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Processo n.º 21/2003. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrente: A1 (A)
Recorrido: Ministério Público.
Assunto: Contradição insanável da fundamentação. Erro de direito. Droga. Atenuação especial da pena. Art. 18.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 5/91/M.
Data da Sessão: 8 de Outubro de 2003.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.
SUMÁRIO:
  I – A contradição insanável da fundamentação é um vício intrínseco da decisão, que conduz ao reenvio, isto é, a um novo julgamento da matéria de facto, por estar em causa uma situação que não pode ser ultrapassada pelo tribunal de recurso.
  II - O erro de direito na interpretação de uma norma não integra o vício da contradição insanável da fundamentação.
  III – O benefício consistente na redução ou isenção da pena, concedido pelo n.º 2 do art. 18.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, ao traficante de estupefaciente que “...auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações”, fundamenta-se em razões de política criminal, tendo em vista a eficácia no combate ao tráfico de estupefacientes.
  IV - O benefício referido na conclusão anterior aplica-se sobretudo àquele que delata às autoridades, auxiliando na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações que se dediquem ao tráfico de estupefacientes.
  V – A atenuação especial ou isenção da pena a que se refere o n.º 2 do art. 18.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M pode aplicar-se àquele que permita a identificação ou captura de simples indivíduos (um ou mais) que, pela sua particular danosidade social - designadamente, por aliciarem menores, pela dimensão do tráfico, pela duração da actividade criminosa, pelos meios utilizados, pela sua sofisticação - justifique a concessão do benefício ao delator.
   O Relator,
   Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 24 de Janeiro de 2003, decidiu o seguinte:
A) Condenou a arguida A1(A) pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime p. e p. pelo art. 8.º n.° 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, na pena de nove anos e seis meses de prisão e trinta mil patacas de multa ou em alternativa de trezentos e noventa e seis dias de prisão caso não pagasse nem a mesma fosse substituída por trabalho;
B) Condenou a arguida B pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime p. e p. pelo art. 8.º n.° 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, na pena de oito anos e nove meses de prisão e vinte mil patacas de multa ou em alternativa de duzentos e sessenta e quatro dias de prisão caso não pagasse nem a mesma fosse substituída por trabalho;
C) Condenou o arguido C pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime p. e p. pelo art. 8.º n.° 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, na pena de nove anos e seis meses de prisão e vinte e cinco mil patacas de multa ou em alternativa de trezentos e trinta dias de prisão caso não pagasse nem a mesma fosse substituída por trabalho.

Interpostos recursos jurisdicionais pelas 1.ª e 2.ª arguidas, o Tribunal de Segunda Instância, por Acórdão de 26 de Junho de 2003, negou provimento ao recurso da arguida B e concedeu provimento parcial ao recurso da arguida A1(A), tendo condenado a arguida na pena de 8 anos e 6 meses de prisão, mantendo a pena de multa, pela prática do mesmo crime por que fora condenada na primeira instância.
Não conformada, recorre a arguida A1(A) para este Tribunal, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões:
1. Decorre da matéria de facto apurada que "... os supracitados estupefacientes foram adquiridos pelas arguidas A e B, junto de um indivíduo desconhecido de alcunha "D", sendo o arguido C (alcunha "C1"), que, no dia 17 de Outubro de 2001, levou tais estupefacientes à casa da arguida A para lhe entregar em mão".
2. Todavia, não se colhem dos autos nem da audiência de discussão e julgamento elementos probatórios bastantes para permitir ao Tribunal Colectivo "a quo" alcançar facticamente tal matéria.
3. O arguido C em interrogatório judicial a que fora submetido em 20 de Outubro de 2001 perante o Excelentíssimo Senhor Juiz de Instrução Criminal, constante de fls. 43 a 44, contou uma determinada versão dos factos.
4. Porém, este o mesmo arguido C em sessão de audiência de julgamento realizada em 13 de Janeiro de 2003, em interrogatório a que fora submetido, prestou uma outra versão dos factos, diametralmente oposta àquela outra inicialmente prestada perante o Juiz de Instrução Criminal. Tais eram as discrepâncias que o Tribunal Colectivo teve que lançar mãos da faculdade consagrada no artigo 338.°, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal, procedendo à leitura daquelas declarações - vide Acta de Julgamento de fls. 461.
5. O arguido C seria o único indivíduo a poder testemunhar tal facto, pois era ele que procedia à entrega do material estupefaciente. Não há outra prova conclusiva de tais factos.
6. À face da total falta de credibilidade do seu depoimento, tal facto nunca poderia ter sido considerado por provado pelo Tribunal Colectivo "a quo".
7. Assim, ao considera este facto por provado, o acórdão condenatório, nesta parte, encontra-se eivado dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova.
8. O Tribunal Colectivo reconhece que a ora recorrente colaborou com o pessoal da PJ quer na detenção do 3.° arguido C, quer na apreensão de 400 comprimidos de MDA. No entanto, afirma em seu acórdão que uma vez que a ora recorrente não confessou o crime, nem colaborou com a justiça, não é merecedora da concessão do benefício de atenuação da pena consagrado no artigo 18.°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro.
9. O artigo 8.°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro diz: "No caso de prática dos crimes previstos nos artigos 8.°, 9.° e 15.°, se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela causado, auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações, poderá a pena ser-lhe livremente atenuada ou decretar-se mesmo a isenção".
10. O legislador apenas exige para concessão da atenuação da pena que se faça prova que determinado agente "auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis". Não se exige que tenha "confessado o crime" imputado.
11. Está, assim, vedado ao Tribunal "adicionar" à letra da lei qualquer outro "requisito" para a concessão da atenuação da pena.
12. A margem de discricionariedade consagrada no artigo 18.°, n.º 2, abarca apenas a escolha da concreta atenuação a conceder, e, não, tal como pretende o Tribunal Colectivo "a quo", a liberdade total de concessão ou não da atenuação "ope legis".
13. Não concedendo a atenuação da penal legalmente prevista e imposta, o acórdão condenatório, nesta parte, encontra-se eivado do vício de contradição insanável da fundamentação, consagrado no artigo 400.°, n.º 2, alínea b) do CPPM, o que se impugna.
14. Ao não reconhecer e conceder à ora recorrente a atenuação da pena prevista no citado artigo 18.°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro, o acórdão em crise violou a norma legal aí consagrada, uma vez que se mostram preenchidos todos os requisitos legais para a sua concessão, conforme consta da matéria de facto tida por provada.
15. A confissão e o arrependimento pelo crime cometido não são requisitos exigidos por lei para a concessão da atenuação da pena, previsto no citado artigo 18.°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 5/91/M.
16. O juízo de que "... se em audiência de julgamento, assumiu o arguido uma posição de absoluto silêncio, e ainda que em sede de inquérito tenha colaborado na identificação de um seu co-arguido, não deve o mesmo beneficiar da atenuação especial da pena prevista no artigo 18.° do Decreto-Lei n.º 5/91/M, já que patente é a sua falta de confissão e de arrependimento" tal como se acha decidido no acórdão de 23 de Janeiro de 2003, processo n.º 215/2002, citado pelo aresto recorrido, não pode ser aqui chamado à colação. Pois, são situações distintas. A ora recorrente não se limitou a identificar um co-arguido. Foi mais longe. Tornou-se num agente provocador do crime sob direcção policial.
17. Atento ao quadro de circunstancialismo fáctico envolvente, a colaboração com a polícia, e a sua primodelinquência, uma medida de pena situada entre 5 e 6 anos de prisão e uma multa no valor de MOP$ 12.000,00 (doze mil patacas) seria justa e adequada.
18. Não o fazendo o acórdão condenatório, nesta parte, violou as normas contidas no artigo 65.º do Código Penal de Macau.

O Ministério Público respondeu à motivação do recurso, defendendo a manutenção da decisão, dizendo, em síntese:
- A afirmação de que o acórdão condenatório está viciado de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova mais não traduz que a sua discordância com o julgamento da matéria de facto.
- A norma do art. 18.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 5/91/M está relacionada com uma ideia de arrependimento do arguido, o que inculca uma confissão integral, que não ocorreu, pelo que não pode ter lugar a atenuação especial da pena.

Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Adjunto manteve a posição assumida na resposta à motivação do recurso.

II – Os factos
Os factos que as instâncias deram como provados e não provados e a respectiva motivação são os seguintes:
A partir de Setembro de 2001, o pessoal da PJ recebeu informações a respeito das arguidas A e B (portadora do telemóvel n° XXXXXXX), referindo que ambas se dedicavam à actividade de venda de produtos proibidos, tais como comprimidos de Ecstasy e Ketamina na residência da primeira (sita no [Endereço (1)]), recebendo interesses monetários.
Em 18 de Outubro de 2001, cerca das 18H30, o pessoal da PJ efectuou busca na dita residência da A e na altura, B, também estava no interior da residência.
O pessoal da PJ encontrou no armário da cozinha da supracitada residência uma caixa de plástico, na qual tinha dois sacos de plásticos transparentes contendo no interior pó branco; após exame laboratorial, tal pó se tratava de Ketamina, com peso líquido de 54.373g, substância essa que está sob controlo na tabela II-C do DL n.° 5/91/M publicada em 28 de Janeiro (com alterações dada pela Lei n.° 4/2001 publicada em 2 de Maio), somente a substância de Ketamina tinha peso líquido de 14.73g. (vide detalhes no auto de apreensão a fls. 16 e no exame laboratorial a fls. 75 e 329).
Ao mesmo tempo, foi encontrado na cozinha, no boião para depositar arroz um saco de plástico transparente contendo no interior 200 comprimidos de cor de laranja com desenho de diamante timbrado; foi apreendido no armário modulado da sala de estar da dita residência um saco de plástico contendo no interior um comprimido da mesma cor de laranja. Após exame laboratorial, tais 201 comprimidos de cor de laranja continham MDA, substância essa que está sob controlo na tabela II-A do DL n.° 5/91/M publicada em 28 de Janeiro, nos quais 119 comprimidos tinham peso líquido de 40.5g (vide detalhes no auto de apreensão a fls. 16 e no exame laboratorial a fls. 75 e 329), somente a substância de MDA tinha o peso líquido de 15.073g (vide exame laboratorial a fls.429 conforme a quantidade de comprimidos aí referenciados que se dá por reproduzido).
O pessoal da PJ encontrou no corpo da arguida A numerário no valor de MOP$4.000,00 (por extenso: quatro mil patacas) e um telemóvel com n.° XXXXXXX (vide detalhes no auto de apreensão a fls. 19).
Posteriormente, o pessoal da PJ foi à residência de B, sita no [Endereço (2)], a mesma de livre vontade tirou do altar que tinha na sala de estar um saco de plástico transparente contendo no interior pó branco e entregou-o ao pessoal de PJ; após exame laboratorial, tal pó se tratava de Ketamina, com peso líquido de 8.368g, substância essa que está sob controlo na tabela II-C do DL n.° 5/91/M publicada em 28 de Janeiro (com alterações dada pela Lei n.° 4/2001 publicada em 2 de Maio), somente a substância de Ketamina tinha peso líquido de 6.69 g. (vide detalhes no auto de apreensão a fls. 18 e no exame laboratorial a fls. 79 e 329).
No corpo da arguida B foi encontrado numerário no valor de MOP$500,00 (por extenso: quinhentas patacas) e um telemóvel com n.° XXXXXXX (vide detalhes no auto de apreensão a fls. 20).
Os supracitados estupefacientes foram adquiridos pelas arguidas A e B, junto de um indivíduo desconhecido de alcunha "D", sendo o arguido C (alcunha "C1"), que, no dia 17 de Outubro de 2001, levou tais estupefacientes à casa da arguida A para lhe ser entregue em mão.
Os supracitados comprimidos foram adquiridos pelo preço de MOP$50,00 (por extenso: cinquenta patacas) cada e a Ketamina MOP$2.500,00 (por extenso: duas mil e quinhentas patacas) por onça.
Pelo menos a partir de Agosto de 2001, as arguidas A e B começaram a adquirir tais drogas, a fim de vender os supracitados comprimidos e Ketamina nos recintos de divertimentos em Macau a terceiros pelo preço de MOP$100,00 (por extenso: cem patacas) por cada comprimido, e relativamente à Ketamina, cada onça era dividida em cem embalagens pequenas e cada embalagem era vendida pelo preço de MOP$100,00 (por extenso: cem patacas).
Durante o período compreendido entre Agosto a 18 de Outubro 2001, aquando as arguidas A e B se dedicavam à actividade de venda de estupefacientes, elas utilizavam respectivamente os telemóveis n.os XXXXXXX e XXXXXXX, bem como o telefone fixo da A n.º XXXXXX para se contactarem (vide detalhes no relatório do requerimento de análise dos registos de chamadas telefónicas a fls. 272 a 274 - anexo 1 e anexo 2 sobre registo de chamadas telefónicas).
A arguida A voluntariamente colaborou com o pessoal da PJ, às 21H44 do dia da detenção (ou seja 18 de Outubro de 2001) contactou através do telemóvel de C n.° XXXXXXXX, dizendo que pretendia adquirir droga.
Em 19 de Outubro de 2001, o arguido C conforme combinado, foi à casa da A às 15H30, levando consigo dois sacos de plásticos transparentes contendo no interior 400 comprimidos de cor de laranja com desenho de diamante timbrado; após exame laboratorial, tais comprimidos de cor de laranja se tratavam de MDA, substância essa que está sob controlo na Tabela II-A do DL 5/91/M publicado em 28 de Janeiro, nos quais 394 tinham peso líquido de 80.5g (vide detalhes no auto de apreensão a fls. 26 e relatório de exame a fls. 75 a 329), somente a substância de MDA tinha o peso líquido de 28.589g (vide exame laboratorial a fls. 429 conforme a quantidade de comprimidos aí referenciados que se dá por reproduzido).
O pessoal da PJ, para além de ter encontrado na posse do arguido C os supracitados comprimidos, encontrou ainda no seu corpo numerário HKD$1.000,00 (por extenso: mil HK dólares), RMB$520,00 (por extenso: quinhentas e vinte RMB) e um telemóvel com os respectivos n.os XXXXXXXX e XXXXXXXXXXX, bem como um aparelho de recados n.° XXXXXXXX. (vide detalhes no auto de apreensão a fls. 26).
Os supracitados comprimidos foram trazidos de Zhuhai para Macau pelo arguido C, a pedido de um indivíduo desconhecido de alcunha "D", no sentido de serem entregues e vendidos à arguida A na casa onde ela vivia, que após ajudar "D" receber o dinheiro, este pagaria ao arguido C MOP$1.500,00 a MOP$2.000,00 (por extenso: mil e quinhentas a duas mil patacas) a título de compensação do transporte.
A partir de Agosto de 2001 até uns dias antes da data da detenção, o arguido C por três vezes levou os comprimidos à casa da arguida A, e era ela quem verificava e recebia em mão os comprimidos, da 1.ª vez foi 100, da 2.ª 200, da 3.ª 300 e duas onças de Ketamina; tendo o arguido C recebido dela o valor de: MOP$50,00 (por extenso: cinquenta patacas) por cada comprimido, MOP$2.500,00 (por extenso: duas mil e quinhentas) por cada onça de Ketamina.
Durante este período, ou era a arguida A quem usava o seu telemóvel n.° XXXXXXX para contactar através do telemóvel do arguido C, cujos números eram XXXXXXXX ou XXXXXXXXXXX (vi de detalhes no relatório do requerimento de análise dos registos de chamadas telefónicas a fls. 272 a 274 - anexo 1 e anexo 2 sobre registo de chamadas telefónicas), ou era o arguido C quem contactava a arguida A através do seu telemóvel n.° XXXXXXX e telefone da casa n.° XXXXXX, a fim de combinarem a hora de entrega e recebimento da droga, e cada vez que transaccionavam a droga era na casa da arguida A (ou seja [Endereço (1)]).
As arguidas A, B e o arguido C bem sabiam as características e natureza dos supra citados estupefacientes.
As arguidas A, B e o arguido C adquiriam, transportavam, detinham, guardavam, cediam e vendiam droga, a fim de obter ou com intenção de obter interesses.
As arguidas A, B e arguido C agiram livres, voluntariamente e com dolo as condutas supracitadas.
As arguidas A, B e arguido C bem sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
A 1.ª arguida era desempregada.
É casada e tem a filha a seu cargo.
Não confessou os factos e é primária.
A 2.ª arguida era desempregada.
É casada e não tem pessoas a seu cargo.
Confessou os factos e é primária.
O 3.º arguido era desempregado.
É casado e tem a mulher e a filha a seu cargo.
Confessou parcialmente os factos e é primário na RAEM.
Não foram provados os seguintes factos: os restantes factos da acusação/pronúncia, designadamente que os arguidos praticaram as condutas através de mútuo acordo e colaboração.
***
Indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal:
As declarações dos arguidos em audiência.
A leitura em audiência das declarações do 3.º arguido prestadas no JIC a fls. 43 ao abrigo do art.° 338.º n.° 1 b) do CPPM.
O depoimento das testemunhas da PJ que participaram na detenção dos arguidos e na investigação dos factos e que relataram os factos com isenção e imparcialidade.
O relatório de exame da PJ a fls. 71,327 e 427.
Análise dos restantes documentos colhidos na investigação e juntos aos autos e fotografias.

III - O Direito
As questões a resolver
1. A primeira questão consiste em saber se o facto de o tribunal colectivo ter valorado as declarações do 3.º arguido feitas perante o Juiz de Instrução Criminal, em detrimento das que fez em audiência, nas primeiras prejudicando a recorrente e nas segundas beneficiando-a, integra os vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova.
A segunda questão é a de saber se à recorrente deve ser atenuada especialmente a pena, nos termos do n.º 2 do art. 18.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, e se não o tendo feito foi violada tal norma, bem como a do art. 65.º do Código Penal ou se há vício de contradição insanável na fundamentação ao considerar a colaboração da recorrente na identificação do co-arguido, mas em não conceder a atenuação por não ter confessado e não se mostrar arrependida.

Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova.
2. A primeira questão é manifestamente improcedente. Face ao que se tem entendido por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, e para cujas decisões se remete, é manifesto que a questão suscitada não se aproxima nem de perto nem de longe do conceito legal.
Já quanto ao vício de erro notório na apreciação da prova, em abstracto, o mesmo poderia verificar-se. Mas não em concreto. A recorrente não explica nem fundamenta qualquer erro notório na apreciação da prova. Limita-se a pôr em causa a convicção do tribunal que terá valorado as declarações do 3.º arguido feitas perante o Juiz de Instrução Criminal, em detrimento das que fez em audiência, nas primeiras prejudicando a recorrente e nas segundas beneficiando-a.
Improcedem os vícios suscitados.

Contradição insanável da fundamentação
3. Como bem se reflecte na decisão recorrida, não pode haver qualquer contradição insanável da fundamentação se o que o recorrente põe em causa é a interpretação que o tribunal fez de uma norma legal, no caso a do n.º 2 do art. 18.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M.
A contradição insanável da fundamentação é um vício intrínseco da decisão, que conduz ao reenvio, isto é a um novo julgamento da matéria de facto, por estar em causa uma situação que não pode ser ultrapassada pelo tribunal de recurso. Como se diz no Acórdão de 30 de Janeiro de 20031 deste Tribunal, o mencionado vício consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada.
Logo, o erro de direito na interpretação de uma norma nunca pode integrar o vício em causa.
Vejamos, pois, se a pena da recorrente deveria ter sido especialmente atenuada, ou seja, se o tribunal violou a lei ao não conceder o benefício previsto no n.º 2 do art. 18.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M.

Atenuação especial da pena nos termos do n.º 2 do art. 18.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M.
4. O Tribunal de Segunda Instância considerou que para a aplicação da faculdade de atenuação especial da pena nos termos do n.º 2 do art. 18.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, não basta a colaboração com a polícia na captura do seu fornecedor de estupefaciente, sendo ainda necessária a confissão e arrependimento, o que não aconteceu.
Dispõe o n.º 2 do art. 18.º que “No caso de prática dos crimes previstos nos artigos 8.º, 9.º e 15.º, se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela causado, auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações, poderá a pena ser-lhe livremente atenuada ou decretar-se mesmo a isenção”.
Está em causa, neste momento a interpretação do segmento da norma que permite a atenuação especial (ou até a isenção) da pena do traficante de estupefaciente que “...auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações...”.
Como é patente, o benefício em referência fundamenta-se em razões de política criminal, tendo em vista a eficácia no combate ao tráfico de estupefacientes. Na verdade, com esta faculdade, a lei pretende estimular a colaboração dos traficantes com as autoridades, delatando outros traficantes, por ser muito difícil a descoberta deste tipo de crimes, dada a particular dificuldade de investigação e prova dos factos relacionados com o tráfico de estupefacientes.
Esta norma insere-se no chamado direito penal premial, visando beneficiar os membros dos grupos que colaboram com as autoridades, permitindo a captura dos restantes membros. Deve, em princípio, ser de utilização excepcional.
Mas a ser assim, não é qualquer delação que merece a concessão do benefício. A letra da lei é clara ao apontar para a identificação e captura de responsáveis, “especialmente no caso de grupos, organizações ou associações”.
Certo, não se pode excluir a aplicação do n.º 2 do art. 18.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, à identificação e captura de simples indivíduos e não apenas de grupos ou de organizações. Mas tais indivíduos devem ter um tal peso no tráfico de droga, pela sua particular danosidade social - designadamente, por aliciarem menores, pela dimensão do tráfico, pela duração da actividade criminosa, pelos meios utilizados, pela sua sofisticação - justifique a concessão do benefício ao delator.
Ou seja, não faz sentido beneficiar o delator que “entrega” um traficante da sua “dimensão”, sobretudo quando esta não é considerável.
É manifesto que não é possível a atenuação do traficante que apenas denuncia o seu fornecedor, se este é do mesmo nível, do que colabora com as autoridades. Pois a que título é que a lei iria conceder um benefício que pode ir até à isenção da pena, para punir um traficante de igual perigosidade?
Logo daqui se retira que a recorrente não estava em condições de beneficiar da atenuação especial, pois se limitou a denunciar às autoridades policiais o seu fornecedor, o 3.º arguido que, face aos factos provados, não se demonstra ser um grande traficante, nem dotado de qualquer organização poderosa ou sofisticada, nem que pratique o tráfico há longo tempo.
A sua colaboração com as autoridades policiais foi valorada e bem no âmbito da penalidade que cabe ao crime praticado, entre os seus limites mínimo e máximo, não havendo, portanto, qualquer violação do disposto no art. 65.º do Código Penal.

IV – Decisão
Face ao expendido, rejeitam o recurso por manifesta improcedência.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 UC. Nos termos do art. 410.º n.º 4 do Código de Processo Penal, pagará 4 UC pela rejeição do recurso.
Macau, 8 de Outubro de 2003
Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
1 Processo n.º 18/2002.
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