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 Processo n.º 3/2001. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrentes: D, E, F e G.
Recorridos: A, B e C.
Assunto: Recurso para o Tribunal de Última Instância. Força probatória material dos documentos autênticos. Incidente de falsidade. Contrato-promessa. Erro sobre o objecto do negócio. Erro determinado por dolo. Contrato definitivo.
Data da Sessão: 13.6.01.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.

SUMÁRIO:
I – Face ao disposto no n.º 2, do art. 638.º, do Código de Processo Civil, mesmo que o valor da causa exceda a alçada do Tribunal de Segunda Instância, não é admitido recurso do acórdão deste tribunal que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diverso fundamento, a decisão proferida na primeira instância, salvo se o acórdão for contrário a jurisprudência obrigatória.
II – O pensamento legislativo que está na base desta regra é a de que se não justifica um segundo recurso sobre as mesmas questões, quando os tribunais de primeira e segunda instância decidem no mesmo sentido, com unanimidade dos votos dos juízes, quanto à decisão.
III – Face à “ratio” da lei, se couber recurso da decisão que respeite a uma das partes, em que ambas ficaram vencidas, não haverá recurso da decisão quanto à outra parte se, relativamente a esta, o Tribunal de Segunda Instância confirmar, sem voto de vencido e ainda que por diverso fundamento, a decisão proferida na primeira instância.
IV – Pela mesma ordem de razões, se houver mais do que uma decisão e só quanto a alguma ou alguma das decisões, o Tribunal de Segunda Instância não confirme (ou confirme, mas com voto de vencido) a decisão proferida na primeira instância, só quanto a essa decisão caberá recurso, não se estendendo este ao restante decidido, em que não haja dissensão.
V– A força probatória plena de escritura pública vai até onde alcançam as percepções do notário (que os autores declararam comprar o domínio directo dos prédios e que o 1.º réu declarou vender o mesmo domínio directo).
VI - Mas a força probatória do documento autêntico não abrange os factos segundo os quais os autores quiseram efectivamente comprar o domínio directo, nem que o 1.º réu quis efectivamente vender o domínio directo dos prédios.
VII - O documento autêntico faz prova plena em relação à materialidade das afirmações atestadas; mas não quanto à sinceridade, à veracidade ou à validade das declarações emitidas pelas partes.
VIII – O incidente de falsidade, regulado nos arts. 360.º a 370.º do Código de Processo Civil de 1961, destinava-se a afastar a força probatória de documento apresentado pela parte contrária.
IX – Quando uma das partes pretende que o tribunal declare falso um documento por si apresentado tem de o pedir em acção ou reconvenção.
X – Se na escritura pública de compra e venda, os compradores, ao declararem comprar o referido domínio directo, pensaram estar a comprar o direito de propriedade dos prédios, em virtude de terem sido enganados pelo vendedor, pelos promitentes vendedores e pelo advogado que interveio na preparação do negócio, que os convenceram disso; se os compradores não sabiam o que era o domínio directo ou a enfiteuse e pensaram que tal termo se reportava ao direito de propriedade dos imóveis; se não sabiam que o domínio directo apenas confere ao seu titular o direito de receber o foro, que consiste em quantias irrisórias e que podia ser extinto, com a remição do foro; se os mesmos compradores não sabiam que o valor do direito que adquiriram, e pelo qual pagaram HK$6.500.000,00, valia apenas MOP$7.000, que foi o preço recebido na acção posterior em que o titular do domínio útil remiu o foro; se nem sabiam que a titularidade do domínio directo não lhes permitia demolir os prédios e edificar novas construções, que era o que pretendiam, então produziu-se um vício na formação da vontade, consistente em erro determinado por dolo, que conduz à anulação do negócio.
XI - No art. 251.º do Código Civil de 1966 deve considerar-se abrangido, não só o objecto em sentido próprio ou objecto material, mas também o objecto em sentido jurídico ou conteúdo.
XII – No regime dos arts. 253.º e 254.º do mesmo diploma, o requisito específico da relevância do dolo é a dupla causalidade, é necessário que o dolo seja determinante do erro e que o erro seja determinante do negócio.
O Relator,

Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I - Relatório
A (adiante designado por 1.º autor), B (adiante designado por 2.º autor), e C (adiante designado por 3.ª autora), intentaram acção declarativa com processo ordinário contra D, aliás, D1, (adiante designado por 1.º réu), E (adiante designado por 2.º réu), F (adiante designado por 3.º réu) e G (adiante designado por 4.º réu), pedindo:
a) A anulação do contrato de compra e venda celebrado entre o 1.º réu e os 1.º e 2.º autores, titulado por escritura pública outorgada em 10 de Janeiro de 1992, pelo qual aquele réu vendeu a estes autores o domínio directo dos prédios com os n.os 36, 38, 40, 42, 44, 46 e 48 da Rua da Cal, descritos na Conservatória do Registo Predial de Macau, respectivamente, sob os n.ºs 5660 a fls. 106, 5661 a fls. 106v, 5662 a fls. 107, 5663 a fls. 107v, 5664 a fls. 108, 5665 a fls. 108v e 5666 a fls, 109, todos do Livro B-23,
b) A condenação do 1.º réu a restituir aos autores o montante de HK$1.820.000,00, que por estes lhe foi entregue, acrescido dos respectivos juros legais;
c) A condenação dos 1.º e 4.º réus no pagamento solidário aos autores de uma indemnização de MOP$1.000.000,00, pelos danos por estes sofridos e a que se referem os arts. 139.º a 144.º da petição inicial, quantia acrescida dos respectivos juros legais;
d) Condenar-se os 1.º e 4.º réus, solidariamente, a pagar aos autores uma indemnização de HK$359.000,00, acrescida dos respectivos juros legais, pelos danos por estes sofridos e a que se referem os arts. 145.º a 147.º da petição inicial;
e) Considerar-se o contrato-promessa entre os autores e os 2.º e 3.º réus, em 9 de Dezembro de 1991, como definitivamente incumprido, por culpa exclusiva dos promitentes-vendedores, ora 2.º e 3.º réus,
f) E condenar-se os 2.º e 3.º réus a pagar aos autores em dobro o sinal de HK$4.190.000,00, que por estes lhes foi entregue, ou seja, o montante de HK$8.380.000,00, acrescida dos respectivos juros legais;
g) Condenar-se o 4.º réu a pagar aos autores a parte da quantia peticionada na alínea b) que o 1.º réu não pagar voluntariamente e, em execução de sentença, os autores não conseguirem obter à custa do seu património, como indemnização desse prejuízo dos autores a apurar em execução de sentença:
h) Condenar-se os 1.º e 4.º réus no pagamento solidário aos autores da parte da quantia peticionada na alínea f) que os 2.º e 3.º réus não pagarem voluntariamente e, em execução de sentença, os autores não conseguirem obter à custa do seu património como indemnização desse prejuízo dos autores a aí apurar;
ou, subsidiariamente, para a hipótese de o contrato referido na alínea a) do pedido principal não ser anulado,
a) Serem os 1.º e 4.º réus condenados solidariamente a pagar aos autores uma indemnização no montante de HK$1.820.000,00, acrescida dos respectivos juros legais, conforme o alegado nos arts. 148.º e 149.º da petição inicial,
b) Condenar-se os 1.º e 4.º réus no pagamento solidário aos autores de uma indemnização de MOP$1.000.000,00, pelos danos por estes sofridos e a que se referem os arts. 139.º a 144.º da petição inicial, quantia acrescida dos respectivos juros legais;
c) Condenar-se os 1.º e 4.º réus, solidariamente a pagar aos autores uma indemnização de HK$359.000,00, pelos danos por estes sofridos e a que se referem os arts. 145.º a 147.º da petição inicial;
d) Considerar-se o contrato-promessa assinado entre os autores e os 2.º e 3.º réus, em 9 de Dezembro de 1991 como definitivamente incumbido, por culpa exclusiva dos promitentes-vendedores, ora 2.º e 3.º réus,
e) E condenar-se os 2.º e 3.º réus a pagar aos autores em dobro o sinal de HK$4.190.000,00, que por estes lhes foi entregue, ou seja, o montante de HK$8.380.000,00, acrescido dos respectivos juros legais;
f) Condenar-se os 1.º e 4.º réus, no pagamento solidário aos autores da parte da quantia peticionada na alínea e) deste pedido subsidiário que os 2.º e 3.º réus não pagarem voluntariamente e, em execução de sentença, os autores não conseguirem obter à custa do seu património, como indemnização desse prejuízo dos autores a apurar em execução de sentença.

O 1.º réu, citado editalmente, por não ter sido encontrado, não contestou.
Os 2.º, 3.º e 4.º réus contestaram.
Os autos prosseguiram e, a final, foi proferida sentença, em 2.7.98, na qual se decidiu o seguinte:
  a) Julgar a acção parcialmente procedente, anulando-se o contrato de compra e venda entre o 1.º réu e os 1.º e 2.º autores, titulado pela escritura pública de 10/1/92, e condenando-se os réus a restituírem aos autores as seguintes importâncias:
- 1.º réu a importância de HKD$1.820.000,00 acrescida de juros à taxa legal desde a data da entrega;
- 2.º e 3.º réus a importância de HKD$4.190.000,00;
- 4.º réu a importância de MOP$490.000,00.
  b) Julgar a acção improcedente na parte restante do pedido, absolvendo os réus do mesmo.
c) Condenar o 4.º réu na multa de MOP$15.000 como litigante de má fé.
Inconformados com a sentença, recorreram os autores e os 2.º, 3.º e 4.º réus.
Por acórdão de 15.6.2000, o Tribunal de Segunda Instância proferiu a seguinte decisão:
  a) Julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelos autores, condenando o 1.º e 4.º réus solidariamente a pagar o montante de um milhão de patacas aos autores;
  b) Julgou improcedente os recursos na parte restante.
Recorreram os 2.º e 3.º réus E e F, tendo formulado as seguintes conclusões:
1.ª Os recorrentes pediram que o Ac. Recorrido fosse aclarado;
2.ª O TSI decidiu não aclarar o Ac. por decisão de 27.07.00;
3.ª A decisão recorrida não se pronunciou sobre várias questões que lhe foram colocadas, as quais foram levadas às conclusões;
4.ª Este problema foi, em momento processual próprio, submetido à apreciação do Tribunal recorrido;
5.ª Este Tribunal não supriu tal problema, continuando o Ac. recorrido a enfermar da nulidade prevista no art. 668.º, n.º 1, alíneas b), c), d) e e), do CPC revogado, a que corresponde ao art. 571.º, n.º 1, alíneas b), c), d) e e), do CPCM;
6.ª Dado que a decisão recorrida não especificou os fundamentos de facto e de direito da decisão assumida;
7.ª E os fundamentos do Ac. recorrido encontram-se em oposição com a própria decisão;
8.ª Face à matéria alegada e às razões de facto e de direito apresentadas, deve o presente recurso ser admitido nos termos do art. 44.º, n.º 2, da Lei n.º 9/1999 e nos termos dos arts. 638.º e 639.º do CPCM;
9.ª Conhecendo, os recorrentes deduziram a excepção de ilegitimidade, por preterição do litisconsórcio necessário passivo;
10.ª Os autores pretendem obter a anulação do contrato de compra e venda, celebrado por escritura pública, invocado na petição inicial;
11.ª Consta nessa escritura que a mesma foi lida, explicada e traduzida aos outorgantes através de uma intérprete;
12.ª Os Acórdãos julgaram improcedente tal excepção;
13.ª A matéria dada como assente não permite afirmar que o “erro” haja sido provocado por manobras ou artifícios dos recorrentes – decisão da primeira instância – e muito menos por “dolo”, conforme decisão do TSI, que decidiu “alterar automaticamente a anulação do negócio jurídico para anulação por dolo”;
14.ª A haver erro, tratar-se-ia de erro-vício;
15.ª Mas para se aceitar qualquer uma das conclusões a que as instâncias chegaram, há que aceitar também que a leitura e explicação do teor da escritura foram feitas pelo Sr. Notário privado, através da Sra. Intérprete, de forma deficiente;
16.ª Porque o Sr. Notário e a Sra. Intérprete terão cometido factos que colidem com o exercício das suas funções, a acção deveria ter sido também intentada contra os mesmos;
17.ª Não o tendo sido houve preterição do litisconsórcio necessário, a qual conduz à ilegitimidade passiva;
18.ª O TSI ao confirmar, nesta parte, o Ac. da primeira instância, violou o disposto nos artºs. 28º., 493º., nº.2 e 494º., do CPC, devendo os recorrentes ser absolvidos da instância;
19.ª Ao contrário do decidido contraditoriamente nos Acs., não houve nem dolo dos recorrentes, nem erro na declaração;
20.ª Os autores declararam na escritura precisamente o que pretendiam dizer;
21.ª Só que a vontade declarada parece não coincidir com uma certa vontade hipotética;
22.ª Trata-se de um erro-vício que terá de se circunscrever, face aos factos dado como provados, apenas à escritura pública;
23.ª Quanto ao contrato-promessa não ficou provado que os recorrentes tenham determinado a vontade nele expressa pelos autores;
24.ª Também não ficou provado que os autores não teriam celebrado o contrato-promessa se soubessem que o seu objecto não era a propriedade plena;
25.ª Do próprio contrato-promessa, a que se reportam as certidões da CRP emitidas em 1991 e não as juntas pelos autores passadas só em 1994, certidões no rosto das quais consta que os prédios em causa eram foreiros a D, o 1º. R., resulta que aqueles conheciam perfeitamente o respectivo objecto;
26.ª Os contratos invocados na petição inicial são formais;
27.ª Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento;
28.ª Os Acs. das instâncias, ao concluírem que, através daqueles contratos, os autores tinham em vista a propriedade plena aderiram a um resultado que não tem nos mesmos um mínimo de correspondência;
29.ª O contrato-promessa referido na acção não foi resolvido ou anulado, nem a sentença da primeira instância concluiu pelo incumprimento definitivo do mesmo;
30.ª A condenação dos recorrentes na devolução da quantia de HKD$ 4.190.000,00 surge assim desprovida de fundamento legal e viola o disposto nos arts. 289.º e 433.º, do Código Civil;
31.ª O TSI, por um lado, decidiu anular o contrato definitivo e o próprio contrato-promessa, mas por outro, decidiu manter “o julgamento proferido pelo tribunal a quo”;
32.ª Tal significa, por um lado, a existência de uma contradição entre as duas decisões, e, por outro;
33.ª Que os fundamentos da decisão recorrida estão em oposição com a própria decisão;
34.ª Enferma, portanto, o Ac. recorrido da nulidade prevista na alínea c), do n.º 1, do art. 668.º, do CPC revogado e que corresponde à alínea c), do n.º 1, do art. 571.º do CPCM;
35.ª Por tudo, o Ac. do Tribunal de Segunda Instância violou o disposto nos arts. 238.º, 247.º, 251.º, 268.º, 289.º, 433.º, 668.º, n.º 1, alíneas b), c), d) e e), do CPC e art. 571.º, 212.º, do CPCM;
36.ª Devem, portanto, ser os recorrentes absolvidos do pedido se caso se não entender que devam ser absolvidos da instância;
37.ª Anulando-se, consequentemente, os Acórdãos das Instâncias.

O 4.º réu, G, também interpôs recurso, tendo terminado a sua alegação com as seguintes conclusões:
1. Não pode atribuir-se efeito meramente devolutivo ao presente recurso interposto pelo ora recorrente com base na alegada falta de fundamentação no requerimento de efeito suspensivo.
2. A fundamentação do pedido de efeito do recurso cabe apenas aos recorridos (parte vencedora) que nem sequer se manifestaram quanto a essa questão.
3. Ao alegar a divergência entra vontade real e vontade declarada na escritura, contrariamente ao expressamente afirmado pelo Notário e pela Intérprete, tem que se colocar a questão da falsidade da escritura.
4. Motivo pelo qual a acção devia ter sido proposta também contra o Notário e a Intérprete ou, pelo menos, deviam aqueles ter sido ouvidos sobre a divergência de vontades.
5. A escritura pública é um documento que faz prova plena.
6. O objecto do contrato-promessa é exactamente o mesmo do contrato definitivo: o domínio directo.
7. Domínio directo tem, como ficou dito, tradução para chinês diferente de propriedade plena, sendo que esta não pode ter qualquer correspondência com os caracteres utilizados no contrato-promessa.
8. Com a celebração da escritura pública, com objecto semelhante ao do contrato-promessa, extingue-se este primeiro contrato, pois cessou a relevância de qualquer pormenor inserto no âmbito do contrato-promessa (Acórdão n.º 81 de 18/4/96 do Tribunal da Relação de Lisboa).
9. Assim, apenas pode ser anulada a escritura com base na sua falsidade (cfr. o disposto no n.º 1 do art. 372º do Código Civil).
10. O incidente regulado nos arts. 360.º a 368.º do anterior C.P.C, era o único meio para se obter a declaração judicial da falsidade da escritura pública junta aos autos. (STJ 15-11-1986 AJ 3º/89, pag.12 e C.C. Anotado Vol. I – P. Lima A Varela – Pag. 306).
11. Não pode, nunca, considerar-se que o objecto do contrato-promessa era diferente do da escritura pública.
12. Pois não se pode estar a pedir e a declarar a anulação da escritura com fundamento no erro de declaração e depois dar-se relevância ao contrato-promessa, pretendendo demonstrar que a expressão chinesa utilizada significa propriedade plena.
13. Não pode com base nessa conclusão do Acórdão recorrido imputar-se dolo ao ora recorrente.
14. Como ficou provado na especificação os recorridos intentaram e tiveram conhecimento da acção judicial para extinção do domínio útil que tinha por finalidade rentabilizar o investimento dos recorridos.
- Relativamente às conclusões 3. a 5., o douto Acórdão recorrido violou o disposto nos art. 347.º, 363.º n.º 2, 372.º n.º 1, 379.º n.º 1, e 393.º n.º 2 todos do anterior Código Civil, bem como o art. 361.º, n.º 3 do Cód. Proc. Civ. anteriormente vigente e também os arts. 62.º, n.º 1 alínea g), 79.º, n.º 1 e 83.º do Código do Notariado em vigor à data dos factos.
- As conclusões 9. e 10. já referem as disposições legais em que se baseiam e que foram violadas pelo douto Acórdão recorrido.
- Relativamente à conclusão 12., foram preteridos os arts. 410.º, 874.º, 875.º e 879.º do anterior Cód. Civ. e o art. 89.º do Cód. do Not., vigente à data dos factos.
- Quando à conclusão 13. o douto Acórdão recorrido violou as alínea d) e e), do n.º 1 do art. 668.º do Cód. Proc. Civ. antigo, de acordo com o disposto na alínea a), do n.º 6 do art. 2.º do D.L. 55/99/M, de 8 de Outubro.
- Por fim, quanto à conclusão 14., o douto Acórdão recorrido violou o disposto no n.º 2 do art. 659.º do anterior Cód. Proc. Civ..

O Ex.mo Procurador-Adjunto veio, em representação do ausente, 1.º réu D, aliás D1, dar a sua adesão ao recurso interposto pelo 4.º réu, G.
Os autores, recorridos A, B e C, defendem a manutenção do julgado na parte impugnada pelos réus.
Por despacho de 25.4.01, do Relator, foi mantido o efeito meramente devolutivo ao presente recurso.
    
II - Da admissibilidade dos recursos
Recurso dos 2.º e 3.º réus E e F
1. De acordo com o disposto no n.º 2, do art. 638.º, do novo Código de Processo Civil, «Mesmo que o valor da causa exceda a alçada do Tribunal de Segunda Instância, não é admitido recurso do acórdão deste tribunal que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diverso fundamento, a decisão proferida na primeira instância, salvo se o acórdão for contrário a jurisprudência obrigatória».
A questão que se põe é a seguinte: quando haja dois réus (ou apenas um autor e um réu, mas ambos tenham ficado vencidos), e o acórdão do Tribunal de Segunda Instância confirme, sem voto de vencido, a decisão proferida na primeira instância quanto a um deles, A, mas altere a mesma decisão quanto ao outro, B, se ambos recorrerem, devem ser admitidos os dois recursos, ou só o recurso relativamente à parte que viu o acórdão do Tribunal de Segunda Instância alterar a sentença de primeira instância quanto a si, o referido B?
A questão resolve-se, apurando a “ratio” da norma mencionada.
A não admissão de recurso para o Tribunal de Última Instância no caso de o Tribunal de Segunda Instância confirmar, sem voto de vencido, e ainda que por diverso fundamento, a sentença da primeira instância, fundamenta-se no facto de dois tribunais, de diferentes graus de jurisdição, e quatro juízes, serem unânimes na solução. Entendeu o legislador que, neste caso, não se justificaria o recurso a um outro tribunal, em 3.º grau de jurisdição, afectando mais três juízes a debruçarem-se sobre a mesma lide.
A ser assim, então a solução no caso acima figurado há-se ser a de não admitir o recurso relativamente ao réu, cuja situação o Tribunal de Segunda Instância confirmou. Não é pelo facto de relativamente a outro réu ter sido alterada a sentença de primeira instância, que o primeiro réu deve aproveitar para também poder recorrer.
Ora, no caso dos autos, o Tribunal de Segunda Instância manteve a sentença do tribunal de primeira instância quanto aos 2.º e 3.º réus, sem voto de vencido, apenas a alterou quanto aos 1.º e 4.º réus.
Assim, não é admissível o recurso interposto pelos 2.º e 3.º réus, sendo irrelevante que os fundamentos do Tribunal de Segunda Instância não coincidam inteiramente com a sentença do tribunal de primeira instância, como resulta expressamente do n.º 2, do art. 638.º do Código de Processo Civil.
Não há necessidade de ouvir estes recorrentes sobre esta questão, já que os mesmos, por sua iniciativa, se pronunciaram sobre a questão na sua alegação.

Recurso do 4.º réu G
2. Relativamente a este réu, a sentença da primeira instância foi alterada apenas quanto a um aspecto: o acórdão recorrido condenou o réu no pagamento de indemnização no montante de MOP$1.000.000,00, mantendo a parte restante da sentença.
Pergunta-se: terá este réu recurso irrestrito quanto ao acórdão do Tribunal de Segunda Instância, ou o recurso está limitado à parte da sentença que foi alterada?
Pela mesma ordem de razões atrás descritas, entendemos que o recurso se deve limitar à parte da sentença de primeira instância que foi alterada (ou à parte que não recebeu voto unânime do Tribunal de Segunda Instância), pois na parte restante verificou-se concordância dos dois tribunais e de todos os juízes que examinaram a causa.
Deste modo, o recurso fica limitado à apreciação da condenação do 4.º réu ( e do 1.º réu pela sua adesão ao recurso) no pagamento de indemnização no montante de MOP$1.000.000,00.
Percorrendo a alegação do 4.º réu, constatamos que este não suscitou nenhuma questão específica atinente a esta condenação, limitando a sua alegação a duas questões, a saber:
- Se o erro-vício quanto ao objecto do negócio no contrato-promessa continuou a persistir na data da celebração da escritura do contrato definitivo;
- Se o vício na formação da vontade dos recorridos foi determinado por actuação dolosa dos recorrentes.
Contudo estas questões estão a montante da condenação na indemnização, antecedem esta, pois se procedessem ficaria sem base a condenação do réu no pagamento de indemnização que, por isso, não se poderia manter, não obstante este réu não ter suscitado nenhuma questão específica relativa a esta condenação.
É que a condenação deste réu no pagamento da indemnização baseou-se no seu dolo para com os autores, assim os induzindo em erro.
Assim, conhecer-se-á do recurso do 4.º réu na parte atinente ao mérito da causa.

    III – Factos provados
Os factos dados como provados pelas instâncias, são os seguintes:
Por contrato assinado no dia 9 de Dezembro de 1991, E e F prometeram vender aos autores, representados por H e I, que lhes prometeram comprar o direito sobre os prédios nºs 36, 38, 40,42, 46 e 48 da Rua do Cal, pelo preço global HK$6.500.000,00 (seis milhões e quinhentos dólares de Hong Kong) – conforme doc. de fls. 40 e que aqui se dá por reproduzido [alínea A] da especificação].
Tal contrato foi outorgado no escritório forense do 4º R., G [alínea B) da especificação].
Estando presentes os representantes dos autores, H e I e os ora 2º 3º e 4º RR. [alínea C] da especificação].
Como demonstração da total confiança que depositavam no G e no seu escritório forense, acordaram que seria este quem se encarregaria de tratar de todo o processo tendente à outorga da respectiva escritura pública de compra e venda [alínea D) da especificação].
Escritura que teria lugar no prazo de 30 dias, contados da assinatura daquela promessa [alínea E) da especificação].
Como antecipação parcial do cumprimento da compra e venda prometida, e com carácter de sinal, os representantes dos autores entregaram aos então promitentes-vendedores e ora 2º e 3º RR., que a receberam e dela deram quitação no próprio contrato-promessa, a quantia de HK$300.000,00 [alínea F) da especificação].
De acordo com o nº 2 da cláusula 1ª do mesmo contrato, o remanescente do preço, no montante de HK$6.200.000,00, seria entregue aos promitentes-vendedores aquando da outorga da escritura pública que titularia o contrato prometido [alínea G) da especificação].
Na cláusula 9ª do dito contrato, ambas as partes acordaram em que os promitentes-compradores entregariam aos promitentes-vendedores, no prazo de 5 dias, o montante de HK$2.200.000,00 [alínea H] da especificação].
No dia 12 de Dezembro de 1991, e de novo no escritório forense do G, os representantes dos autores entregaram por conta do preço, aos aludidos E e F, que dela deram quitação, a quantia de HK$2.200.000,00, através do cheque bancário nº 509471 do Banco, datado de 11 de Dezembro de 1991 e passado à ordem do 2º R. E [alínea I) da especificação].
O montante ali mencionado de HK$2.200.000,00, era destinado a :
- depósito das despesas para despejo dos prédios (HK$490.000,00);
- honorários do advogado (HK$150.000,00); e
- reforço do sinal (HK$1.560.000,00) [alínea J) da especificação].
Do mesmo documento consta que entre as partes ficou acordado que o montante global destinado aos despejos seria de HK$980.000,00 [alínea K) da especificação].
O 2º e 3º RR. haviam entregue ao 4º R. em 28 de Setembro de 1991, MOP$150.000,00 a título de honorários e MOP$490.000,00 para despesas com os despejos dos prédios mencionados na alínea A) [Alínea K1) da especificação].
Tal sugestão foi, de imediato, por todos aceite [alínea L] da especificação].
Dado que, por um lado, a escritura pública de compra e venda seria outorgada entre os 1º e 2º RR. e o R. D, e por outro, este teria ainda alegadamente a receber dos mesmos 2º e 3º RR. o montante de HK$1.820.000,00, respeitante à promessa de venda que lhes tinha feito [alínea M] da especificação].
Os RR. E e F propuseram que o referido montante fosse directamente pago pelos mesmos autores ao R. D, na data da escritura [alínea N) da especificação].
Proposta que foi igualmente por todos acolhida [alínea O) da especificação].
Quanto à quantia de HK$490.000,00, que, segundo o aditamento assinado em 12 de Dezembro de 1991, deveria ser pelos autores entregue aos 2º e 3º RR. na data da escritura, estes últimos propuseram que, uma vez que já não outorgariam na mesma, tal montante lhes fosse entregue apenas quando os prédios estivessem efectivamente desocupados e os autores em condições de registar os prédios a seu favor [alínea P) da especificação].
No que os autores anuíram [alínea Q] da especificação].
Por escritura pública outorgada em 10 de Janeiro de 1992, a fls. 48 do Livro nº5 do Cartório do Notário Privado Dr. António Correia, o 1º R. D vendeu aos 1º e 2º autores, pelo preço global declarado de MOP$714.000,00, o domínio directo dos prédios nºs 36, 38, 40, 42, 44, 46, 48 da Rua do Cal, descritos na Conservatória do Registo Predial de Macau, respectivamente, sob os nºs 5660 a fls. 106, 5661 a fls. 106v, 5662 a fls. 107, 5663 a fls. 107v, 5664 a fls. 108, 5665 a fls. 108v e 5666 a fls. 109, todos do Livro B-23 [alínea R] da especificação].
No dia 10 de Janeiro de 1992, os autores entregaram, ao 1º R. D, o cheque bancário nº 509636, do Banco, no montante de HK$1.820.000,00, quantia da qual o referido D deu quitação na cópia do cheque, ali apondo a sua assinatura [alínea S] da especificação].
Em 10 de Janeiro de 1992 foi pelos autores entregue aos 2ºe 3º RR., também por conta do preço, o montante de HK$1.690.000,00, pago através do cheque bancário nº 509632, do Banco, passado à ordem do 2º R. E, e do qual se encontra dada quitação pelos 2º e 3º RR. no contrato-promessa que integra o doc. n.º 9 e na cópia do cheque por estes assinada [alínea T) da especificação].
Na escritura, o preço declarado foi de MOP$102.000,00 por cada prédio [alínea U) da especificação].
No texto da escritura consta que a compra e venda dizia respeito apenas ao domínio directo dos prédios em causa, escritura que foi lida, traduzida e explicada aos outorgantes por intérprete da sua escolha [alínea V] da especificação].
No dia 2 de Março de 1992, os 1º e 2º autores outorgaram, separadamente, procurações a favor do G e do então seu colega de escritório, Dr. J, conferindo-lhes poderes forenses gerais [alínea W) da especificação].
A referida acção foi intentada contra a “Sociedade para a Celebração dos Festejos Anuais dos Empreiteiros”, então titular do domínio útil dos aludidos prédios [alínea Y] da especificação].
E o pedido consistia, em resumo, em serem os então e ora autores A e B declarados sucessores do domínio útil daqueles imóveis, ao abrigo da alínea d) do artº 1499º do Código Civil, e, subsidiariamente, ser declarada extinta a enfiteuse, com base no disposto na alínea d) do artº 1513º do mesmo diploma e, consequentemente, ordenado o cancelamento do registo do domínio útil a favor da Ré nessa acção [alínea X) da especificação].
Tal acção (n.º 48/93), veio a ser julgada improcedente [alínea Z) da especificação].
E julgada procedente a excepção peremptória de caso julgado invocada pela R., com base na existência de outra acção com decisão já transitada [alínea AA) da especificação].
Em Novembro de 1992, havia sido intentada pela referida Sociedade contra os ora 1º e 2º autores, uma outra acção judicial, que correu termos pelo 2º Juízo deste Tribunal sob o n.º 525/92 e destinada a remir o foro então existente sobre aqueles prédios [alínea BB] da especificação].
Tal acção, na qual os ora 1º e 2º autores e ali RR. foram representados pelo G, viria a ser julgada procedente logo no despacho saneador, tendo sido declarada extinta a enfiteuse sobre os aludidos imóveis, contra o depósito da quantia de MOP$7.000,00 (sete mil patacas), e ordenado o cancelamento do respectivo registo do domínio directo, decisão essa proferida em 18 de Maio de 1993 e transitada em julgado em 3 de Junho seguinte [alínea CC) da especificação].
O 1º R. adquiriu em 1977 o domínio directo dos sete prédios em questão, juntamente com mais 24, por um preço global de MOP$3.000,00 (três mil patacas) [alínea DD] da especificação].
H, pessoa de confiança dos 1º e 2º autores procurou saber junto dos 2º e 3º RR. a quem pertencia os aludidos imóveis, explicando-lhes que a intenção dos seus representados era demolir os mesmos, para ali edificar novas construções (resposta ao quesito 1.º).
Os 2º e 3º RR. informaram então o mencionado H que era o 1º R. D o proprietário daqueles imóveis (resposta ao quesito 2.º).
Interessados na concretização do negócio, os 1º e 2º autores logo deram indicação ao referido representante para avançar nas negociações e passar à discussão das respectivas condições (resposta ao quesito 3.º).
O montante de HK$6.500.000,00 incluía os honorários do advogado e as despesas com a desocupação dos prédios (resposta ao quesito 4.º).
A entrega referida em S) foi feita por conta do preço (resposta ao quesito 5.º).
O montante referido em H) era reforço de sinal prestado (resposta ao quesito 6.º).
Após 9/Dez/91, o representante dos autores H passou a contactar com o 1º R. D, quer directamente, quer através do G, particularmente quando necessitava de informações ou conselhos legais respeitantes ao mesmo caso (resposta ao quesito 7.º).
Dado que, por um lado, os 2º e 3º RR., E e F, haviam prometido comprar os mesmos prédios ao 1º R. D e, por outro, se encontravam todos representados pelo mesmo advogado, o G, foi por este sugerido que apenas uma escritura de compra e venda se fizesse, entre o 1º R. D e os autores A e B (resposta ao quesito 8.º).
Os 1º e 2º autores mantinham intacta a convicção de ter adquirido a propriedade dos mesmos (resposta ao quesito 9.º).
Desde o início foi este o objecto das negociações e do contrato-promessa referido no artº 20º da p.i. (resposta ao quesito 10.º).
Como todas as partes envolvidas bem sabiam, o objectivo dos autores era, após a demolição dos prédios em questão, edificar novas construções no local (resposta ao quesito 11.º).
O 4º R. também o sabia (resposta ao quesito 12.º).
Os dois primeiros autores, após a outorga daquele acto notarial, continuavam plenamente convencidos de que eram os proprietários dos imóveis, e que podiam então avançar com os projectos da nova construção para o local (resposta ao quesito 13.º).
Os autores contactaram, em Fevereiro de 1992, e sempre através do seu representante, o G, para que este os informasse quais os procedimentos a adoptar com vista à desocupação dos prédios em causa e à construção de um novo edifício em regime de propriedade horizontal, procurando igualmente saber quanto tempo levaria tal processo (resposta ao quesito 14.º).
Foram então informados pelo referido advogado que teriam de aguardar pelo desfecho de uma acção judicial que ele próprio, em representação do 1º R. D, intentara (resposta ao quesito 15.º).
E que iria necessitar de uma procuração forense de ambos a seu favor, para os representar naquele pleito (resposta ao quesito 16.º).
Para representar os ora autores na acção nº 525/92, o G pediu-lhes novas procurações forenses (resposta ao quesito 17.º).
Os autores outorgaram, separadamente, em 2 de Março de 1993, novos mandatos forenses, desta vez a favor do G e do então seu colega de escritório Dr. K (resposta ao quesito 18.º).
As procurações referidas em W) viriam apenas a ser utilizadas pelo G em 11 de Janeiro de 1993, data em que, em representação dos mesmos autores, intentou a acção declarativa que correu termos pelo 1º Juízo deste Tribunal, sob o nº 48/93 (resposta ao quesito 21.º).
O G informou os autores que as procurações em Macau caducavam ao fim de um ano (resposta ao quesito 22.º).
Foi apenas em Dezembro de 1993, quando foi decidida a acção nº 48/93, do 1º Juízo que os autores foram informados pelo G que a sentença lhes havia sido desfavorável e que haviam perdido todos os direitos sobre os imóveis em apreço (resposta ao quesito 23.º).
Os 1º e 4º RR. levaram os autores, a adquirir o domínio directo dos prédios, estando estes convictos de estarem a adquirir a propriedade dos mesmos (resposta ao quesito 24.º).
Bem sabiam que o domínio directo apenas confere ao seu titular o direito a receber o foro (resposta ao quesito 25.º).
O mesmo foro consiste, em regra, no pagamento de quantias irrisórias (resposta ao quesito 26.º).
Pelo menos o 4º R., sabia, que quanto a todos aqueles prédios, podia o foro ser a qualquer momento remido pelo titular do domínio útil, mediante o depósito de pequenos montantes (resposta ao quesito 27.º).
Pelo menos desde a data da outorga do já referido contrato-promessa, o 4º R., sabia que o R. D não era o proprietário dos imóveis (resposta ao quesito 28.º).
O G é advogado em Macau há mais de 10 anos (resposta ao quesito 29.º).
Fala e compreende o cantonense e conhece a realidade do Território (resposta ao quesito 30.º).
Não desconhecia igualmente que os autores desconheciam o que pudesse ser uma relação enfitêutica (resposta ao quesito 31.º).
Os autores jamais teriam outorgado na escritura em causa se conhecessem o verdadeiro objecto do negócio (resposta ao quesito 32.º).
Os autores haviam já estabelecido inúmeros contactos, ainda através do mesmo H, com diversas sociedades, quer do ramo da construção civil, com vista à construção de um edifício no terreno resultante da demolição dos prédios em questão, quer de mediadoras imobiliárias, para uma futura comercialização das fracções autónomas que viessem a integrar o prédio daí resultante (resposta ao quesito 33.º).
As expectativas dessas sociedades foram, em resultado do sucedido, frustradas e o nome dos três autores, em iniciação no mercado imobiliário de Macau, ficou prejudicado (resposta ao quesito 33.º A).
Antes do contacto com o 4º R., o negócio já havia sido debatido fora do escritório daquele (resposta ao quesito 35.º).
Após testemunhar o contrato-promessa, ao escritório do ora 4º R. foi solicitado que tratasse das formalidades necessárias à celebração da escritura e, ficasse fiel depositário das verbas necessárias aos pagamentos acordados para despejo dos imóveis (resposta ao quesito 37.º).
Despejos esses que seriam negociados por outra pessoa, escolhida pelos então promitentes-compradores e promitentes-vendedores, o Senhor L (resposta ao quesito 38.º).

IV – O Direito
1. As questões a decidir são:
- A força probatória material dos documentos autênticos;
- O objecto do contrato-promessa;
- O objecto do contrato definitivo;
- O erro-vício determinado por dolo na formação da vontade dos autores, na celebração do contrato definitivo.

Poder de cognição do Tribunal
2. No Acórdão deste Tribunal proferido em 23.5.2001, no Processo n.º 5/2001, descrevemos o poder de cognição do Tribunal de Última Instância, em matéria cível.
Aí se concluiu que, de acordo com o disposto no n.º 2, do art. 47.º da Lei de Bases de Organização Judiciária (Lei n.º 9/1999, de 20.12) e no art. 639.º do Código de Processo Civil, este Tribunal de Última Instância, quando julgue em recurso não correspondente a segundo grau de jurisdição, apenas conhece de matéria de direito (a violação ou a errada aplicação da lei substantiva ou da lei de processo), salvo no caso previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 583.º (recurso de decisão proferida contra jurisprudência obrigatória), bem como caso de recurso com base em nulidade1 do acórdão recorrido.
Por outro lado, nos termos do art. 649.º, n. os 1 e 2 do Código de Processo Civil, aos factos materiais que o tribunal recorrido considerou provados, o Tribunal de Última Instância aplica definitivamente o regime que julgue adequado em face do direito vigente, sendo que a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

A força probatória da escritura pública
3. Para o 4.º réu G, ao alegar a divergência entre a vontade real e a declarada na escritura, contrariamente ao expressamente afirmado pelo notário e pela intérprete, tem que se colocar a questão da falsidade da escritura.
Apreciemos a questão.
Será que da petição resulta, como consequência, que se deva qualificar a escritura pública como falsa?
Os autores, na escritura pública, declararam comprar o domínio directo dos prédios.
No texto da escritura consta que a compra e venda dizia respeito apenas ao domínio directo dos prédios em causa, escritura que foi lida, traduzida e explicada aos outorgantes por intérprete da sua escolha.
Mas os autores pensaram ter comprado o direito de propriedade dos prédios, pelos motivos explicitados na súmula da matéria de facto provada.
Os documentos autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública (art. 363.º, n.º 2, do Código Civil de 1966).
A escritura pública é um documento autêntico.
Não está em causa a força probatória formal da escritura (que esta provém realmente da entidade a quem é atribuída, nos termos do art. 370.º do mesmo Código).
A força probatória material dos documentos autênticos (saber em que medida os actos referidos no documento e os factos nele mencionados se consideram como correspondentes à realidade) está prevista no art. 371.º, n.º 1, do mesmo Código Civil:
   «Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador».
   
Esta disposição distingue três categorias de factos:
a) Meros juízos pessoais do documentador.
Por exemplo, no testamento, o notário declara que o testador se encontrava na plena posse das suas faculdades mentais.
São elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.
b) Factos que o documento refere como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo.
No caso dos autos, que o notário leu o documento às partes, que o explicou.
Estes factos têm-se por verdadeiros e estão cobertos pela força probatória plena do documento autêntico.
c) Factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.
São os factos que o notário pôde inteirar-se pelos seus próprios sentidos.
Diz-se na escritura que o 1.º réu declarou vender o domínio directo dos prédios e que os autores declararam aceitar a venda (ou seja, comprar) do mesmo domínio directo.
Diz-se também que o 1.º réu declarou já ter recebido o valor da venda.
A força probatória plena vai até onde alcançam as percepções do notário (que os autores declararam comprar o domínio directo dos prédios e que o 1.º réu declarou vender o mesmo domínio directo).
Mas da norma em apreço já não resulta que a força probatória do documento autêntico abrange os factos segundo os quais os autores quiseram efectivamente comprar o domínio directo, nem que o 1.º réu quis efectivamente vender o domínio directo dos prédios.
Como explicam ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO e NORA,2 numa escritura em que um dos outorgantes declarou perante notário querer comprar certa coisa e que o outro, declarando querer vendê-la, afirmou já ter recebido, no dia anterior, o preço de 500 contos, entre eles convencionado, «ter-se-á assim como plenamente provado (até prova em contrário, feita no incidente de falsidade) que um dos outorgantes declarou perante o notário querer comprar e que o outro declarou na presença do mesmo oficial querer vender e ter recebido determinada quantia, a título de preço da coisa.
Mas já se não tem por provado que o primeiro quis realmente comprar e que o segundo quis na realidade vender, nem que este recebeu efectivamente a quantia indicada, nem que essa quantia corresponde, de facto, ao preço convencionado entre as partes.
A essa zona de factos do foro interno dos outorgantes ou de factos exteriores, não ocorridos no acto da escritura e fora até do cartório notarial, não chegam as percepções do funcionário documentador.
São factos que podem, consequentemente, ser impugnados por qualquer das partes, sem necessidade de arguir a falsidade do documento, por não estarem cobertos pela força probatória plena deste.
O documento autêntico faz prova plena em relação à materialidade das afirmações atestadas; mas não quanto à sinceridade, à veracidade ou à validade das declarações emitidas pelas partes».
Também VAZ SERRA, o autor do capítulo das provas, entre outros, do anteprojecto do Código Civil, na exposição das soluções propostas para o Código, dizia, a propósito da força probatória material dos documentos autênticos3:
«O documento prova, pois, plenamente os factos que foram objecto das acções ou percepções do documentador: aqueles que não estiverem nessas condições (v.g., saber se as declarações foram sinceras e livres ou simuladas ou prestadas por erro na declaração ou com reserva mental ou viciadas por erro, dolo, ou coacção) não são plenamente provadas pelo documento, pelo que podem ser impugnadas, nos termos gerais as declarações documentadas, sem que o impugnante careça de arguir a falsidade do documento4».
Revertendo ao nosso caso e aplicando o que ficou dito, temos que:
- Está plenamente provado que o notário leu o documento às partes, que o explicou, por intermédio de intérprete;
- Está plenamente provado que os autores declararam comprar o domínio directo dos prédios e que o 1.º réu declarou vender o mesmo domínio directo e já ter recebido o valor da venda;
- Mas já não está provado, face ao documento, que os autores quisessem efectivamente comprar o domínio directo dos prédios5 e que o 1.º réu quisesse efectivamente vender o mesmo domínio directo;
- Também não está provado, face ao documento, que os autores, quando declararam comprar o domínio directo dos prédios, soubessem qual o significado de tal aquisição, que não se tratava da aquisição do direito de propriedade dos imóveis6.

4. A escritura pública não é, pois, falsa, já que nela não se atesta como tendo sido objecto da percepção do notário qualquer facto que na realidade não se verificou, ou como tendo sido praticado pelo mesmo notário qualquer acto que na realidade não o foi (n.º 2, do art. 372.º do Código Civil em questão).
E , em breve parêntesis se esclarece que, ainda que o documento fosse falso, a declaração da sua falsidade não deveria ser suscitada pelos autores em incidente de falsidade, regulado nos arts. 360.º a 370.º do Código de Processo Civil de 19617, já que o documento foi por eles apresentado. O incidente de falsidade destinava-se a afastar a força probatória de documento apresentado pela parte contrária (arts. 360.º e 361.º, n.º 2). O que estaria indicado, se os autores pretendessem que o tribunal considerasse falsa a escritura (o que não é o caso dos autos) seria um pedido de declaração de falsidade deduzido na petição inicial.
Em suma, nunca haveria lugar à arguição do incidente de falsidade.
Diz o 4.º réu que pelo menos o notário e a intérprete deveriam ter sido ouvidos. Mas se não foram, isso deve-se ao réu que os não arrolou como testemunhas.
Nada a censurar, nesta parte ao douto acórdão recorrido.

O erro-vício na formação da vontade dos autores na celebração do contrato definitivo.
5. Quanto à questão de saber se existiu dolo por parte do 4.º réu, comecemos por um breve resumo dos factos.
Os 1.º e 2.º autores pretendiam investir em Macau, mediante a construção de imóveis para venda.
Interessaram-se por sete imóveis contíguos, situados na Rua da Cal.
Fizeram saber aos 2.º e 3.º réus que pretendiam comprar aqueles imóveis para os demolir e ali construir novas edificações.
Os 2.º e 3.º réus fizeram saber àqueles autores que o direito de propriedade pertencia ao 1.º réu, o que bem sabiam que não era exacto, pois ele era apenas o titular do domínio directo.
Por contrato-promessa de 9.12.91, os 2.º e 3.º réus prometeram vender aos autores, que prometeram comprar, o direito sobre tais prédios, pelo preço de HK$6.500.000,00, querendo todos com isto significar que se tratava do direito de propriedade.
O contrato-promessa foi celebrado no escritório do G, que foi encarregado de tratar de todos os papéis para o contrato definitivo.
Pelo menos desde a outorga do contrato-promessa que o 4.º réu, G sabia que o 1.º réu não era titular do direito de propriedade dos imóveis.
O 1.º e 4.º réus também sabiam que o objectivo dos autores era edificar novas construções no local.
O mesmo 4.º réu sabia que os autores desconheciam o que fosse a enfiteuse.
Entretanto, como os 2.º e 3.º réus já haviam contratado com o 1.º réu, acordaram todos, autores e 4.º réu incluídos, que o contrato definitivo fosse feito directamente entre o 1.º réu e os autores.
Os autores não sabiam o que era a enfiteuse e quando declararam comprar, na escritura celebrada em 10.1.92, com o 1.º réu, o domínio directo dos imóveis, pensaram estar a adquirir o direito de propriedade.
Os autores não teriam outorgado na escritura se conhecessem o verdadeiro objecto do negócio.
Os 1.º e 4.º réus levaram os autores a adquirir o domínio directo dos prédios.
Entretanto, por acção intentada em Novembro de 1992, a titular do domínio útil remiu o foro por MOP$7.000,00, ficando, assim, com a propriedade plena dos imóveis.

Contrato-promessa
6. O contrato-promessa não sofre de qualquer vício.
O seu objecto foi a promessa de compra e venda do direito de propriedade dos imóveis.
Os autores queriam comprar tal direito e declararam isso.
Os 2.º e 3.º réus não queriam prometer vender tal direito, até porque sabiam que o 1.º réu, com quem haviam contratado, era apenas o titular do domínio directo dos prédios. Eles só pretendiam prometer vender o domínio directo. Mas os 2.º e 3.º réus declararam prometer vender o direito de propriedade dos imóveis, porque sabiam que aos autores apenas lhes interessava isso, a fim de construírem no local.
No contrato-promessa houve, assim, uma divergência entre a vontade real e vontade declarada dos 2.º e 3.º réus.
Tratou-se de reserva mental, que existe «sempre que é emitida uma declaração contrária à vontade real com o intuito de enganar o declaratário» ( n.º 1, do art. 244.º do Código Civil de 1966).
«A reserva mental não prejudica a validade da declaração, excepto se for conhecida do declaratário; neste caso, a reserva tem os efeitos da simulação» (n.º 2, do art. 244.º do mesmo Código, a quem pertencerão as normas a seguir citadas, sem indicação de proveniência).
A reserva mental não era conhecida dos autores, pelo que ela é irrelevante.
Assim, o contrato-promessa, tendo por objecto o direito de propriedade dos sete imóveis, é válido e eficaz. Isto porque nada obsta a que se prometa vender um bem alheio.

Contrato definitivo
Erro na formação da vontade e dolo
7. Passemos ao contrato definitivo.
Como já se disse, os autores declararam comprar o domínio directo dos imóveis.
E foi isso que eles pretenderam declarar, pelo que a sua vontade real coincidiu com a vontade declarada.
Mas ao declararem comprar o referido domínio directo, pensaram estar a comprar o direito de propriedade dos prédios. Isto porque foram enganados pelos réus, que os convenceram disso.
Temos, deste modo, que enquanto o objecto do contrato-promessa foi o direito de propriedade, o objecto do contrato definitivo foi o domínio directo dos imóveis8.
No caso dos autos não houve, portanto, divergência entre a vontade real e a vontade declarada e, assim, estamos fora do campo de aplicação do art. 247.º que se refere ao erro na declaração ou erro obstáculo.
Como refere L. A. CARVALHO FERNANDES,9«há erro-obstáculo quando alguém, por lapso, manifesta uma vontade que não corresponde à sua vontade real.
Trata-se de uma divergência não intencional, pois o declarante pretendia manifestar a sua vontade real em termos adequados. Entretanto, qualquer circunstância acidental, alheia à sua vontade, impede-o de o fazer de modo correcto, pelo que o conteúdo da declaração não corresponde ao conteúdo da vontade psíquica, real, do declarante».
O que se passou no caso em apreciação não foi, portanto, uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada, pois ambas coincidiram.
O que aconteceu foi um vício na formação da vontade dos autores, por força dos artifícios dos réus, que se traduziu em erro sobre o objecto jurídico10 do negócio realizado.
A vontade dos autores foi bem expressa, mas porque se formou viciosamente, não foi uma vontade esclarecida.
Os autores não sabiam o que era o domínio directo ou a enfiteuse e pensaram que tal termo se reportava ao direito de propriedade dos imóveis.
Não sabiam, portanto, os autores que o domínio directo apenas confere ao seu titular o direito de receber o foro, que consiste em quantias irrisórias e que podia ser extinto, como foi, com a remição do foro.
Nem sabiam que o valor do direito que adquiriram, e pelo qual pagaram HK$6.500.000,00, valia apenas MOP$7.000, que foi o preço recebido na acção em que o titular do domínio útil remiu o foro.
Nem sabiam que a titularidade do domínio directo não lhes permitia demolir os prédios e edificar novas construções, que era o que pretendiam.
Produziu-se, pois, como se disse, um vício na formação da vontade, consistente em erro.
«Enquanto vício na formação da vontade, o erro consiste no desconhecimento ou na falsa representação da realidade, que determinou ou podia ter determinado a celebração do negócio. Essa realidade pode consistir numa circunstância de facto ou de direito».11
Como esclarece o mesmo autor12 «A falsa representação da realidade ou a ignorância dela podem ter na sua origem factores que respeitam apenas à pessoa do declarante. Este formou uma vontade errada, por não ser diligente, não se informando devidamente sobre circunstâncias relevantes para a sua decisão de contratar, ou por apreender mal factos ou circunstâncias que lhe foram transmitidas, por ter entendido mal uma declaração que lhe foi feita, etc... O erro diz-se, então, simples ou espontâneo. Casos há, porém, em que o autor do negócio é induzido em erro por uma actuação de outrem orientada no sentido de criar ou manter e erro. Há, neste caso, erro qualificado por dolo, ou erro provocado.».
O regime do erro simples está previsto nos arts. 251.º (neste caso com remissão para o art. 247.º) e 252.º.
O erro qualificado por dolo tem a sua previsão nos arts. 253.º e 254.º.
Por outro lado, no art. 251.º deve considerar-se abrangido, não só o objecto em sentido próprio ou objecto material, mas também o objecto em sentido jurídico ou conteúdo.13 Assim, explica J. OLIVEIRA ASCENSÃO14, «se Carlos celebra uma transacção, renunciando aos seus direitos, porque pensa que eles são inalienáveis, incide em erro (de direito), se se verifica que os poderia livremente alienar.
E Diogo está em erro sobre o conteúdo, se supõe que pode utilizar o imóvel negociado, quando não é isso que resulta do contrato.
Todos estes erros estão sujeitos ao mesmo regime, quer versem, sobre o objecto quer sobre o conteúdo».
Em geral, para a verificação do erro simples, a doutrina exige a verificação de determinadas características do erro.
Diz-se que ele deve ser desculpável, sendo que não seria desculpável o erro que fosse imputável a falta de diligência.
Mas o requisito básico é da essencialidade ou da causalidade, o erro só é anulável se tiver sido essencial para a decisão de negociar do agente.
No contrato definitivo dos autos, a vontade negocial dos autores formou-se em erro sobre o conteúdo ou o objecto jurídico do negócio, por via dos artifícios fraudulentos dos réus, do dolo destes.
Na verdade, de acordo com o n.º 1, do art. 253.º:

«Artigo 253.º
    (Dolo)
   1.Entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício fraudulento que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante.
2. ...»

Dispõe o art. 254.º:

Artigo 254.º
    (Efeitos do dolo)
   «1. O declarante cuja vontade tenha sido determinada por dolo pode anular a declaração; a anulabilidade não é excluída pelo facto de o dolo ser bilateral.
   2. Quando o dolo provier de terceiro, a declaração só é anulável se o destinatário tinha ou devia ter conhecimento dele; mas, se alguém tiver adquirido directamente algum direito por virtude da declaração, esta é anulável em relação ao beneficiário, se tiver sido ele o autor do dolo ou se o conhecia ou devia conhecer».

O requisito específico da relevância do dolo é a dupla causalidade, é necessário que o dolo seja determinante do erro e que o erro seja determinante do negócio.15
A vontade dos autores foi determinada por dolo de todos os réus e o erro foi determinante do negócio, pelo que o contrato definitivo é anulável.
Ora, conferindo a lei um tratamento mais favorável do errante no caso de erro qualificado por dolo16, e verificando-se este, dispensa-nos de examinar se os factos também integram o erro simples previsto no art. 251.º.
Em conclusão, a decisão recorrida não merece censura na parte em que anulou por erro determinado por dolo dos réus o contrato titulado pela escritura pública.

8. Diz o réu que com a celebração da escritura pública, com objecto semelhante ao contrato-promessa, extingue-se este primeiro contrato.
Vejamos.
O cumprimento é um modo de extinção das obrigações.
Com o cumprimento do negócio dá-se a cessação normal dos seus efeitos17.
Com o cumprimento integral do contrato-promessa de compra e venda, que se dá com a celebração do contrato definitivo e pagamento do respectivo preço, extinguem-se os efeitos do contrato-promessa.
Contudo, no caso dos autos, o contrato-promessa não foi cumprido, não apenas porque o contrato definitivo não correspondeu aquilo que foi acordado, mas sobretudo porque o contrato definitivo foi anulado, e bem, pelas instâncias.
Improcedem, assim, todos os fundamentos do recurso.

V – Decisão
Face ao expendido:
a) Não admitem o recurso dos 2.º e 3.º réus E e F;
b) Negam provimento ao recurso do 4.º réu G, a que aderiu o 1.º réu D.
Custas pelos recorrentes, nas seguintes proporções:
1.º réu – 10%.
2.º e 3.º réus- 10%.
4.º réu – 80%.
Visto que o acórdão recorrido determinou o envio de cópia da decisão ao Ministério Público, entregue, também, cópia do presente acórdão.
E apesar do tempo decorrido, remeta, também, cópia à Associação dos Advogados, face aos factos imputados ao 4.º réu.
Macau, 13.6.2001
  Viriato Manuel Pinheiro de Lima
                           Sam Hou Fai
Chu Kin

1 Quando o recurso tem como fundamento a nulidade do acórdão recorrido, ainda se trata de violação ou a errada aplicação da lei de processo, mais concretamente dos arts. 571.º, n.º 1 e 633.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
       2 ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO e NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1985, 2.ª ed., p. 522, que se seguiu muito de perto na exposição antecedente.
3 VAZ SERRA, Provas (Direito Probatório Material), BMJ 111, p. 131.
4 No mesmo sentido, ALMEIDA COSTA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 129.º, p. 348 e segs. e 360 e segs. e PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 1987, 4.ª ed., volume I, p. 327 e 328.
5 Embora saibamos, por outros factos, que os autores queriam efectivamente comprar o domínio directo dos prédios, que a vontade real coincidia com a vontade declarada. Mas que, por força de vício na formação da vontade, eles pensavam que estavam a adquirir a propriedade plena dos prédios, como se verá melhor, adiante.
6 Cfr. a nota anterior.
7 No novo Código desapareceu o incidente de falsidade, estando a questão da falsidade e da impugnação da genuinidade de documentos, prevista de maneira diversa (arts. 469.º a 476.º).
8 E não poderia ser de outro modo já que era esse o direito de que o 1.º réu era titular, pelo que o notário só autorizaria a aquisição desse direito.
9 L. A. CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, Lex, Lisboa, 1996, 2,ª ed., volume II, p. 275.
10 O objecto jurídico é o mesmo que conteúdo ou substância do negócio. Objecto material é o bem de cuja fruição o negócio se ocupa (J. CASTRO MENDES, Teoria Geral do Direito Civil, edição AAFDL, 1995, volume II, p. 282).
11 L. A. CARVALHO FERNANDES, obra e volume citados, p. 124.
12 L. A. CARVALHO FERNANDES, obra e volume citados, p. 124 e 125.


13 Neste sentido, J. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil Teoria Geral, Coimbra Editora, 1999, volume II, p. 126 e 127, L. A. CARVALHO FERNANDES, obra e volume citados, p. 136 e A. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, Livraria Almedina, 1999, I, Parte Geral, Tomo I, p. 539.
       14 J. OLIVEIRA ASCENSÃO, obra e volume citados, p. 124 e 125.
       15 Por todos, cfr. J. CASTRO MENDES, obra e volume citados, p. 161 e L. A. CARVALHO FERNANDES, obra e volume citados, p. 144 e 145.
16 C. A. MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1996, 3.ª ed., p. 524 e 525.
       17 Neste sentido, cfr. J. CASTRO MENDES, obra e volume citados, p. 383 e L. A. CARVALHO FERNANDES, obra e volume citados, p. 373.

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