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Processo n.º 9/2003. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrentes: A, B, C e D.
Recorridos: E, F, G, H, I e J.
Assunto: Multa. Prática do acto nos 3 dias úteis seguintes ao termo do prazo.
Data da Sessão: 25 de Junho de 2003.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.

SUMÁRIO:
   A aplicabilidade do disposto nos n. os 4 e 5 do artigo 95.º do Código de Processo Civil não depende de requerimento do interessado.
O Relator
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

   ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
   
   I - Relatório
Por Acórdão de 23 de Janeiro de 2003, o Tribunal de Segunda Instância, decidiu não conhecer de recurso jurisdicional interposto por A, B, C e D, da sentença proferida na acção declarativa comum, com processo ordinário, que haviam intentado contra E, F, G, H, I e J.
Entendeu o Tribunal de Segunda Instância que as alegações de recurso, apresentadas pelos recorrentes, o foram no 1.º dia útil posterior ao termo do prazo, sem que os mesmos tenham pedido a emissão de guias para o pagamento da respectiva multa, pelo que não cabia à secretaria a notificação dos recorrentes para tal pagamento.
   Recorrem, agora, os autores (recorrentes, tanto no recurso para o Tribunal de Segunda Instância, como no presente recurso para este Tribunal de Última Instância), terminando a sua alegação, com as seguintes conclusões:
I. A decisão recorrida viola o preceituado no art. 95.º, n.º 6, do C.P.C. que tem que ser interpretado no sentido de que o direito de a parte praticar o acto só se extingue se a mesma não o praticou até ao terceiro dia útil após o termo do prazo e quando notificada pela secretaria para pagar em dobro a multa mais elevada prevista no n.º 5 o não faça tempestivamente.
II. A omissão de tal acto pela secretaria do tribunal “a quo” constitui uma nulidade sanável, quando não tempestivamente arguida, nos termos do artigo 151.º, n.º 1, CPC, que confere validade ao acto praticado pela parte fora do prazo, por os actos ou omissões da secretaria não poderem prejudicar a parte, nos termos do art.º 111.º, n.º 6, do C.P.C..
Os réus, ora recorridos, embora apresentando alegação, não se pronunciaram sobre a questão em apreço, tendo-se limitado a discutir o efeito atribuído ao recurso, questão entretanto decidida.
  
   II – Os factos
Os factos a considerar são os seguintes:
A, B, C e D recorreram para o Tribunal de Segunda Instância, da sentença proferida na acção declarativa comum, com processo ordinário, que haviam intentado contra E, F, G, H, I e J.
Apresentaram a alegação de recurso no 1.º dia útil posterior ao termo do prazo, sem que tenham pago a multa respectiva, e não requereram tal pagamento, nem a secretaria os notificou para tal.
III – O Direito

   1. A questão a resolver
   A questão a resolver é a de saber se, nos termos do art. 95.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, praticado o acto em qualquer dos 3 dias úteis seguintes ao termo do prazo sem ter sido paga imediatamente a multa devida, a secretaria deve notificar o interessado para pagamento da multa, ou se esta notificação apenas tem lugar se o interessado tiver pedido guias para o pagamento da multa e não tiver efectuado pagamento.
   
   2. Prática de acto processual nos 3 dias úteis seguintes ao termo do prazo
   Na exposição subsequente seguir-se-á, de perto, os apontamentos elaborados pelo ora relator para o curso de formação de magistrados do Centro de Formação Jurídica e Judiciária.
   Dispõe o art. 95.°, n. os 4, 5 e 6 do Código de Processo Civil:
“Artigo 95.°
(Modalidades do prazo)
   1. ...
   2. ...
   3. O decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto, salvo no caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte.
   4. Mesmo não havendo justo impedimento, pode o acto ser praticado no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa de montante igual a um oitavo da taxa de justiça que seria devida a final pelo processo, ou parte do processo, mas nunca superior a 5 UC; pode o acto ainda ser praticado no segundo ou terceiro dias úteis seguintes ao termo do prazo, sendo neste caso a multa de montante igual a um quarto da taxa de justiça, mas nunca superior a 10 UC.
   5. Praticado o acto em qualquer dos 3 dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar uma multa de montante igual ao dobro da mais elevada prevista no número anterior, sob pena de se considerar perdido o direito de praticar o acto, não podendo, porém, a multa exceder 20 UC.
   6. O juiz pode determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele excessivo”.
   
   O Tribunal Superior de Justiça (TSJ), por Acórdão de 22.2.95, Proc. n.° 228,1 - louvando-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) português, de 26.2.92,2 - entendeu que, de acordo com o disposto no n.° 6 do art. 145.° do Código de 19613, não cumpre à secretaria a notificação oficiosa para pagamento da multa mas, e apenas, da multa com sanção, se o pagamento em singelo, não obstante requerido, não for efectuado.
   Já aplicando o novo Código, decidiu o TSI, nos acórdãos de 25.5.2000,4 de 7.6.2001, no Processo 42/2001,5 e de 18.4.2002, no Processo n.º 84/2001, no mesmo sentido, que a notificação a que se refere o n.º 5, do art. 95.º só tem lugar se o pagamento, embora requerido, não foi efectuado.
   Não se subscreve esta doutrina.
   Vejamos porquê.
   
   3. A tese do TSJ e do TSI é a de que não cumpre à secretaria a notificação oficiosa para pagamento da multa mas, e apenas da multa com sanção, se o pagamento em singelo, não obstante requerido, não for efectuado.
   Ou seja, para o TSJ, o n.° 6 do art. 145.° do Código de 1961 e para o TSI, o n.º 5 do art. 95.º do Código vigente, só têm aplicação se a parte pedir o pagamento em singelo, nos termos do n.° 5, do art. 145.º, do Código de 1961 ou do n.º 4 do art. 95.º, do Código actual, mas não o efectuar. Só neste caso a secretaria deve notificar a parte para o pagamento da multa em dobro.
   Porém, se a parte deixar passar o prazo, sem pedir o pagamento da multa, nos termos do n.° 5, do art. 145.º ou do n.º 4, do art. 95.º, então a secretaria não pode notificá-la, nos termos do n.° 6, do art. 145.º ou do n.º 5, do art. 95.º.
   A partir de agora, para evitar confusões, referiremos apenas os preceitos do novo Código, salvo indicação em contrário.
   
   4. Antes de mais, a interpretação do TSJ e do TSI não tem o menor apoio na letra do preceito.
   No n.° 4, do art. 95.º prevê-se o caso de a parte se apresentar para praticar um acto processual no primeiro, segundo ou terceiro dia útil seguinte ao termo do prazo, pagando imediatamente uma multa de determinado montante.
   O que se diz no n.° 5 do mesmo artigo é que praticado o acto em qualquer dos 3 dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa referida no número anterior, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar uma multa de montante igual ao dobro da mais elevada prevista no número anterior, sob pena de se considerar perdido o direito de praticar o acto.
   Ora, em nenhum local se diz que a secretaria só notifica o interessado para pagar a multa em dobro, se este tiver requerido o pagamento da multa em singelo, e não a tiver pago.
   Antes pelo contrário, o que resulta do teor literal do preceito é que se o acto for praticado em qualquer dos 3 dias seguintes sem ter sido paga a multa, a secretaria, logo que a falta seja verificada, notifica o interessado para pagar a multa em dobro, independentemente de este ter ou não requerido o pagamento da multa em singelo.
   Ou seja, em direitas contas, a interpretação que se combate, acrescentou aos requisitos da prática do acto nos 3 dias seguintes ao termo do prazo, um novo requisito não previsto na lei.
   Consabidamente, a interpretação literal é falível, pelo que importa recorrer a métodos superiores de interpretação, para apurar se o elemento racional confirma o sentido da interpretação literal, dado que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (art. 8.º, n.º 1 do Código Civil ).
   Sem contudo, olvidar que “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (art. 8.º, n.º 2 do Código Civil).
   
   5. A segunda parte do n.° 5 e o n.° 6 do art. 145.º do Código de 1961 foram introduzidos no nosso sistema jurídico por via do Decreto-Lei n.° 242/85, de 9.7.
   Contudo, a sua origem está na Lei n.° 3/83, de 26.2, que alterou o Decreto-Lei n.° 224/82, de 8.6, diplomas estes que nunca chegaram a vigorar, por ter sido suspensa a sua vigência e posteriormente, revogados.
   O Decreto-Lei n.° 224/82 foi o primeiro diploma que saiu da Comissão de Reforma do Código de Processo Civil de 1961.
   Entretanto, formou-se na Assembleia da República uma subcomissão encarregada de proceder aos estudos para ratificação do Decreto-Lei n.° 224/82.
   A Assembleia da República viria a aprovar a Lei n.° 3/83, que alterou o Decreto-Lei n.° 224/82.
   A Comissão de Reforma do Código de Processo Civil não procedeu a qualquer alteração do art. 145.º do Código de Processo Civil de 1961. 6
   Viria a ser a subcomissão da Assembleia da República, a autora da proposta de alteração das normas que se contêm na segunda parte do n.° 5 e no n.° 6 do art. 145.º do Código de Processo Civil de 1961. Ora, na anotação ao art. 145.º do Código de Processo Civil de 1961, relativamente ao texto introduzido pela Lei n.° 3/83, o anotador da mencionada publicação “Reforma do Código de Processo Civil”, II, CAMPOS COSTA, escreveu o seguinte na página 24: 7
   “Na subcomissão encarregada pela Assembleia da República de proceder aos estudos para ratificação do Decreto-Lei n.° 224/82 invocou-se que a doutrina do n.º 6 pretendia prever a hipótese de a parte entregar em juízo algum requerimento ou documento em qualquer dos três dias úteis imediatos ao termo do prazo e de não pagar logo a multa devida, por supor erradamente estar ainda dentro do prazo.
   Se a inovação exarada na parte final do n.° 5 se tem em certa medida por aceitável, algumas reservas se devem pôr quanto à bondade da solução prescrita no n.° 6” (o sublinhado é nosso) .
   Ora, daqui resulta indiscutivelmente que o elemento histórico da interpretação aponta para o sentido do texto legal, para que propendemos.
   Pois, se se pretendeu - com o n.° 6 - prever a hipótese de a parte entregar em juízo algum requerimento ou documento em qualquer dos três dias úteis imediatos ao termo do prazo e de não pagar logo a multa devida, por supor erradamente estar ainda dentro do prazo, temos que o que os deputados quiseram foi precisamente prever o caso em que a parte conta erradamente um prazo.
   Logo, o que se quis foi prever a situação em que o acto processual é praticado em qualquer dos três dias úteis imediatos ao termo do prazo, mas em que a parte não pede guias para o pagamento da multa em singelo, por não saber que praticou o acto fora do prazo.
   Recorde-se, ainda, o momento histórico em que foram produzidos o Decreto-Lei n.° 224/82 e a Lei n.° 3/83 e que é explicado na “Nota preambular” da autoria do Ministro da Justiça e a “Advertência” do punho de CAMPOS COSTA.8 O Decreto-Lei n.° 224/82 teve a oposição expressa da Ordem dos Advogados, sendo que a subcomissão da Assembleia da República encarregada de proceder aos estudos para ratificação do Decreto-Lei n.° 224/82, era, ao que parece, composta exclusivamente por advogados.9
   Ora, a Ordem dos Advogados veio a considerar aceitável a Lei n.° 3/83, que ratificou com alterações o Decreto-Lei n.° 224/82, o que mais ajuda a explicar o espírito que presidiu à alteração da segunda parte do n.° 5 e do n.° 6 do art. 145º do Código de Processo Civil de 1961.
   Já vimos que o próprio CAMPOS COSTA, interpreta a norma em questão do modo como o fazemos, embora a critique de jure condendo.
   Da mesma opinião é CARDONA FERREIRA10 que, tal como o anterior autor, também fazia parte da Comissão de Reforma já referida e que escreve o seguinte em anotação ao art. 145.º:
    “A última parte do n.° 5 e o n.° 6 não resultaram dos trabalhos da Comissão de Reforma; repetem o texto da Lei 3/83, de 26-2, que fora objecto de suspensão (D.L. 356/83, de 2-9).
   Feitos esses acrescentamentos, tem de se entender, relativamente ao n.° 6: a multa para cujo pagamento se notifica o interessado dependerá da data em que o acto tenha sido praticado, isto é, o interessado será notificado para pagar o dobro da multa que teria sido, desde logo, cobrada, em função da data da prática do acto, se o interessado a tivesse pago espontaneamente; se a secretaria não tiver agido antes de qualquer despacho, por maioria de razão agirá sob despacho se for o juiz a detectar a extemporaneidade da prática do acto; a notificação oficiosa deve ser feita desde que a multa não tenha sido paga espontaneamente, quer o interessado tenha chegado a pedir guias, quer não - atendendo ao claro significado do n.º 6, e tal como, de certo modo, acontece no caso da falta de preparos iniciais (art. 110.º do CCJ), embora, manifestamente, preparos e multas sejam realidades tecnicamente diferentes; só não haverá que fazer a notificação se o interessado tiver renunciado a esse direito e, portanto, se patentear a inutilidade do impasse (art. 137.º)”.
   
   6. O único argumento utilizado pelo TSI,11 TSJ e pelo STJ português (este, no mencionado Acórdão de 26.2.92) é o de que cumpre às partes o cômputo dos prazos destinados à prática dos seus actos.
   Mas se essa regra existe efectivamente, ela tem pelo menos como excepção o caso invocado por CARDONA FERREIRA atinente ao caso da falta de preparos iniciais [art. 110.º do Código das Custas Judiciais (CCJ) anteriormente vigente em Portugal e arts. 134.º e 135.º do CCJ velho de Macau e art. 34.º do Regime das Custas nos Tribunais (RCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/99/M, de 25.10].
   Aliás, é evidente a analogia das situações.
   No caso da falta de preparos iniciais, a parte que o não pagou no prazo previsto na lei, é notificada pela secretaria para o pagar em dobro (sendo uma parte um imposto ou taxa, a título de sanção).
   No caso do art. 95.º do Código de Processo Civil – na nossa interpretação - a parte pratica um acto fora de prazo e não pede guias para pagar multa. Então, é notificada pela secretaria para a pagar em dobro.
   Em conclusão, a interpretação racional ou lógica da norma em questão - por via dos elementos histórico e sistemático - confirma inteiramente a interpretação literal da mesma.
   Daí que se entenda que a secretaria, por sua iniciativa, ou sob despacho do juiz, deve proceder à notificação para o pagamento da multa, mesmo que o réu não tenha pedido guias para o seu pagamento em singelo.
   
   7. Mas é esta a opinião quase unânime dos Tribunais e dos autores que se têm pronunciado sobre o tema.
   O STJ português – com excepção do Acórdão de 26.2.92,12 já mencionado e que foi a origem da jurisprudência de Macau sobre o assunto, por via do Acórdão do TSJ de 22.2.95, Proc. n.° 228,13 - sempre se tem pronunciado no sentido que nós preconizamos.
   Assim, sumariou-se no Acórdão de 9.12.99:14
   “A aplicabilidade do disposto nos n. os 5 e 6 do artigo 145.º do Código de Processo Civil não depende de requerimento do interessado”.15
   E são no mesmo sentido os Acórdãos de 27.9.2000,16 21.10.99,17 10.12.98 18e 11.5.88.19
   Aliás, a prova de que o acórdão do STJ português, de 26.2.92, que deu origem à orientação dos tribunais de Macau sobre o tema, não fez jurisprudência em Portugal e foi rapidamente esquecido pela doutrina, constata-se com a seguinte observação do anotador A.R., do Boletim do Ministério da Justiça, do já mencionado acórdão do STJ português, de 9.12.99:20
   “Sendo vasta a jurisprudência do Supremo sobre os n. os 5 e 6 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, não se encontrou aresto que possa ler-se como contrário às orientações que agora prevaleceram e que se afiguram bem ancoradas na lei”.
   
   8. Em Portugal, o Tribunal Constitucional sempre se tem pronunciado no mesmo sentido.21 E, da mesma maneira, o Supremo Tribunal Administrativo.22
   Em idêntico sentido, para além das opiniões já mencionadas de dois membros da Comissão Revisora do Código de Processo Civil, CAMPOS COSTA e CARDONA FERREIRA, pronunciaram-se também C. LOPES DO REGO 23 e A. ABRANTES GERALDES. 24
   Em sentido contrário encontramos a opinião de ABÍLIO NETO25 e de BORGES SOEIRO, autor do Projecto do Código de Macau, esta, expressa na seguinte nota explicativa:
   “No que se refere ao artigo 95.º do Código de Processo Civil de Macau, e, nomeadamente ao seu n.º 5, verifica-se que a prática do acto fora do prazo implica sempre o requerimento simultâneo do pagamento imediato da multa devida”. 26
   O Acórdão já mencionado do TSI, de 25.5.2000, bem como o acórdão recorrida, viram nesta opinião uma «interpretação quase “autêntica” do preceito em apreço e do novo regime legal».
   Discorda-se, por duas razões.
   Em primeiro lugar, o novo Código de Macau seguiu de perto a reforma portuguesa de 95/96 e, na parte em apreço, relativa aos prazos, é uma cópia integral do Código português, pelo que a opinião do autor do Código de Macau é de reduzida relevância enquanto tal, quando não é confortada com a doutrina e a jurisprudência sobre a norma.
   Em segundo lugar, não há qualquer interpretação autêntica porque o regime legal não foi alterado, limitou-se a reproduzir o regime que já vigorava. A opinião do autor do Projecto do Código só poderia ter algum valor, para efeitos de interpretação, se tivesse inovado o regime vigente e se ele fosse o autor da solução. Como isso não aconteceu, tal opinião, vale o que vale uma opinião de um jurista. Neste caso, salvo melhor entendimento, é um erro de doutrina e nada mais.
   
9. Dois apontamentos finais sobre o acórdão recorrido.
i) Só por lapso se terá citado, em abono da tese preferida, o acórdão do STJ português, de 22.6.77, BMJ 268-189.
Como se disse, a questão em apreço só se coloca após a alteração ao Código de Processo Civil de 1961, introduzida em 1985, pelo Decreto-Lei n.º 262/85. É que, anteriormente, o n.º 5 do art. 145.º,27 não impunha, sequer, à secretaria a notificação para o pagamento da multa e, que se saiba, ninguém a defendia.
ii) Invoca-se a vontade do legislador, designadamente da Comissão de Revisão do Código de Processo Civil de Macau, no sentido da tese abraçada pelo acórdão recorrido.
Se é possível o testemunho do ora relator, que pertenceu à Comissão Consultiva de apoio à elaboração do Projecto, esta não apreciou o Projecto de Código, no sentido de aprovar ou de não aprovar todas as normas. Nas escassas reuniões, a Comissão limitou-se a pronunciar-se sobre as principais opções tomadas 28 e sobre questões suscitadas pelo autor do Projecto, entre elas não se encontrando a questão que ora se discute.

IV – Decisão
   Face ao expendido, dão provimento ao recurso e revogam a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que ordene a notificação dos recorrentes para pagarem a multa a que se refere o n.º 5 do art. 95.º do Código de Processo Civil.
   Sem custas.
   Macau, 25 de Junho de 2003
   Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
     1 Tribunal Superior de Justiça- Jurisprudência- 1995, I Tomo, p. 136.
     2 Boletim do Ministério da Justiça (BMJ) 414-421
     3 Os n. os 5 e 6 do art. 145.º do Código de 1961 correspondem, com pequenas alterações que não relevam na matéria em apreciação, aos n. os 4 e 5 do art. 95.º do Código actual.
     4 Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância da R. A. E. M., 2000, I Tomo, p. 364.
     5 Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância da R. A. E. M., 2001, I Tomo, p. 286.
     6 Cfr. a Lei n.° 3/83 e CAMPOS COSTA, “Reforma do Código de Processo Civil, Lei n.º 3/83, de 26 de Fevereiro, Decreto-Lei n.º 128/83, de 12 de Março, com notas justificativas e trabalhos preparatórios II”, Lisboa, 1983, Ministério da Justiça, separata do BMJ 324. Neste BMJ 324, publicada a p. 49 a 331. O I volume desta obra, “Reforma do Código de Processo Civil, Decreto-Lei n.º 224/82, de 8 de Junho, com notas justificativas e trabalhos preparatórios, I” está publicado em separata do BMJ 318. Neste BMJ 318, publicada a p. 39 a 161.
     7 BMJ 324, p. 68.
   8 Respectivamente a p. 5 e segs. e 13 e segs. da já citada CAMPOS COSTA, ”Reforma do Código de Processo Civil.. vol. II”. No BMJ 324, p. 53 e 57 e segs.
   9 Cfr. a sua composição na p. 14 da mencionada obra ”Reforma do Código de Processo Civil.. vol. II” e no BMJ 324, p. 58.
   10 No estudo intitulado Decreto-Lei n° 242/85, de 9 de Julho (Reforma intercalar do Processo Civil), Notas Práticas, p. 12.
   11 Este abonou-se ainda na opinião do autor do Projecto do novo Código de Macau, a que adiante se fará referência.
     12 BMJ 414-421.
     13 Tribunal Superior de Justiça- Jurisprudência- 1995, I Tomo, p. 136.
     14 BMJ 492-395 e Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, ano VII, tomo III, p. 139.
15
     16 Processo n.º 868-B/98, constante da base de dados da Direcção Geral dos Serviços de Informática do Ministério da Justiça.
     17 BMJ 490-244.
      1818 Processo n.º 98-B/95, constante da base de dados da Direcção Geral dos Serviços de Informática do Ministério da Justiça.
     19 BMJ 377-272.
     20 BMJ 492-397.
     21 Acórdãos de 20.10.99, Diário da República, II Série, de 15.11.2000, 22.11.94, BMJ 446 (Suplemento)-5.
     22 Acórdão de 11.6.90, Acórdãos Doutrinais do STA 355-876.
     23 C. LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, 1999, p. 124.
     24 A. ABRANTES GERALDES, Temas da reforma do processo civil, Almedina, 1997, 1.º volume,, p. 75, que nunca refere a necessidade de requerimento do interessado.
     25 ABÍLIO NETO, Código de Processo Civil Anotado, Lisboa, Ediforum, 1999, 15.ª edição, p. 231, que não aduz qualquer argumento para a opinião expendida.
     26 Código de Processo Civil, versão portuguesa, Imprensa Oficial de Macau.
    27 Na redacção do Decreto-Lei n.º 323/70, de 11 de Julho.
28 Como relembra o Dr. Jorge Noronha e Silveira, Secretário-Adjunto para a Justiça, na nota de abertura da versão do Código de Processo Civil, publicada pela Imprensa Oficial de Macau, em Outubro de 1999.
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