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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso penal
N.° 23 / 2003

Recorrente: A
 B







1. Relatório
Os recorrentes A e B, juntamente com outros dois arguidos, foram julgados no âmbito do processo comum colectivo n.° PCC-053-02-6. Por acórdão de 24 de Janeiro de 2003, o Tribunal Judicial de Base julga absolver os arguidos A e B do crime de ofensa simples à integridade física previsto e punido pelo art.° 137.°, n.° 1 do Código Penal (CP) e condenar cada um deste dois arguidos, em co-autoria material e na forma consumada, pela prática de:
- um crime de rapto previsto e punido pelo art.° 154.°, n.° 1, al.s a) e c) do CP na pena de 6 anos de prisão;
- um crime de extorsão previsto e punido pelo art.° 215.°, n.° 2, al. b), com referência ao art.° 198.°, n.° 2, al. f), todos do CP, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão;
- um crime de roubo previsto e punido pelo art.° 204.°, n.° 2, al. b), com referência ao art.° 198.°, n.° 2, al. f), todos do CP, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;
- um crime de posse e uso de arma proibida previsto e punido pelo art.° 262.°, n.° 1 do CP, com referência ao art.° 1.°, n.° 1, al. b) do Decreto-Lei n.° 77/99/M, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão.
Em cúmulo, o arguido A é condenado na pena única de 13 anos de prisão, ao passo que o arguido B é condenado na pena única de 12 anos de prisão.
Ambos os arguidos são condenados ainda a indemnizar o ofendido C na valor de HK$15.000,00.

   Inconformados com a decisão, os dois arguidos recorreram para o Tribunal de Segunda Instância. Por seu acórdão de 26 de Junho de 2003 proferido no processo n.° 111/2003, foram rejeitados os recursos.
   
   Vêm agora os dois arguidos recorrer para o Tribunal de Última Instância.
   O recorrente A formulou as seguintes conclusões da motivação:
   “1. O acórdão recorrido rejeitou o recurso interposto com fundamento de que quer as alegações, quer as conclusões apresentadas no recurso interposto ao pretender imputar ao arresto os vícios em causa (de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova) não mais fez do que fazer valer a sua opinião pessoal quanto à apreciação da matéria de facto dada como provada. E, que, assim sendo, não mais estaria do que intrometer-se em algo que lhe é insindicável, ou seja, esgrimir-se contra o princípio da livre apreciação da prova consagrada no art.º 114.º do Código de Processo Penal.
   2. A livre apreciação da prova pelo Tribunal não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
   3. O recurso oportunamente interposto da decisão condenatória proferida em primeira instância não se limitou a tecer considerações pessoais sobre a apreciação da prova efectuada tal como pretende os termos do, aliás douto, acórdão recorrido, proferido em segunda instância de que ora se impugna.
   4. Os termos da motivação de recurso não se limitaram tão só a tecer uma opinião pessoal diversa do recorrente sobre a prova produzida e assente. Nele, o ora recorrente foi mais longe, e, indicou os aspectos parcelares das provas produzidas em audiência – referimo-nos em especial, entre outras, às declarações prestadas pelo ofendido em plena audiência de discussão e julgamento que pelas quais foi peremptório, entre outras coisas, a confirmar a ausência do recorrente no local do rapto – que não permitiam ao tribunal de primeira instância chegar às conclusões a que se chegou, ao assentar, facticamente, pela presença do ora recorrente no local do rapto – residência do ofendido.
   5. E, tendo havido documentação da audiência, o Tribunal de Recurso deveria conhecer-se de tal.
   6. É do conhecimento oficioso pelo Tribunal de Recurso os vícios sobre a matéria de facto consagrados no art.º 400.º, n.º 2, al.s a), b) e c) do Código de Processo Penal em vigor.
   7. Os critérios para a decisão sobre a rejeição do recurso são:
   a) Falta de motivação; ou,
   b) Manifesta improcedência.
   8. O recurso rejeitado estava motivado, e suficientemente fundamentado. O acórdão recorrido ao rejeitá-lo, violou a norma constante do art.º 410.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
   9. Decorre da matéria de facto apurada que “de acordo com o plano, no dia 28 de Abril de 2002, cerca das 17h00, quando o ofendido C estava de regresso à sua residência, sita na [Endereço(1)], e quando estava a abrir a porta com uma chave, os arguidos A, B e o referido indivíduo com alcunha de “D” empurraram o ofendido para o interior da fracção e desferiram socos e pontapés em várias partes do corpo do ofendido, sobretudo o seu olho esquerdo e a costela do lado esquerdo.
   ...
   Os arguidos A, B e “D” com umas gravatas que encontraram nessa residência, amarraram as mãos e as pernas do ofendido C e ainda vedaram os olhos do ofendido com fita adesiva para selar caixotes.
   De seguida, os arguidos A, B e “D” retiraram forçosamente os objectos que o ofendido C trazia consigo, incluindo dois telemóveis de marca Nokia, respectivamente de modelo 8310 e 8250, e da carteira do ofendido, retiraram cerca de HKD$10.000 em numerário e umas milhares de patacas também em numerário.
   Posteriormente, depois de os arguidos A, B e “D” retirarem outros bens dessa residência, levaram o ofendido C para fora dessa fracção, escoltaram-no até ao parque de estacionamento desse edifício e obrigaram-no a entrar num automóvel que já tinham preparado. A seguir transportaram o ofendido C para o esconderijo, sito na [Endereço(2)].”
   10. Nesta parte da factualidade tida por provada pelo Tribunal Colectivo de primeira instância, o acórdão encontra-se eivado dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, pois, tal como resulta inequívoco do depoimento oralmente prestado pelo ofendido C em sede de audiência de julgamento e devidamente documentada, este último foi peremptório em afirmar o ora recorrente não se encontrava presente em sua residência quando o rapto ocorrera.
   11. Ao dar-se por provada a factualidade acima transcrita, o tribunal colectivo de primeira instância ignorou este depoimento vital, que afastava inequivocamente o envolvimento do ora recorrente no crime de rapto, viciando-se em insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova.
   12. Relativamente à factualidade tida por provada pelo Colectivo de Juizes da primeira instância e consignado nos números 18.º a 21.º, ela encontra-se carentemente fundamentada, uma vez se apoia única e exclusivamente no depoimento do ofendido C que afirma conseguir reconhecer a voz do ora recorrente, sem conseguir, no entanto, caracterizá-la nem indicar características específicas da tonalidade da voz do recorrente.
   13. Tal é insuficiente para fundamentar a decisão recorrida, posto que o dito reconhecimento em causa foi feito com inobservância das devidas formalidades legais, adaptando-se e aplicando devidamente as regras consagradas legalmente para a realização da prova por reconhecimento.
   14. Razão pela qual, nesta parte, o acórdão violou a lei processual penal – art.º 134.º do CPPM e, concomitantemente, está viciado de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, consagrado no art.º 400.º do CPPM, o que se impugna.
   15. Os depoimentos prestados pelo ora recorrente na Polícia Judiciária logo após a sua detenção, bem como as declarações de consentimento na busca e apreensão alegadamente concedidas pelo recorrente à Polícia Judiciária são nulas e de nenhum efeito, uma vez que foram obtidas através de tortura, coacção e agressão grave ao ora recorrente no que deixou irrefutáveis marcas e provas espelhadas nestes autos – métodos proibidos de prova.
   16. Nos termos do disposto no art.º 113.º do CPPM, constituem métodos de prova proibidos e torna nulas as provas assim obtidas. Estas nulidades, dada a sua gravidade, são insupríveis.
   17. As nulidades insupríveis assim emergentes são do conhecimento oficioso do Tribunal de Recurso, podendo ser suscitadas em qualquer momento processual.”
Pedindo que seja dado provimento ao recurso e, em consequência, anulado o acórdão recorrido, ordenando-se ao tribunal recorrido o conhecimento sobre o mérito das questões colocadas.
   
   O recorrente B formulou as seguintes conclusões da motivação:
   “1. O acórdão recorrido rejeitou o recurso interposto com fundamento de que quer as alegações, quer as conclusões apresentadas no recurso interposto ao pretender imputar ao arresto os vícios em causa (de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova) não mais fez do que fazer valer a sua opinião pessoal quanto à apreciação da matéria de facto dada como provada. E, que, assim sendo, não mais estaria do que intrometer-se em algo que lhe é insindicável, ou seja, esgrimir-se contra o princípio da livre apreciação da prova consagrada no art.º 114.º do Código de Processo Penal.
   2. A livre apreciação da prova pelo Tribunal não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
   3. O recurso oportunamente interposto da decisão condenatória proferida em primeira instância não se limitou a tecer considerações pessoais sobre a apreciação da prova efectuada tal como pretende os termos do, aliás douto, acórdão recorrido, proferido em segunda instância de que ora se impugna.
   4. Os termos da motivação de recurso não se limitaram tão só a tecer uma opinião pessoal diversa do recorrente sobre a prova produzida e assente. Nele, o ora recorrente foi mais longe, e, indicou os aspectos parcelares das provas produzidas em audiência – referimo-nos em especial, entre outras, às declarações prestadas pelo ofendido C em plena audiência de discussão e julgamento que pelas quais foi peremptório, entre outras coisas, em confirmar que não consegue precisar se o ora recorrente participou no crime de rapto na sua pessoa ocorrido em sua residência – que não permitiam ao tribunal de primeira instância chegar às conclusões a que se chegou, ao assentar, facticamente, pela presença do ora recorrente no local do rapto – residência do ofendido.
   5. E, tendo havido documentação da audiência, o Tribunal de Recurso deveria conhecer-se de tal.
   6. É do conhecimento oficioso pelo Tribunal de Recurso os vícios sobre a matéria de facto consagrados no art.º 400.º, n.º 2, al.s a), b) e c) do Código de Processo Penal em vigor.
   7. Os critérios para a decisão sobre a rejeição do recurso são:
   a) Falta de motivação; ou,
   b) Manifesta improcedência.
   8. O recurso rejeitado estava motivado, e suficientemente fundamentado. O acórdão recorrido ao rejeitá-lo, violou a norma constante do art.º 410.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
   9. Decorre da matéria de facto apurada que “de acordo com o plano, no dia 28 de Abril de 2002, cerca das 17h00, quando o ofendido C estava de regresso à sua residência, sita na [Endereço(2)], e quando estava a abrir a porta com uma chave, os arguidos A, B e o referido indivíduo com alcunha de “D” empurraram o ofendido para o interior da fracção e desferiram socos e pontapés em várias partes do corpo do ofendido, sobretudo o seu olho esquerdo e a costela do lado esquerdo.
   ...
   Os arguidos O A, B e “D” com umas gravatas que encontraram nessa residência, amarraram as mãos e as pernas do ofendido C e ainda vedaram os olhos do ofendido com fita adesiva para selar caixotes.
   De seguida, os arguidos A, B e “D” retiraram forçosamente os objectos que o ofendido C trazia consigo, incluindo dois telemóveis de marca Nokia, respectivamente de modelo 8310 e 8250, e da carteira do ofendido, retiraram cerca de HKD$10.000 em numerário e umas milhares de patacas também em numerário.
   Posteriormente, depois de os arguidos A, B e “D” retirarem outros bens dessa residência, levaram o ofendido C para fora dessa fracção, escoltaram-no até ao parque de estacionamento desse edifício e obrigaram-no a entrar num automóvel que já tinham preparado. A seguir transportaram o ofendido C para o esconderijo, sito na [Endereço(2)].”
   10. Nesta parte da factualidade tida por provada pelo Tribunal Colectivo de primeira instância, o acórdão encontra-se eivado dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, pois, tal como resulta inequívoco do depoimento oralmente prestado pelo ofendido C em sede de audiência de julgamento e devidamente documentada, este último foi peremptório em afirmar que o ora recorrente e um outro indivíduo como sendo aqueles que entraram e forçaram a entrada da sua residência não conseguindo especificar se o ora recorrente o raptou dada a confusão entretanto gerada.
   11. Ao dar-se por provada a factualidade acima transcrita, o tribunal colectivo ignorou este depoimento vital, que afastava inequivocamente o envolvimento do ora recorrente no crime de rapto, viciando-se em insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova.
   12. Relativamente à factualidade tida por provada pelo Ilustre Colectivo de Juizes de primeira instância e consignado nos números 18.º a 21.º, ela encontra-se carentemente fundamentada, uma vez se apoia única e exclusivamente no depoimento do ofendido C que afirma conseguir reconhecer a voz do 1.º arguido mas nada relativamente ao ora recorrente.
   13. Tal é insuficiente para fundamentar a decisão recorrida, posto que o dito reconhecimento em causa foi feito com inobservância das devidas formalidades legais, adaptando-se e aplicando devidamente as regras consagradas legalmente para a realização da prova por reconhecimento.
   14. Razão pela qual, nesta parte, o acórdão violou a lei processual penal – art.º 134.º do CPPM e, concomitantemente, está viciado de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, consagrado no art.º 400.º do CPPM, o que se impugna.
   15. Os depoimentos prestados pelo co-arguido A na Polícia Judiciária logo após a sua detenção, bem como as declarações de consentimento na busca e apreensão alegadamente concedidas pelo recorrente à Polícia Judiciária são nulas e de nenhum efeito, uma vez que foram obtidas através de tortura, coacção e agressão grave ao ora recorrente no que deixou irrefutáveis marcas e provas espelhadas nestes autos – métodos proibidos de prova.
   16. Nos termos do disposto no art.º 113.º do CPPM, constituem métodos de prova proibidos e torna nulas as provas assim obtidas. Estas nulidades, dada a sua gravidade, são insupríveis.
17. As nulidades insupríveis assim emergentes são do conhecimento oficioso do Tribunal de recurso, e, o provimento da sua arguição nesta sede aproveita ao ora recorrente.”
   Pedindo que seja dado provimento ao recurso e, em consequência, anulado o acórdão recorrido, ordenando-se ao tribunal recorrido o conhecimento sobre o mérito das questões colocadas.
   
   
   O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de Segunda Instância emitiu a resposta que consiste essencialmente em:
   - O fundamento para a rejeição dos recursos foi o da manifesta improcedência;
   - O acórdão recorrido não deixou de se pronunciar sobre o “mérito” das questões suscitadas;
   - Em relação aos vícios previstos no art.° 400.°, n.° 2, al.s a) e c) do CPP, os recorrentes limitam-se a discordar do julgamento da matéria de facto, afrontando a regra da livre apreciação da prova;
   - Sobre a inadmissibilidade de prova nula, a questão já foi decidida com trânsito em julgado;
   - Não foram trazidos aos autos novos elementos comprovativos da coacção;
   - Os recursos devem ser rejeitados por serem manifestamente improcedentes.
   
   A Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal de Última Instância emitiu o seguinte parecer:
   “Nos seus recursos interpostos para o Alto Tribunal de Última Instância, vêm os arguidos A e B imputar ao douto Acórdão ora recorrido a violação da norma consagrada no art.º 410.º, n.º 1 do CPPM, os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova e suscitar a questão de nulidade da prova no que diz respeito aos depoimentos prestados pelo arguido A na Polícia Judiciária bem como às declarações de consentimento na busca e apreensão efectuadas.
   É evidente não lhes assistir razão, como já evidenciou o Magistrado do Ministério Público na sua resposta à motivação do recurso.
   
   No douto Acórdão ora recorrido o Tribunal de Segunda Instância decidiu rejeitar os recursos interpostos pelos arguidos A e B, precisamente nos termos do art.º 410.º, n.º 1 do CPPM por ter concluído pela manifesta improcedência dos mesmos.
   É verdade que resultam das letras da referida norma os dois fundamentos para a decisão sobre a rejeição do recurso: um a falta de motivação (rejeição formal) e outra a manifesta improcedência do recurso (rejeição substantiva).
   Daí que, mesmo sendo devidamente motivado e suficientemente fundamentado, o recurso pode ainda ser rejeitado se for manifestamente improcedente.
   No Código de Processo Penal de Macau, pág. 837, escrevem Dr. Manuel Leal-Henriques e Dr. Manuel Simas Santos o seguinte:
   “No que toca à rejeição substantiva, pode adiantar-se, ..., que o recurso é manifestamente improcedente quando, no exame necessariamente perfunctório a que se procede no visto preliminar, se vier a concluir, face à alegação do recorrente, à letra da lei e às disposições jurisprudenciais sobre as questões suscitadas, que aquele recurso está votado ao insucesso.
   Em Portugal, por exemplo, e perante disposição igual do respectivo Código de Processo Penal, o Supremo Tribunal de Justiça vem considerando como incluídas na figura do recurso manifestamente improcedente as seguintes situações:
   a) quando o recurso respeite a matéria de facto, e a invocação de erro notório na apreciação da prova, de contradição entre os fundamentos e a decisão, ou de insuficiência da matéria provada para a decisão, se traduza unicamente numa visão pessoal do recorrente a respeito dos factos que, em seu entender, deveriam ter sido dados como provados pelo colectivo, por, em qualquer desses casos, se verificar inobservância do preceito do art.º 400.º, n.º 2, que exige que os apontados vícios só possam ser invocados quando a deficiência em que eles se traduzem resulte do testo da própria decisão recorrida, por si só, ou conjugadas com as regras da experiência comum;
   b) ...;
   c) ...”
   Ora, face aos factos provados e as considerações tanto doutrinais como jurisprudenciais sobre os vícios apontados pelos recorrentes, que versam sobre a matéria de facto, forçosamente é de concluir pela não verificação dos mesmos vícios, pois que claramente a imputação dos recorrentes não é mais do que uma apresentação da visão pessoal, por parte deles, quanto à matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, tal como salienta o Tribunal Colectivo no seu acórdão recorrido.
   Vamos ver:
   
   Os recorrentes invocam os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova, alegando que, em sede de audiência de julgamento, o ofendido C foi peremptório em afirmar que o recorrente A não se encontrava presente em sua residência quando o rapto ocorrera e não fazia parte do bando de criminosos que o raptaram da sua residência e que não consegue precisar se o recorrente B participou ou não no seu rapto, o que afasta o seu envolvimento no crime de rapto e não permite ao tribunal concluir pela sua participação no mesmo crime ocorrido na residência do ofendido. E por outro lado, afirma o recorrente A que a prova única e exclusiva de “reconhecimento” da sua voz pelo ofendido é insuficiente para fundamentar a factualidade dada como provada pelo tribunal.
   É claro que, de certo modo, os recorrentes estão a confundir a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, um dos fundamentos de recurso, com a mera insuficiência da prova para a matéria de facto provada, que é a questão colocada no âmbito do princípio da livre apreciação da prova e é insindicável.
   Por outro lado, como resulta do douto acórdão recorrido, a convicção do Tribunal foi formada com base num conjunto de provas, que incluem não só as declarações do ofendido prestadas em audiências mas também as declarações dos arguidos, a prova documental constante dos autos e o depoimento das testemunhas. E foi com base na análise e apreciação global de todas estas provas produzidas em audiência de julgamento é que o Tribunal tirou a sua conclusão sobre a matéria de facto provada.
   Evidentemente não se pode partir tão só duma afirmação e declaração de uma determinada testemunha, mesmo que seja do ofendido, para concluir que o Tribunal devia ou não dar como provado determinado facto, pondo assim em causa a factualidade considerada assente pelo Tribunal, com ignorância de existência e teor de outras provas.
   Salvo o devido respeito, parece-nos que tudo o que os recorrentes fazem não é nada mais do que uma tentativa de contestar a convicção formada pelo tribunal, abalando o modo como o tribunal formou a sua convicção. Tudo isto não é mais do que uma diferente apreciação das provas, do ponto de vista pessoal dos próprios recorrentes.
   E quanto à questão de inadmissibilidade de prova nula suscitada pelos recorrentes, cremos que é de manter o entendimento já exposto pelo magistrado do MP e também decidido no douto Acórdão ora recorrido.
   Na realidade, a questão foi levantada pelo defensor do recorrente A logo depois da sua apresentação à Mma. Juiz de Instrução Criminal (fls. 388 dos autos) e o mesmo pedido (de declaração de nulidade de prova) foi reiterado na contestação apresentada pelo recorrente A (fls. 822 a 824 dos autos).
   Acontece que em ambos os despachos que recaem sobre os requerimentos do recorrente, foi decidido indeferir a sua pretensão (fls. 392 e 842 dos autos), decisões estas que não foram impugnadas pelos ora recorrentes.
   Daí que se formou o caso julgado formal.
   Por outro lado, constata-se dos autos que as declarações prestadas pelo recorrente A na PJ nem sequer foram lidas em audiência de julgamento (cfr. actas de audiência de julgamento, nomeadamente de fls. 930 a 932 dos autos), pelo que nos termos do art.º 336.º do CPPM estas declarações não podem servir como prova para o efeito de formação de convicção do tribunal.
   E na indicação das provas que serviram para o tribunal formar a sua convicção (nomeadamente no que diz respeito à prova documental constante dos autos), nada se refere às buscas e apreensões efectuadas com o consentimento do recorrente A.
   Não sendo relevantes as provas indicadas pelos recorrentes para formação de convicção do tribunal, torna-se desnecessária a resolução da questão suscitada.
   Concluindo, entendemos que se deve rejeitar os recursos interpostos por serem manifestamente improcedentes.”
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   1. O Tribunal Judicial de Base e o Tribunal de Segunda Instância consideram provados os seguintes factos:
   “1. Desde 1996, E conhecia C que trabalha como treinador de cavalos do Jockey Club de Macau.
   2. Em meados de Abril de 2002, E associou-se com o arguido A, este por sua vez juntou-se com o seu conterrâneo da China continental, o arguido B e mais um indivíduo com alcunha “D”, planearam em privar a liberdade do ofendido C.
   3. A finalidade do plano era para extorquir o ofendido C ou os seus familiares e obter dinheiro do resgate.
   4. Os referidos arguidos combinaram que conjuntamente iriam recorrer à violência e armas para executarem esse plano e depois iriam dividir o resgate entre eles todos.
   5. A fim de concretizarem o referido plano, os supracitados arguidos combinaram em desempenhar as tarefas distribuídas para cada um.
   6. E encarregou-se de preparar as armas a utilizarem aquando a execução do relacionado plano. As armas são duas, sendo uma de pistola de fabrico russo, e as respectivas munições.
   7. Ao mesmo tempo, foram adquiridos vários cartões “easy call” e recarregáveis para telemóveis, a fim de poderem estar em contacto entre eles na prática dos factos, e outros instrumentos para amarrar o ofendido C.
   8. E ainda forneceu a sua fracção arrendada, sita em Macau , na [Endereço(2)], para ser o esconderijo do raptado (esconder o ofendido) e ainda tinha dois molhos de chave que entregou respectivamente aos arguidos A e B.
   9. Além disso, também cabia ao E apurar e saber da rotina diária do ofendido C, nomeadamente a chapa de matrícula do automóvel, endereço, horário de entrada e saída de serviço, horário de regressar à casa, etc. Dados sobre o ofendido.
   10. Os arguidos como tinham receio de E ser reconhecido pelo ofendido C, combinaram que seria A o responsável a liderar os referidos arguidos para executarem todo plano. Cabia ao mesmo preparar viaturas, a fim de serem utilizadas como meio de transporte aquando a execução do plano, principalmente para transportar o ofendido C para o esconderijo e para ir levantar o resgate.
   11. Devido ao referido motivo, ficou combinado que seria o arguido A que iria telefonar aos familiares e amigos do ofendido C, a fim de obter o resgate.
   12. De acordo com o plano, no dia 28 de Abril de 2002, cerca das 17H00, quando o ofendido C estava de regresso à sua residência, sita na [Endereço(1)], e quando estava a abrir a porta com uma chave, os arguidos A, B e o referido indivíduo com alcunha de “D” empurraram o ofendido para o interior da fracção e desferiram socos e pontapés em várias partes do corpo do ofendido, sobretudo o seu olho esquerdo e a costela do lado esquerdo.
   13. A seguir, o arguido B e “D” empurraram, com as mãos, o ofendido C para o chão. O arguido B apontou com a pistola, que já tinha preparado antecipadamente, na cabeça do ofendido, ordenando-lhe para não oferecer resistência e para ficar calado, caso o contrário iria disparar.
   14. Os arguidos A, B e “D” com umas gravatas que encontraram nessa residência, amarraram as mãos e as pernas do ofendido C e ainda vedaram os olhos do ofendido com fita adesiva para selar caixotes.
   15. De seguida, os arguidos A, B e “D” retiraram forçosamente os objectos que o ofendido C trazia consigo, incluindo dois telemóveis de marca Nokia, respectivamente de modelo 8310 e 8250, e da carteira do ofendido, retiraram cerca da HKD10.000 (por extenso: dez mil dólares de Hong Kong) em numerário e umas milhares de patacas também em numerário.
   16. Posteriormente, depois de os arguidos A, B e “D” retirarem outros bens dessa residência, levaram o ofendido C para fora dessa fracção, escoltaram-no até ao parque de estacionamento desse edifício e obrigaram-no a entrar num automóvel que já tinham preparado. A seguir, transportaram o ofendido C para o esconderijo, sito na [Endereço(2)].
   17. Após chegar ao referido esconderijo, o arguido A comunicou ao E que já tinham raptado o ofendido C com sucesso e pediu-lhe para se deslocar de imediato à referida fracção.
   18. No interior dessa fracção, E, os arguidos A, B e “D”, com seriedade e severamente exigiram ao ofendido C que entregasse o resgate no montante de dez milhões de dólares de Hong Kong. Porém, o ofendido disse que não podia entregar um montante tão elevado em numerário. Por fim, os arguidos baixaram o valor do resgate para três milhões de dólares de Hong Kong.
   19. No dia 29 de Abril de 2002, cerca das 01H00, o arguido A entregou um telemóvel ao ofendido C, obrigou-o a telefonar ao F exigindo-lhe que angariasse o mais rápido possível o resgate de três milhões de dólares de Hong Kong em numerário.
   20. Como o ofendido C tinha medo que a sua vida corresse perigo e de ser agredido, teve de fazer o que pediram.
   21. Em 29 de Abril de 2002, às 17H55, o arguido A pediu ao ofendido C para telefonar ao F para saber como estava a ocorrer a angariação do resgate. Quando ouviu que ainda não tinham conseguido angariar três milhões de dólares de Hong Kong em numerário, o arguido A ficou furioso e desferiu logo socos e pontapés no ofendido e ordenou-o a pedir ao F para angariar com maior rapidez o referido resgate.
   22. Nesse noite, pelas 22H56, o arguido A disse ao arguido B e “D”, que estavam a vigiar o ofendido C, para deixar o ofendido voltar a telefonar ao F pedindo-o para preparar um automóvel (teria de informar antecipadamente a chapa de matrícula e a cor). Cabia ao F levar consigo o resgate e arranjar uma outra pessoa para conduzir esse automóvel.
   23. Em 30 de Abril de 2002, às 00H40, o arguido A e E disseram ao F, que ia como passageiro no automóvel (conduzido por G), para ir às proximidades do Hotel. O arguido A e E, por sua vez, foram de táxi para esse local para observar.
   24. A seguir, o arguido A e E deram instruções, através de telemóvel, ao F para que este desse voltas por Macau, indo para a Torre, o mercado, o silo, Ilha Verde, Portas do Cerco, etc. A fim de certificarem que F não tinha auxílio policial, o arguido A ia a conduzir o ciclomotor MC-XX-XX, transportando E e juntos seguiam o automóvel de F.
   25. No dia 30 de Abril de 2002, às três e tal da madrugada, o arguido A e E voltaram ao esconderijo e pediram ao ofendido C para telefonar ao F exigindo-lhe que livrasse de todos os agentes policiais e voltasse para a zona perto do Hotel para aguardar instruções.
   26. Nesse dia, pelas 04H05, quando F chegou às proximidades do Hotel, o arguido A e E voltaram a pedir ao F para ir até a zona perto do edifício industrial sito no [Endereço(3)], parar o carro e esperar.
   27. De seguida, com uma pistola preta na mão, E aproximou do local onde o automóvel de F estava parado e retirou o resgate que F trazia.
   28. E sentou-se de imediato no ciclomotor MC-XX-XX que o arguido A ia a conduzir e fugiram.
   29. Posteriormente, E entregou o saco que tinha o resgate ao arguido A para este escondê-lo e E, por sua vez, foi para o esconderijo.
   30. No dia 30 de Abril de 2002, às quatro e tal da madrugada, o arguido A levou o mencionado resgate para a frutaria-mercearia, sita em Macau, no [Endereço(4)], que pertence ao seu irmão mais velho H e entregou o saco que tinha o resgate ao arguido H, dizendo-lhe para guardar bem esse saco.
   31. O arguido H levou esse saco com o resgate para a sua residência sita em Macau, no [Endereço(5)]. Ele levantou o colchão da cama onde ele dormia e escondeu o saco debaixo da tábua da cama (vide as fotografias fls. 256 a 259 dos autos).
   32. Nesse dia, cerca das 04H50, o arguido A voltou ao esconderijo e levou o ofendido C dali. Disse-lhe para usar capacete e sentar-se no ciclomotor MC-XX-XX. Antes de arrancar, o arguido A pediu ao ofendido para tocar na pistola que trazia na sua cintura e advertiu-lhe para não saltar do ciclomotor, senão iria disparar contra ele.
   33. O arguido A conduziu o referido ciclomotor, transportando o ofendido C para proximidades do Mercado e soltou-o.
   34. A seguir, o arguido A voltou ao esconderijo do [Endereço(2)] para se juntar com E; no mesmo dia, pelas 07H00, quando os dois saíram juntos, foram detidos por agentes da PJ na porta principal do [Endereço(2)].
   35. De seguida, os agentes da PJ efectuaram uma busca no esconderijo e encontraram as gravatas que serviram para atar o ofendido C e outros instrumentos da prática do crime, incluindo duas pistolas e 14 balas das respectivas armas, manta, fronha e lençol (tipo capa) com vestígios de sangue do ofendido C (vide o auto de apreensão fls. 124 a 129 e auto de exame a fls. 572 dos autos).
   36. O arguido B foi até a residência do arguido A, sita em [Endereço(6)] à procura deste para preparar a divisão do resgate; quando ele chegou à porta dessa fracção e preparava para tocar a campainha, foi detido pelos agentes da P.J. no corredor.
   37. Logo no local, os agentes da Polícia Judiciária encontraram na posse do arguido B a chave (auto de apreensão a fls. 293 dos autos) da porta que faz ligação com o parque de estacionamento do piso 1 e 2 do edifício, sito em [Endereço(5)]; essa chave foi entregue pelo arguido A ao arguido B uns dias antes da prática dos factos, pedindo-lhe para quando fosse à sua procura, não entrava pelo átrio principal desse edifício, mas sim por essa passagem do parque de estacionamento que dá acesso à sua fracção.
   38. Durante o referido período, o ofendido C foi agredido pelos arguidos A, B e “D”, causando-lhe lesões corporais (vide auto de exame médico a fls. 161 dos autos) que directa e necessariamente fizeram com que o ofendido perdesse a capacidade de trabalho por trinta dias.
   39. Entre todos os arguidos havia um mútuo acordo e concerto de acções.
   40. Os arguidos A e B recorreram a meios violentos e ameaçadores para privar a liberdade de movimento do ofendido C. Contra a vontade do ofendido, detiveram-no num espaço fixo e fechado; o objectivo destes era extorquir o ofendido C e obter o resgate.
   41. Os arguidos A e B, através de violência e demonstração de armas que traziam, retiraram os bens e dinheiro do ofendido C, mesmo sabendo que não lhes pertenciam.
   42. Os arguidos A e B recorreram a meios de coacção, ameaçadores e demonstração de armas que traziam para obter proveitos ilícitos, obrigando o ofendido C e seus familiares e amigos para pagar o resgate de três milhões de dólares de Hong Kong, bem sabendo que não tinham dever jurídico para entregar o respectivo montante.
   43. Os arguidos A e B sabiam perfeitamente da natureza e características das armas de fogo que tinham combinado a utilizar e sabiam ainda que era proibido por lei a detenção e uso dessas armas em circunstâncias acima descritas.
   44. Os arguidos A e B bem sabiam que não deviam ter a intenção de ofender a integridade física do ofendido C, ainda o agrediram.
   45. O arguido H tinha perfeito conhecimento da proveniência ilícita do referido resgate, mesmo assim escondeu e detive e guardou-o, com intenção de obter proveitos patrimoniais para outrem.
   46. Todos os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente.
   47. Todos os arguidos sabiam perfeitamente que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
   
   O arguido A é primário, conforme o teor do seu CRC junto autos (fls. 839 a 841).
   Negou os factos imputados na acusação.
   Concluiu o primeiro ano do ensino secundário.
   Auferia mensalmente MOP$20,000.00 (vinte mil patacas) aproximadamente.
   Tem a seu cargo cinco pessoas (dois filhos menores, os pais e a esposa).
   
   O arguido B é primário (em Macau) conforme o teor do seu CRC junto aos autos (fls. 832 a 833).
   Confessou parcialmente os factos.
   Auferia um salário mensal no valor de RMB$2,500.00 (dois mil quinhentos dólares da China) aproximadamente.
   Concluiu o quarto ano do ensino primário.
   Tem a seu cargo cinco pessoas (uma filha menor, os pais e um irmão).
   
   O arguido H é primário (em Macau) conforme o teor do seu CRC junto aos autos (fls. 838 a 839).
   Negou os factos.
   Auferia um salário mensal no valor de MOP$14,000.00 (catorze mil patacas) aproximadamente.
   Concluiu o primeiro ano do ensino secundário.
   Tem a seu cargo três pessoas (dois filhos menores e a esposa).
   
   A arguida I é primária (em Macau) conforme o teor do seu CRC junto aos autos (fls. 835 a 836).
   Negou os factos.
   Vive do rendimento do seu marido.
   Concluiu o ensino secundário.
   
   Consideram não provados os seguintes factos:
   - E pagou RMB$2.400,00 (por extenso: dois mil quatrocentos renminbi) pelas armas a um indivíduo de alcunha “J” em Seak Kei de Chong San, China, e trouxe as armas para Macau.
   - Foi o E que adquiriu vários cartões “easy call” e recarregáveis para telemóveis, a fim de poderem estar em contacto entre eles na prática dos factos, e outros instrumentos para amarrar o ofendido C.
   - O H dizia à arguida para guardar bem o saco que continha resgate.
   - A arguida levou tal saco à casa e conservou-o debaixo da cama.
   - A arguida sabia do teor do saco.
   
   
   2. Questões a apreciar
   As questões suscitadas pelos dois recorrentes e os respectivos fundamentos invocados são essencialmente idênticos, pelo que passamos a analisá-los em conjunto.
   
   2.1 Rejeição dos recursos
   Os recorrentes entendem que o tribunal recorrido, ao rejeitar os recursos interpostos pelos mesmos perante este com fundamento de que eles pretendiam apenas fazer valer a sua opinião pessoal quanto à apreciação da matéria de facto provada, decidiu erroneamente.
   
   Os dois recorrentes, por meio da questão de incorrecta rejeição dos recursos, apresentam a sua discordância em relação ao que foi decidido pelo tribunal recorrido acerca dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova.
   No fundo, o que se pretendem é impugnar os fundamentos da decisão do tribunal recorrido e não a forma da decisão de rejeição dos recursos.
   De facto, segundo o art.° 410.°, n.° 1 do Código de Processo Penal (CPP), o recurso é rejeitado sempre que faltar a motivação ou for manifesta a improcedência daquela. Se o tribunal recorrido entender que os recursos são de manifesta improcedência, como aconteceu na presente causa, não pode deixar de proferir a decisão de os rejeitar.
   Em relação às questões de fundo que os recorrentes alegam, é de apreciar de seguida.
   
   
   2.2 Nulidade da prova
   O recorrente A suscitou a inadmissibilidade de prova nula e o recorrente B considera que a questão, sendo de conhecimento oficioso por parte do tribunal de recurso, cujo provimento a ele também aproveita.
   Segundo os dois recorrentes, os depoimentos prestados pelo recorrente A na Polícia Judiciária logo após a sua detenção, bem como as declarações de consentimento na busca e apreensão prestadas pelo mesmo recorrente à Polícia Judiciária são nulos por ter sido obtidos através de tortura, coacção e agressão grave ao mesmo recorrente. E são nulidades insupríveis nos termos do art.° 113.° do CPP.
   
   Estão em causa as declarações prestadas pelo recorrente A perante a Polícia Judiciária após a sua detenção a fls. 183 a 187 e o consentimento prestado pelo mesmo na realização da busca e apreensão na sua residência pela Polícia Judiciária a fls. 189.
   No seu requerimento a fls. 385 a 389, o recorrente A arguiu a nulidade das referidas provas com o fundamento de que as declarações foram obtidas mediante agressão e o consentimento foi prestado sob tortura, agressões e ameaças.
   Por despacho a fls. 392, a juíza do Juízo de Instrução Criminal decidiu que o tribunal só vai declarar a sua nulidade quando mostra juntos aos autos os elementos de prova de alegada coacção e manteve a validade dos actos processuais praticados até esse momento. No mesmo despacho, julgou ainda válidas as referidas busca e apreensão.
   A decisão foi logo notificada ao recorrente A e outros arguidos e transitou em julgado.
   
   Mais tarde, já com os autos remetidos ao Tribunal Judicial de Base para julgamento, o recorrente A, na sua contestação escrita a fls. 822 a 824, voltou a pedir a declaração da nulidade das referidas provas.
   O requerimento foi indeferido por despacho a fls. 842. Tal despacho foi notificado ao defensor do recorrente A e transitou em julgado.
   
   Tal como foi salientado pelo Ministério Público no seu parecer, é de notar que, de acordo com as actas de audiência de julgamento a fls. 930 a 934 e 939 a 941 e a parte da fundamentação do acórdão de primeira instância, as referidas declarações do recorrente A prestadas na Polícia Judiciária não foram objecto de leitura na audiência, nem consta dos elementos de provas que serviram para formar a convicção do tribunal. A nulidade daquelas declarações, a existir, afectaria apenas a validade desta prova. Uma vez que não foram avaliadas como prova na audiência, é inútil apreciar a alegada nulidade das declarações.
   Por outro lado, as busca e apreensão foram expressamente validadas no primeiro dos referidos despachos que, entretanto, transitou em julgado, pelo que os recorrentes não podem voltar a colocar a mesma questão da nulidade das busca e apreensão.
   De qualquer modo, a partir do primeiro requerimento da declaração da nulidade, nos autos nunca mais vêm juntos elementos da prova da alegada violência na obtenção das referidas provas, a arguição da nulidade das provas é, por isso, votada necessariamente à improcedência.
   
   
   2.3 Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova
   Os recorrentes apontaram os mencionados vícios em dois aspectos.
   No primeiro, contra os factos provados de n.°s 12, 14, 15 e 16, entendem que o depoimento do ofendido C que afirmou que o recorrente A não se encontrava presente em sua residência quando o rapto ocorreu e que não conseguiu especificar se o recorrente B o raptou dado a confusão gerada afasta os recorrentes do crime de rapto.
   No segundo, contra os factos provados de n.°s 18 a 21 por o tribunal fundamentar única e exclusivamente no depoimento do ofendido C que afirmou conseguir reconhecer a voz do recorrente A.
   
   Segundo o que tem sido entendido pela jurisprudência deste tribunal sobre os dois vícios em causa1, os recorrentes não conseguiram apresentar elementos capazes de fundamentar a verificação dos dois vícios. Antes pelo contrário, pretendem apenas fazer valer a sua própria convicção, isso sim, acerca de determinados factos, com base numa prova que eles consideram determinante para a sua convicção pessoal.
   Na realidade, os recorrentes, por meio de invocação destes vícios, pretendem pôr em causa a livre apreciação das provas pelo tribunal, princípio esse consagrado no art.° 114.° do CPP.
   O depoimento do ofendido, sendo embora fundamental, não é a prova única ou necessária para comprovar a ocorrência do rapto, com a exclusão de outras provas.
   De facto, o depoimento do ofendido C foi apenas uma das provas valoradas pelo tribunal de primeira instância para formar a sua convicção, pois esta foi obtida com base na apreciação global das declarações do ofendido, de todos os arguidos, das testemunhas e dos documentos.
   Improcedem manifestamente os vícios invocados pelos recorrentes.
   
   Assim, os recursos devem ser rejeitados por manifesta improcedência.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em rejeitar os recursos.
   Nos termos do art.° 410.°, n.° 4 do Código de Processo Penal, condenam os recorrentes a pagar individualmente 4 UC (duas mil patacas).
   Condenam ainda cada um dos recorrentes em 5 UC (duas mil quinhentas patacas) da taxa de justiça e solidariamente nas demais custas.
   
   
   
   Aos 12 de Novembro de 2003.


           Juízes:Chu Kin (relator)
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
1 A título de exemplos, os acórdãos do TUI de 29/9/2000 do processo n.° 13/2000, de 22/11/2000 do processo n.° 17/2000, respectivamente no Acórdãos do Tribunal de Última Instância da RAEM, 2000, p. 447 e 487; de 20/3/2002 do processo n.° 3/2002 e de 15/10/2003 do processo n.° 16/2003.
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Processo n.° 23 / 2003 30