindo que declarasse a resolução do contrato, com fundamento em incumprimento contratual.
  Nessa acção, o autor invocava, designadamente, que a ré havia arrendado as fracções - que transformara em supermercado - a terceiro, e que, por causa disso, o autor não pudera vender as fracções a um interessado.
  Por Acórdão de Dezembro de 1996, o Tribunal Superior de Justiça decidiu que o contrato estava válido, que não tinha havido incumprimento da obrigação por parte da ré e, assim, que o contrato não tinha sido validamente resolvido.
  Daqui resulta que os fundamentos invocados pelo autor na acção anterior, como fundamento de incumprimento contratual por parte da ré, precludiram com a decisão do Tribunal Superior de Justiça, que constitui caso julgado material, nos termos do art. 673.º do Código de Processo Civil de 1961, então vigente. Nessa decisão se diz expressamente que a ré não assumiu conduta violadora do acordo.
  Ora, nas duas acções, as partes são as mesmas, como os mesmos são o pedido e a causa de pedir, na parte em apreciação, pelo que é indiscutível o caso julgado, visto que se o Tribunal reapreciasse a questão ficaria colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir a decisão anterior (arts. 497.º, n.º 2 e 416.º, n.º 2, dos Código de Processo Civil de 1961 e de 1999, respectivamente).
  É certo que o caso julgado só cobre a decisão e não, em princípio, os fundamentos de facto ou de direito da sentença.
  Mas não é isso que está em causa.
  É indiscutível que o caso julgado se forma sobre o pedido, ligado a certa causa de pedir. Logo, é evidente, que tendo o Tribunal decidido, na acção anterior, que os fundamentos então invocados pelo autor para fundamentar a resolução do contrato não procediam, não pode voltar o autor, numa segunda acção, contra a mesma ré, deduzir a mesma pretensão, como os mesmos fundamentos da acção anterior.
  Não iremos, pois, apreciar os fundamentos, atrás mencionados e que o autor voltou a colocar na presente acção.
  
  Termo essencial
  10. Para saber se foi fundada a resolução do contrato-promessa, importa averiguar se o devedor estava em mora, se por causa desta o credor perdeu o interesse na prestação ou se as partes previram uma cláusula resolutiva ou um termo essencial. E, eventualmente, se houve violação significativa de obrigações secundárias ou de deveres acessórios que pudesse justificar a resolução.
  Estando, à partida, afastada a existência de cláusula resolutiva, que não foi suscitada por qualquer das partes, nem pelas decisões judiciais proferidas nos autos, vejamos se o contrato-promessa tinha aposto algum termo essencial.24
  Como se disse anteriormente, contratos com termo essencial são aqueles em que desaparece a utilidade, para o credor, da prestação fora de prazo.
  O termo pode ser objectivo se a sua essencialidade resulta da natureza da própria prestação, atento o respectivo fim, como acontece com a entrega de um vestido para um certo baile. O termo essencial é subjectivo se respeita ao desaparecimento da utilidade da prestação para o credor após o vencimento do termo e resulta de pactuação expressa ou tácita dos contraentes.25
  No caso dos autos não havia nenhum termo objectivo e, por outro lado, as partes nunca convencionaram qualquer prazo para a celebração do contrato prometido.
  Na sentença do Ex.mo Presidente do Tribunal Colectivo, considera-se que a carta do autor, de 27 de Agosto de 1997, em que interpela a ré para a celebração da escritura, constitui um termo essencial e final.
  Ora, se bem que o termo possa resultar não só do contrato, como de acordo posterior, é seguro que o termo essencial subjectivo tem de resultar de acordo das partes, não podendo ser imposto por um dos contraentes ao outro.26
  Em conclusão, o contrato-promessa não estava sujeito a termo essencial.
  
  Mora da ré antes do dia 30 de Outubro de 1997
  11. Cumpre, agora, dilucidar se a ré já se encontrava em mora, quanto ao cumprimento da obrigação principal, quando o autor a interpelou, por meio da carta de 29 de Agosto de 1997, para a celebração do contrato definitivo, a ter lugar num cartório notarial no dia 30 de Outubro de 1997.
  Em Dezembro de 1996, o Tribunal Superior de Justiça considerou que não havia mora, pois que só se poderia falar desta a partir da interpelação para marcação da escritura, que não ocorrera.
  Ora, depois do litígio judicial anterior, o primeiro facto posterior, referente à prestação principal, dado como provado, 27 foi a mencionada carta de 29 de Agosto de 1997.
  Na verdade, entre o litígio judicial que culminou com o Acórdão de Dezembro de 1996, e o envio da carta de 29 de Agosto de 1997, apenas se provou que “O Autor, logo após o trânsito em julgado do Acórdão do TSJ de 11/12/96, avisou mais uma vez a ré que deveria repor as fracções no estado em que elas se encontravam antes da demolição referida na Alínea DD) (Resposta ao quesito 9.º)”28.
  Mas esta questão suscitada na carta não se refere à obrigação principal, que consiste, no contrato-promessa, na celebração do contrato prometido.
  Adiante, se for caso disso, se examinarão as questões relativas ao cumprimento de obrigações secundárias.
  Logo, não havendo qualquer facto atinente ao atraso da ré no cumprimento da obrigação de celebração do contrato prometido, importa concluir que, até ao dia 30 de Outubro de 1997, data escolhida pelo autor para a celebração da escritura e para a qual interpelou a ré, esta não se encontrava em mora.
  Ora, como se expôs no n.º 7, a mora do devedor não representa incumprimento definitivo, podendo transformar-se neste se, após a mora, a prestação não for realizada no prazo (suplementar) que for fixado pelo credor, nos termos do n.º 1 do art. 808.º do Código Civil.
  Pois bem, não estando a ré em mora, não era possível ao autor considerar não cumprida a obrigação, sem ter concedido à ré um prazo suplementar para cumprir, interpelando-a, novamente, para a celebração do contrato prometido.29 Efectivamente, após carta enviada pela ré ao autor em Dezembro de 1997, este respondeu declarando logo a resolução do contrato-promessa.
  Confirma-se, assim, nesta parte, o decidido no acórdão recorrido.
  
  Perda do interesse do autor na prestação.
  Questão nova. Nulidade.
  12. No acórdão recorrido considerou-se não ter havido perda de interesse do credor, o autor, na prestação. Para tal, socorreu-se, além do mais, de declaração do autor, em carta em resposta à carta da ré, de Dezembro de 1997, que apesar de declarar o contrato resolvido, continuava “na disposição de celebrar a escritura”.
  Nas suas alegações, o autor considera que o Tribunal de Segunda Instância, ao fundamentar a manutenção do interesse do autor na celebração do contrato definitivo praticou nulidade – conhecendo de questão de que não podia conhecer – visto que a questão nunca foi suscitada pela ré nos articulados, sendo certo que os tribunais de recurso não podem conhecer de questões novas.
  O autor não tem nenhuma razão na arguição de nulidade.
  Na verdade, foi a sentença de primeira instância que fundamentou a sua decisão, de declarar resolvido o contrato-promessa, além do mais, na perda do interesse do autor na prestação da ré.
  Mas a ré impugnou o mérito da questão no recurso, defendendo que não houve qualquer perda de interesse do autor na prestação e chamou directamente à colação a tal declaração do autor, do início de 1998.
  Posteriormente, o Tribunal de Segunda Instância conheceu da questão, nos termos já relatados.
  Ora, é de uma evidência manifesta que o acórdão recorrido não conheceu de questão nova. Limitou-se a dar razão à ré, na impugnação da sentença de primeira instância, onde se suscitou a questão.
  Improcede, portanto, a nulidade.
  
  13. Subscreve-se o entendimento de que não se mostra ter havido perda de interesse do autor na prestação, em consequência da mora, pois é este o condicionalismo do incumprimento definitivo, de acordo com o disposto no art. 808.º, n.º 1, do Código Civil e foi neste enquadramento que o acórdão recorrido apreciou a questão.
  Mas daqui não resulta, necessariamente, que se possa dizer, em geral, que não houve perda de interesse do autor na celebração do contrato prometido.
  
  Deveres principais, secundários e laterais
  14. O acórdão recorrido entendeu que não tinha havido perda de interesse do credor nem incumprimento definitivo do contrato, em virtude de não ter havido mora quanto à obrigação principal, de celebração do contrato prometido.
  Simplesmente, o mesmo acórdão não examinou a eventual violação de outras obrigações secundárias, o que se irá fazer, de seguida.
  Em 1995, a ré arrendou as 37 fracções prometidas vender ao autor para supermercado, que aí foi instalado. Para tal, foram demolidas as paredes que separavam as fracções, que ficaram, assim, transformadas num espaço amplo
  Como já se disse, em 1995 foi proposta uma acção em que este comportamento da ré foi invocado e que terminou por decisão de Dezembro de 1996, em que se considerou não ter havido incumprimento do contrato-promessa.
  Também, como se disse, o caso julgado da acção impede-nos de reapreciar tal comportamento.
  Contudo, só há caso julgado até ao momento temporal a que se reporta a decisão judicial em causa.
  Ora, tendo em atenção que a acção foi proposta em 1995, nada obsta a que apreciemos os factos posteriores e os anteriores, que se mantenham após a acção anterior. Quer dizer, relativamente aos factos posteriores e aos factos anteriores que se mantenham após a primeira acção judicial, isto é aos factos permanentes, o caso julgado é irrelevante.
  Ou seja, relativamente a factos que se tenham iniciado antes da primeira acção judicial e que se mantenham após estar ter tido lugar, podemos concluir diversamente, pois a causa de pedir é diversa. Na verdade, um facto é a violação ocorrida em 1994 ou 1995; outros factos são as violações contratuais ocorridas em 1996 ou 1997, ainda que se tenha iniciado em 1995.
  Prossigamos, pois.
  O autor prometeu comprar 37 fracções autónomas à ré, integradas num centro comercial.
  Resulta do contrato (cláusulas 4.ª, 5.ª, 6.ª, 7.ª) que o autor, promitente comprador, destinava as fracções à revenda.
  Ora, com o arrendamento das 37 fracções para supermercado e com a demolição das paredes que separavam as fracções, que ficaram, assim, transformadas num espaço amplo, surgiu um espaço totalmente diferente na sua composição do objecto que as partes tiveram em vista ao celebrar o contrato-promesssa (Alínea EE) da Especificação).
  A partir de meados de Julho de 1995, a ré impediu o acesso do autor ao prédio vedando-lhe a respectiva entrada (resposta ao quesito 2.º).
  A ré impediu o autor de apresentar essas fracções aos eventuais interessados a partir de meados de Julho de 1995 (Resposta ao quesito 4.º).
  O Autor, logo após o trânsito em julgado do Acórdão do TSJ de 11/12/96, avisou mais uma vez a ré que deveria repor as fracções no estado em que elas se encontravam antes da demolição referida na Alínea DD) (Resposta ao quesito 9.º)
  Na carta enviada pelo autor, em resposta à carta da ré, de Dezembro de 1997, o autor concedia à ré o prazo máximo de 60 dias para repor as fracções no estado coincidente com o projecto aprovado e que se teve presente na celebração do contrato-promessa [Alínea II] da Especificação].
  A ré não repôs as fracções no estado anterior. 30
  Estes factos são permanentes, isto é, mantêm-se ainda – ao contrário dos factos examinados em 9., relativos à ré ter impedido o autor de vender as fracções a um terceiro em 1995, que foi um facto instantâneo, coberto, portanto, pelo caso julgado.
  Em resumo, com a actuação da ré, impedindo a entrada do autor no imóvel, bem como de apresentar essas fracções aos eventuais interessados e descaracterizando as fracções, pela sua transformação num espaço amplo, a ré dificultou enormemente a revenda das fracções a terceiros e era esta a finalidade do autor, como se disse.
  Por várias vezes, o autor intimou a ré a repor as fracções no estado inicial, mas sem êxito.
  Constituirão estas actuações, violações do contrato?
  
  15. A obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação (art. 397.º do Código Civil).
  A obrigação é composta pelo direito do credor à prestação e pelo dever de prestar, a cargo do devedor.
  Relativamente ao dever de prestar, sobretudo nas relações obrigacionais derivadas de contratos, podemos distinguir os deveres principais de prestação, dos deveres secundários de prestação.
  Os deveres principais ou as prestações principais são os que definem o tipo ou o módulo da relação, como, por exemplo, no contrato de compra e venda, a entrega da coisa vendida, por parte do vendedor e a entrega do preço, por parte do comprador.31
  No contrato-promessa a prestação principal é a celebração do contrato prometido.
  Além destes deveres principais, existem frequentemente, os deveres secundários, que podem ser de prestação autónoma, como o dever de indemnização por incumprimento culposo ou a indemnização em caso de mora, bem como os deveres secundários acessórios da prestação principal, como o dever de guardar a coisa prometida, de a embalar, de promover o seu transporte.
  Como explica C. MOTA PINTO, 32 referindo-se aos segundos, trata-se de deveres exclusivamente dirigidos à realização do interesse no crédito (no cumprimento) e são, assim acessórios do dever primário de prestação.
  No contrato-promessa, constituem deveres secundários acessórios, o pagamento do sinal, a obrigação de preparação dos documentos necessários à celebração do contrato definitivo.
  Importa, ainda, considerar os deveres acessórios de conduta, ou deveres laterais, que nem interessam directamente à prestação principal nem à realização desta, mas que interessam ao correcto desenvolvimento da relação obrigacional. Podem constituir deveres de cuidado, de aviso, de notificação, de cooperação, de protecção e de cuidado.33
  É, por exemplo, o dever do locatário de avisar o senhorio, sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa locada ou quando saiba que a ameaça qualquer perigo [art. 983.º, alínea i] do Código Civil actual].
  
  16. Da economia do contrato resulta indiscutivelmente que o fim da compra das fracções, para o autor, era sua revenda. As despesas de condomínio passaram a ser da responsabilidade do autor ou daqueles a quem ele prometesse vender as fracções, bem como as despesas da energia eléctrica passaram a estar a cargo do autor. Ele poderia mesmo fazer obras nas fracções (cláusula 10.ª).
  Constituíam, pois, obrigações secundárias da ré permitir ao autor o acesso às fracções, bem como permitir que ele mostrasse as fracções a terceiros interessados na sua compra. Igualmente, seria obrigação secundária da ré manter o estado inicial das fracções, de modo a permitir a sua revenda.
  Ao ter a actuação descrita, violou a ré obrigações contratuais secundárias.
  Serão estas fundamento para a resolução do contrato?
  
  Violação de obrigações secundárias como fundamento de resolução do contrato
  17. Como se expôs, o não cumprimento do contrato, a que alude o n.º 2, do art. 442.º do Código Civil, pode ter a sua origem na “quebra em satisfazer cláusulas referentes a certos deveres contratuais”.34
  É que explica ANTUNES VARELA,35 quando afirma “...que a resolução pode fundar-se na violação, tanto de uma obrigação principal, como de uma obrigação secundária ou até de um dever acessório de conduta” e excepcionalmente, até numa simples ameaça, embora séria, de violação do direito.
  Também BAPTISTA MACHADO 36enfatiza que “...o incumprimento tanto pode referir-se à obrigação principal como a prestações acessórias ou à violação de deveres laterais de conduta”.
  Certo, porém, que a violação de tais deveres tem de ser importante, tendo sempre em primeira linha de aferição o interesse do credor. 37
  Deste modo, “... deverá em princípio ser considerada grave e, como tal, susceptível de fundamentar o direito de resolução toda aquela inexecução ou inexactidão do cumprimento (quer sob a forma de atraso no cumprimento, quer sob a forma de inexactidão quantitativa ou qualitativa da prestação) que torne inviável um certo emprego do objecto da prestação ou que impossibilite o credor de o aplicar ao uso especial que ele tinha em mira”.
  Por outro lado, especificamente no que respeita ao contrato-promessa, ANA PRATA 38 opina que qualquer incumprimento de obrigação secundária e acessória desencadeia a aplicabilidade do respectivo regime legal pertinente. Mas se o inadimplemento de uma obrigação secundária se reflectir no incumprimento de concluir o contrato principal (obrigação principal), pode desencadear a aplicação dos instrumentos de tutela desta última obrigação.
  Quer dizer, a violação de obrigação secundária, em regra, não provoca as consequências típicas da violação da obrigação principal. Mas a referida violação pode implicar tais consequências, designadamente, a resolução do contrato, quando se reflectir no incumprimento de concluir o contrato principal.
  Segundo a mesma autora,39 a pedra de toque para aferir das consequências da violação da obrigação secundária na obrigação principal, é a da independência ou autonomia da primeira em relação à segunda. Se a obrigação secundária não cumprida revestir completa independência relativamente à obrigação principal, de tal modo que o seu não cumprimento pontual seja insusceptível de se reflectir na viabilidade e funcionalidade jurídicas ou económicas do negócio principal, esse incumprimento gerará os efeitos próprios de qualquer incumprimento do seu tipo, mas não se repercutirá no regime da obrigação principal. Já se o dever incumprido for acessório ou instrumental do cumprimento da obrigação principal, os seus efeitos são absorvidos e consumidos pelo não cumprimento que ele provoca na prestação principal.40
  De outra banda, “...Com a verificação de qualquer concreto inadimplemento que seja suficientemente grave para fundar um direito de resolução, surge um concreto direito de resolução”.41
  
  18. A violação das obrigações secundárias em causa por parte da ré são graves e são instrumentais ou acessórias da obrigação principal consistente na celebração do contrato prometido.
  Na verdade, o interesse do autor no acesso às fracções, na manutenção do estado inicial das fracções, bem como mostrar as fracções a terceiros interessados na sua compra, de modo a permitir a sua revenda, está directamente relacionado com o seu interesse na compra das fracções, visto que esta só lhe interessava para revenda a terceiros.
  E a violação destas obrigações por parte da ré é grave, porque dificulta fortemente a possibilidade de revenda a terceiros.
  Esta conclusão não briga com a afirmação do n.º 13, de que não se mostra ter havido perda de interesse do autor na prestação, em consequência da mora.
  A perda do interesse do autor que releva aqui, não é como facto integrador do incumprimento, nos termos do art. 808.º, n.º 1, do Código Civil, pois esta perda de interesse é a resultante da mora, que não existiu, mas a perda de interesse, em consequência de violações de obrigações secundárias por parte da ré, pois esta, mesmo após a carta do autor de Janeiro de 1998, em que a intimava a repor as fracções no estado inicial, nada fez nesse sentido.
  Logo, as violações constituem fundamento para resolução do contrato-promessa, com a consequência típica de restituição do sinal em dobro.
  Procede, assim, o recurso do autor relativamente ao pedido formulado na petição inicial de declaração de resolução do contrato e de condenação da ré no pagamento ao autor do dobro do sinal.
  
  Despesas de condomínio e juros de mora
  19. Mas os pedidos formulados na petição inicial e que a sentença da primeira instância julgou procedentes, incluíam também, a condenação da ré no pagamento ao autor de HKD$4.410.543,80 equivalentes a MOP$4.549.475,93, que foram pagos à ré a título de despesas de condomínio e a condenação da ré a pagar ao autor de juros legais sobre estes montantes a partir da citação.
  O acórdão recorrido revogou totalmente a sentença de primeira instância, pelo que estas pretensões ficaram sem suporte.
  Ora, o autor, se bem que no requerimento de interposição de recurso tenha recorrido de todo o acórdão, na parte desfavorável, o certo é que no texto da alegação e respectivas conclusões, apenas aborda a questão do incumprimento do contrato e da resolução do contrato.
  Quer dizer, o autor não aborda na alegação as questões das despesas de condomínio e dos juros legais sobre estes montantes a partir da citação.
  Dispõe o art. 589.º, n.º 2, do Código de Processo Civil que “Se a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas, pode o recorrente restringir o recurso a qualquer delas, especificando no requerimento a decisão de que recorre; na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente”, acrescentando o n.º 3, do mesmo artigo que “Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”.
  Relativamente aos juros moratórios é manifesto que o Tribunal não pode conhecer do acerto ou desacerto da decisão recorrida, uma vez que o autor, ora recorrente, não suscitou autonomamente a questão nas alegações, restringindo, assim, tacitamente, o objecto inicial do recurso.
  Quanto às despesas de condomínio, em princípio, não seria de conhecer da questão por não ter sido abordada na alegação. Contudo, entende-se que a mesma é de conhecer uma vez que a sentença de primeira instância configurou a restituição de tais despesas como consequência da resolução do contrato, nos termos dos arts. 433.º e 289.º do Código Civil. Ora, na medida em que o recorrente equacionou a questão da resolução do contrato, conhecer-se-á da questão.
  
  Excepção ao efeito retroactivo da resolução do contrato
  20. Entende-se que o autor não tem direito às mencionadas despesas de condomínio.
  Na verdade, o contrato-promessa previu o pagamento de tais despesas pelo promitente comprador à promitente vendedora, a título de utilização das fracções por parte daquele, a fim de poder negociar as mesmas, como o próprio autor alega no art. 16.º da petição inicial. E desde 3 de Dezembro de 1991 até Julho de 1995, o autor suportou tais despesas, que agora quer ver devolvidas. Ora, o autor deixou de as pagar em Julho de 1995, porque nesta ocasião a ré impediu o acesso do autor às fracções, impossibilitando-o de promover a venda das fracções.
  Pois bem, não faz sentido, o autor pretender o pagamento de despesas que estão relacionadas com a utilização que fez das fracções para os fins que lhe aprouveram. Na verdade, o autor usufruiu das fracções até Julho de 1995 e as despesas de condomínio referem-se a tal utilização.
  Ora, de acordo com o disposto no n.º 2, do art. 434.º do Código Civil, nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas.
  Embora, enquanto tal, um contrato-promessa não seja de execução continuada ou periódica, mas de execução instantânea, para os efeitos que estão em causa, e na parte em que previa a utilização das fracções pelo promitente comprador, com a contrapartida de pagamento das despesas de condomínio, o contrato dos autos deve ser considerado como de execução continuada ou periódica, visto que a sua execução se prolongou durante três anos e meio, usufruindo o promitente comprador as fracções e pagando as despesas inerentes à sua utilização.
  Ora, apesar da resolução e do respectivo efeito retroactivo, não se pode dar sem efeito, porque não é possível, a utilização que o autor fez das fracções, pelo que deve pagar as despesas respectivas. É esse o sentido da norma do n.º 2, do art. 434.º do Código Civil, sendo certo que se não verifica o condicionalismo da parte final da norma.
  Nesta parte, não procede, pois, o recurso.
  
  IV – Decisão
  Face ao expendido:
  1) Negam provimento ao recurso interposto pela ré da decisão de não aceitar a junção ao processo, da carta por si enviada ao autor, em 8 de Outubro de 1997;
  2) Dão parcial provimento ao recurso interposto pelo autor e revogam parcialmente a decisão recorrida:
  - Declarando resolvido o contrato-promessa;
  - Condenando a ré a pagar ao autor o dobro do sinal, ou seja, HKD$12.933.100,00 equivalentes a MOP$13.340.492,65.
  - Mantendo a absolvição da ré do pedido de condenação no pagamento ao autor de HKD$4.410.543,80 equivalentes a MOP$4.549.475,93, que foram pagos à ré a título de despesas de condomínio.
  3) Não conhecem da parte da decisão recorrida que revogou a sentença de primeira instância, na parte em que esta condenou a ré a pagar ao autor juros desde a citação.
  Quanto ao pedido do autor, custas pelo autor e pela ré neste Tribunal, bem como nas primeira e segunda instâncias, na proporção do vencido.
  Quanto ao pedido reconvencional, custas pela ré na primeira e segunda instância.
  Mantém-se a decisão de custas do Tribunal de Segunda Instância quanto aos restantes pedidos, relativos a junção de documentos.
  Macau, 30 de Abril de 2003
Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
  
1 Doravante designado por CPC.
2 J. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Volume IV, p. 22.
3 ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115.º, n.º 3696, p. 95.
4 Cfr. ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Almedina, Coimbra, volume II, 7.ª ed., 1999, p. 91, que se seguirá muito de perto na exposição subsequente
5 Que é o diploma aplicável à relação jurídica entre autor e ré.
6 Obrigações puras são as que se vencem logo que o credor exija o seu cumprimento e que se contrapõem às obrigações a prazo ou a termo, que são aquelas que cujo cumprimento não pode ser exigido ou imposto à outra parte antes de decorrido certo período ou chegada certa data.
7 Facto ilícito extracontratual, como refere ANTUNES VARELA, obra e volume citados, p. 119.
8 A. MENEZES CORDEIRO, Direito das obrigações, AAFDL, Lisboa, 1999, 2.º volume, p. 456.
9 Notificação essa que a doutrina designa por notificação admonitória ou interpelação cominatória.
10 Cfr., por todos, J. C. BRANDÃO PROENÇA, Do incumprimento do contrato-promessa bilateral, a dualidade execução específica-resolução, Coimbra, 1996, 2.ª ed., p. 87 e segs., ANTUNES VARELA, obra e volume citados, p. 92 e 107, nota (1), A. MENEZES CORDEIRO, obra e volume citados, p. 457 e VAZ SERRA, Impossibilidade superveniente. Desaparecimento do interesse do credor. Casos de não cumprimento da obrigação, 1955, p. 192.
11 J. BAPTISTA MACHADO, Pressupostos da resolução por incumprimento, in Obra Dispersa, Scientia Iuridica, Braga, 1991, vol. I, p. 164 e Estudos em homenagem ao Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro, II Iuridica, p. 343 e segs..
12 Cláusula resolutiva é a cláusula contratual que prevê o direito de resolução quando ocorra determinado facto.
13 Contratos com termo essencial são aqueles em que desaparece a utilidade, para o credor, da prestação fora de prazo.
14 A indemnização do interesse contratual negativo, isto é, o prejuízo que ele não sofreria se o contrato não tivesse sido celebrado, segundo a doutrina dominante ou a indemnização do interesse contratual positivo, segundo outros. Cfr. CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, Coimbra, 1995, 2.ª ed., p. 300, nota 540.
15 Isto se o credor não preferir requerer a realização coactiva da prestação (art. 817.º do Código Civil) e pedir a indemnização dos prejuízos sofridos com a falta de cumprimento do devedor (interesse contratual positivo).
16 ANTUNES VARELA, obra citada, 8.ª ed., 1994, volume I, p. 315.
17 ANTUNES VARELA, obra e volume citados, p. 337, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 1987, 4.ª ed., Volume I, p. 423, CALVÃO DA SILVA, obra citada, p. 284, 292 e segs. e 297 e segs.
  Na jurisprudência, cfr. os acórdãos do TRIBUNAL SUPERIOR de JUSTIÇA, de 23.4.97, Processo n.º 612 e de 1.3.95, Processo n.º 261, na colectânea Jurisprudência, 1997, I tomo, p. 435 e 1995, I Tomo, p. 154, respectivamente.
18 CALVÃO DA SILVA, obra citada, p. 301.
19 ANTUNES VARELA, obra e volume citados, p. 344 e segs.
20 ANA PRATA, O contrato-promessa e o seu regime civil, Almedina, Coimbra, 2001, p. 709 e seg..
21 J. C. BRANDÃO PROENÇA, obra citada, p. 78.
22 J. BAPTISTA MACHADO, obra citada, p. 126 e 131 e segs. e J. C. BRANDÃO PROENÇA, A resolução do contrato no direito civil, Coimbra Editora, 1996, 2.ª ed., p. 133 e segs..
23 J. C. BRANDÃO PROENÇA, Do incumprimento... , p. 117 e segs.
24 Foi um dos fundamentos invocados na sentença de primeira instância.
25 J. BAPTISTA MACHADO, obra citada, p. 187 e segs.
26 Neste sentido, J. BAPTISTA MACHADO, obra citada, p. 188, ANTUNES VARELA, obra citada, vol. II, p. 45 e 46, J. C. BRANDÃO PROENÇA, Do incumprimento... , p. 109 e o já mencionado acórdão do TRIBUNAL SUPERIOR de JUSTIÇA, de 1.3.95, Processo n.º 261, na colectânea Jurisprudência, I Tomo, p. 157.
27Aliás, as partes nada mais alegaram a este respeito.
  28 Isto porque “A ré à revelia do autor, deu de arrendamento as fracções em causa a “Lok Fu Supermarket Limited” a qual nela introduziu obras a partir de Julho de 1995 e ali passou a explorar um supermercado em Novembro seguinte” (Alínea CC) da Especificação) e “A ré procedeu também, à revelia do autor, à demolição de todas as paredes que separavam as mesmas fracções (Alínea DD) da Especificação)”.
29 Supondo que a ré entrou, então, em mora, questão que não cumpre apreciar, por não ter sido suscitada.
30 Facto acerca do qual as partes estão de acordo (cfr. os arts. 56.º e 57.º da petição inicial, em que o autor alega que a ré demoliu as paredes que separavam as fracções e o art. 48.º da contestação, em que a ré alega que está em condições de, a qualquer momento, repor as fracções no seu estado inicial).
31 ANTUNES VARELA, obra e volume citados, p. 123.
32 C. MOTA PINTO, Cessão da posição contratual, Almedina, Coimbra, 1982, p. 337.
33 C. MOTA PINTO, obra citada, p. 343 e segs..
34 J. C. BRANDÃO PROENÇA, O incumprimento..., p. 78.
35 ANTUNES VARELA, obra citada, Volume II, p. 108 e nota (2), bem como Volume I, p. 129.
36 J. BAPTISTA MACHADO, obra citada, p. 131.
37 J. BAPTISTA MACHADO, obra citada, p. 126 e 131 e segs. e J. C. BRANDÃO PROENÇA, A resolução..., p. 133 e segs..
38 ANA PRATA, obra citada, p. 655.
39 ANA PRATA, obra citada, p. 656 e segs..Cfr., também, p. 797 e segs..
40 Cfr., também neste sentido, J. C. BRANDÃO PROENÇA, A resolução..., p. 131 e 132, citando a doutrina e jurisprudência italianas.
41 J. BAPTISTA MACHADO, obra citada, p. 132, que acrescenta com manifesto interesse para o caso dos autos, que o reconhecimento de que dado facto de incumprimento suficientemente grave para fundar o direito de resolução dá origem a um concreto direito de resolução, pode ter importância para vários efeitos, designadamente para a precisa definição da causa de pedir e dos limites objectivos do caso julgado.
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Processo n.º 2/2003

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Processo n.º 2/2003