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Processo n.º 8/2003. Recurso em processo penal.
Recorrente: B.
Recorrido: Ministério Público.
Assuntos: Crime de tráfico de droga. Heroína. Quantidade diminuta. Poder de cognição do Tribunal de Última Instância. Ilações do Tribunal de Segunda Instância sobre a matéria de facto provada. Rejeição do recurso.
Data da sessão: 28 de Maio de 2003.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.

SUMÁRIO:
   I - Relativamente a produto contendo heroína, para efeitos do disposto no art. 9.º, n. os 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, deve considerar-se como quantidade diminuta, a que não exceda 6 (seis) gramas daquele produto.
   II – É lícito ao Tribunal de Segunda Instância, depois de fixada a matéria de facto, fazer a sua interpretação e esclarecimento, bem como extrair as ilações ou conclusões que operem o desenvolvimento dos factos, desde que não os altere.
   III - O Tribunal de Última Instância, atentos os seus poderes de cognição limitados à matéria de direito e, em regra, sem intervenção em matéria de facto, só pode censurar as conclusões ou desenvolvimentos feitos pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a matéria de facto fixada, se este infringir o seu limite, tirando conclusões que não correspondam ao seu desenvolvimento lógico.
   IV - Deve considerar-se manifestamente improcedente, para efeitos do disposto no art. 410.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o recurso em que é evidente a sua improcedência, a sua inviabilidade, do ponto de vista do tribunal de recurso.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
   
   
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 22 de Novembro de 2002, decidiu o seguinte:
a) Absolveu o 4.º arguido A do crime de detenção ilícita de droga para consumo pessoal, por insuficiência de prova;
b) Condenou o 1.º arguido B, ora recorrente, na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão e multa de MOP$7.000,00 (sete mil patacas), com a alternativa de 45 (quarenta e cinco) dias de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de droga p. e p. pelo art. 8.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro; na pena de 3 (três) meses de prisão pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem p. e p. pelo art. 12.º do mesmo diploma; e na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de prisão pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção ilícita de droga para consumo pessoal p. e p. pelo art. 23.º alínea a) do mesmo diploma legal.
Em cúmulo, foi o 1.º arguido B condenado na pena única e global de 8 (oito) anos e 8 (oito) meses de prisão e multa de MOP$7.000,00 (sete mil patacas), com a alternativa de 45 (quarenta e cinco) dias de prisão;
c) Condenou a 2.ª arguida C na pena de oito (8) anos e três (3) meses de prisão e multa de MOP$6.000,00, com a alternativa de 40 dias de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de droga p. e p. pelo art. 8.º n.° 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro; na pena de dois (2) meses de prisão pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem p. e p. pelo art. 12.º do mesmo diploma; e na pena de um (1) mês de prisão pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção ilícita de droga para consumo pessoal p. e p. pelo art. 23.º alínea a) do mesmo diploma legal.
Em cúmulo, foi a 2.ª arguida C condenada na pena única e global de oito (8) anos e quatro (4) meses de prisão e multa de MOP$6.000,00, com a alternativa de 40 dias de prisão;
d) Condenou o 3.º arguido D na pena de quarenta e cinco (45) dias de prisão pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção ilícita de droga para consumo pessoal p. e p. pelo art. 23.º alínea a) do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro;
Interposto recurso jurisdicional pelo arguido B, o Tribunal de Segunda Instância, por Acórdão de 6 de Março de 2003, rejeitou o recurso interposto.
Não conformado, recorreu o mesmo arguido B, para este Tribunal de Última Instância, pedindo que seja anulada a decisão recorrida e, em consequência, absolvido o recorrente do crime de tráfico de estupefaciente e condenado, tão só, por um crime do tipo p. e p. no art. 9.º, n.os 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 5/91/M.
Terminou a sua motivação com as seguintes conclusões:
1.ª. É admissível o presente recurso para essa Alta Instância.
2.ª. O Venerando Tribunal recorrido incorreu no vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão e em erro de direito; rejeitou o recurso sem que fosse caso disso.
3.ª. O douto Acórdão recorrido subsumiu a conduta do ora recorrente à autoria de um crime do art. 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 5/91/M, quando tal conduta integra um crime do art.º 9.º, n.os 1 e 3 do mesmo diploma, uma vez que não foi feito o cômputo das quantidades de estupefaciente apreendido que destinava ao consumo para permitir o apuramento rigoroso das quantidades destinadas ao tráfico e essa omissão deveria funcionar em benefício e não em prejuízo do arguido, como aconteceu.
4.ª. Tal omissão poderia permitir a integração jurídico-penal dos factos no art. 9.º e não no art. 8.º e, de todo, o modo, impunha tal convolação por, na falta de apuramento, de tal situação ter de retirar beneficio o réu.
5.ª. Não é possível a condenação por tráfico sem o apuramento das quantidades efectivamente transaccionadas ou destinadas a ser transaccionadas.
6.ª. No aresto sob impugnação, escreveu-se que «tendo o colectivo dado como provado que (apenas) uma pequena quantidade do produto era para consumo próprio (...) não podendo esta quantidade corresponder sequer a metade do total (que perfaz 12,084 gramas) sem esforço é de concluir que a quantidade que destinava ao tráfico era superior a 6 gramas, não sendo, por isso, de se considerar como quantidade diminuta».
7.ª. Tal entendimento é inaceitável por violar o princípio da certeza na aplicação do direito, certo sendo que seria um considerando bastante ao juízo de possibilidade necessário à acusação ou ao juízo de probabilidade subjacente à pronúncia mas nunca aceitar-se que tenha força suficiente para alicerçar a condenação do recorrente.
8.ª. O que está, afinal, em causa, é se tem efectiva validade e consistência o argumento de que a «pequena quantidade» (na expressão vaga dos julgadores em 1.ª instância) que o arguido destinava ao consumo, por ser «pequena», deve presumir-se inferior a 6,084 e se tal presunção basta à condenação do arguido ora recorrente pelo tipo agravado e se não justificava a convolação para o tipo privilegiado ou ainda saber se tal conceito vago não lança uma dúvida razoável susceptível de fazer operar o princípio in dubio pro reo.
9.ª. Incorreu o Venerando Tribunal recorrido no vício antes imputado ao Tribunal Judicial de Base de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o qual redundou em erro de direito - enquadramento jurídico da conduta no tipo do art. 8.º ao invés no do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M - mostrando-se insuficiente a matéria de facto assente à incriminação pelo primeiro tipo legal.
10.ª. O douto Acórdão recorrido violou as normas substantivas dos art. 8.º e 9.º, n.os 1 e 3, do Decreto-Lei n.º 5/91/M (refere Código Penal de Macau por mero lapso), assim como a norma processual do art. 410.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, as quais têm de ser interpretadas com os sentidos que se deixaram supra expressos nesta minuta. Violou, ainda, o princípio in dubio pro reo.

Na resposta à motivação do recurso, o Ex.mo Procurador-Adjunto opina pela rejeição do recurso, por o recurso não ter qualquer fundamento, já que este Tribunal tem entendido que, no que toca à heroína, a quantidade diminuta, para efeitos do art. 9.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, é preenchida com a quantidade de 6 gramas, sendo que no caso em apreço se provou que o recorrente detinha 12,084 gramas do mencionado estupefaciente, sendo que uma pequena quantidade deste estupefaciente era para consumo próprio. Ora, pequena quantidade aponta para uma porção reduzida do todo, nunca metade ou um terço, pelo que não tem cabimento o principio in dubio pro reo, nem se justifica a ampliação da matéria de facto.

Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Adjunto manteve a posição assumida na resposta à motivação do recurso.

II – Os factos

Os factos que as instâncias deram como provados e não provados são os seguintes:
1.º
Às 19H15 do dia 26 de Dezembro de 2001, os guardas da PSP seguiram os arguidos D e A desde o Parque da Rua Quatro do Bairro da Areia Preta até à Rua Cinco do Bairro Iao Hon no [Endereço (1)] e descobriram que o arguido B vendeu medicamentos proibidos ao 3.° arguido D na referida fracção.
2.°
Os guardas da PSP encontraram em flagrante na posse do arguido D uma embalagem embrulhada com uma palhinha, na qual continha no interior um pequeno grão de pó de cor de iogurte e um comprimido de cor azul, os quais foram adquiridos, pouco antes, junto do arguido B. E na posse do arguido B encontraram setenta e duas patacas (MOP 72.00) que foram pagas pelo arguido D para aquisição dos objectos, e encontraram ainda mil e quatrocentas patacas (MOP 1,400.00).
3.º
Após exame laboratorial, verificou-se que tal pequeno grão de pó de cor de iogurte com peso líquido de 0.050g, se tratava de Heroína, substância essa sujeita a controlo abrangida na Tabela I-A do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro, e o supracitado comprimido de cor azul continha Midazolam, substância essa sujeita a controlo abrangida na Tabela IV do Decreto-Lei n.º 5/91/M de 28 de Janeiro.
4.º
Naquele dia, a arguida C encontrava-se também na supracitada fracção, e a mesma entregou voluntariamente aos guardas da PSP um frasco de plástico de “Pou Chai Un”, contendo no interior um pó de cor de iogurte, três embalagens com o mesmo pó embrulhadas com palhinhas, 4 e meio comprimidos de cor azul e duas embalagens com o mesmo pó embrulhadas como jornal, os quais tinham guardados em frente das suas calças, e foram encontrados também no quarto da arguida C, utensílios para consumo e embalagem da droga, tais como, um “X-zato” de cor de laranja, 5 seringas e dois sacos de plástico transparentes, uma palhinha de plástico etc.
5.º
Após exame laboratorial, o pó contido no supracitado frasco de plástico, com peso liquido de 0.207g e três embalagens com o mesmo pó embrulhadas com palhinhas, com peso líquido de 1.019g, se tratavam de Heroína, 4 e meio comprimidos de cor azul que se tratavam de Midazolam; o “X-zato” de cor de laranja tinha vestígio de Heroína e Midazolam; 5 seringas e dois sacos de plástico continham vestígios de Heroína e Midazolam; Heroína e Midazolam são substâncias sujeitas a controlo abrangidas respectivamente na Tabela I-A e Tabela IV do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro.
6.º
Em seguida, foi encontrado no interior das calcinhas da arguida C, uma embalagem com pó de cor de iogurte emprulhada com jornal e duas embalagem com palhinha para bebidas refrigerantes, contendo no interior o mesmo pó de cor de iogurte e dois comprimidos de cor azul.
7.º
Após exame laboratorial, o pó embrulhado com jornal, com peso líquido de 0.560g e o pó embrulhado com duas palhinhas de gasosa, com peso líquido de 0.088g, se tratavam de Heroína, substância essa sujeita a controlo abrangida na Tabela I-A do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro; e os dois comprimidos de cor azul tratavam-se de Midazolam, substância essa sujeita a controlo abrangida na Tabela IV do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro.
8.º
Posteriormente, a arguida C, por iniciativa própria, referiu ao arguida da PSP que no seu outro domicílio, sito no [Endereço (2)], tinha guardado também medicamentos proibidos.
9.º
Na companhia dos guardas da PSP, a arguida C retirou da gaveta do quarto da supracitada fracção duas embalagens com pó de cor de iogurte embrulhadas em folhas de plástico de cor branca, bem como foram encontrados no quarto instrumentos para consumo, embalagem e venda das drogas, bem como instrumentos para retirar as drogas guardadas no interior do corpo humano, tais como 75 palhinhas transparente e coloridas, 7 seringas, uma agulha da seringa, três arames, duas palhinhas de papel, duas tesouras, dois “X-zatos”, três velas de cor branca, um rolo de papel de estanho, uma colher de cor amarela e uma caixa de óleo para obstipação “Pin Lei Tong”.
10.º
Após exame laboratorial, as duas embalagens com pó embrulhados em papel de plástico de cor branca, com peso líquido de 9.910g, se tratavam de Heroína; 7 seringas e uma colher com vestígios de Heroína e Midazolam; três arames com vestígios de Midazolam, além disso, haviam ainda dois rolos de papel, duas tesouras e dois “X-zatos” com vestígios de Heroína; Heroína e Midazolam, são substâncias sujeitas a controlo abrangidas respectivamente na Tabela I-A e Tabela IV do Decreto-Lei n.º 5/91/M de Janeiro.
11.º
Os supracitados medicamentos forma adquiridos pela C a um indivíduo de nome desconhecido do sexo masculino, no valor de mil RMB (RMB 1,000.00) por cada 5 gramas em Kong Pak de Zhuhai, e depois, trouxe-os para Macau, bem como guardou-os nas supracitadas fracções a fim de vender juntamente com o arguido B a terceiro no [Endereço (1)], com o objectivo de obter interesses pecuniários; e ao mesmo tempo, os mesmos ficavam com uma pequena quantidade desses medicamentos adquiridos para próprio consumo.
12.º
As seringas, papel de estanho e os respectivos utensílios supracitados apreendidos foram instrumentos utilizados pelos arguidos B e C para consumo da droga.
13.º
O arguido B cedeu por três vezes a quantidade de cerca 1/10g ao arguido D, e cada vez recebia-lhe cinquenta patacas (MOP 50.00).
14.º
Às 17H00 do dia 26 de Dezembro de 2001, o arguido D combinou com A para se dirigirem ao domicílio do arguido B, sito no [Endereço (1)].
15.º
Os arguidos B e C dedicaram à actividade de venda da droga há cerca de mais de um mês. E era essencialmente, a arguida C quem ia a Zhuhai da China para adquirir a droga, em seguida, guardava-a no corpo para trazer a Macau, e quanto ao arguido B era ele quem vendia a droga para os consumidores do território.
16.º
Os arguidos B, C e D tinham perfeito conhecimento da natureza e características dos medicamentos supracitados.
17.º
Os arguidos B e C adquiriram, receberam, transportaram, venderam e cederam os objectos supracitados, a fim de obterem ou como intuito de obter interesses monetários e o objectivo da detenção dos mesmos não eram somente para consumo próprio.
18.º
Os arguidos B, C e D tinham perfeito conhecimento de que sem autorização não podiam deter ou adquirir os medicamentos supracitados para consumo próprio.
19.º
Os arguidos B e C bem sabiam que não podiam deter seringas, papel de estanho e respectivas utensilagem para servirem de instrumento de consumo da droga.
20.º
Os arguidos B, C e D agiram livres, voluntariamente e com dolo nos actos supracitados.
21.º
Os arguidos B, C e D bem sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
*
Cerca de um mês antes da sua detenção e durante esse período, a arguida C tinha deslocado por, pelo menos cinco vezes, à Zhuhai, R. P. China, para adquirir heroína.
***
O 1.º arguido B confessa parcialmente os factos.
Encontra-se desempregado e tem a seu cargo uma filha menor. Possui como habilitações o curso primário incompleto.
A 2.ª arguida C confessa parcialmente os factos.
Encontra-se desempregada e tem cinco filhos a seu cargo. Possui como habilitações o curso primário incompleto.
***
Consta nos CRCs dos 1.º e 3.º arguidos juntos aos autos, o seguinte:
O 1.º arguido B,
- por acórdão de 26/05/1990 de Processo de Querela, n.º 118/90 do 1.º Cartório, condenado como autor de um crime p. e p. pelos art.os 34.º n.º 1 e 37.º dos Dec. n.os 46371 e 49066, na pena de dois anos e três meses de prisão maior e MOP $2.000,00 de multa, na alternativa sessenta e seis dias de prisão;
- por sentença de 11/03/1991 de Processo de Proc. Correc., n.º 22/91 do 3.º Cartório, condenado como autor dum crime p. e p. pelo art.º 380.º e §1.º do Código Penal e art.º 421.º n.º 1 do Código Penal, na pena de quatro meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, a $5,00 patacas, por dias ou seja na alternativa na multa de $600,00 patacas, ou em alternativa com oitenta dias de prisão e como autor do crime de furto, na pena de trinta dias de prisão, substituída por igual tempo de multa, a $12,00 patacas por dias, e em cinco dias de multa e igual taxa, ou seja na multa total de $420,00 patacas ou em alternativa com vinte e três dias de prisão. Em cúmulo jurídico material na pena única de $1.020,00 patacas ou em alternativa em cento e três dias de prisão;
- por acórdão de 15/11/1991 do Processo de Querela, n.º 412/91 do 2.º Cartório, julgado e condenado como autor dum crime p.e p. pelos art.os 421.°, n.os 1 e 2, 426.°, n.° 7 e 427.° corpo do Código Penal, na pena de três meses de prisão, substituída por multa à razão de $12,00 patacas por dia e quinze dias de multa à mesma taxa, em cúmulo material, na multa única de $1.260,00 patacas, em alternativa, de dois meses e dez dias de prisão. Nos termos do art.º 14.°, n.° 1, al. c) da Lei 23/91, de 04 de Julho, foi-lhe declarado perdoado toda a pena de multa que resultou da conversão da prisão e metade do valor da multa; e
- por acórdão de 04/03/1997 do Processo de Querela, n.° 339/96 do 1.º Juízo, condenado a pena de dois anos de prisão, suspensa na execução durante três anos, pela prática de um crime p.e p. pelos art.os 197.º n.º 1 e 198.° n.º 2 al. e) e 21.°, 22.° e 67.°, n.° 1 al. a) e b) do Código Penal.
*
   O 3.° arguido D,
   - por sentença de 24/11/1997 do Processo de Correccional, n.º 368/96 do 3.° Juízo, condenado na pena única de duas mil patacas ou em alternativa vinte e cinco dias de prisão, art.° 23.° al. a) do D.L. n.º 5/91/M de 28/1 e art.º 12.° do mesmo D.L.; e
- por sentença de 22/06/1998 de Comum Singular, n.° 114/98 do 3.º Juízo, condenado na pena de quinze meses de prisão e multa de MOP$3.000,00 com 60 dias de prisão subsidiária, art.° 9.°/1/3 do D.L. n.º 5/91/M de 28/1.
*
Quanto aos 2.ª arguida C e 4.° arguido A, nada constam em desabono dos seus CRCs juntos aos autos.
***
2. Não se provaram os seguintes factos da acusação:
- No dia 26 de Dezembro de 2001, o arguido B vendeu medicamentos proibidos ao 4.º arguido A;
- Os arguidos D e A juntaram dinheiro para adquirir os supracitados medicamentos para consumo próprio;
- Os arguidos D e A juntaram dinheiro no valor de oitenta patacas (MOP80.00) pelo menos por duas vezes para adquirir droga no domicílio do arguido B;
- O arguido B chegou a vender por 3 ou 4 vezes uma embalagem de heroína e um comprimido “Dormicom” ao E pelo preço de MOP$100.00 para consumo e o local de transacção era nas escadas do [Endereço (3)].
E não se provaram quaisquer outros factos da acusação e que não estejam em conformidade com a factualidade acima assente.

III - O Direito

A questão a resolver
1. A questão a de resolver é a de saber se, tendo sido dado como provado que o recorrente deteve para venda, na totalidade, 12,084 gramas de heroína, das quais “uma pequena quantidade” era para consumo próprio, deveria o recorrente ter sido condenado por um crime de tráfico de quantidade diminuta de estupefaciente, previsto e punível pelo art. 9.º, n. os 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 5/91/M e não de tráfico de estupefaciente previsto e punível pelo art. 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, como o foi pelo Tribunal Judicial de Base, decisão confirmada pelo Tribunal de Segunda Instância.

Heroína. Tráfico de quantidades diminutas.
Poder de cognição do Tribunal de Última Instância.
Ilações do Tribunal de Segunda Instância sobre a matéria de facto provada.
2. Relativamente a produto contendo heroína, a jurisprudência dos tribunais de Macau tem entendido que, para efeitos do disposto no art. 9.º, n. os 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, deve considerar-se como quantidade diminuta, a que não exceda 6 (seis) gramas daquele produto.
Entende-se ser de manter este entendimento.
Tendo sido considerado provado que o recorrente deteve para venda, na totalidade, 12,084 gramas de heroína, das quais “uma pequena quantidade” era para consumo próprio, o Tribunal de Segunda Instância entendeu que “não podendo esta quantidade corresponder sequer a «metade» do total (que perfaz 12,084 gramas) sem esforço é de concluir, consequentemente, que a quantidade que destinava ao tráfico era superior a 6 gramas”.
Concluiu, portanto, o acórdão recorrido que, de uma quantidade total de 12,084 gramas de heroína, uma pequena quantidade desta (a destinada ao consumo próprio), nunca poderia ser sequer metade do total.
Ora, como é sabido, em processo correspondente a terceiro grau de jurisdição, a cognição do Tribunal de Última Instância está limitada à matéria de direito, não podendo conhecer de matéria de facto (art. 47.º, n.º 2 da Lei de Bases da Organização Judiciária).
A conclusão que o Tribunal de Segunda Instância tirou da matéria de facto provada, circunscreve-se, manifestamente, à matéria de facto, não tendo exorbitado dos seus poderes legais, pelo que não cabe a este Tribunal de Última Instância censurar tal matéria.
Como se disse nos Acórdãos deste Tribunal, de 19 de Julho de 2002 e de 31 de Outubro de 2001, respectivamente nos Processos n. os 2/2002 e 13/2001, é lícito ao Tribunal de Segunda Instância, depois de fixada a matéria de facto, fazer a sua interpretação e esclarecimento, bem como extrair as ilações ou conclusões que operem o desenvolvimento dos factos, desde que não os altere, sendo que o Tribunal de Última Instância, atentos os seus poderes de cognição limitados à matéria de direito e não de facto, só pode censurar as conclusões ou desenvolvimentos feitos pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a matéria de facto fixada se este infringir o seu limite, tirando conclusões que não correspondam ao seu desenvolvimento lógico.
Deste modo:
Tendo o Tribunal de Segunda Instância concluído que a quantidade que o recorrente destinava ao tráfico era superior a 6 gramas e não podendo este Tribunal de Última Instância censurar tal conclusão atinente a matéria de facto, por estar fora do seu poder de cognição;
Considerando que se deve entender que, relativamente a produto contendo heroína, para efeitos do disposto no art. 9.º, n. os 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, deve considerar-se como quantidade diminuta, a que não exceda 6 (seis) gramas daquele produto.
É de concluir que o recorrente praticou o crime pelo qual foi condenado, o previsto e punível pelo art. 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, pelo que a decisão recorrida não merece censura.

Rejeição do recurso
3. Considera o recorrente que o recurso não devia ter sido rejeitado, por não ser manifestamente improcedente, sendo que o acórdão recorrido conheceu efectivamente do recurso.
Deve considerar-se manifestamente improcedente, para efeitos do disposto no art. 410.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aquele em que é patente a improcedência do recurso, a sua inviabilidade, do ponto de vista do tribunal de recurso, evidentemente.
Ora, salvo em casos excepcionais, não parece curial que o TUI censure o TSI por ter considerado manifestamente improcedente um recurso, rejeitando-o, em vez de o julgar apenas improcedente. É que as únicas diferenças substanciais entre as duas situações, é que na primeira não há lugar a realização de audiência e a fundamentação do acórdão é sumária (arts. 409.º, n.º 2, alínea a) e 410.º, n.º 3 do Código de Processo Penal).
Sendo certo que, no caso em apreço, o recorrente entende que a fundamentação não foi sumária, o seu único interesse na realização da audiência seria - porventura, porque não esclarece - na produção de alegações orais (art. 414.º, n.º 3 do Código de Processo Penal), acto processual que não tem lugar quando o recurso é julgado em conferência, como aconteceu.
Ora, mostra a experiência que tais alegações, em regra, nada adiantam relativamente às alegações escritas que as partes no recurso tiveram oportunidade de produzir, sendo que, as mais das vezes, os ilustres advogados e o Ministério Público se limitam a oferecer o merecimento dos autos.
Não merece censura a opção tomada pelo TSI.

   IV – Decisão
   Face ao expendido, rejeitam o recurso.
   Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 UC. Nos termos do art. 410.º n.º 4 do Código de Processo Penal, pagará 4 UC pela rejeição do recurso.
   Macau, 28 de Maio de 2003
   Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin



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