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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso de Decisões Jurisdicionais em Matéria Administrativa, Fiscal e Aduaneira
N.N 10 / 2001

Recorrente: Secretário para a Segurança
Recorrido: A







1. Relatório
   A interpôs recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância impugnando o acto do Secretário para a Segurança de 11 de Outubro de 2000. Foi julgado procedente o recurso e anulado o acto recorrido.
   Vem agora o Secretário para a Segurança recorrer para este tribunal formulando as seguintes conclusões:
   “1. A douta decisão recorrida funda-se essencialmente na alegada inexistência, no processo instrutor, das “diligências” que fundamentam o acto administrativo impugnado.
   2. Tal afirmação é certamente devida a um lapso do Tribunal (que das ditas diligências não se apercebeu) pois que as mesmas foram realizadas e podem encontrar-se nos autos a fls.56 (“auto de diligências” redigido em língua chinesa) e fls.57 (auto de declarações do requerente).
   3. As referidas diligências são conclusivas e fundamentam cabalmente a decisão administrativa impugnada (indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência).
   4. O erro, do Tribunal de Segunda Instância, na apreciação da material de facto, condicionou manifestamente a decisão, a qual necessariamente seria diversa caso o mesmo Tribunal fosse ciente dos elementos (“diligências”) juntos aos autos, que cuidou inexistirem.
   5. Erro esse que acaba por se traduzir na deficiente apreciação da prova, designadamente conduzindo à violação do disposto no art.º 436.º do Código de Processo Civil.”
   O recorrente pede o provimento do recurso, anulando o acórdão recorrido.
   
   A Procuradora-Adjunta do Ministério Público emitiu o parecer que essencialmente consiste em:
   É de manifestar a total concordância com as judiciosas considerações do TSI quando entende que a renovação do Título de Residência Temporário só deve ser deferida se o requerente mantém com os seus familiares residentes de Macau “uma ligação efectiva de convivência, traduzida em contactos frequentes e, quiçá, recíproca dependência afectiva”.
   Efectivamente, está na base da concessão da residência ou renovação do TRP a ideia da união ou reunificação familiar.
   No nosso entendimento, deviam ter feito mais diligências para indagar a intenção do casal em voltar a viver juntos, uma vez que a esposa do requerente declarou à autoridade a mesma intenção.
   Sendo o casamento uma das fontes das relações jurídicas familiares mais importantes e estando na base da renovação do Título de Residência Temporário e de autorização da residência o fundamento da união familiar, não é irrelevante apurar tal intenção do casal de continuar a vida conjugal, isto é, de unir novamente, sobretudo quando tomamos em atenção a consequência, muito grave, para o requerente do indeferimento do seu pedido de renovação do Título de Residência Temporário – obrigação de retorno ao seu país de origem e separação “geográfica” da sua mulher.
   Basta imaginar-se a possibilidade de que, mesmo havendo a intenção de voltar a viver juntos e continuar a manter a relação conjugal, o casal é obrigado a separar-se.
   É ainda de acrescentar que a referida intenção de retomar a vida conjugal foi manifestada por duas vezes, sendo até junto aos autos a declaração assinada pelo casal, na qual declararam que em 1-10-2000 começaram a viver juntos (fls. 27).
   Em suma, uma vez que quer o requerente quer a sua mulher manifestaram a vontade de retomar a vida conjugal, e até já começaram a vida comum, devem ser feitas mais diligências para apurar se isto corresponde à verdade, sob pena de pôr em causa a unidade da família; a situação seria diferente se qualquer deles mostrasse desinteresse em continuar a viver juntos.
   E não se pode afirmar, com certeza, que se revela obviamente o mero intuito de renovação do Título de Residência Temporário, e não a intenção de (re)união familiar.
   O Tribunal de Segunda Instância não ignorou as diligências feitas pela polícia e entendeu que as mesmas não eram suficientes.
   Conclui que não parece que o Tribunal de Segunda Instância incorreu no erro na apreciação da matéria de facto e que deve ser negado provimento ao recurso interposto.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   1. Foram dados como assentes os seguintes factos pelo Tribunal de Segunda Instância:
   “O recorrente casou no dia 15 de Junho de 1991, na República das Filipinas, com B;
   Em 15 da Abril de 1994, o Secretário-Adjunto para a Segurança, autorizou-o a residir em Macau para se juntar à mulher;
   No dia 14 de Junho de 2000 requereu a renovação do seu Título de Residência Temporário;
   O Senhor Secretário para a Segurança proferiu, em 11 de Outubro de 2000, e sobre esse requerimento, o despacho recorrido, do seguinte teor:
   “1. Ao cidadão Filipino foi autorizada, por despacho do Exm.º Ex-Secretário Adjunto para a Segurança de 15/04/94, a Fixação de Residência no Território, a fim de juntar a sua esposa, residente do Território.
   2. Tendo apresentado um Certificado de casamento actualizado para constituir o presente pedido da renovação do seu Título de Residência Temporário.
   3. Na fase da apreciação do pedido, tinha este Serviço recebido uma carta subscrita pela sua esposa, solicitando a suspensão da renovação do Título de Residência Temporário do seu marido, por não terem vivido juntamente como casal há 3 anos.
   4. Apesar de a sua esposa ter solicitado posteriormente o cancelamento do seu pedido atrás referido, das diligências efectuadas pelo pessoal da Secção da Investigação e conforme as declarações prestadas pelo requerente, apurou-se que os mesmos não têm vivido juntamente há meses e que o mesmo não sabia a actual residência da mesma.
   5. Face ao exposto e atendendo o resultado das diligências atrás referido, considerando que não se mantém a relação conjugal que o casamento é suporto titular, e que constitui o pressuposto da autorização de Fixação de Residência, pelo que indefiro o presente pedido.”
   O recorrente esteve separado de facto do seu cônjuge;
   Ambos afirmam ter reatado a vida em comum em 1 de Outubro de 2000.”
   
   
   2. O recorrido A era titular do Título de Residência Temporário emitido em 15 de Junho de 1994. A sua fixação de residência foi concedida com o objectivo de permitir a junção do recorrido em Macau à sua esposa. O título foi sucessivamente renovado e validado até 14 de Junho de 2000.
   O recorrido pediu novamente a renovação do seu título através do requerimento de 14 de Junho de 2000, sobre o qual recaíu o despacho do Secretário para a Segurança, ora recorrente, datado de 11 de Outubro de 2000, no sentido de indeferimento do seu requerimento por considerar que não se mantinha a relação conjugal que o casamento é suposto titular, pressuposto da autorização de fixação de residência.
   De facto, os laços familiares existentes com residentes em Macau constituem um dos aspectos a ser ponderados pelas autoridades competentes na concessão e renovação da autorização da fixação de residência (art.°s 20.°, al. d) e 24.° do Decreto-Lei n.° 55/95/M).
   No recurso contencioso, o recorrente A pediu a anulação do acto imputando a falta de fundamentação. O Tribunal de Segunda Instância concluiu que devia qualificar o vício como violação de lei. Entende ainda que é de manter a jurisprudência daquele tribunal de que a expressão “laços familiares” constante da al. d) do art.° 20.° acima citado implica uma situação de facto com convivência efectiva.
   Analisado o acto impugnado, o tribunal recorrido considera:
   “O despacho recorrido decidiu pela prova da ruptura da coabitação há mais de três anos.
   Mas (não?) resulta do processo instrutor quais as provas em que fundou essa convicção, limitando-se a invocar ‘diligências efectuadas,’ sem as especificar, apenas se encontrando as declarações de ambos os cônjuges, aliás contraditórias, (cfr. ainda fl° 57 do instrutor).
   Tal não é suficiente.
   ...
   Mas sem poder ter acesso às provas recolhidas fica-se sem possibilidade de analisar o percurso decisório.”
   Assim, o acórdão recorrido considera que não houve provas suficientes, por não terem sido especificadas no acto, para comprovar a ruptura da coabitação há mais de três anos.
   Seguidamente, no sentido de reforçar esta posição, entende-se ainda:
   “Poder-se-ia contrapor que o ‘ónus probandi’ do vício – erro sobre os pressupostos de facto – cumpre ao recorrente.
   Certo que assim é salvo, se beneficiar de alguma presunção.
   E é de presumir judicialmente – por haver alto grau de probabilidade – a coabitação na constância do casamento.
   Assim tal obrigava a entidade recorrida à contra-prova ... que não resulta ter ocorrido face aos elementos do processo.”
   Deste modo, no entendimento do acórdão recorrido, por não haver provas suficientes para comprovar a ruptura da coabitação dos cônjuges, mais ainda ter a seu favor a presunção judicial da coabitação na constância do casamento que a autoridade recorrida não logrou provar o contrário, julgaram-se a verificação do vício e a anulação do acto recorrido.
   
   Por seu lado, a autoridade administrativa, ora recorrente, fundamenta o seu recurso contra o acórdão do Tribunal de Segunda Instância no erro, por parte deste, na apreciação da matéria de facto alegando que a afirmada inexistência das diligências no processo instrutor que fundamentam o acto administrativo impugnado resulta do lapso daquele tribunal de se não aperceber das diligências realizadas e documentadas a fls. 56 (redigido em chinês e agora traduzido para português a fls. 78 do processo principal) e 57 do processo instrutor apensado.
   
   Toda esta discussão pressupõe que estava por provar a falta de coabitação entre o ora recorrido e a sua esposa na constância do casamento e no acórdão recorrido conclui que os cônjuges estavam a viver juntos com base na presunção judicial da coabitação na constância do casamento.
   No entanto, esta conclusão está em manifesta contradição com um dos factos constantes da matéria de facto assente do acórdão recorrido: “O recorrente A esteve separado de facto do seu cônjuge.”, que corresponde a uma afirmação feita pelo ora recorrido no art.° 2 da sua petição do recurso contencioso, corroborado por documento junto com a petição e subscrito por ambos os cônjuges (fls. 6 e 7), nessa parte não impugnado pela entidade administrativa ora recorrente .
   O outro facto assente, “ambos afirmam ter reatado a vida em comum em 1 de Outubro de 2000”, em nada ajuda a esclarecer a dúvida uma vez que o que está provado é os cônjuges terem proferido a afirmação, realidade fáctica diferente do facto revelado na declaração. É de notar que o conteúdo desta declaração corresponde ao art.° 3 da petição do recurso contencioso apresentado pelo ora recorrido e ao teor do documento subscrito pelos ambos os cônjuges acima referido que tem a data nele aposta de 2 de Dezembro de 2000, quase dois meses depois da prática do acto impugnado.
   Da restante matéria de facto provada não resulta o limite temporal da separação do recorrido com a sua esposa nem o reatamento da vida em comum de ambos.
   
   Portanto, o acórdão recorrido anulou o acto impugnado com base na falta da prova da ruptura da coabitação há mais de três anos e em não se mostrar ilidida a presunção da coabitação na constância do casamento.
   Ao passo que, na fundamentação, o tribunal recorrido deu claramente como provado de que o recorrente A esteve separado de facto do seu cônjuge, o que contradiz frontalmente a asserção do acórdão recorrido sobre a relevância da presunção da coabitação do recorrido e o seu cônjuge, ambos ainda unidos pelo casamento.
   Existe assim contradição na decisão de facto que inviabiliza a decisão de direito, visto que o tribunal de recurso fica sem saber qual o fundamento de facto que justifica a decisão constante do acórdão recorrido e impossibilitado, portanto, de aplicar o direito, o que importa a baixa do processo para novo julgamento no tribunal recorrido (art.° 650.° do Código de Processo Civil ex vi art.° 1.° do Código de Processo Administrativo Contencioso).
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em determinar a baixa do processo para o Tribunal de Segunda Instância a fim de proceder ao novo julgamento da causa pelos mesmos juízes.
   Sem custas.

   
   Aos 19 de Dezembro de 2001.



    Juízes : Chu Kin (relator)
    Viriato Manuel Pinheiro de Lima
                 Sam Hou Fai
              

Recurso n.° 10 / 2001 10