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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

O Tribunal Colectivo condenou os arguidos A, B, C, D, E, F, G aliás G1, H, I e J, nas seguintes penas1:
1.º A:
Foi condenado por:
- Um crime de furto qualificado p. e p. pelo art. 198º, n.º 2, alínea a) do Código Penal, na pena de dois (2) anos e nove (9) meses de prisão.
Tendo sido absolvido do:
- Crime de associação ou sociedade secreta p. e p. pelo art. 2º, nº 2, alínea a), com referência ao art. 1º, nº 1, alíneas a), b) e 1) da Lei nº 6/97/M, de 30.07;
- Um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos arts. 129.º, nos 1 e 2, alíneas b), c) e g) e 128.º, todos do Código Penal;
- Um crime de rapto p. e p. pelo art. 154.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal;
- Um crime de ofensa ao respeito devido aos mortos p. e p. pelo art. 283.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal;
- Um crime de violação de domicílio p. e p. pelo art. 184.º, nos 1 e 3 do Código Penal;
- Um crime de detenção de arma branca p. e p. art. 262.º, n.º 3 do Código Penal,
2.º B:
Foi condenado por:
- Um crime de rapto p. e p. pelos arts. 154.º, nos 1, alínea c) e 2 e 152.º, n.º 2, alínea a)) do Código Penal na pena de 8 anos de prisão;
- Um crime de violação de domicílio p. e p. pelo art. 184.º, nos 1 e 3 do Código Penal na pena de 1 ano de prisão;
- Um crime de furto qualificado p. e p. pelo art. 198.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal, na pena de dois (2) anos e nove (9) meses de prisão.
Em cúmulo, foi condenado na pena única de 9 anos e três meses de prisão.
tendo sido absolvido do:
- Crime de associação ou sociedade secreta p. e p. pelo art. 2.º, n.º 2, alínea a), com referência ao art. 1º, n.º 1, alíneas a), b) e 1) da Lei n.º 6/97/M, de 30.07;
- Um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos arts. 129.º, nos 1 e 2, alíneas b), c) e g) e 128.º, todos do Código Penal;
- Um crime de ofensa ao respeito devido aos mortos p.e p. pelo art. 283.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal;
- Um crime de detenção de arma branca p. e p. art. 262.º, nº 3 do Código Penal,
3.º C:
Foi condenado por:
    - Um crime de furto qualificado p. e p. pelo art. 198.º, nº 2, alínea a) do Código Penal, na pena de dois (2) anos e nove (9) meses de prisão.
Tendo sido absolvido do:
- Crime de associação ou sociedade secreta p. e p. pelo art. 2º, n.º 2, alínea a), com referência ao art. 1º, nº 1, alíneas a), b) e 1) da Lei nº 6/97/M, de 30.07;
    - Um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos arts. 129.º, nos 1 e 2, alíneas b), c) e g) e 128.º, todos do Código Penal;
- Um crime de rapto p. e p. pelo art. 154º, nº 1, alínea c) do Código Penal;
- Um crime de ofensa ao respeito devido aos mortos p. e p. pelo art. 283.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal;
- Um crime de violação de domicílio p. e p. pelo art. 184.º, nos 1 e 3 do Código Penal;
- Um crime de detenção de arma branca p. e p. art. 262.º, n.º 3 do Código Penal,
4.º D:
Foi condenado por:
- Um crime de furto qualificado p. e p. pelo art. 198.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal, na pena de dois (2) anos e nove (9) meses de prisão.
Tendo sido absolvido do:
- Crime de associação ou sociedade secreta p. e p. pelo art. 2.º, n.º 2, alínea a), com referência ao art. 1.º, n.º 1, alíneas a), b) e 1) da Lei nº 6/97/M, de 30.07;
- Um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos arts. 129.º, nos 1 e 2, alíneas b), c) e g) e 128.º, todos do Código Penal;
- Um crime de rapto p. e p. pelo art. 154.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal;
- Um crime de ofensa ao respeito devido aos mortos p. e p. pelo art. 283.º, nº 1, alínea a) do Código Penal;
- Um crime de violação de domicílio p. e p. pelo art. 184º, nos 1 e 3 do Código Penal;
- Um crime de detenção de arma branca p. e p. art. 262.º, n.º 3 do Código Penal,
5.º E:
Foi condenado por:
- um crime de rapto p. e p. pelos arts. 154.º, nos 1, alínea c) e 2 e 152.º, n.º 2, alínea a)) do Código Penal, na pena de nove (9) anos de prisão;
- Um crime de violação de domicílio p. e p. pelo art. 184.º, nos 1 e 3 do Código Penal, na pena de um (1) ano e três (3) meses de prisão;
- Um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos arts. 129.º, nos 1 e 2, alíneas b), c) e g) e 128.º, do Código Penal, na pena de vinte (20) anos de prisão;
- Um crime de ofensa ao respeito devido aos mortos p. e p. e p. pelo art. 283.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de um (1) ano de prisão;
- Um crime de detenção de arma branca p. e p. art. 262.º, n.º 3 do Código Penal, na pena de nove (9)meses de prisão.
Em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única e global de vinte e seis (26) anos e seis (6) meses de prisão.
Tendo sido absolvido do crime de associação ou sociedade secreta p. e p. pelo art. 2.º, n.º 2, alínea a), com referência ao art. 1º, nº 1, alíneas a), b) e 1) da Lei nº 6/97/M, de 30.07,

6.º F:
Foi condenado por:
    - um crime de rapto p. e p. pelos arts. 154.º, nos 1, alínea c) e 2 e 152.º, n.º 2, alínea a)) do Código Penal, na pena de oito (8) anos de prisão;
    - Um crime de violação de domicílio p. e p. pelo art. 184.º, nos 1 e 3 do Código Penal, na pena de um (1) ano de prisão;
    - Um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos arts. 129.º, nos 1 e 2, alíneas b), c) e g) e 128º, do Código Penal, na pena de dezoito (18) anos de prisão;
    - Um crime de ofensa ao respeito devido aos mortos p. e p. e pelo art. 283.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de nove (9) meses de prisão;
    - Um crime de detenção de arma branca p. e p. art. 262.º, n.º 3 do Código Penal, na pena de sete (7)meses de prisão.
    Em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única e global de vinte e três (23) anos de prisão.
Tendo sido absolvido do crime de associação ou sociedade secreta p. e p. pelo art. 2.º, n.º 2, alínea a), com referência ao art. 1º, nº 1, alíneas a), b) e 1) da Lei nº 6/97/M, de 30.07,

7.º G aliás, G1 :
Foi condenado por:
    - um crime de rapto p. e p. pelos arts. 154.º, nos 1, alínea c) e 2 e 152.º, n.º 2, alínea a)) do Código Penal, na pena de oito (8) anos de prisão;
    - Um crime de violação de domicílio p. e p. pelo art. 184.º, nos 1 e 3 do Código Penal, na pena de um (1) ano de prisão;
    - Um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos arts. 129.º, nos 1 e 2, alíneas b), c) e g) e 128º, do Código Penal na pena de dezoito (18) anos de prisão;
    - Um crime de ofensa ao respeito devido aos mortos p. e p. e p. pelo art. 283.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de nove (9) meses de prisão;
    - Um crime de detenção de arma branca p. e p. art. 262.º, n.º 3 do Código Penal, na pena de sete (7)meses de prisão.
    Em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única e global de vinte e três (23) anos de prisão.
Tendo sido absolvido do crime de associação ou sociedade secreta p. e p. pelo art. 2º, n.º 2, alínea a), com referência ao art. 1.º, n.º 1, alíneas a), b) e 1) da Lei nº 6/97/M, de 30.07,

8.º H:
Foi condenado por:
    - um crime de rapto p. e p. pelos arts. 154.º, nos 1, alínea c) e 2 e 152.º, n.º 2, alínea a)) do Código Penal, na pena de oito (8) anos de prisão;
    - Um crime de violação de domicílio p. e p. pelo art. 184º, nos 1 e 3 do Código Penal, na pena de um (1) ano de prisão;
    - Um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos arts. 129.º, nos 1 e 2, alíneas b), c) e g) e 128º, do Código Penal, na pena de dezoito (18) anos de prisão;
    - Um crime de ofensa ao respeito devido aos mortos p. e p. e p. pelo art. 283.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal na pena de nove (9) meses de prisão;
    - Um crime de detenção de arma branca p. e p. art. 262.º, n.º 3 do Código Penal, na pena de sete (7)meses de prisão.
    Em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única e global de vinte e três (23) anos de prisão.
Tendo sido absolvido do crime de associação ou sociedade secreta p. e p. pelo art. 2.º, n.º 2, alínea a), com referência ao art. 1.º, n.º 1, alíneas a), b) e 1) da Lei. n.º 6/97/M, de 30.07,
9.º I:
Foi condenado por:
    - Um crime de rapto p. e p. pelos arts. 154.º, nos 1, alínea c) e 2 e 152.º, n.º 2, alínea a)) do Código Penal, na pena de nove (9) anos de prisão;
    - Um crime de violação de domicílio p. e p. pelo art. 184º, nos 1 e 3 do Código Penal, na pena de um (1) ano e três (3) meses de prisão;
    - Um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos arts. 129.º, nos 1 e 2, alíneas b), c) e g) e 128º, do Código Penal, na pena de dezanove (19) anos de prisão;
    - Um crime de ofensa ao respeito devido aos mortos p. e p. e p. pelo art. 283.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de um (1) ano de prisão;
    - Um crime de detenção de arma branca p. e p. art. 262.º, n.º 3 do Código Penal na pena de nove (9)meses de prisão.
    Em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única e global de vinte e cinco (25) anos e nove (9) meses de prisão.
Tendo sido absolvido do crime de associação ou sociedade secreta p. e p. pelo art. 2.º, n.º 2, alínea a), com referência ao art. 1.º, n.º 1, alíneas a), b) e 1) da Lei n.º 6/97/M, de 30.07,
10.º J:
Foi condenado por:
    - Um crime de rapto p. e p. pelos arts. 154.º, nos 1, alínea c) e 2 e 152.º, n.º 2, alínea a)) do Código Penal, na pena de nove (9) anos de prisão;
    - Um crime de violação de domicílio p. e p. pelo art. 184.º, nos 1 e 3 do Código Penal, na pena de um (1) ano e três (3) meses de prisão;
- Um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos arts. 129.º, nos 1 e 2, alíneas b), c) e g) e 128º, do Código Penal, na pena de dezanove (19) anos de prisão;
    - Um crime de ofensa ao respeito devido aos mortos p. e p. pelo art. 283.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de um (1) ano de prisão;
    - Um crime de detenção de arma branca p. e p. art. 262.º, n.º 3 do Código Penal, na pena de nove (9)meses de prisão.
Em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única e global de vinte e cinco (25) anos e nove (9) meses de prisão.
Tendo sido absolvido do crime de associação ou sociedade secreta p. e p. pelo art. 2.º, n.º 2, alínea a), com referência ao art. 1.º, n.º 1, alíneas a), b) e 1) da Lei n.º 6/97/M, de 30.07.

O Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso, mantendo todas as penas aplicadas, mas corrigiu a incriminação do crime de rapto, pelo qual entendeu terem sido condenados os arguidos B, E, F, G aliás G1, H, I e J, crime esse previsto e punível pelo artigo 154.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, para o crime previsto e punível pelos artigos 154.º, n.º 2 e 152.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal2-3.

O 9.º arguido I interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1ª. A decisão recorrida incorreu em violação do princípio da legalidade das provas e do contraditório ao não reconhecer a natureza eminentemente pessoal da autorização do arguido para a leitura de declarações anteriormente por si prestadas nos autos a que se reporta o art. 338º., n.º 1 do Código de Processo Penal;
2ª. Ao permitir a leitura em audiência das declarações prestadas pelos arguidos revéis G, E, F e H no Centro de Detenção de Chong San, com base numa substituição dos mencionados arguidos pelo seu defensor oficioso - no que concerne à necessária autorização para aquele leitura - o Tribunal de 1ª. Instância cometeu a nulidade insanável prevista na alínea c) do art. 106º. do Código de Processo Penal, nulidade insanável em que igualmente incorreu o Venerando Tribunal recorrido ao não reconhecer a sua existência e ao não declarar tal nulidade insanável com todas as suas legais consequências, cometendo erro de direito;
3ª. Como nulidade insanável, tal nulidade é de conhecimento oficioso e pode ser conhecida a todo o tempo e suscitada por qualquer interessado que tenha sido afectado por ela, invalidando os actos que dependerem ou puderem ser afectados pelas declarações de nulidade daquele acto;
4ª. Resulta do processo, no seu todo, que os únicos elementos de prova que permitiram fixar os factos relacionados com os crimes de homicídio, ofensa do respeito devido aos mortos e detenção de arma branca foram as declarações dos co-arguidos revéis prestadas no Centro de Detenção de Chong San, R.P.C.;
5ª. O Ac. recorrido incorreu em erro de apreciação da prova ao fundamentar a condenação do recorrente pelos crimes de homicídio, de detenção de arma branca e de ofensa ao respeito devido aos mortos naquelas declarações, marcadas por contradições e incongruências em si mesmas e entre si, e sempre manifestamente insuficientes à prova da participação do recorrente em tais crimes, sendo que tais contradições e incongruências podem ser sindicadas a partir dos elementos de prova carreados para os autos no inquérito e insusceptíveis de ser contrariadas por quaisquer outras provas produzidas em julgamento;
6ª. O recorrente tinha 17 anos à data dos factos e, se é certo que tal menoridade não importa de modo automático o funcionamento do instituto da atenuação especial das penas, era um facto que deveria e deve ser tomado em consideração, como atenuante geral, ao nível da dosimetria da pena, resultando da comparação das penas parcelares e da pena global aplicadas aos restantes arguidos revéis com as que foram aplicadas ao recorrente que as instâncias não ponderaram a idade do recorrente no momento da fixação daquelas penas;
7ª. Tal facto justificava e justifica a fixação das penas parcelares em medida situada no limite (ou próximo do limite) mínimo dos respectivos escalões no que concerne aos crimes a que correspondem escalões penais com um limite máximo superior a oito anos;
8ª. As penas aplicadas ao recorrente mostram-se desproporcionadas face à sua idade, à data dos factos, medindo-se a excessiva severidade delas do facto de, a serem mantidas, imporem ao recorrente que passe na prisão mais tempo do que aquele que tem de vida, violentando-se qualquer perspectiva de reinserção social do recorrente;
O Ac. recorrido violou os art. 338º., nº.1, 112º. e 116º., nº.1 do Código de Processo Penal e o art. 65º., nº.1, do Código Penal, assim como os princípios processuais da legalidade das provas, do contraditório, in dubio pro reo, da presunção de inocência e da proporcionalidade das penas.
Termina por pedir que seja:
     a) Reconhecida e declarada a nulidade insanável supra identificada, com todas as suas legais consequências, serem anulados os Acórdãos das Instâncias; ou
     b) Reconhecida e declarada a nulidade insanável supra identificada, com todas as suas legais consequências, ser o recorrente absolvido dos crimes de homicídio, detenção de arma branca e de ofensa ao respeito devido aos mortos e condenado tão-só por crimes de rapto e de violação de domícilio em pena não superior a 5 anos e 6 meses de prisão; ou
     c) Absolvido de qualquer modo dos dois primeiros crimes mencionados na anterior e condenado pelos restantes em pena não superior a 6 anos de prisão; ou
     d) Alteradas as penas parcelares dos crimes de homicídio e de rapto e condenado a pena não superior a 16 anos de prisão.

O Digno Magistrado do Ministério Público concluiu da seguinte forma a sua resposta à motivação do recorrente:
1. No presente recurso, ao Tribunal de Última Instância é vedado conhecer de matéria de facto e só se pode ter em conta os factos dados como provados no acórdão ora recorrido, em contrário ao entendimento do recorrente, uma vez que se aplica no presente caso o nº 2 do artº 47º da Lei 9/1999.
2. Como consta da acta de audiência de julgamento de fls. 1273v dos autos, a leitura das declarações prestadas pelos arguidos revéis detidos na R.P.C. perante os agentes da PJ foi requerida pelo defensor oficioso dos mesmos em conformidade com o disposto do nº 1 al. a) do citado artº 338º.
3. Dada a especial situação geográfica, espaço físico e figurino social de Macau e face à necessidade de se manter no sistema de Macau a situação de julgamento à revelia, não achamos que, para a leitura das declarações do arguido anteriormente prestadas, o legislador de Macau pretendeu ser tão exigente que admite apenas a autorização pessoal do arguido, e não também o seu defensor no caso de revelia, e muito menos só quando ele estiver presente no julgamento e também prestar declarações.
4. Decorre do artº 337º nº 7, ex vi artº 338º nº2, ambos do CPP que a proibição de inquirição como testemunhas de agentes policiais é restrita ao conteúdo das declarações que os mesmos tenham recebido, o que não afasta, evidentemente, a possibilidade de eles serem ouvidos como testemunha sobre outra matéria.
5. Mesmo admitindo a hipótese de a inquirição das testemunhas K e L vir incidir sobre o conteúdo das declarações tomadas, a lei não a comina com nulidade nem anulabilidade (pelo que apenas se pode considerar, no máximo, como irregularidade), certo é que ninguém, e em algum momento, fez a sua arguição quer na audiência quer no prazo legal fixado no artº 110º nº 1 do CPPM, o que vale por aceitar a sua inquirição sobre o conteúdo das declarações.
6. E os depoimentos das referidas testemunhas são admitidos com meio de prova nos termos do artº 116º nº 1 do CPPM.
7. Cabe ao tribunal, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, valorizá-los, conjuntamente com os outros elementos de prova constantes do autos, formando a sua convicção.
8. O princípio do contaditório foi, quanto muito possível, assegurado pelo tribunal. As declarações dos arguidos revéis foram lidas legalmente e podiam ser sempre impugnadas e contraditadas pelo ora recorrente e por quaisquer outras provas, no sentido de serem abaladas. Ou seja está sempre assegurada a possibilidade de impugnar e abalar, em audiência, a credibilidade das declarações.
9. O tribunal andou muito bem em manter a pena de 25 anos e 9 meses de prisão fixada pelo tribunal de 1ª instância, que encontrou adequadamente quer as penas parcelares quer a pena única resultante do cúmulo jurídico e aplicou correctamente o direito, já que a idade invocada pelo recorrente não é o único factor que deve ser considerada para a fixação da pena e muito menos atenua necessariamente a pena, sendo certo que o tribunal tem que levar em conta os tipos dos crimes que estão em causa, a gravidade dos factos, o elevado grau do dolo, o modo de execução e todas as circunstâncias que interessam.

Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público deu por reproduzida a resposta à motivação.
Foram colhidos os vistos legais.

2. Os factos que as instâncias deram como provados são os seguintes:
- Os arguidos, à excepção dos arguidos A, C, D, B, C e J, reuniram, em Junho de 1998, num apartamento que o arguido F tomara de arrendamento, sito à [Endereço(1)], a fim de combinarem o modo como iriam raptar um indivíduo para, exigindo de familiares deste um resgate, alcançarem proventos económicos.
- E nessa reunião discutiu-se a divisão de tarefas, tendo-se combinado que os arguidos I, G e H é que iriam trazer a vítima e que os arguidos E, B e J esperariam junto ao edifício onde se situava o apartamento em que se alojava a vítima.
  - Pelo arguido E foi entregue ao arguido H uma arma de fogo, cujas características se desconhecem visto não ter sido descoberta.
- No dia 23 de Junho de 1998, cerca das 6 horas, os arguidos I, G, H, E, B e J dirigiram-se, fazendo-se transportar em dois veículos automóveis, até ao [Endereço(2)].
- Os arguidos E, B e J ficaram num dos veículos automóveis em que se transportaram junto do dito edifício, enquanto os arguidos I, G e H subiram até ao Xº andar do mesmo.
- Aí, o arguido I abriu a caixa do contador da luz do apartamento Xº H (sector XX) e por modo não apurado fez cessar a energia eléctrica que alimentava o referido apartamento.
- M, id. a fls. 852, que se encontrava no aludido apartamento, ao verificar a falta de luz veio ao exterior a fim de reparar, eventual, rebentamento de fusíveis ocorrido no contador.
- Nesse momento o arguido I ordenou aos arguidos G o H que agarrassem M.
- Este fugiu para o interior do apartamento, mas os arguidos I, G e H impediram-no que fechasse a porta e entraram no apartamento.
- O arguido H apontou na direcção de M a arma de fogo que trazia consigo e o arguido I, após breve discussão, deu vários murros e pontapés no corpo do dito M.
- Após, os arguidos I, G e H agarraram e levaram à força M até ao local onde se encontravam os arguidos E, B e J e os veículos automóveis.
- Num destes automóveis M foi transportado até um apartamento sito no [Endereço(3)].
- Neste apartamento, os arguidos I, G, H, E, B e J vendaram os olhos e manietaram com um cordel as mãos de M e encaminharam-no para um quarto.
- Aí o arguido E obrigou a vítima a revelar números de telefones de familiares.
- M forneceu aos arguidos os números de telefone e de telemóvel atribuídos ao seu tio N, id. a fls. 88.
- No dia 23. 06. 98, pelas 15. 36 horas, os arguidos acima referidos telefonaram para o número XXXXXX e exigiram a quem os atendeu uma quantia de um milhão de patacas para entregarem M, alertando que nada deveriam comunicar às autoridades policiais.
- No mesmo dia, pelas 18. 15 horas, os mesmos arguidos telefonaram para o dito número de telefone e disseram que a quantia pedida deveria ser levada até ao restaurante, sito na Avª Horta e Costa, próximo do Mercado Vermelho.
- Ainda no dia 23. 06.98, pelas 18.28 horas, os mesmos arguidos telefonaram para o número de telemóvel XXXXXXX e perguntaram à pessoa que os atendeu que dinheiro poderiam entregar e, concordando com o montante de “duzentas e tal mil patacas”, exigiram que o mesmo fosse entregue no restaurante.
- No dia 23. 06.98, pelas 18. 39 horas, os mesmos arguidos telefonaram, de novo, para o telemóvel número XXXXXXX e avisaram que o dinheiro deveria ser introduzido num envelope e este deveria ser colocado no tejadilho de uma viatura automóvel de cor encarnada que estaria estacionada junto ao edifício Van Sen San Chun.
- Os familiares da vítima não descobriram o dito edifício e, por isso, não cumpriram o exigido pelos arguidos.
- Pelas 23. 20 horas, do dia 23. 06.98, os arguidos telefonaram, de novo, para o número de telemóvel XXXXXXX e informaram que indicaram o nome de um prédio inexistente com o intuito de saberem se as autoridades policiais estavam informadas e se estariam a vigiar algum local.
- E, perante o pedido dos familiares para baixarem o montante exigido, os arguidos disseram que não diminuíam nada e que se a quantia não fosse rapidamente apresentada “arremessariam duas granadas … e liquidariam as pessoas da sua família”.
- No dia 24.06.98, pelas 00. 30 horas, os arguidos telefonaram para o número de telefone XXXXXX, exigindo a entrega do dinheiro e informando que duzentas mil patacas não era quantia aceitável e que se quisessem ouvir a voz da vítima deveriam fazer por isso.
- No dia 24. 06. 98, pelas 10.50 horas, os mesmos arguidos telefonaram para o número de telefone XXXXXX e exigiram aos familiares de M para levaram o dinheiro até às Portas do Cerco.
- A partir do dia 27/6/98 o arguido B afastou-se e não mais compareceu junto dos restantes arguidos que planearam e procederam ao rapto do referido indivíduo.
- No dia 28. 06. 98, pelas 16. 35 horas, os mesmos arguidos, à excepção do B, telefonaram para o telemóvel número XXXXXXX de N e exigiram que este levasse trezentas mil patacas até à sua loja de venda de sopa de fitas, denominada Mei Sek, sita na Avª Horta e Costa.
- O dito N assim fez e cerca das 17 horas desse mesmo dia recebeu ou seu telemóvel número XXXXXXX nova chamada feita pelos mesmos arguidos.
- Estes perguntaram-lhe se já tinha a quantia e N pediu-lhes para falar primeiro com o seu sobrinho M.
- O telefone desligou-se, cerca das 17. 20 horas desse mesmo dia, no entanto, os mesmos arguidos voltaram a telefonar, mas agora para o telefone com o número XXXXXX instalado na dita loja de venda de sopa de fitas, denominada Mei Sek, sita na AVª Horta e Costa.
- Nessa altura os mesmos arguidos passaram o telefone ao M que disse duas vezes “tio salva-me”.
- Cerca das 19. 50 horas, do dia 28. 06. 98, os mesmos arguidos exigiram a N que introduzisse trezentas mil patacas num envelope e que colocasse tudo em cima do tejadilho de um veículo automóvel de cor encarnada que estava estacionado num parque que fica em frente da referida loja de venda de sopa de fitas, denominada Mei Sek, sita na AVª Horta e Costa.
- N assim fez.
- Por volta das 20. 15 horas, de 28. 06. 98, N recebeu nova chamada telefónica dos mesmos arguidos em que diziam que o mesmo havia denunciado os factos às autoridades policiais.
- Enquanto N mantinha esta conversa, o arguido A, conduzindo um veículo de marca Honda, modelo Acura, de matrícula MG-XX-XX, e transportando no mesmo os arguidos B, D e C e ainda T, todos vindos de uma pescaria, parou o dito automóvel junto do veículo de cor vermelha que tinha sobre o tejadilho um envelope castanho com o dinheiro, depois de ali ter passado momento antes, numa primeira volta, e de o B ter observado que o referido envelope ali se encontrava.
- Nesse momento o arguido C saiu do veículo automóvel de matrícula MG-XX-XX e foi buscar o envelope a pedido do B, que durante uma conversa telefónica com o E se apercebera que o dinheiro do resgate iria ser entregue naquele local e àquela hora, facto de que não deu conhecimento aos restantes acompanhantes.
- O C entrou do novo no veículo e este reiniciou a marcha, desaparecendo do local onde se imobilizara.
- Depois de C ter ido buscar o envelope contendo MOP 300.000,00 e o quatro primeiros arguidos dividiram entre si tal quantia. Previamente, o 2º arguido retirou para si MOP 100.000,00 e o restante foi dividido em partes iguais, tendo assim o 1º, 3º e 4º ficado com MOP 50.000,00, cada um e o 2º com MOP 150.000,00.
- Enquanto decorria o acto de apropriação do envelope, N mantinha a conversa com os restantes arguidos ao telefone e informava estes que alguém tinha acabado de retirar o dinheiro.
- Cerca de sete dias depois de M ter sido levado para o dito apartamento e aí ter sido privado da sua liberdade ambulatória, dado ter sido impedido de sair e ter sido constantemente vigiado pelos arguidos I, G, H, E e J, foi decidido pôr termo à vida daquele, decisão que foi tomada depois dos mesmos arguidos, designadamente o arguido E, terem verificado que M fixou as suas caras e que poderia vir a denunciá-los às autoridades policiais.
- Em dia não determinado, mas situado no dia ou num dos dias próximos, mas após, 29/30 de Junho de 1998, os arguidos E, G, H, I, e F dirigiram-se ao quarto onde se encontrava, sentado na cama, M.
- Amordaçaram-lhe a boca com uma toalha e colocaram-lhe à volta do pescoço um cordel que haviam retirado de uma cortina, no qual fizeram um laço no meio.
- Nas extremidades desse cordel pagaram, de um lado, dois dos arguidos referidos e, do outro lado, três dos arguidos aludidos supra.
- Estes dois grupos de arguidos puxaram ao mesmo tempo o cordel de forma a apertarem ao máximo o pescoço e a garganta de M, provocando o estrangulamento deste.
- Enquanto esta acção decorria o arguido E desfechou na cabeça de M vários golpes com uma tábua de cozinha.
- Quando M ficou inanimado e a sangrar do nariz os arguidos E, G, H, I e F pararam e verificaram que o mesmo já não tinha sinais de vida.
- Com a descrita conduta os supra referidos arguidos provocaram de forma directa, necessária e exclusiva a morte de M.
- Após terem tirado a vida a M, os arguidos E, G, H, I e F decidiram encobrir o acto praticado, escondendo o cadáver.
- Para o efeito, pensaram que a melhor forma de o conseguirem era separar em várias partes o cadáver e colocar estas em diversos sacos de plástico e lançar tudo em contentores do lixo.
- Um vez que sabiam que o lixo depositado nos contentores era levado para uma incineradora.
- Os arguidos E e F foram comprar um cutelo com o comprimento total de 47 cm, sendo 31 cm de lâmina, um serrote com uma lâmina com cerca de 50 cm de comprimento e uma serra para metais com uma lâmina com 23,5 cm de comprimento, tudo examinado a fls. 800, e vários sacos de plástico de cor preta.
- Assim, no dia em que tiraram a vida a M, os mesmos arguidos, depois de terem retirado a roupa do cadáver, levaram este, entre as 23 e 24 horas, para a casa de banho do apartamento e utilizando o cutelo, a serra para metais e o serrote referidos cortaram o corpo em nove partes, correspondendo uma à cabeça, outra ao tórax, outra ao abdómen, duas aos membros superiores, duas aos membros inferiores das virilhas até aos joelhos e duas aos membros inferiores dos joelhos até aos pés.
- Colocaram essas partes do cadáver em quatro sacos de plástico de cor preta e depositaram os ditos sacos em três contentores de lixo que se encontravam a cerca de 50 metros da porta principal do edifício onde foi morto e esquartejado M.
- Depois, limparam a casa de banho e lançaram no colector geral do lixo do prédio o material que utilizaram no limpeza para não deixarem quaisquer vestígios, designadamente de sangue.
- O cutelo, a serra para metais e o serrote utilizados para esquartejar o cadáver de M e o cordel com que manietaram as mãos da vítima foram encontrados no local onde esta esteve privada da liberdade, foi morta e desmembrada, ou seja, no [Endereço(3)].
- Nesse mesmo apartamento foram encontradas manchas de sangue nas paredes, numa porta, num degrau, em dois sofás e no chão que, segundo o exame laboratorial de fls. 809 a 818 são da vítima M.
- Os arguidos detinham uma pulseira formada por várias bolas de metal amarelo (ouro), no valor de 1.870 (mil oitocentos e setenta) patacas, examinada a fls. 889; um telemóvel de marca Motorola, modelo Startac, com o nº de série S8136ABX, com duas baterias, dois carregadores e respectivos acessórios, tudo no valor de 1.800 (mil e oitocentas) patacas, examinados a fls. 887; uma pulseira e uma corrente de metal amarelo (ouro), no valor de 6.700 (seis e setecentas) patacas, examinados a fls. 889; um telemóvel de marca Motorola, modelo Startac, com o nº de série S7042888, com bateria e suporte de plástico, no valor de 1.500 (mil e quinhentas) patacas, examinados a fls. 887; uma corrente, em ouro, avaliada em 3.386 (três mil trezentas e oitenta e seis) patacas, examinados a fls. 889; um telemóvel de marca Nokia, modelo 6110, com o nº de série NSE-3NX, com bateria, no valor de 2.000 (duas mil) patacas, examinados a fls. 887 e ainda um veículo automóvel de marca Subaru, modelo Vivio, de matrícula MF-XX-XX, apreendido a fls. 145 e examinado e avaliado a fls. 237.
- Todos estes objectos foram conseguidos pelos arguidos através do dinheiro do resgate.
- Os referidos arguidos, bem como outros indivíduos não identificados, assim concertados entre si, decidiram, voluntariamente, levar à prática, o que fizeram, a factualidade referida, tendo distribuído as diversas tarefas para o efeito, por forma a todos quererem, aceitarem e determinarem reciprocamente as actuações de cada um.
- Na verdade, os referidos arguidos actuaram articuladamente entre si, representando, querendo e aceitando os crimes levados à prática por cada um deles, conformando-se claramente com essas realizações.
- Os arguidos referidos ao apertarem, da forma referida, o cordel à volta do pescoço de M e ao vibrarem-lhe na cabeça pancadas com uma tábua, actuaram com o propósito – concretizado – de lhe tirarem a vida.
- Os arguidos referidos, ao subtraírem M da sua esfera normal de vida, agiram com o intuito – concretizado – de o privarem da sua liberdade ambulatória e de, com isso, obterem dos familiares deste uma quantia em dinheiro por eles fixada.
- Os arguidos referidos ao esquartejarem o cadáver de M e ao levarem partes deste em sacos de plástico para dentro de contentores para esconderem a prática de um crime contra a vida, bem sabendo que não estavam autorizados para tal.
- Os arguidos referidos ao entrarem do modo descrito, isto é, à noite, usando três arguidos a força física para impedirem a vítima de lhes fechar a porta da casa, fizeram-no com o fito – concretizado – de lesarem o interesse da tranquilidade e segurança da vida íntima de M e de colocarem em crise o direito à inviolabilidade da habitação.
- Os arguidos referidos adquiriram o cutelo, a serra para metais e o serrote mencionados com o fim de os utilizarem e usarem ou poderem usar como armas de agressão ou de defesa ou para outros fins ilícitos.
- Sabiam não lhes ser permitida a detenção e uso de tais objectos com esse objectivo.
- Os quatro primeiros arguidos, ao apropriarem – se do dinheiro nas condições descritas, agiram de tal modo, deliberada, livre e conscientemente, pretendendo apropriar-se em conjugação de esforços do referido dinheiro que lhes não pertencia e contra a vontade do respectivo dono, fazendo-o coisa sua.
- Os arguidos agiram de forma voluntária e consciente.
- Bem sabendo serem proibidas porque punidas por lei as suas condutas.
- O 1º arguido ajudava o pai em negócios de decorações e é de razoável situação económica, possuindo um carro novo.
- O 2º arguido confessou já na pendência do processo e em fase do julgamento a sua participação no referido rapto, sendo, anteriormente, cozinheiro.
- O 3º arguido vivia com os pais e chegou a trabalhar numa farmácia do pai.
- O 4º era estudante, sendo irmão do 2º arguido.
- Por sentença de 14/09/98, foi o 6º arguido F, condenado por um crime p. e p. pelo art. 202º, nº1 do CP, e um crime p. e p. pelo art. 67º, nº 3 do Código da Estrada, na pena de quatro meses de prisão e na pena de multa de três mil patacas, em alternativa com vinte dias de prisão.
- A execução da pena de prisão foi suspensa pelo período de dois anos.
- Nada consta em desabono dos CRC`s dos restantes arguidos4.

Factos não provados, segundo as instâncias:
- Não se provaram os factos relativos à organização dos arguidos em alguma associação criminosa ou sociedade secreta ou que de alguma forma tenham agido em seu nome.
- Como não se provou que o 1º, 3º e 4º arguidos tivessem de alguma forma participado nas acções de planeamento e efectivação do rapto e posterior homicídio da vítima ou nos factos concernentes à entrada no domicílio da vítima, esquartejamento do cadáver e seu lançamento no caixote do lixo ou que tivessem detido os objectos/armas nas condições que vinham descritas na acusação.
- Não se provou que o 2º arguido tenha de algum modo participado no homicídio da vítima ou de alguma forma tenha participado nos factos concernentes ao esquartejamento do cadáver e seu lançamento no caixote do lixo ou que tivesse detido os objectos/serra, serrote e cutelo nas condições que vinham descritas na acusação.
- Não se provaram quaisquer outros factos da acusação e que não sejam conformes ao que acima vem descrito como factos provados, nomeadamente que entre a data de 24. 06. 98 e 28. 06. 98 os arguidos referidos decidiram que quem iria buscar o dinheiro do resgate seriam os arguidos A, B, D e C.

Poder de cognição do Tribunal em recurso, em processo penal, correspondente a terceiro grau de jurisdição.

3. Este Tribunal de Última Instância apenas conhece de matéria de direito (n.º 2, do art. 47.º, da Lei n.º 9/1999, de 20 de Dezembro).
Entende-se que conhece, igualmente, dos vícios mencionados no n.º 2, do art. 400.º do Código de Processo Penal (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova), bem como de nulidade insanável, nos termos do n.º 3, do mesmo art. 400.º 5. Contudo, como o Tribunal conhece apenas de matéria de direito, nunca procede a renovação da prova, mesmo na hipótese prevista no art. 415.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, havendo antes lugar a reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art. 418.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Por outro lado, embora se trate de recurso apenas interposto pelo arguido I , pode aproveitar também ao arguido B na parte respeitante aos crimes de rapto e de violação de domicílio e aos arguidos E, F, G aliás G1, H, e J no que toca a todos os crimes pelos quais foram condenados, de acordo com o disposto no art. 392.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal6.
  
  Erro notório na apreciação da prova.
  Não conhecimento da questão suscitada.
  
4. Começando a apreciação das questões suscitadas pelo recorrente, importa esclarecer que o Tribunal não conhecerá da matéria sintetizada nas conclusões 4.ª e 5.ª da sua motivação e que o recorrente entende tratar-se de erro notório na apreciação da prova.
É que as questões suscitadas pelo recorrente não constituem qualquer erro notório na apreciação da prova.
Na verdade, tem-se considerado que só haverá erro notório na apreciação da prova quando um homem médio, posto perante a decisão, de imediato dá conta de que o tribunal decidiu contra o que ficou provado ou não provado, ou contra as regras da experiência ou contra as leges artis7.
Ora, a tese do recorrente é a de que:
- Nos factos ocorridos no apartamento do Bom Sucesso não teve qualquer intervenção nenhum dos arguidos que compareceram à audiência de discussão e julgamento;
- Tais arguidos nada poderiam esclarecer sobre aquilo que aconteceu no referido apartamento;
- Como toda a prova relacionada com o encarceramento e morte da vítima e o transporte do cadáver esquartejado foi obtida com base nas declarações dos arguidos revéis (E, F, G aliás G1 e H), já que as testemunhas P, Q e R apenas tinham conhecimento dos factos relacionados com o rapto da vítima, que as testemunhas N, S e T apenas tinham conhecimento dos factos relacionados com o pedido de resgate e a como a recolha do dinheiro colocado sobre o tejadilho de uma viatura e que as testemunhas K e L nada sabiam para além do que ouviram aos arguidos presos em Chong San;
- Foi apenas com base nas declarações dos quatro arguidos revéis que o Tribunal fixou os factos dados como provados;
- Ora, tais declarações não suficientes ao apuramento concreto de quais foram os arguidos que executaram a vítima e que o recorrente tomou, efectivamente, parte nessa execução.
Pois bem, da transcrição da argumentação do recorrente, ressalta logo que as questões suscitadas não integram o vício do erro notório na apreciação da prova, dado que, em virtude de as declarações das pessoas que depuseram na audiência não constarem do processo,8 nunca seria possível concluir que a intervenção do recorrente na morte da vítima não foi aquela que as instâncias deram como provada. Isto é, um homem médio, posto perante a decisão, não poderia dar conta (muito menos, de imediato) de que o tribunal decidiu contra o que ficou provado ou não provado, ou contra as regras da experiência ou contra as «leges artis».
Em conclusão, não se conhece do vício suscitado.

Leitura, em julgamento, de declarações anteriormente feitas pelo arguido. Requisitos.

5. O recorrente entende que as declarações dos arguidos revéis (E, F, G aliás G1 e H) prestadas no Centro de Detenção de Chong San, lidas em audiência, não o poderiam ter sido, pois que o seu defensor oficioso não poderia ter-se substituído a eles para autorizar tal leitura, como decorre do disposto na alínea a) do n.º 1, do art. 338.º do Código de Processo Penal.
Considera, ainda, o recorrente que são nulas aquelas leituras, sendo a nulidade insanável, nos termos dos arts. 109.º, n.º 1 e 106.º, alínea c) do Código de Processo Penal.
Do mesmo modo, considera que não era possível a inquirição dos funcionários da Polícia Judiciária de Macau, K e L, que tomaram tais declarações.
Vejamos.
Numa das sessões da audiência de julgamento, o Exmo Defensor dos arguidos julgados à revelia e atrás mencionados requereu a leitura das declarações que prestaram perante os agentes da Polícia Judiciária de Macau, K e L, no Centro de Detenção de Chong San, na RPC, o que foi admitido.
E seguidamente, a testemunha K depôs sobre as declarações que tomou aos mesmos arguidos. (fls. 1273 v. e 1274).
Dispõe a alínea a) do n.º 1, do art. 338.º do Código de Processo Penal que a leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido só é permitida «a sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas».
Não custa admitir que para os casos regra, em que o arguido está presente na audiência, a leitura de declarações por ele prestadas anteriormente, tenha de ser pedida pelo próprio, não sendo possível que seja o defensor a pedir, quando o arguido se oponha. Da mesma forma que a decisão sobre prestar ou não declarações na audiência é do próprio arguido e não do seu defensor (art. 324.º do Código de Processo Penal).
Mas naqueles casos em que o arguido não está presente, por ter requerido ou consentido que a audiência tivesse lugar na sua ausência e nos casos de julgamento à revelia (arts. 315.º a 317.º do Código de Processo Penal), «quid juris»?
Estará o defensor impedido de requerer a leitura das declarações prestadas perante o arguido, quando ele o não possa fazer, por não estar presente?
Afigura-se-nos que o defensor poderá fazer tal requerimento.
Isto porque no julgamento à revelia o arguido é representado, para todos os efeitos possíveis, pelo defensor (art. 317.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
É ao defensor que cabe avaliar dos interesses do arguido, sobretudo porque este não está presente. Não seria razoável negar a possibilidade, nestes casos, de o defensor pedir a leitura de declarações anteriores do arguido, quando este não o pudesse fazer.
Parece-nos, pois, que a lei diz mais do que quer dizer, quando faz depender sempre de solicitação do próprio arguido a permissão de leitura de declarações anteriores.
Há, assim, necessidade de interpretar restritivamente a alínea a) do n.º 1, do art. 338.º do Código de Processo Penal aos casos em que o arguido está presente, permitindo que o defensor tome a atitude processual referida na norma, quando o arguido não esteja presente na audiência.
Improcede, desta forma, a questão atinente à nulidade da leitura das declarações dos arguidos, bem como à nulidade das declarações dos funcionários da Polícia Judiciária, neste caso atento o disposto no n.º 7, do art. 337.º do Código de Processo Penal.

A medida das penas.

6. Por fim, coloca o recorrente a questão da medida da pena que lhe foi aplicada, pois que:
Tinha 17 anos à data dos factos e, se é certo que tal menoridade não importa de modo automático o funcionamento do instituto da atenuação especial das penas, era um facto que deveria e deve ser tomado em consideração, como atenuante geral, ao nível da dosimetria da pena, resultando da comparação das penas parcelares e da pena global aplicadas aos restantes arguidos revéis com as que foram aplicadas ao recorrente que as instâncias não ponderaram a idade do recorrente no momento da fixação daquelas penas.
Tal facto justificava e justifica a fixação das penas parcelares em medida situada no limite (ou próximo do limite) mínimo dos respectivos escalões no que concerne aos crimes a que correspondem escalões penais com um limite máximo superior a oito anos;
As penas aplicadas ao recorrente mostram-se desproporcionadas face à sua idade, à data dos factos, medindo-se a excessiva severidade delas do facto de, a serem mantidas, imporem ao recorrente que passe na prisão mais tempo do que aquele que tem de vida, violentando-se qualquer perspectiva de reinserção social do recorrente.
Também nesta parte não se dá razão ao recorrente.
Foi condenado por:
    - Um crime de rapto p. e p. pelos arts. 154.º, nos 1, alínea c)9 e 2 e 152.º, n.º 2, alínea a)) do Código Penal, na pena de nove (9) anos de prisão;
    - Um crime de violação de domicílio p. e p. pelo art. 184º, nos 1 e 3 do Código Penal, na pena de um (1) ano e três (3) meses de prisão;
    - Um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos arts. 129.º, nos 1 e 2, alíneas b), c) e g) e 128º, do Código Penal, na pena de dezanove (19) anos de prisão;
    - Um crime de ofensa ao respeito devido aos mortos p. e p. e p. pelo art. 283.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de um (1) ano de prisão;
    - Um crime de detenção de arma branca p. e p. art. 262.º, n.º 3 do Código Penal na pena de nove (9)meses de prisão.
Em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única e global de vinte e cinco (25) anos e nove (9) meses de prisão.
Em primeiro lugar, atentemos se as penas deveriam ter sido especialmente atenuadas.
De acordo com o disposto no n.º 1, do art. 66.º do Código Penal, «o tribunal atenua especialmente a pena, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena».
E acrescenta no n.º 2 do mesmo artigo que, «para efeitos do disposto no número anterior são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:».
E entre tais circunstâncias, enumera-se na alínea f):
«Ter o agente menos de 18 anos ao tempo do facto».
A jurisprudência do TRIBUNAL SUPERIOR DE JUSTIÇA sempre considerou que as circunstâncias previstas neste n.º 2, e designadamente a desta alínea f), não são de funcionamento automático10.
Como explica J. FIGUEIREDO DIAS11«a acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o autêntico pressuposto processual material da atenuação especial da pena».
E acrescenta o mesmo autor «A diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo12».
Ora, adiantando já o que se dirá adiante, os limites das molduras estabelecidas para os crimes praticados pelo recorrente são adequados à ilicitude dos factos e à culpa do arguido. Quer dizer, examinando a conduta do recorrente, não vislumbramos qualquer diminuição da sua culpa, comparando-a, por exemplo, com a dos arguidos que comparticiparam nos mesmos factos.
A gravidade dos factos, a brutalidade dos meios e a frieza de ânimo do recorrente e dos seus comparsas é tão esmagadora, que não seria adequada a atenuação especial das penas.

7. Ponderemos, agora, a dosimetria concreta das penas.
A moldura do crime de rapto p. e p. pelos arts. 154.º, nos 1, alínea c) e 2 e 152.º, n.º 2, alínea a)) do Código Penal é de 5 a 15 anos de prisão.
O recorrente foi condenado na pena de nove (9) anos de prisão.
A moldura do crime de violação de domicílio p. e p. pelo art. 184.º, nos 1 e 3 do Código Penal é de prisão até 3 anos ou pena de multa.
Foi condenado na pena de um (1) ano e três (3) meses de prisão.
A moldura do crime de homicídio qualificado p. e p. pelos arts. 129.º, nos 1 e 2, alíneas b), c) e g) e 128º, do Código Penal, é de 15 a 25 anos de prisão.
Foi condenado na pena de dezanove (19) anos de prisão.
A moldura do crime de ofensa ao respeito devido aos mortos p. e p. e p. pelo art. 283.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, é a de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
Foi condenado na pena de um (1) ano de prisão.
A moldura do crime de detenção de arma branca p. e p. art. 262.º, n.º 3 do Código Penal é de prisão até 2 anos.
Foi condenado na pena de nove (9)meses de prisão.
Ora, atendendo a que a determinação da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, nos termos do disposto no n.º 1, do art. 65.º do Código Penal.
Ponderando a extrema gravidade dos factos, o modo de execução, a intensidade do dolo, parece-nos que as penas concretas mostram-se equilibradas.
Não havendo quaisquer atenuantes na sua actuação, para além da consideração da sua presumível relativa imaturidade, em razão da idade, não se considera haver lugar à aplicação de penas mais leves, já que todas ficaram aquém do meio dos limites mínimos e máximos das molduras que cabiam aos tipos penais13.
Por outro lado, no cúmulo jurídico, o arguido poderia ter sido condenado numa pena entre 19 anos e 30 anos de prisão (art. 71.º, n.º 2, do Código Penal).
Foi condenado na pena única e global de vinte e cinco (25) anos e nove (9) meses de prisão.
Afigura-se-nos ajustada.
Em conclusão, é de manter o Acórdão recorrido.

Decisão.

8. Face ao expendido, negam provimento ao recurso, confirmando o Acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 7 UC.
Macau, 29.9.2000
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
                  Chu Kin
1 Tendo-os absolvido da prática de alguns crimes de que vinham acusados.
2 Em boa verdade, afigura-se-nos que o Acórdão do Tribunal Colectivo não condenou os referidos arguidos pelo crime do art. 154.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, mas pelo crime dos arts. 154.º, nos 1, alínea c) e 2 e 152.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal, como consta claramente da fundamentação jurídica, a p. 38 do Acórdão (fls. 1330) e da referência a p. 17 (fls. 1319), à alteração da qualificação jurídica da acusação. O que se passou foi que o Acórdão do Tribunal Colectivo cometeu lapsos materiais, na parte decisória, ao referir a incriminação do art. 154.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, a pedir uma mera rectificação de erro material., não havendo, pois, lugar a qualquer alteração de qualificação jurídica.

3 Mas também, seguramente, pela norma do art. 154.º, n.º 1, alínea c), já que a norma do n.º 2 do art. 154.º, por si só, sem referência ao n.º 1, não faz qualquer sentido.
4 Deveria querer dizer-se:«Nada consta dos CRCs em desabono dos restantes arguidos».
5 Ao contrário de que o recorrente sustenta, este Tribunal não conhece de matéria de facto e de direito, nos termos do n.º 1, do art. 47.º da Lei n.º 9/1999. A norma aplicável não é a do n.º 1, mas a do n.º 2 do art. 47.º, uma vez que o presente recurso não corresponde a segundo grau de jurisdição, tratando-se antes de terceiro grau de jurisdição. Logo, o seu conhecimento é apenas da matéria de direito, bem como das matérias referidas nos n.os 2 e 3 do art. 400.º do Código de Processo Penal.

6 No caso de o Tribunal determinar a repetição do julgamento, pois se outra for a solução de provimento, por exemplo relativa a questões pessoais do arguido (como a necessidade de atenuação especial da pena por ter apenas 17 anos de idade), já o recurso a ele apenas aproveita.
7 Acórdão do TRIBUNAL SUPERIOR DE JUSTIÇA, de 29.9.99, Processo n.º 1111, Jurisprudência, 1999, II Tomo, p. 591.
8 Não evidentemente aquilo que disseram no inquérito, mas o que declararam na audiência.
9 Cfr. a nota de pé de página n.º 2.
10 Cfr. o Acórdão de 11.6.98, Processo n.º 851, Jurisprudência, 1998, Tomo I, p. 485.
11 J. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, p. 306.
12 Autor , obra e local citados.
13 Com excepção da pena relativa ao crime p. e p. pelo art. 283.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, que ficou precisamente no meio da moldura penal.
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